Como fazer?

O Globo 27.07.2013
Anunciado em dezembro de 2011 por Dilma, programa de combate ao crack anda em ritmo lento.
Governo só contratou 6,8% das vagas previstas para comunidades terapêuticas em programa
Alessandra Duarte


RIO - Anunciado em dezembro de 2011 pela presidente Dilma Rousseff, o programa “Crack, É Possível Vencer” contratou até agora 6,8% das dez mil vagas para dependentes químicos que o Ministério da Justiça financiará em comunidades terapêuticas por meio dele. Apenas em junho — um ano e meio depois do lançamento — o governo assinou os contratos com as primeiras dez comunidades terapêuticas selecionadas por um edital que foi lançado em novembro de 2012 pelo ministério. Agora, o último balanço do ministério indica que, até sexta-feira, 30 comunidades foram contratadas, recebendo recursos para um total de 683 vagas de acolhimento. Até junho, o investimento do governo federal em todas as ações do programa Crack, É Possível Vencer foi de R$ 1,5 bilhão, menos da metade dos R$ 4 bilhões previstos para ele até 2014.
Para esse primeiro edital, 477 comunidades se cadastraram; dessas, 42 foram habilitadas e, desse total, 30 foram contratadas até agora. O governo paga às comunidades R$ 1 mil por vaga, por mês, para um convênio de um ano. Em abril último, o então secretário interino da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), Mauro Roni da Costa, chegou a afirmar ao GLOBO que seria “questão de honra” que todos os projetos de comunidades cadastradas para receber os recursos federais fossem analisados até junho. Agora, o novo secretário, Vitore Maximiano, disse em junho ao GLOBO que a conclusão dessa análise deve ocorrer até o fim de agosto. Até lá, segundo a Senad, devem estar contratadas 270 comunidades (incluídas aí as 30 já contratadas), para um total de 6.800 vagas — ou seja, o governo terá de correr para, em um mês, analisar, habilitar e contratar mais 240 comunidades.
— Está um pouco atrasado (o processo de análise das comunidades). Mas um pequeno atraso, nesse processo inicial, está dentro da normalidade — disse Maximiano ao GLOBO.
De acordo com a Senad, um segundo edital deve sair dia 6 de agosto. O Ministério da Justiça também está realizando um mapeamento das comunidades no país: até junho, 1.830 já tinham sido cadastradas. O governo também prepara um levantamento sobre usuários de crack no país.
Além do atraso no andamento do projeto, o governo precisará dar atenção à fiscalização dessas comunidades — casas de apoio que não prestam serviço médico; por isso, não podem fazer internação, seja ela voluntária ou não, mas apenas o que chamam de acolhimento. Levantamento do GLOBO mostra que, até junho, pelo menos 217 comunidades e clínicas para dependentes em sete dos 12 estados mais populosos — São Paulo, Paraná, Pernambuco, Goiás, Minas, Rio Grande do Sul e Santa Catarina — ou não têm alvará sanitário de funcionamento ou apresentam pendências sanitárias, tendo sofrido penalidades como autuação ou intimação, ou tendo assinado termos de ajuste de conduta, por exemplo. Atualmente, as Vigilâncias Sanitárias estaduais e municipais são as responsáveis por dar um alvará sanitário para autorizar o funcionamento de comunidades terapêuticas.
Entre os problemas está o desrespeito a exigências feitas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na resolução 29/2011, como o estabelecimento ter responsável técnico; fichas individuais dos dependentes; oferta de atividades físicas/recreativas e de estudo ou profissionalização; e instalações em boas condições de limpeza e conservação.
Segundo a Anvisa, essa autorização para funcionamento é dada pelas Vigilâncias locais. Em alguns estados, o órgão estadual tem essa função ao lado dos municipais; em outros, apenas os órgãos municipais têm essa atuação. No Rio, por exemplo, a Vigilância municipal da capital afirmou ter assumido a fiscalização das comunidades “no início de 2013”, segundo informou a assessoria da Secretaria municipal de Saúde em junho. O órgão disse, porém, que a transição estava em andamento e que esse período — ou seja, todo o primeiro semestre — foi “de treinamento de profissionais e adequações”, afirmando que, nesse tempo, “foram realizadas vistorias em cinco instituições, sem aplicação de multas”.
Em São Paulo, a Vigilância estadual informou em junho que, das 193 comunidades e clínicas para dependentes cadastradas no órgão em 2012, mais da metade — 107 — não está completamente satisfatória: “58 estão satisfatórias com restrições; 41, em adequação; 6, insatisfatórias com interdição parcial; e 2, insatisfatórias com interdição total”.
No Paraná, segundo a Vigilância estadual, enquanto 48 estabelecimentos para dependentes (somando comunidades e clínicas) receberam licença sanitária em 2012, outros 95 — isto é, praticamente o dobro — “não receberam a licença sanitária por não estarem atendendo as legislações”.
Já em Goiás — onde, em maio último, a Polícia Civil encontrou 83 dependentes em condições sub-humanas em duas comunidades na cidade de Goiatuba —, a Vigilância estadual informou que 14 comunidades terapêuticas estão em processo de apreciação e aprovação do projeto arquitetônico. Além disso, houve interdição das duas de Goiatuba.
No Sul, a Vigilância estadual de Santa Catarina informou em junho que 26 comunidades terapêuticas no estado aguardavam liberação, e outras duas estavam interditadas.
Boa parte das comunidades no país tem cunho religioso, e há críticas de que muitas não ofereceriam atendimento terapêutico. Apesar de o edital do ministério citar que as comunidades devem ter projeto terapêutico e condições técnicas para realizar “ações relacionadas à profissionalização, inserção no mercado de trabalho e outras atividades ocupacionais compatíveis” e “atividades culturais, esportivas e de lazer”, ele não exige que a comunidade tenha psicólogo ou terapeuta ocupacional.
— O ministério, por esse programa, não paga por ações religiosas. Se o paciente quiser praticar, tudo bem. Ele só não pode ser obrigado a isso — afirma o secretário Maximiano.
Coordenador administrativo da Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas (Febract), Juliano Marfim diz que os problemas encontrados em comunidades têm diminuído:
— Falta melhor fiscalização de Vigilâncias e Ministério Público. Mas o fato de o governo ter começado a oferecer recursos vai ter um bom efeito: fazer as comunidades se abrirem e se adequarem. Quanto à religião, recomendamos que dependentes em comunidades com orientação religiosa precisam ter psicólogo ou terapeuta, além de, se preciso, tomarem medicamentos. A religião não tem de privar a pessoa disso. A espiritualidade cuida é da alma.
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Brasil de Fato 05.06.2013
Higienismo disfarçado de combate às drogas
Em audiência pública, entidades apresentam dados que demonstram a falência da política de internação compulsória no Rio de Janeiro
Leandro Uchoas
Se algum desavisado, pouco versado nos debates intensos que o Rio de Janeiro vive, entrasse por engano na Câmara de Vereadores na manhã de 4 de junho, teria uma surpresa. A tal internação compulsória, elogiada por tantos “especialistas” nos veículos tradicionais de comunicação, era ali criticada ou questionada por cada entidade do setor. A audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Casa, presidida pela vereadora Teresa Bergher (PSDB), visava fazer algo que tem se tornado estranho na cidade nos últimos anos: colocar um assunto vital da administração municipal em debate.

Na mesa ou no plenário, estavam presentes as entidades e movimentos mais importantes na discussão de saúde no Rio de Janeiro. A política pública adotada para enfrentar a utilização, na cidade, de substâncias químicas, em especial o crack, foi criticada pela maioria das pessoas ouvidas. E a ausência da secretaria de saúde foi amplamente criticada.
 “Ao todo, 46% das internações se dão na zona sul, 29% no centro e 15% na zona norte. Somando as três porcentagens, temos 90%. Isso confirma que temos um quadro de limpeza social, e não de tratamento de saúde”, afirma o promotor de Justiça Rogério Pacheco. No Rio de Janeiro, a zona sul, o centro e os bairros de Jacarepaguá e Barra da Tijuca, na zona norte, formam a região mais rica da cidade.
Segundo Pacheco, de maio de 2010 a setembro de 2012 – pouco mais de dois anos –, houve 56,5 mil ingressos no abrigo de Paciência. Isso representa uma média de 65 internações por dia. O abrigo está superlotado, segundo detectou visita da própria Teresa Bergher na véspera. Com capacidade de 350 pessoas, estaria com 150 a mais. Abandonado, o abrigo teria sido invadido até por traficantes de drogas. A vereadora questionou a suposta ausência de servidores públicos no abrigo, sendo questionada em seguida por diversos presentes.
O vereador Renato Cinco (PSOL), integrante da Comissão, e que reivindica uma CPI da Internação Compulsória, também defendeu a tese da higienização. “Por que a rede de saúde mental é tão precária na cidade? Temos apenas seis CAPS-AD, e só três funcionam 24 horas. Mais de 40% da cidade não têm acesso. Como pode a internação acontecer sem laudo médico?”, disse Cinco. Ele lamentou a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei 7663/10, de Osmar Terra (PMDB-RS), que redesenha sob viés punitivo a Política de Drogas no país.
O Ministério Público (MP) já ingressou com duas ações por improbidade administrativa relacionadas à política de internação compulsória. Em uma delas, chegou a pedir a cassação do mandato do prefeito Eduardo Paes (PMDB), e de Rodrigo Bethlem (PMDB), secretário de Governo do município, por abusos na remoção dos sem teto. Em abril, quando foi divulgada, a ação chamou a atenção dos militantes da saúde pela pouca visibilidade nos meios de comunicação, já que era o MP sugerindo a cassação do prefeito.
A defensora pública Juliana Moreira, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos, apresentou dados surpreendentes. Após desenvolver um software de mapeamento da população de rua, e fazer mais de 35 visitas em unidades de tratamento, a entidade cruzou informações. Descobriu que a grande maioria dessas pessoas não é usuária de droga nem de álcool. “Enviamos uma série de questionamentos à Prefeitura. Recebemos em troca o silêncio. A falta de transparência é uma das maiores dificuldades”, lamentou.
Hilda Correia, do Fórum de População em Situação de Rua, foi ainda mais enfática. “Estamos chegando no limite. Nós todos estamos gritando que não cabe recolher pessoas a contragosto. Temos que efetivar políticas públicas que garantam serviços de qualidade. Criar um processo de restabelecimento de vínculo da população de rua com suas relações”, disse.
Um momento peculiar, durante a audiência pública, foi o discurso do vereador Carlos Bolsonaro (PP), vice-presidente da Comissão, e filho do folclórico deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ). Após chegar atrasado, afirmou que “as verdadeiras vítimas estavam sendo consideradas culpadas, e vice-versa”. O parlamentar também parabenizou a Prefeitura, por “ter política pública para quem usa drogas”, e disse acreditar que o usuário é tão culpado quanto o traficante. Foi vaiado pela plateia em coro.
O único representante do poder público presente era Rodrigo Abel, subsecretário de Desenvolvimento Social – pasta gerida por Adilson Pires (PT), também vice-prefeito. Embora tenha feito um discurso apaixonado, Abel não respondeu à maioria dos questionamentos colocados na audiência. “Abrigo deveria ser o último instrumento. Temos que ter menos e melhores abrigos”, disse, lamentando o orçamento da secretaria. “Que seu belo discurso seja colocado em prática”, respondeu Teresa.
A representante do Núcleo Estadual do Movimento de Luta Antimanicomial, Beatriz Adura, leu um contundente texto sobre as políticas em andamento no país e na cidade para o setor. Foi a mais aplaudida. Renato Cosentino, do Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas, apresentou fotos e artes gráficas que indicavam o rápido processo de elitização do espaço urbano no Rio de Janeiro.
Dados apresentados por Pacheco reforçam a ideia de que o problema está no projeto de cidade em implantação no Rio. Segundo ele, o orçamento da Guarda Municipal é superior ao das secretarias de Habitação, Fazenda, Trabalho e Esporte e Lazer, e apenas 10% inferior à de Desenvolvimento Social. “Esse dado é chocante”, concluiu. Chocado de verdade ficaria o eventual cidadão que entrasse, por acaso, na audiência pública. Perceberia a nada sutil dissonância entre o discurso dos veículos de mídia de massa e as opiniões ali apresentadas pelas entidades especializadas.
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ABRASCO
Contra o crack: mais respeito à cidadania!
Paulo Amarante[1]
Luis Eugenio de Souza[2]


 O crack é uma droga pesada, que prejudica enormemente a saúde de seus usuários, levando vários à morte, além de comprometer a qualidade de vida das famílias e apresentar custos sociais. Obviamente, não é a única droga a possuir tais características e, em termos populacionais, seus efeitos são menores do que o de outras drogas por conta da menor prevalência relativa de seu uso. De todo modo, o crack, o álcool e todas as substâncias psicoativas consumidas abusivamente exigem respostas sociais que minimizem os malefícios que podem causar à saúde das pessoas.
Na verdade, o aumento da utilização de drogas deve ser visto como um “analisador”, ou seja, como um indicador do que vem acontecendo na sociedade como um todo. A violência, a desigualdade social, a concentração de renda e a falta de perspectivas para as pessoas, sobretudo, das classes populares são fatores determinantes do abuso de substâncias psicoativas. Por isso, são necessárias medidas de caráter político, econômico, educacional e cultural em qualquer proposta séria de enfrentamento desse problema.
Na área da saúde, especificamente, a ação pública é orientada pela Lei nº 10.216 de 2001, que define, claramente, que o tratamento visará, como finalidade permanente, à reinserção social do paciente em seu meio e que, quando necessária, internação será realizada de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.
Desta forma, a internação compulsória ou mesmo a involuntária (“aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro”) não podem ser executadas como medidas coletivas, sem os cuidados de caráter clínico e de direitos que a lei estabelece.
Acrescente-se que várias entidades da sociedade civil vêm denunciando que as denominadas cracolândias são áreas de especulação financeira, revalorizadas após a “higienização” promovida pelas internações compulsórias. Outras denúncias dizem respeito ao crescente mercado manicomial de clínicas e “comunidades terapêuticas”, cujos interesses mercantis sobrepõem-se aosobjetivos de cuidar e tratar. Tais denúncias precisam ser apuradas pelos poderes públicos, a quem cabe a defesa dos interesses coletivos e difusos.
A alternativa a medidas isoladas e de pouca eficácia terapêutica, como a internação compulsória, é a constituição de redes de atenção à saúde mental, coordenadas pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). A experiência brasileira tem demonstrado a efetividade dessa estratégia, que se deve, fundamentalmente, à criação de vínculo entre a pessoa em tratamento e a equipe de saúde. O trabalho centrado na atenção psicossocial estimula o sujeito a buscar o cuidado e o tratamento.
Nesse sentido, vale registrar que o fracasso do tratamento calcado nas internações compulsória e involuntária (estima-se que mais de 90% destes internados buscam imediatamente a droga logo após a alta) é atribuído exatamente à falta de criação de vínculo entre o usuário e o profissional de saúde, somada, é claro, ao não desejo de se tratar.
Infelizmente, ainda são poucos os CAPS especializados no tratamento de dependência ao álcool e outras drogas no país, especialmente aqueles com atendimento 24 horas, com leitos de suporte para atenção a situações de crise. Do mesmo modo, faltam leitos psiquiátricos em hospitais gerais que compartilhem da mesma proposta e falta apoio a outras iniciativas importantes como os Consultórios de Rua.
Assim, é necessário investir em uma política de Estado que seja sólida, permanente e consistente, e não em medidas imediatistas e paliativas, talvez inspiradas por interesses outros que não o verdadeiro cuidado e tratamento das pessoas com dependência química.
Por tudo isso, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), vem mais uma vez se manifestar contra o uso da internação compulsória como medida principal para enfrentar o problema do consumo de crack ou de qualquer outra droga, associando-se à Frente Nacional Drogas e Direitos Humanos – Pela Cidadania, Dignidade e Direitos Humanos na Política Sobre Drogas, da qual fazem parte ainda a Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME), o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), os Conselhos Federais de Psicologia e Serviço Social e outras 50 entidades.

Abaixo um depoimento de Paulo Amarante sobre a questão das drogas no Brasil, gravado no 10º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva.



[1] Coordenador do Grupo Temático de Saúde Mental da Abrasco 
[2] Presidente da Abrasco
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G1 22.05.2013
Deputados aprovam texto principal da nova Lei Antidrogas
Com nova regra, familiares de usuários de drogas poderão pedir internação.
Câmara também endureceu as punições para os chefes do narcotráfico.
Nathalia Passarinho
Fabiano Costa



A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (22) o texto-base de projeto de lei que autoriza a internação involuntária de dependentes químicos e aumenta a pena para chefes de organizações criminosas voltadas ao tráfico de drogas, a nova Lei Antidrogas.
A votação, no entanto, que incluía a apreciação de emendas e destaques (propostas de alteração pontual) acabou adiada por divergência entre partidos da base governista e da oposição sobre a pauta da Câmara. Para se tornar lei, a matéria ainda terá de ser aprovada pelo Senado e sancionada pela presidente Dilma Rousseff.
Entre outros pontos, o projeto de autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS) prevê a possibilidade de as famílias ou responsáveis legais de usuários de drogas requererem, mesmo sem o consentimento do dependente, a internação em instituição de saúde para tratamento e desintoxicação. Para que haja a internação à revelia, contudo, será necessário o aval de um médico.
A internação involuntária, um dos pontos mais polêmicos da nova lei antidrogas, gerou uma acalorada discussão em plenário. Os opositores da proposta classificaram esse tipo de tratamento de "repressor" e disseram que a medida contraria o livre arbítrio dos dependentes.
"A questão das drogas tem de passar da esfera da segurança para a saúde", defendeu o deputado Alfredo Sirkis (PV-SP).
Para o autor do projeto, no entanto, a internação involuntária prevista no projeto tem como finalidade principal atender aos usuários que estão nas ruas sem condições de se reabilitar.
"São pessoas que não têm família, dormem nas ruas, perderam tudo e não conseguem trabalhar, vivendo apenas esperando os próximos 15 minutos para usar a droga", disse Osmar Terra.
Pela regra aprovada pelos deputados, a internação involuntária irá se estender apenas pelo tempo necessário à desintoxicação. O projeto ressalva, entretanto, que o tratamento não poderá ultrapassar 90 dias.
Além disso, os familiares ou representantes legais do usuário poderão, a qualquer momento, solicitar aos médicos a interrupção do tratamento. O texto ressalta que as internações voluntárias e involuntárias de dependentes só são indicadas quando os recursos “extra-hospitalares se mostrarem insuficientes”.
O projeto de lei determina ainda que as internações e altas dos dependentes químicos deverão ser informadas, em no máximo 72 horas, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e outros órgãos de fiscalização. Apesar de prever a comunicação às autoridades, a proposta de lei assegura o sigilo das informações do paciente.
Devido à ausência de uma proibição legal, o Estado de São Paulo já praticava a internação involuntária. Para suprir essa carência jurídica, a lei aprovada na Câmara autoriza expressamente e regulamenta esse tipo de tratamento para dependentes químicos.
Penas para traficantes
O projeto de lei aprovado na Câmara prevê tornar mais dura a punição para os chefes do tráfico de drogas. O texto determina que quem exerce o “comando individual ou coletivo” de organização criminosa voltada ao tráfico de entorpecentes poderá ser condenado a penas que variam entre 8 e 15 anos de prisão em regime fechado. Atualmente, a punição para quem vende, fornece, fabrica, importa ou exporta drogas é de 5 a 15 anos.
A proposta especifica que organização criminosa é a associação de quatro ou mais pessoas ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com o objetivo de obter, “direta ou indiretamente”, vantagem de qualquer natureza, “mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 anos, ou que sejam de caráter transnacional”.
O capítulo que trata da elevação das penas aos traficantes criou um impasse. Na primeira versão do projeto, o deputado Osmar Terra havia proposto o endurecimento das penas inclusive para os pequenos traficantes. Mas o relator da matéria, deputado Givaldo Carimbão (PSB-AL), modificou o texto, enquadrando com penas maiores apenas os chefes do narcotráfico.
Na visão de Terra, a prisão dos traficantes por um tempo maior poderia reduzir a oferta de drogas nas ruas. “Estamos lidando com pessoas que estão morrendo. Esse projeto quer diminuir a quantidade de droga ofertada. O que justifica o aumento de usuários é a oferta”, argumentou.
O parlamentar gaúcho disse ainda que o gasto do Estado com o tratamento de um dependente químico pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é maior que o custo de um traficante preso.
Crítico da nova lei antidrogas, o líder do PSOL, Ivan Valente (SP), se posicionou contra a proposta no plenário. O deputado paulista alegou que as prisões brasileiras não cumprem o papel de recuperar e reintegrar o preso à sociedade.
O sistema carcerário brasileiro faz com que um amador saia de lá um profissional do crime. O projeto potencializa o uso de drogas”, disse em discurso na tribuna da Câmara.
Mesmo depois de o relator promover alterações no texto a pedido do governo, integrantes do PT continuaram pressionando para que a nova legislação distinguisse os líderes do tráfico de drogas dos traficantes de menor expressão.
Esse projeto agrava o problema social brasileiro relacionado às drogas. Nós podemos estar piorando a situação das drogas”, reclamou o deputado Paulo Teixeira (PT-SP).
Em meio à votação, o relator do projeto acolheu uma emenda de Teixeira que prevê a redução de um sexto a dois terços da pena para os traficantes que não forem reincidentes e não integrarem organização criminosa. De acordo com a emenda, os juízes terão autonomia para reduzir a pena dos acusados de tráfico de entorpecentes quando as “circunstâncias do fato e a quantidade da droga apreendida demonstrarem o menor potencial lesivo da conduta”.
Osmar Terra criticou a emenda acatada pelo relator. “Eu sou a favor de prender todos os traficantes, do pequeno ao grande. É o pequeno que vai viciar o meu filho na escola, no bairro. Um pequeno traficante precisa viciar de 20 a 30 meninos por ano para se viabilizar financeiramente”, disse o autor da proposta. “Paulo Teixeira está preocupado com o traficante, eu estou preocupado com quem ele vicia”, alfinetou o deputado do PMDB.
Em resposta ao autor do projeto de lei, Teixeira argumentou que o pequeno traficante deve ter tratamento diferenciado e mais brando, pois, segundo ele, em muitos casos a venda da droga serve para sustentar o vício.
Comunidades terapêuticas
Além de prever internações involuntárias e maior rigor nas penas contra grandes traficantes, os deputados criaram novas regras para o acolhimento de dependentes em Comunidades Terapêuticas Acolhedoras.
Conforme o texto, a permanência dos usuários de drogas nesses estabelecimentos de tratamento poderá se dar apenas de forma voluntária. Para ingressar nessas casas, segundo o projeto, o paciente terá de formalizar por escrito seu desejo de se internar nas comunidades.
A proposta estabelece que esses locais devem servir de “etapa transitória para a reintegração social e econômica do usuário de drogas”. E mesmo se o paciente manifestar o desejo de aderir às comunidades será exigido uma avaliação médica prévia do dependente.
O texto ressalta ainda que, para realizar a avaliação médica, as comunidades terapêuticas acolhedoras terão “prioridade absoluta” na utilização da rede de atendimento do SUS.
Reserva de vaga
Com o objetivo de facilitar a reinserção social do usuário de drogas, a proposta prevê uma cota mínima de emprego em obras públicas para dependentes em recuperação. Pela proposta, as empresas vencedoras de licitação para obras públicas deverão reservar 3% dos postos de trabalho para ex-usuários de drogas que estejam em tratamento.
"As licitações de obras públicas que gerem mais de 30 postos de trabalho deverão prever, nos contratos, que 3% do total de vagas sejam destinadas à reinserção econômica de pessoas atendidas pelas políticas sobre drogas", diz o texto. O líder do PDT, André Figueiredo (CE), criticou o dispositivo. “Não podemos incentivar o demérito, ou seja, que aquele que nunca usou droga possa ser prejudicado pelo que já usou”, argumentou.
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G1 09.04.2013

Falta de leitos é uma das dificuldades para internação involuntária no RS.

Estrutura precária do sistema de saúde no RS é outro dos problemas.

Nesta quarta será votado projeto de lei sobre internações involuntárias.

A falta de leitos e a estrutura precária do sistema de saúde pública são apontadas por autoridades e especialistas como as principais dificuldades para a aplicação da lei de internação involuntária no Rio Grande do Sul. O projeto que autoriza a internação de dependentes químicos mesmo contra a vontade deles será votado nesta terça-feira (10) na Câmara dos Deputados.


De acordo com o projeto de autoria do deputado federal gaúcho Osmar Terra (PMDB), a internação involuntária deverá ser solicitada por um familiar ou funcionário público sempre com a avaliação de um médico. É diferente do modelo de internação compulsória adotado por estados como São Paulo e Rio de Janeiro, que precisa de uma decisão judicial.
Essa pode ser uma saída para casos como o do jovem de Canoas, na Região Metropolitana, que ficou oito horas dentro de um carro com uma arma de brinquedo nesta terça-feira (9). Segundo o pai, o rapaz de 23 anos já passou por seis internações e acabou voltando para as drogas.
Todas as internações dele, ele nunca aceitou. Nós tivemos sempre que ir procurar a medida compulsória”, conta o vendedor Vilibaldo Machado.
Pais e autoridades em saúde concordam que a nova lei pode ajudar a tratar usuários de drogas que não têm condições de procurar ajuda por vontade própria. Mas a maior preocupação é se a rede de saúde pública terá capacidade de acompanhar os pacientes após a desintoxicação.
Atualmente, o Rio Grande do Sul possui 1.260 leitos de saúde mental e 24 centros para atender dependentes de álcool e drogas. O Sindicato Médico do estado (Simers) avalia que a estrutura é insuficiente.
“(A internação involuntária) não vai alcançar todos aqueles que precisavam porque mesmo os que pedem para se internar não encontram leitos. Agora, é uma medida necessária e que vai salvar vidas”, diz o presidente do Simers, Paulo de Argollo Mendes.
Autor do projeto, o deputado Osmar Terra afirma que é dever do estado, seja ele na esfera federal, estadual ou municipal, fornecer mais leitos na rede pública de saúde para abrir os dependentes químicos.
Tem que ter leito. Aí a responsabilidade é do estado, ele tem que resolver. O estado eu digo o governo federal e o governo estadual que tem que resolver isso. A lei vai obrigar o estado a abrir mais vagas e garantir esse atendimento”, explica o deputado.
A Secretaria Estadual da Saúde admite a necessidade de ampliar investimentos nesta área. Mas o secretário adjunto Elemar Sand alerta que um dos focos no combate à dependência física está nos trabalhos de prevenção, para que seja necessário o tratamento.
Nós temos que estar preparados para comprar (leitos) tanto na rede privada ou ampliar os contratos. Mas o nosso desafio maior, e a nossa rede e a nossa equipe da saúde mental estão trabalhando em parceria com os municípios, é realmente fazer um trabalho preventivo e reduzir a necessidade das internações”, afirma.
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Estadão 11.05.2013
ONG de pastor preso tem verba federal
IVR de Marcos Pereira recebeu R$ 1,9 mi em 7 anos e mantém convênio de R$
Marcelo Gomes
O Instituto Vida Renovada (IVR), associação civil ligada à Assembleia de Deus dos Últimos Dias (ADUD), recebeu R$ 1,9 milhão de verbas federais desde 2006 e ainda tem R$ 1,4 milhão a receber, em convênios para programas de prevenção e recuperação de dependentes de drogas, além de assistência jurídica, psicológica e social a presos, ex-detentos e outras minorias.
Pastor Marcos Pereira preso acusado por estupros, tráfico e homicídios

Pastor Marcos Pereira preso acusado
 por estupros, tráfico e homicídios
Com sede em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, a ADUD é presidida pelo pastor evangélico Marcos Pereira da Silva, de 56 anos, preso na terça-feira acusado de estuprar duas fiéis de sua igreja. Ele também é investigado em outro inquérito por associação para o tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e quatro homicídios.
De acordo com levantamento no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), feito pela ONG Contas Abertas a pedido do Estado, o governo federal já empenhou (reservou para pagamento posterior) R$ 1,4 milhão para o IVR, em dois convênios celebrados em 2011 e 2012.
No primeiro contrato, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República empenhou R$ 400 mil para implementação do "Centro de Referência em Direitos Humanos no Instituto Vida Renovada". O objetivo é "garantir a orientação geral sobre direitos humanos a qualquer vítima de violação de direitos" e prestar "atenção jurídica, psicológica e social a detentos, egressos do sistema prisional, seus familiares, comunidades e população em geral, bem como a pessoas com deficiência, idosos, quilombolas, indígenas, assentados, afrodescendentes, população GLTB e ciganos".
Já o segundo convênio, assinado com o Fundo Nacional Antidrogas, no valor de R$ 1 milhão, prevê a "realização de seminários para formação de 2.880 multiplicadores sociais para atuarem em ações de prevenção do uso e abuso de drogas lícitas e ilícitas (álcool, maconha, cocaína, crack, etc) junto ao seu grupo social".
O Instituto também recebeu R$ 216 mil da Prefeitura de São João de Meriti em 2012, para "execução e manutenção do centro de atendimento ao público egresso do sistema prisional, dependentes químicos e moradores de rua". A ONG não recebeu verba do governo do Estado, segundo o Sistema Integrado de Administração Financeira para Estados e Municípios.
Atendimentos. O site do IVR diz que em 2011 foram realizados mais de 4 mil atendimentos nas áreas social, jurídica e psicológica. Afirma ainda que seu abrigo em São João de Meriti atende 80 homens e 40 mulheres oriundos da marginalidade, das penitenciárias e da dependência química.
O pastor Marcos Pereira ganhou notoriedade por negociar o término de rebeliões em presídios e resgatar reféns que supostamente seriam executados por traficantes. Ele começou a ser investigado pela Delegacia de Combate às Drogas (DCOD) em fevereiro do ano passado, após o coordenador da ONG AfroReggae, José Júnior, acusá-lo publicamente de ligação com o Comando Vermelho e de ter ordenado os ataques contra ônibus e bases policiais em 2006 e 2010.
O AfroReggae também é conhecido pelo trabalho de ressocialização de ex-detentos e de mediação de conflitos em favelas dominadas pelo tráfico. A ONG recebeu, nos últimos seis anos, R$ 483 mil em verbas federais e R$ 7,7 milhões do governo do Estado, segundo levantamento feito no Siafem pelo gabinete do deputado estadual Luiz Paulo (PSDB-RJ), a pedido do Estado.
Júnior e Marcos Pereira se conheceram - e se tornaram amigos - após uma rebelião numa casa de custódia na zona norte do Rio em 2004, na qual o pastor atuou como mediador a convite do então secretário de Segurança, Anthony Garotinho. Em depoimento à DCOD, o líder do AfroReggae disse que tinha admiração pelo trabalho da ADUD e que chegou a obter doações para a igreja. Tudo mudou quando um ex-membro da ADUD, que ingressou no AfroReggae em 2009, lhe revelou os crimes em que Marcos Pereira estaria envolvido. A partir daí, Júnior disse que o pastor começou a espalhar pelas favelas que ele era "X-9" (alcaguete) da polícia, com o objetivo de colocar sua vida em risco.
Ouvido no inquérito, Marcos Pereira negou todas as acusações. Disse que Júnior estava com "ciúmes", por ele ser bastante querido nas comunidades carentes e nos presídios do Rio.
PARA ENTENDER
A Delegacia de Combate às Drogas investiga o patrimônio de Marcos Pereira e da igreja. O objetivo é saber se o religioso utiliza a ADUD para lavar dinheiro do tráfico. Além do apartamento de R$ 8 milhões na Avenida Atlântica, em Copacabana, a polícia já sabe que estão em nome da igreja os prédios onde ficam sua sede, em São João de Meriti, e suas quatro filiais (em Meriti, na vizinha Duque de Caxias, no Paraná e no Maranhão).
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Carta Capital 10.05.2013


A vida em primeiro lugar
Por que sou a favor da internação compulsória de dependentes de crack
Drauzio Varella
Sou a favor da internação compulsória dos usuários de crack que perambulam pelas ruas feito zumbis. Por defender a adoção dessa medida extrema para casos graves já fui chamado de autoritário e fascista, mas não me importo.
A você que considera essa solução higienista e antidemocrática, comparável àquela dos manicômios medievais, pergunto: se sua filha estivesse maltrapilha e sem banho numa sarjeta da Cracolândia, você a deixaria lá em nome do respeito à cidadania, até que ela decidisse pedir ajuda?
De minha parte, posso adiantar que fosse minha a filha, eu a retiraria dali nem que atada a uma camisa de força.
Para lidar com dependentes de crack, é preciso conhecer a natureza da enfermidade que os aflige. Crack é droga de uso compulsivo causadora de uma doença crônica caracterizada pelo risco de recaídas.
É de uso compulsivo, porque vai dos pulmões ao cérebro em menos de dez segundos. Toda droga psicoativa com intervalo tão curto entre a administração e a sensação de prazer provocada por ela causa dependência de instalação rápida e duradoura – como a que sentem na carne os dependentes de nicotina.
As recaídas fazem parte do quadro, porque os circuitos de neurônios envolvidos nas compulsões são ativados toda vez que o usuário se vê numa situação capaz de evocar a memória do prazer que a droga lhe traz.
Quando os críticos afirmam que internação forçada não cura a dependência, estão cobertos de razão: dependência química é patologia incurável. Existem ex-usuários, ex-dependentes não. Parei de fumar há 34 anos e ainda sonho com o cigarro.
Tenho alguma experiência com internações compulsórias de usuários de crack. Infelizmente, não são internações preventivas em clínicas especializadas, mas em presídios, onde trancamos os que roubam para conseguir acesso à droga que os escravizou.
Na Penitenciária Feminina atendo meninas presas na Cracolândia. Por interferência da facção que impõe suas leis na maior parte das cadeias paulistas, é proibido fumar crack. Emagrecidas e exaustas, ao chegarem, elas passam dois ou três dias dormindo, as companheiras precisam acordá-las para as refeições. Depois desse período, ficam agitadas por alguns dias e voltam à normalidade.
Desde que o usuário não entre em contato com a droga, com alguém sob o efeito dela ou com os ambientes em que a consumia, é muito mais fácil ficar livre do crack do que do cigarro. A crise de abstinência insuportável que a cocaína provocaria é um mito.
Perdi a conta de quantas vezes as vi dar graças a Deus por terem vindo para a cadeia, porque se continuassem na vida que levavam estariam mortas. Jamais ouvi delas os argumentos usados pelos defensores do direito de fumar pedra até morrer, em nome do livre-arbítrio.
Todas as experiências mundiais com a liberação de espaços públicos para o uso de drogas foram abandonadas, porque houve aumento da mortalidade.
A verdade é que ninguém conhece o melhor método para tratar a dependência de crack. Muito menos eu, apesar da convivência com dependentes dessa praga há mais de 20 anos.
A internação compulsória acabará com o problema? É evidente que não. Especialmente, se vier sem a criação de serviços ambulatoriais que ofereçam suporte psicológico e social para reintegrar o ex-usuário.
Se esperarmos avaliar a eficácia das internações pelo número dos que ficaram livres da droga para sempre, ficaremos frustrados: é preciso entender que as recaídas fazem parte intrínseca da enfermidade.
Em cancerologia, vivemos situações semelhantes. Em certos casos de câncer avançado, procuramos induzir remissões, às vezes com tratamentos agressivos. Não deixamos de medicar pacientes com o argumento de que sofrerão recidivas.
Está mais do que na hora de pararmos com discussões estéreis e paralisantes sobre a abordagem ideal, para um problema tão urgente e dramático como a epidemia de crack.
Se a decisão de internar pessoas com a sobrevivência ameaçada pelo consumo da droga amadureceu a ponto de ser implantada, vamos nessa direção. É pouco, mas é um primeiro passo.
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Carta Capital 10.05.2013
Uma carta para Dilma
Preocupados com o projeto retrógrado do deputado Osmar Terra e com as internações compulsórias de viciados, participantes do Congresso Internacional sobre drogas alertam a presidenta.
Wálter Maierovitch
No governo Obama, a política de “guerra às drogas” continua em segundo plano e o czar antidrogas da Casa Branca já proclamou a sua falência. O passar dos anos revelou o equívoco da crença conservadora no proibicionismo. A tipificação criminal com pena de privação de liberdade para casos de posse de droga ilícita para uso próprio jamais serviu, no mundo inteiro, para inibir o consumo e mostrou-se contraproducente em termos de danos sociais. Em resumo, colocar o consumo como questão criminal é um equívoco e carimbar o usuário como criminoso, e no Brasil continua assim, é humanamente ilegítimo.
As legislações nos Estados democráticos não criminalizam a autolesão. No Brasil, o fumante de tabaco e aquele que se automutila ou tenta o suicídio estão fora do estatuto criminal-penal repressivo. Na legislação brasileira sobre drogas, os usuários, e eles se autolesionam são criminalizados. Apenas recebem pena de prisão. Aliás, uma mudança pela metade ocorrida no governo Lula. Antes de conquistar o primeiro mandato presidencial, Lula, em campanha e por meio de carta enviada ao secretário-geral das Nações Unidas, criticava as convenções da ONU por propor a criminalização do consumo.
Nos EUA, logo no primeiro mandato, Obama revogou a determinação do seu antecessor e proibiu a Polícia Federal de perseguir os consumidores de maconha para finalidade terapêutica. Agora, pelo decidido nas mesmas urnas que lhe deram o segundo mandato, não reagiu à aprovação, nos estados de Washington e Colorado, da liberação do uso da Cannabis. Como se sabe, o governo do republicano Bush reagia de forma diferente e acionava a Suprema Corte, sob argumento de somente a União deter competência para legislar sobre o tema das drogas proibidas.
Sobre guerras falidas, a preocupação atual de Obama centra-se em Guantánamo, ou melhor, em lá manter 166 presos. E 86 deles sem nenhuma prova nem processo judicial de envolvimento com o terrorismo internacional. Para piorar esse quadro de humilhações, o governo Obama, diante da greve de fome iniciada em 6 de fevereiro por cem detidos, determinou que 21 fossem submetidos à ingestão nutricional via nasal. Uma morte em Guantánamo é tudo o que Obama não deseja. Vale lembrar, o fechamento da prisão foi prometido por ele em 2008.
No governo Dilma, o Brasil mantém o tema das drogas proibidas em segundo plano e até a Secretaria Nacional para a prevenção às drogas ilícitas foi tirada do gabinete da Presidência da República e virou um apêndice do Ministério da Justiça, em vez de submetida à pasta da Saúde. As drogas são um assunto sociossanitário, deveria estar claro.
Acaba de acontecer em Brasília o Congresso Internacional sobre Drogas. Uma das preocupações ficou por conta do projeto de lei de autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS), que passou a ter rápida tramitação no Congresso. Além da volta da pena de prisão ao surpreendido na posse de drogas para o próprio consumo, o projeto, na contramão de modelos com resultados importantes, como o de Portugal, propõe o tratamento compulsório, embarca no populismo e mergulha na inconstitucionalidade. O tratamento compulsório é adotado de forma policialesca em São Paulo e no Rio de Janeiro pelos governos de Geraldo Alckmin e Sérgio Cabral.
Na guerra às drogas de Bush, o Brasil viu-se forçado a adotar, como nos EUA, a chamada Justiça Terapêutica, ou seja, perante o juiz e após confessar, o usuário primário escolhe a cadeia ou o tratamento. Se reincidir, vai para a prisão. Passada a pressão norte-americana, Alckmin e Cabral resolveram, por meio de uma política desumana de higienização voltada à limpeza das ruas, partir para as internações compulsórias e sem políticas eficientes de apoio ao egresso.
Os participantes do Congresso Internacional elaboraram a denominada Carta de Brasília em Defesa da Razão e da Vida. E nessa fundamental carta, que a presidenta Dilma vai receber, consta o alerta: “Vemos com indignação autoridades do governo federal a se pronunciar a favor dessa prática. Conforme o relator especial sobre tortura e outros tratamentos cruéis ou desumanos, junto ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, a internação forçada de dependentes químicos constitui tortura”.
Com a palavra a presidenta.
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Rede Brasil Atual 09.05.2013




Governo Alckmin quer multiplicar casas privadas contra crack, 'o grande desafio do mundo’.
Cartão Recomeço dá R$ 1.350 mensais a entidades, que poderão ser abertas em até dois meses, no cálculo do coordenador do programa. Alckmin considera ação 'mais um passo' para o combate ao crack
Gisele Brito
Diogo Moreira
São Paulo – O psiquiatra Ronaldo Laranjeira, coordenador do Cartão Recomeço, expôs hoje (9) que a intenção é multiplicar a abertura de comunidades terapêuticas especializadas em atendimento a crianças e adolescentes. A iniciativa lançada hoje (9) pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) para financiar o tratamento de dependentes químicos em comunidades terapêuticas irá pagar R$ 1.350 mensais por pacientes maiores de idade atendidos nessas instituições, cuja maioria é mantida por entidades religiosas que não prestam atendimento a jovens. Para o Alckmin, o cartão representa "mais um passo para enfrentar o grande desafio do mundo moderno", referindo-se ao crack.
São poucas as comunidades, no momento, especializadas em menores de idade. Acho que a gente tem que fomentar eventualmente comunidades terapêuticas ou ambientes para menores de idade”, afirmou Laranjeira. “A beleza do cartão é que ela permite uma grande agilidade. Se tiver um município que diga que tem muito adolescente com problemas e quiser criar uma moradia assistida, ou uma moradia do recomeço, ela pode fazer isso já em um, dois meses.”
Laranjeira, que é professor titular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), irá coordenar o Cartão Recomeço no âmbito da Secretaria de Justiça. A pasta será responsável por financiar o cartão e credenciar a rede de comunidades terapêuticas. Um edital com parâmetros mínimo de estrutura física e serviços será lançado nos próximos dias.
Para Laranjeira, o estado de São Paulo avança ao financiar a recuperação. Segundo ele, o estado é o único do país que já tem a estrutura de uma política antidrogas “bem instituída”, com o componente justiça terapêutica ainda “incipiente”, mas com o sistema de prevenção e tratamento com “eixo consistente”. “Temos que fazer essa distinção. Uma coisa é o tratamento que usa estrutura médica, psiquiatria, uma série de setores. O tratamento estabiliza as pessoas, quer seja por CAPs [Centro de Atendimento Pssicossocial], quer seja por internação voluntária, involuntária”, explica. “Essa é a beleza do cartão: o financiamento a recuperação.”
Segundo o secretário estadual de Desenvolvimento Social Rodrigo Garcia, “um dos trabalhos fundamentais que será exigido [das comunidades] é que justamente o fortalecimento de vínculo com a família, que tem um papel fundamental na recuperação do seu dependente”.
As secretarias estaduais de Desenvolvimento Social e Saúde serão responsáveis, em parceria com Laranjeira, por estabelecer o protocolo de serviços, as equipes e a sua fiscalização. Já os municípios serão responsáveis pelo gerenciamento das vagas e pelo escolha dos dependentes que serão atendidos. Diadema, Sorocaba, Campinas, Bauru, São José do Rio Preto, Ribeirão Preto, Presidente Prudente, São José dos Campos, Osasco, Santos e Mogi das Cruzes receberão os cartões, cujo saldo só pode ser sacado pelas entidades. Segundo Alckmin, em 60 dias os primeiros dependentes já poderão começar a ser atendidos.
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Estadão 08.05.2013


Cracolândia fica fora da nova ‘bolsa crack'.
Governo divulga lista de cidades que vão receber primeiro o Cartão Recomeço, sem a capital paulista.
Bruno Ribeiro
A capital paulista não está na lista das primeiras 11 cidades que vão receber o piloto do “Cartão Recomeço”, programa do governo do Estado de São Paulo que prevê uma bolsa de R$ 1.350 para famílias de viciados em crack para pagamento de internação em clínicas especializadas no tratamento. Com isso, os usuários da droga na região da cracolândia, no centro, ficam de fora do projeto por enquanto.
A relação das primeiras cidades que vão receber o Cartão Recomeço foi divulgada na manhã desta quarta-feira, 8. São elas: Diadema, Sorocaba, Campinas, Bauru, São José do Rio Preto, Ribeirão Preto, Presidente Prudente, São José dos Campos, Osasco, Santos e Mogi das Cruzes. O programa foi planejado de forma que caberá aos municípios cadastrados selecionar os pacientes que poderão receber o benefício.
O governo do Estado informou, no entanto, que embora as famílias de usuários de crack da capital paulista (incluindo os frequentadores da cracolândia) não irão receber o Cartão Recomeço, os viciados da cidade já contam com uma rede de atendimento. São 13 clínicas cadastradas, com pagamento feito também com recursos do Tesouro estadual. Juntas, essas clínicas têm capacidade para atender 270 pacientes. Assim, diz o Estado, mesmo sem cartão, pacientes da cidade podem buscar clínicas para atendimento, após encaminhamento da rede especializada.
Segundo o secretário estadual de Desenvolvimento Social, Rodrigo Garcia, o programa prevê que o benefício seja válido por um período de seis meses. O alvo do cartão são pessoas que já passaram por internação, por até 30 dias, e precisam continuar o tratamento para se livrar da droga.
Nesta quinta-feira, o Estado deve publicar edital para começar a credenciar as clínicas habilitadas a receber esses pacientes. São elas, e não os usuários ou familiares, que receberão essa verba, por meio de um cartão magnético fornecido pelo governo às famílias.
A previsão é de que 3 mil dependentes sejam atendidos nessa primeira fase. O secretário Garcia afirmou que o número deve crescer à medida que mais cidades sejam incluídas no programa.
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Estadão 07.05.2013



Bolsa crack de R$ 1.350 vai pagar internação de viciados.
Governador Geraldo Alckmin vai apresentar nesta quinta-feira, 9, plano de ajuda financeira para famílias de dependentes. Dinheiro poderá ser sacado apenas para tratamento em clínica particular
Bruno Ribeiro
Tiago Dantas
Famílias com parente dependente de crack vão receber uma bolsa do governo do Estado de São Paulo para custear a internação do usuário em clínicas particulares especializadas. Chamado “Cartão Recomeço”, o programa deve ser lançado na quinta-feira, com previsão de repasses de R$ 1.350 por mês para cada família de usuário da droga.
Segundo o secretário de Estado de Desenvolvimento Social, Rodrigo Garcia, a proposta é manter em tratamento pessoas que já passaram por internação em instituições públicas. “São casos de internações em clinicas terapêuticas, pelo período médio de seis meses”, afirma.
Os dez municípios que receberão o programa piloto devem ser definidos nesta quarta-feira. Ainda não há data para o benefício valer em todo o Estado. As clínicas aptas a receber os pacientes ainda vão ser credenciadas, mas ficará a cargo das prefeituras identificarem as famílias que receberão a bolsa. “Saúde pública é sempre para baixa renda. Os Caps (Centros de Atendimento Psicossocial das prefeituras) já têm conhecimento das famílias e fará a seleção”, diz Garcia, sem detalhar quais serão esses critérios.
Como antecipou o site da revista Época, o pagamento da bolsa será feito com cartão bancário. A ideia do Cartão Recomeço é ampliar a rede de tratamento para dependentes e, principalmente, a oferta de vagas para internar usuários. O trabalho desenvolvido pelo governo sofre críticas por causa da falta de vagas, especialmente após a instalação de um plantão judiciário no Centro de Referência de Tabaco, Álcool e Outras Drogas (Cratod), no Bom Retiro, centro da capital, ao lado da cracolândia - entre janeiro e abril, segundo o governo, cerca de 650 pessoas foram internadas após o atendimento no Cratod.
Para o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas na Faculdade de Medicina da Unifesp, que participou da criação do Cartão Recomeço, a vantagem do modelo é descentralizar o financiamento do tratamento. “Muitas famílias, mesmo de classe média, estouram o orçamento tentando pagar tratamento para o familiar dependente.”
Com o cartão, diz Laranjeira, as famílias terão uma “proteção” para o caso de o parente ficar viciado. “A família poderá ter dinheiro para oferecer ajuda caso o dependente aceite uma internação.”
Inspiração
O programa que o governador Geraldo Alckmin (PSDB) vai lançar é semelhante ao desenvolvido em Minas. Apelidado de “bolsa crack”, o cartão de lá é chamado Aliança Pela Vida e dá ajuda de R$ 900.
A assessoria do Palácio dos Bandeirantes rejeitou o termo “bolsa crack” - segundo o secretário Garcia, o apelido é “maldoso”. O governo também ressalta que o recurso é carimbado e só pode ser sacado para pagamento em clínicas credenciadas. O plano envolve técnicos das Secretarias de Desenvolvimento Social, da Saúde e da Justiça. O pagamento sairá do orçamento da Secretaria de Desenvolvimento.
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em.com 18.04.2013
Capital oferece droga lícita para viciados largarem o crack
BH rejeita internação forçada, adotada por Rio e São Paulo e que pode virar lei, e aposta em política que tenta levar usuário a trocar pedra por álcool e tabaco, até se livrar do vício
Na contramão da lei que deveria ter sido votada ontem no Congresso Nacional, que prevê a política de internação involuntária dos usuários de crack – já adotada este ano em São Paulo e Rio de Janeiro –, Belo Horizonte tem outra frente de trabalho para lidar com o desafio. Referência nacional da luta contra os manicômios, a capital mineira optou pelo modelo da redução de danos proposto pelo Ministério da Saúde, com a troca da pedra por drogas mais leves, como opiáceos, álcool e tabaco, até conseguir a abstinência total. Na prática, a iniciativa vem apresentando indicadores positivos no Centro de Referência em Saúde Mental (Cersam-AD) da Região da Pampulha, com adesão de até 40% dos pacientes. O índice é oito vezes maior em relação aos 5% de recuperação obtidos, em média, com a internação dos dependentes químicos.

O problema é o tamanho do desafio e a capacidade de lidar com ele. Desde 2008, BH conta com apenas um Cersam-AD, o da Pampulha, para uma demanda de 2,2 mil moradores de rua, boa parte deles envolvidos com álcool e crack, segundo o Movimento Nacional de População de Rua. Diante da falta de atendimento, estão se formando pequenas cracolândias distribuídas pela cidade, até mesmo em bairros residenciais.
Apesar disso, só em último caso é aceita a internação do usuário de drogas em BH, segundo o secretário municipal de Saúde, Marcelo Teixeira. “É preciso ter clareza de que você pode internar alguém compulsoriamente, mas não pode tratar ninguém compulsoriamente. Ao dizer isso, não estou me posicionando contra a internação. Só defendo que a medida tem de ser eventual e avaliada do ponto de vista clínico”, afirmou.

Mistura

A reportagem do Estado de Minas constatou em vários pontos de uso de BH que muitos dependentes químicos passaram a fazer associação de diversas drogas. Em geral, fumam primeiro cigarros, tomando o cuidado de guardar as cinzas. Elas serão usadas para fazer render a pedra do crack, previamente triturada em porções menores. Antes de queimar a mistura nos cachimbos, os usuários tomam cachaça. “Diante dessa situação, o ponto central da redução de danos será o crack. Se o usuário conseguir largar primeiro o crack, ficando com o álcool e com o tabaco, e em seguida só com o tabaco, seria desejável dentro de uma estratégia de intervenção”, defende Marcelo Teixeira.
A meta do programa é conseguir diminuir os danos causados pela pedra no organismo, resgatando valores e vínculos, familiares ou não, de trabalho e da sociedade. Ao convencer o craqueiro a usar menos pedras por dia, em seguida substituir o vício por tabaco e permanecer apenas com o álcool, os técnicos de saúde ganham a confiança do usuário de drogas, que, ao mesmo tempo, será convencido a se comprometer com um emprego, a resgatar a convivência com os filhos e a retomar hábitos de higiene. Na visão da prefeitura, é o oposto de isolar o usuário de drogas dentro de uma entidade, como já foi feito no passado com doentes mentais, hansenianos e tuberculosos.
Para tentar garantir o sucesso do projeto, além de abordar os usuários de crack por meio das equipes de consultório de rua, oferecendo camisinhas gratuitas e a chance de tirar uma nova carteira de identidade, a PBH está fechando parceria para garantir vagas de emprego subsidiadas, com entidades empresariais como Fiemg e Fecomércio. Além disso, há a proposta de criar duas equipes de abordagem familiar, que visitarão dentro de casa, antes de irem morar nas ruas, dependentes químicos prestes a cortarem os laços com mulheres e filhos. “Quando estiver todo implementado, nosso programa vai ser um dos mais completos do país”, aposta o secretário.

PONTO CRÍTICO: VOCÊ É A FAVOR DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA?
Domingos Sávio Lage Guerra, psiquiatra, ex-diretor do Instituto Raul Soares e professor da Faculdade de Ciências Médicas
SIM: A dependência de crack é muito grave e o sujeito não consegue parar. A droga está devastando o Brasil, aumentando a criminalidade e trazendo um sério problema de mão de obra para o país, repercutindo na construção civil e no comércio. O crack está comprometendo a população jovem. Temos 35 milhões de jovens e um contingente expressivo deles está dependendo do crack, que está destruindo famílias. Também a população de rua está aumentando muito, bem como a quantidade de roubos, furtos e assassinatos relacionados ao uso dessa droga, que é muito mais potente que a cocaína. O estrago provocado pelo crack é muito grave. Seu uso deixa o sujeito paranoico, agressivo e agitado. A entrega à dependência é grande, os usuários estão em risco social e em grave risco de mendicância, com a perda dos vínculos sociais. Só quem tem um usuário de crack dentro de casa pode realmente falar sobre o assunto.

Alda Martins Gonçalves, professora da Escola de Enfermagem da UFMG, integrante do Centro Regional de Referência em Crack e Outras Drogas
NÃO: O uso do crack é um problema individual, familiar e coletivo. O usuário acaba perdendo seu espaço na família e buscando na rua a convivência com outros na mesma situação, o que constitui um grande desafio para a implantação de medidas de atenção aos grupos e de uma política de atendimento aos usuários. O Serviço de Saúde Mental da Prefeitura de BH vem atendendo e buscando a adesão dos dependentes ao tratamento. A abordagem procura ajudá-los a recuperar a autoestima, os laços familiares e a convivência social, para que aceitem o processo de recuperação. Simplesmente internar um usuário não garante sua adesão ao tratamento e pode esbarrar no direito ao livre arbítrio. Se uma pessoa está em risco de morte, intoxicada por drogas, não há que se perguntar se ela quer ser socorrida. O socorro tem de ser prestado, mesmo que exija internação. Isso não significa internação compulsória. Não há garantias de que, depois da desintoxicação, o usuário de drogas vá aceitar o tratamento.
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09.04.2013 UNODC
Tratamento da dependência de drogas: da coerção à coesão
Gilberto Gerra
Chefe do Departamento de Prevenção às Drogas e Saúde do UNODC
Pensar políticas públicas relacionadas ao uso problemático de drogas é um dos grandes desafios globais da atualidade. Respostas eficazes e balanceadas também devem focar na necessidades de saúde dos dependentes sem estigma nem discriminação.
Yuri Fedotov, Diretor Executivo do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), afirmou na abertura da 56ª Sessão da Comissão de Narcóticos  em março que "considerações a respeito de direitos humanos e saúde pública precisam estar no centro da resposta internacional ao uso de drogas e ao HIV". Como um dos objetivos das convenções sobre drogas é a proteção da saúde dos indivíduos e da sociedade dos efeitos adversos associados ao consumo, fica evidente a importância de ações que promovam o deslocamento de uma lógica da penalidade para uma do cuidado em saúde.
Recentemente o Brasil recebeu duas importantes missões da ONU: o Relator Especial sobre Tortura, Juan E. Méndez; e o Grupo de Trabalho  sobre Detenção Arbitrária. Ambas evidenciaram o quanto o tratamento do usuário de drogas no país está se confundindo com a penalização no campo da justiça criminal. As duas missões alertaram para o risco de que a internação involuntária de usuários de drogas atravesse o "limiar de maus-tratos, equivalentes à tortura, ou a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes", como colocou Méndez.
O Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária mostrou preocupação com o confinamento involuntário de usuários de crack, especialmente de crianças e adolescentes em situação de rua, cujos familiares teriam relatado dificuldades no acesso à informação sobre o local de internação. Vladimir Tochilovsky, membro do Grupo, destacou: "Durante a visita nos apresentaram casos de pessoas que moram nas ruas e são dependentes de drogas, e que são apreendidos, detidos e aprisionados pela polícia, não por crimes cometidos, mas por uma questão de saúde."
O tratamento para a dependência química deve ser baseado em evidências, voluntário, confidencial e com consentimento informado, além de ser realizado na comunidade através de intervenções clínicas e sociais no âmbito do sistema de saúde, com uma abordagem que siga os princípios da ética do cuidado em saúde.  Ações de apoio social que atendam às necessidades básicas de acolhimento e alimentação também são essenciais, assim como o acesso a programas de educação, geração de renda, micro-crédito e orientação vocacional para promover a reintegração social dos indivíduos.
O confinamento involuntário de usuários de drogas em prisões ou em centros de tratamento deve ser somente uma medida emergencial por alguns dias e com base em laudos de pelo menos dois profissionais de saúde, para proteger o indivíduo e a comunidade em situações de intoxicação aguda, ou caso o indivíduo possa colocar em risco a sua própria segurança ou a de outros. Vários estudos mostram que não há evidências da eficácia dessas medidas, que pelo contrário, fortalecem o estigma, contribuem para o processo de exclusão, fragilizam vínculos sociais e aumentam o risco de infecções pelo HIV.
O UNODC e a Organização Mundial de Saúde destacam a disponibilidade e a acessibilidade como princípios necessários para o tratamento efetivo da dependência química. Serviços mais acessíveis, com maior capacidade de acolhimento, qualificados e com menos estigma podem ajudar a reduzir o uso de medidas legais para fazer com que as pessoas que necessitam de tratamento o iniciem.
Engajamento pessoal e envolvimento emocional são essenciais para desenvolver um projeto conjunto de tratamento humanizado que motive pacientes, familiares e comunidades, apresentando assim um caminho para transformar espaços de tratamento involuntário em espaços comunitários de coesão.
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R7 26/4/2013
Planalto apoia internação à força de viciado.
Pedido poderá ser feito por agente público vinculado ao sistema de saúde ou de proteção social
Após reunião no Palácio do Planalto, o governo chegou a um consenso e fechou questão em relação à internação compulsória de usuários de drogas, chamada de involuntária. No encontro, a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, disse que o governo quer dar uma resposta à sociedade quanto ao grave problema das drogas.
A internação deverá ser permitida em todo o País, desde que seja feita com a família pedindo e o médico determinando a internação. Em caso de ausência absoluta de um familiar, a internação involuntária poderá ser feita por pedido de um agente público vinculado ao sistema de saúde ou sistema de proteção social. A especificação foi feita para evitar que a internação involuntária possa ser pedida por um agente policial.
A medida está no projeto do deputado Osmar Terra (PMDB-RS), que deve ser votado no dia 8. Ele defende a internação involuntária do dependente de drogas como forma de antecipar o início do tratamento. O deputado lembrou que esse tipo de internação só poderá ser feito em ambiente hospitalar e pelo período de 15 dias a seis meses. O prazo máximo foi ampliado por acordo partidário.
Postos de saúde
Segundo o parlamentar, na reunião no Planalto, o governo pediu que fosse incluído no texto que todos os postos de saúde sejam obrigados a encaminhar a internação involuntária, tornando-se porta de entrada para o atendimento. Com isso, o posto de saúde não poderá se negar a fazer o atendimento.
Nesse caso, o médico ouvirá a família, avaliará o caso e, após assinatura do termo de pedido de internação dos familiares, ele determinará a internação e encaminhará o paciente para o local específico. O texto prevê ainda que, em caso de internação involuntária, em até 72 horas o Ministério Público terá de ser informado sobre a entrada do paciente, assim como ser comunicado da alta.
A internação involuntária é um tema polêmico e sofre crítica de alguns setores da sociedade, uma vez que permite que o dependente químico seja internado para tratamento sem que um juiz autorize. No caso das comunidades terapêuticas, por exemplo, as internações só podem ser voluntárias. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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Agência Brasil 10.03.2013
Internação compulsória de crianças e adolescentes usuários de crack só deve ocorrer em casos extremos, avaliam especialistas
Elaine Patricia Cruz
São Paulo – A internação compulsória de crianças e adolescentes dependentes de drogas, principalmente o crack, ou seja, atendendo a uma determinação judicial, só deve ocorrer em casos extremos, é o que defendem os especialistas ouvidos pela Agência Brasil.
Desde janeiro deste ano, teve início, em São Paulo, uma parceria entre o governo estadual e o Poder Judiciário para agilizar os processos de internação involuntária ou compulsória de dependentes químicos - o que incluiria também os casos de crianças e adolescentes viciados em crack. Segundo o desembargador Antonio Carlos Malheiros, coordenador da Vara de Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo, ainda não ocorreram casos de internação compulsória em São Paulo, sejam de crianças, adolescentes ou mesmo de adultos. Para ele, casos de internação compulsória só devem ocorrer em situações de extremo risco.
Entendo que a internação compulsória tem que ser a exceção da exceção da exceção, quando há risco iminente de se perder uma vida. O compulsório ainda não saiu [em São Paulo]. Crianças e adolescentes estão sendo atendidas [neste programa] em internações involuntárias. Crianças e adolescentes, todas que nos chegaram, chegaram com a mamãe, o papai ou o irmão mais velho pedindo a internação”, disse Malheiros.
O psicanalista e coordenador do departamento de Formação em Psicanálise Sedes Sapentiae, Antonio Sergio Gonçalves, também defende a internação compulsória de crianças e adolescentes somente para situações extremas e não como forma de política pública. “A internação não é sinônimo de tratamento ou de cuidados. Ela pode ser uma etapa. Ela não é nem início e nem fim. Nós, da saúde, nos valemos desse recurso, mas sempre na medida de caráter de exceção. Quando necessário, até fazemos uma internação involuntária, como forma de proteção, caso a vida do sujeito ou de terceiros esteja comprometida. Mas acho preocupante quando ela é formulada como política pública para responder a um fenômeno social que sabemos que, na base, tem outras questões que passam por renda, moradia, trabalho, proteção social, educação, lazer e uma série de violações”, declarou.
Para Robson Cesar Correia de Mendonça, presidente do Movimento Estadual da População em Situação de Rua de São Paulo, são exatamente estas violações citadas por Gonçalves que levam crianças e adolescentes a viverem nas ruas. “[O que motiva as crianças e adolescentes para as ruas] é a situação familiar, a curiosidade. A principal causa é a desatenção dada pelo Estado: a falta de políticas públicas para as crianças e adolescentes”, disse à Agência Brasil. Mendonça estima que cerca de 1,2 mil crianças e adolescentes que vivem nas ruas da capital paulista sejam dependentes de crack.
Para Ana Regina Noto, professora do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenadora do Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Crianças e Adolescentes em Situação de Rua, estudo feito no ano de 2004, em todo o país, o tratamento para crianças e adolescentes dependentes de crack deve passar por um resgate da cidadania. “Ele [criança ou adolescente] é dependente porque está com os laços de família muito fragilizados. No momento em que se oferece algo melhor para ele, ele tende a aceitar. Ele quer reconstruir a vida, estabelecer laços afetivos. Mas a gente, enquanto sociedade, acaba não oferecendo isso”, disse.
Para a pesquisadora, não só o governo, mas a sociedade também deve cumprir o seu papel com relação à dependência desses menores. “Ele é um ser humano como todos os outros, mas que está com seus direitos violados em função de uma situação de rua. Quem está mais ilegal? Ele, que está usando uma droga ilegal, ou nós, enquanto sociedade, que deixamos esse menino ficar nessa situação? A sociedade é que está precisando de óculos”, ressaltou.
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Terra 22.02.2013


MP-RJ: com atendimento insuficiente, internação compulsória é ilegal
André Naddeo
A prefeitura do Rio de Janeiro age de forma ilegal desde a última terça-feira, quando tiveram início as internações compulsórias dos usuários de crack, uma vez que não possui centros de atendimento especializados suficientes para o tratamento dos dependentes. Esta é a opinião do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ), que, após reunião com as secretarias municipais de Saúde e Assistência Social, fez uma série de recomendações documentadas a fim de aprimorar a questão de saúde pública no município.
"A prefeitura age fora da lei quando ela não tem o número correto de Caps (Centros de Atendimento Psicossocial) e unidades de atendimento especializado para estas operações", explicou a promotora de Justiça, da Saúde e Cidadania, Anabelle Macedo Silva. "Não houve recomendação para que as operações parem, e sim, que haja a ampliação da rede de saúde", complementou.
De acordo com o MP-RJ, o recomendável para a realização da medida da internação compulsória seria que o Rio de Janeiro pudesse oferecer aos usuários, pelo menos, 50 Caps AD, que são os Centros de Atendimento Psicossocial para dependentes de álcool e drogas, local onde os viciados podem pernoitar, por exemplo, e se manter em internação. Hoje, o Rio de Janeiro conta apenas com três unidades do tipo.
"A internação compulsória só deve ser usada como medida última, quando não for possível a realização da saúde mental, como os Caps, que no Rio de Janeiro são em pequeno número e necessitam de expansão. São dispositivos ainda deficitários em nossa cidade", esclareceu ainda a promotora, que na coletiva de imprensa aos jornalistas realizada na tarde desta sexta-feira, na sede do MP-RJ, no centro do Rio, elencou quatro medidas a serem tomadas pelas autoridades de saúde do município.
O primeiro item do documento, que trata da ampliação da rede, chama a atenção ainda para a necessidade de "leitos hospitalares especializados no atendimento em saúde mental em hospitais gerais". No segundo tópico, a questão da excepcionalidade da internação psiquiátrica deve ter "foco permanente na reinserção integral ao usuário, incluindo assistência social, atendimento psicológico, terapias ocupacionais e lazer".
Após a operação que teve início na madrugada da última terça-feira, 99 usuários (entre eles oito jovens com menos de 18 anos) foram recolhidos da região da favela Parque Nova União, onde funciona uma grande cracolândia desde que ocupação das comunidades de Manguinhos e Jacarezinho, favelas próximas onde o consumo do crack era bastante frequente. Horas após a operação, os usuários voltaram a frequentas as proximidades, mesmo com a presença das autoridades de segurança no local.
O terceiro ponto que o Ministério Público chama a atenção é que "na observância dos requisitos da lei 10.216/01 para legitimação de internações involuntárias em estabelecimento de saúde mental nos termos de caracterização fundamentada da ausência de consentimento do usuário", além de "prévia autorização por médico com regular registro profissional". Neste caso, a prefeitura tem 72 horas para enviar o registro do paciente ao MP-RJ.
Por último, para fins de consolidação deste registro do paciente, o MP-RJ solicita "nome, documento pessoal de identificação, data de nascimento", além de todos os dados da unidade de saúde responsável pela internação, como "nome, CNPJ, natureza do atendimento realizado, o responsável técnico do estabelecimento e a grade de serviços médicos".
Recomendações do MP estão no planejamento, diz secretaria
​Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil informou que segue os protocolos da Política Nacional de Saúde Mental para o tratamento de dependentes de crack na cidade. Segundo a secretaria, "as recomendações feitas pelo Ministério Público do Estado estão incluídas no planejamento da prefeitura, cujo documento com as propostas foi entregue à instituição".
"Além da ampliação da atenção primária, que também funciona como porta de entrada para os usuários de crack, a prefeitura abriu recentemente mais dois Centros de Atenção Psicossocial Álcool Drogas (Caps AD), dobrando a oferta deste tipo de serviço, que trabalha de forma mais específica no tratamento ambulatorial aos usuários da droga", argumenta a secretaria.
Segundo o órgão, atualmente a cidade conta com quatro Caps AD e outras 23 unidades convencionais, sendo duas com atendimento 24 horas. A prefeitura também promete a inauguração de mais um Caps AD "nos próximos meses".
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JB 21/02/2013



Em abrigo para usuários de crack, traficantes vendem drogas na entrada.
Secretaria de Desenvolvimento Social admite problema, mas não toma providências
Maria Luisa de Melo
Enquanto a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social intensifica as ações de recolhimento de usuários de crack, na porta do abrigo em Paciência (Zona Oeste do Rio), para onde estão sendo levados os adultos viciados, ainda há venda de drogas liberada, além de traficantes a poucos metros da entrada da unidade. Apesar da denúncia já ter sido feita pelo Jornal do Brasil à Prefeitura há três meses, até agora nenhuma providência foi tomada.
Quem se aproxima da Avenida Hermínio Aurélio Sampaio, que liga os bairros de Paciência e Santa Cruz, logo percebe a movimentação a menos de cinco metros da entrada da unidade.
A venda e o consumo de drogas debaixo do nariz do poder público está tão descontrolada que muitos usuários saem do abrigo e sentam na calçada próxima aos traficantes para consumir a droga. Depois, é comum voltarem para a unidade sem impedimento.
Ao chegar na Avenida Hermínio Aurélio Sampaio, o JB foi avisado por funcionários da Prefeitura sobre o alto número de traficantes no entorno. Logo atrás do abrigo fica a Favela Antares, onde o cinegrafista da TV Bandeirantes foi morto em novembro de 2011.
O secretário municipal de Desenvolvimento Social, Adilson Pires, reconheceu, via assessoria, que o abrigo fica em área conflagrada, nas proximidades de favelas. Reconheceu também que há consumo e venda de drogas do lado de fora da unidade. Mas nega que os abrigados levem drogas para dentro da unidade. "As pessoas podem sair durante o dia, mas não usam drogas dentro do abrigo", informou a assessoria.
Questionado pelo JB na última terça-feira sobre a facilidade de se consumir drogas nas proximidades do maior abrigo municipal do Rio de Janeiro, Adilson Pires disse que desconhecia a informação.
Em relatório do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura, da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, divulgado esta semana, a Unidade Rio Acolhedor, em Paciência, figura entre as que são de difícil acesso, comprometendo a reinserção social dos abrigados. "A unidade fica cerca de duas horas de distância do Centro do Rio de Janeiro, e localizada em área intermediária entre duas favelas, uma conhecida pelo comércio de drogas (Antares) e outra pela milícia (Três Pontes)", diz o documento.
No último dia 31 de janeiro, o Conselho Regional de Serviço Social do Rio de Janeiro teve audiência com o vice-prefeito Adilson Pires e entregou-lhe o relatório conclusivo das visitas.
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O Dia 21.02.2012



Enquanto polêmica cresce, viciados em crack se espalham pela cidade
Em meio a discussões sobre a internação involuntária, usuários voltam para a Avenida Brasil
Francisco Edson Alves
Rio -  Enquanto cresce a polêmica causada pela internação involuntária de usuários de crack pela Prefeitura, os viciados se espalham pela cidade.
Nesta quarta-feira, muitos deles voltaram a se aglomerar na Avenida Brasil, bem ao lado do posto da Secretaria de Assistência Social erguido pela Prefeitura no local onde se situava a antiga cracolândia, na entrada do Parque União, na Ilha do Governador.
Dezenas de usuários podiam ontem ser vistos consumindo crack a 300 metros da equipe da prefeitura.
“Nosso trabalho é de convencimento. Quem quiser ser ajudado, terá tratamento. Apenas aqueles que estiverem em estado grave de saúde terão a internação involuntária decretada por agentes da Secretaria Municipal de Saúde”, disse o subprefeito da Zona Norte, André Santos.
Nesta quarta-feira, seis adultos e um adolescente pediram para ser tratados. A antiga cracolândia está sendo higienizada, e um posto avançado da assistência social será montado naquele local.
O vereador Renato Cinco (Psol) está recolhendo assinaturas para instalar uma CPI que vai apurar denúncias de maus-tratos aos dependentes internados e a eficácia desse tipo de tratamento.
Para Renato Cinco, a solicitação da CPI está ligada ao caráter humanitário que a discussão precisa ter: “Os desvios de verba em abrigos especializados e o tratamento com doses cavalares de remédios a crianças têm que ser investigados. A sociedade precisa debater a truculência da internação forçada”, disse o vereador.
 Para que a CPI seja instaurada, são necessárias 17 assinaturas. Até ontem, apenas cinco delas haviam sido colhidas. A preocupação do vereador também está ligada à quantidade de leitos disponíveis. A saúde carioca tem hoje apenas 40 vagas para viciados.
Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Social, seriam necessários pelo menos 180 leitos para dar conta da realidade das cracolândias espalhadas pela cidade.
Viciado escolhe entre parar ou seguir com tratamento
Cerca de 72 horas após ser tirado das ruas pela internação involuntária, o viciado pode optar por seguir com o tratamento ou não. Segundo a Secretaria Municipal de Governo, o modelo adotado foi escolhido por ser considerado menos agressivo e mais imediato.
A internação involuntária é decretada por um médico que faz o diagnóstico imediato, enquanto a compulsória necessita de uma determinação judicial.
O método teria perfil mais adequado aos viciados cariocas, que se encontram, na maioria, com a saúde bem debilitada. Críticos alegam que a involuntária teria de ser pedida por algum parente, o que não ocorre no Rio.
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Agência Brasil 19/02/2013


Recolhimento compulsório de usuários de crack tende a agravar situação precária dos abrigos do Rio, diz relatório
Paulo Virgílio
Rio de Janeiro - As condições dos abrigos de adultos na cidade do Rio de Janeiro são precárias e só tendem a piorar, com a multiplicação da demanda em função da atual política de recolhimento compulsório de usuários de crack. O alerta consta de relatório divulgado hoje (19) pelo Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro (MEPCT-RJ), órgão vinculado à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).
O documento foi elaborado a partir das visitas que o MEPCT fêz a três abrigos do município, em conjunto com representantes dos conselhos regionais de Serviço Social (Cress-RJ) e Psicologia (CRP-RJ). As visitas ocorreram entre os dias 18 e 22 de junho de 2012, período em que ocorreu na capital fluminense a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20.
As instituições visitadas foram a Unidade Municipal de Reinserção Social Rio Acolhedor, em Paciência, e o Centro de Acolhimento Boa Esperança, em Santa Cruz, ambos na zona oeste do Rio, e o Centro de Acolhimento Stella Maris, na Ilha do Governador. Além da precariedade das condições físicas desses abrigos, o relatório chama a atenção para a questão da mobilidade dos usuários e dos visitantes.
“Os abrigos Rio Acolhedor e Boa Esperança se situam em área de difícil acesso, apresentando distância do centro urbano, o que implica, além de pouca oferta de transporte, na dificuldade de circulação dos usuários inseridos, sobretudo na busca por emprego”, diz o relatório. Ainda segundo o documento, “o Rio Acolhedor está situado entre duas favelas - uma contendo comércio ilícito de drogas e outra milícias - que constantemente entram em conflito, conformando um cenário de instabilidade tanto para os abrigados quanto para os profissionais que ali atuam”.
O relatório do MEPCT-RJ alerta ainda para “o reduzido número de profissionais para a demanda que tende a aumentar com o recolhimento de adultos”. De acordo com o levantamento, “muitos desses profissionais atuam em precárias condições trabalhistas”.
De acordo com o Cress-RJ, o relatório das visitas foi entregue no último dia 31 de janeiro ao vice-prefeito e secretário estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, Adilson Pires. Na ocasião, o órgão reafirmou sua posição contrária à internação compulsória de adultos, com base em normas nacionais e internacionais.
Criado por meio de lei estadual em 2010, o MEPCT-RJ tem como objetivo planejar, executar e conduzir visitas periódicas e regulares a espaços de privação de liberdade, qualquer que seja a forma ou fundamento de detenção, aprisionamento, internação, abrigo ou tratamento. As visitas servem para verificar as condições em que se encontram submetidas as pessoas privadas de liberdade, “com o intuito de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos e degradantes”.
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O Globo 19.02.2013


Prefeitura dá início ao processo de internação compulsória de usuários de crack
Cracolândia da Maré, uma das maiores do estado, é ocupada pela Polícia
GUSTAVO CARVALHO
Rio - Uma megaoperação para acolher usuários de crack, realizada na madrugada desta terça-feira no Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio, inaugurou uma nova fase no combate ao uso da droga no Rio: a adoção da internação compulsória de adultos. A medida, que divide opiniões no que diz respeito a sua constitucionalidade, será anunciada durante uma coletiva de imprensa às 10h no Centro de Operações da prefeitura.
A ação ocorreu na entrada da Favela Parque União, em Bonsucesso, considerada uma das maiores cracolândias do estado. Agentes da Secretaria municipal de Assistência Social, policiais dos batalhões de Choque, de Operações Policiais Especiais (Bope) e da Maré, além de policiais civis, guardas municipais e funcionários da Comlurb participaram da ação que resultou no fechamento – durante aproximadamente uma hora – das quatro pistas da Avenida Brasil, uma das principais vias expressas do Rio. Houve correria com a chegada dos agentes e resistência de alguns usuários ao acolhimento, entre eles crianças e até grávidas. Um grupo chegou a atear fogo em um sofá, e a polícia teve utilizar uma bomba de efeito moral para afastá-los do local. Ninguém ficou ferido.
Após o recolhimento de materiais utilizados como moradia pelos usuários, o espaço degradante que antes era usado como ponto de consumo de crack foi ocupado por policiais militares, que manterão uma viatura no local, acompanhados de guardas municipais. Um posto móvel para o acolhimento voluntário de dependentes da droga também será implantado no mesmo espaço. Funcionários da Rio Luz instalaram refletores no local.
— Essa área, agora, será ocupada de forma permanente pelo poder público, seja com a polícia ou com os órgãos da prefeitura responsáveis pelo acolhimento e tratamento dos dependentes químicos — comentou o coronel Rodrigo Sanglard, comandante do 22º BPM (Maré).
Os usuários acolhidos foram encaminhados para um abrigo da prefeitura, em Paciência, Zona Oeste do Rio, onde estão sendo avaliados por equipes da Secretaria de Saúde. O Secretário municipal de Governo, Rodrigo Bethlem, esteve na unidade acompanhando o trabalho dos agentes. O balanço da operação, bem como as informações sobre a nova medida adotada no combate ao uso de crack no Rio, serão divulgados durante coletiva de imprensa no Centro de Operações.
A internação compulsória de adultos usuários de crack, anunciada em outubro do ano passado pelo prefeito Eduardo Paes, dividiu opiniões. Há uma discussão jurídica sobre a constitucionalidade da medida. Segundo a legislação, uma pessoa só pode ser internada contra a vontade caso fique provado que ela não é capaz tomar decisões.
Antes da megaoperação, troca de tiros.
A ação da prefeitura foi precedida por uma operação da Polícia Militar nas favelas Parque União e Nova Holanda, no Complexo da Maré, para evitar represálias de traficantes durante a ação coordenada pela Secretaria municipal de Ação Social. Houve intensa troca de tiros e dois policiais do Bope ficaram feridos por estilhaços. Uma pistola foi apreendida. O caso foi registrado na 21ª DP (Bonsucesso). Durante o confronto, um motorista, de 32 anos, que havia acabado de estacionar seu carro na Rua Teixeira Ribeiro, teve que se abrigar em um estabelecimento comercial no interior da comunidade. Quando retornou para o veículo, ele percebeu que o para-brisa havia sido atingido por um tiro de fuzil, que atravessou o encosto do banco do motorista e foi parar no vidro traseiro.
— Estou nervoso até agora. Não consigo sequer dirigir. Ainda bem que segui o conselho dos policiais de me abrigar durante o tiroteio, senão estaria morto nesse momento — contou assustado.

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BBC Brasil 06.02.2013

Internação compulsória de viciados em crack
Daniela Fernandes
Analistas defendem acompanhamento médico, proteção social, comida e trabalho para viciados.
A internação compulsória de dependentes de crack não é a maneira mais eficiente de se lidar com o problema do vício, segundo especialistas da ONU e da OMS (Organização Mundial da Saúde) ouvidos pela BBC Brasil.
O tema voltou a debate no Brasil em janeiro, quando o governo de São Paulo fez uma parceria com a Justiça para agilizar a internação forçada de casos extremos de dependentes da droga.
O governo paulista diz que suas propostas para o tratamento dos usuários de crack estão de acordo com as premissas da ONU e da OMS e afirma que, até hoje, nenhum paciente foi internado por ordem judicial e menos de dez foram internados involuntariamente (a pedido da família, mas sem ordem da Justiça).
Para o médico italiano Gilberto Gerra, chefe do departamento de prevenção às drogas e saúde do Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC, na sigla em inglês), é necessário oferecer aos viciados "serviços atrativos e uma assistência social sólida".
"Uma boa cura de desintoxicação envolve tratamento de saúde, inclusive psiquiátrico para diagnosticar as causas do vício, pessoas especializadas e sorridentes para lidar com os dependentes e incentivos como alimentação, moradia e ajuda para arrumar um emprego", diz Gerra.
"O Brasil precisa investir recursos para oferecer serviços que funcionem e ofereçam acompanhamento médico completo, proteção social, comida e trabalho para os dependentes", afirma.
De acordo com ele, o Brasil tem bons profissionais no campo do tratamento das drogas, mas faltam especialistas, e a rede médica nessa área é insuficiente.
Segundo Gerra, a internação compulsória deve ocorrer pelo prazo máximo de algumas semanas e só se justifica quando o dependente apresenta comportamento perigoso para a sociedade ou para si próprio.
Acompanhamento
O médico defende o acompanhamento contínuo mesmo após a fase de desintoxicação, como exames de urina para detectar drogas nas pessoas que receberam auxílio para arrumar um emprego ou a presença de assistentes na hora das compras no supermercado para fiscalizar se o cupom de alimentação recebido é realmente utilizado com essa finalidade.
Autor do documento "Da coerção à coesão: tratando a dependência às drogas por meio de cuidados à saúde e não da punição", do UNODC, Gerra diz que o tratamento do vício do crack não é feito com remédios, e sim com acompanhamento psicológico e psiquiátrico.
Ele afirma ainda que os países democráticos devem "estar atentos" ao sistema de internação compulsória para não transformar isso em uma "rede" de tratamento para lidar com o problema.
Para o médico australiano Nicolas Campion Clark, da direção do abuso de substâncias da Organização Mundial da Saúde (OMS), a internação compulsória traz o risco de "criar uma barreira com o dependente" e afetar sua confiança, dificultando, portanto, o tratamento.
Clark afirma que muitos países possuem legislações que autorizam a internação compulsória de dependentes, mas "isso é usado raramente e não funciona realmente na prática".
"É melhor encorajar o sistema voluntário de tratamento. É difícil forçar alguém a se tratar. Se você oferecer uma chance para as pessoas se recuperarem e terem comida, alguns vão agradecer, outros vão querer voltar para onde estavam", afirma.
Problemas múltiplos
O especialista da OMS também afirma que o vício do crack envolve problemas múltiplos (psicológicos e sociais) que devem ser tratados com ações em várias áreas além da médica, como moradia, alimentação, assistência geral e programas de emprego.
Ele afirma que há exemplos de programas de tratamento voluntário de dependentes em países como os Estados Unidos e a Austrália que "ajudam as pessoas a reconstruir suas vidas e não são apenas soluções temporárias".
O médico cita também o programa brasileiro que permite às grávidas viciadas em crack obter tijolos e materiais para construir casas em troca de tratamento.
"Isso dá instrumentos para que elas façam algo diferente em suas vidas", afirma.
A OMS já criticou o sistema de internação compulsória de dependentes realizado em países asiáticos. "Eles detém pessoas viciadas e estão tratando casos de saúde com a prisão", diz Clark.
A organização publicou um documento no ano passado solicitando aos países para fechar os centros de tratamento compulsório de drogas.
Segundo Clark, pelo menos 90% dos dependentes químicos no mundo não recebem tratamento.
São Paulo
No último dia 21, o governo de São Paulo iniciou em parceria com a Justiça um plantão jurídico em uma clínica especializada no tratamento de dependentes químicos no centro da capital.
A medida gerou polêmica e atraiu críticas de ativistas de direitos humanos, contrários à internação forçada e que temiam o uso da polícia para levar viciados para tratamento.
As autoridades de São Paulo afirmam que a participação da polícia na ação nunca esteve nos planos do governo e que a internação compulsória seria empregada apenas em casos extremos.
Mas a exposição do assunto na mídia aumentou o número de atendimentos voluntários na clínica. "Passamos a atender até 120 pessoas em um dia. Esse era o número de pessoas que recebíamos em uma semana", disse Rosângela Elias, coordenadora de saúde mental, álcool e drogas da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo.
Segundo ela, o Estado mantém ainda cerca de 300 vagas em moradias assistidas. Nelas, o viciado em crack em processo de desintoxicação recebe por até seis meses um local para morar, alimentos e incentivos para voltar ao mercado de trabalho.
Nesse período, também é incentivado a frequentar clínicas públicas especializadas onde recebe atendimento clínico e psicológico. De acordo com Elias, há uma mobilização de secretarias estaduais e municipais para ajudar o dependente químico em recuperação a se reinserir na sociedade.
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FSP 03.02.2013


Internação involuntária lidera em clínica 'top'.
Segundo diretor, antes de aceitar o tratamento, pacientes passam por fases de negação e depressão.
   Dependente em segunda passagem pela unidade conta que quase morreu e que causou um rombo na empresa do pai.
O vício sempre levou Paulo (nome fictício), 34, aos extremos. Uma overdose quase o levou à morte há quatro anos.
Em outro teste de seus limites, recebeu uma mala com 1.500 comprimidos de ecstasy num aeroporto, que seriam distribuídos em São Paulo. Nunca foi preso.
Foi internado duas vezes. Na primeira delas, foi à clínica Greenwood, em Itapecerica da Serra (Grande São Paulo), contra a vontade. Um mês ali custa cerca de R$ 30 mil.
Esse tipo de internação acontece em 90% dos casos, segundo o diretor do estabelecimento, Cirilo Tissot. Ele explica que mesmo os que entram por vontade própria passam posteriormente pela fase de negação. "É quando o dependente diz: 'gostei da clínica, mas agora quero sair'."
Nas internações, que duram até um ano e meio, antes da total aceitação do tratamento, os internos vivem também um período de depressão. "Isso acontece quando eles se dão conta de que não poderão nunca mais fazer aquilo que eles gostam, no caso, usar a droga."
Após o fim da internação, na unidade de Itapecerica, os pacientes iniciam um tratamento ambulatorial, com visitas à unidade chamada de hospital-dia, na capital paulista. Ali, os pacientes passam por consultas periódicas.
QUEBROU A EMPRESA
Há um ano e dez meses internado em Itapecerica, Paulo não usa crack, mas é viciado em cocaína e, por quase dois anos, consumiu um comprimido de ecstasy por dia.
Formado em sistemas de informação pelo Mackenzie, o jovem estudou no colégio Santa Cruz "a vida toda". Cresceu no Alto de Pinheiros, zona oeste paulistana, na casa confortável do pai, um empresário.
Está na segunda internação. Na primeira, ficou por um ano e dez dias. "Fiquei mais dez meses limpo depois da internação, mas recaí em 2011. Tomei punhados de remédios sem prescrição e, depois, voltei a usar cocaína", lembra.
Antes da segunda passagem pela clínica, quebrou a empresa de investimentos que montou com amigos.
Também causou um desfalque "enorme" no negócio do pai. "Tinha carta branca para fazer investimentos da companhia, mas fiz uma operação errada e o rombo foi grande", disse. Foi nesse período que se acabou na cocaína.
DESCULPA PARA O VÍCIO
Em março de 2011, voltou a ser internado, agora por vontade própria.
"Comecei usando por curiosidade. Fiquei viciado e desenvolvi um estranho vício de querer me aproximar de bandidos", disse.
Ele afirma que uma desculpa para o vício é a doença da mãe, há doze anos em coma. "Eu contava a minha história até para os traficantes, para me vitimizar", conta.
Agora, três vezes por semana, ele passa o dia em sua casa, mas sempre acompanhado por uma pessoa designada pela clínica.
A artista plástica Juliana (nome fictício), 40, é uma das colegas de internação de Paulo. Entrou ali por vontade própria. "Depois, me tornei involuntária. Ainda bem que minha família resistiu e eu fiquei", disse.
Moradora dos Jardins, ela diz que usava, em média, cinco gramas de cocaína por dia. Para manter o vício, roubava dinheiro do cofre do pai.
"Me drogo desde a adolescência". Nunca conseguiu ter emprego fixo nem terminou cursos universitários.
"Aos 40 anos, sou dependente dos meus pais."
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IG 25.01.2013
Diretora do Cratod discorda de internação forçada e é demitida


Centro é o pilar da política pública de combate ao uso de drogas e sede do plantão judiciário no centro de São Paulo. "Me opus à atual política e fui demitida", disse Marta Jezierski ao iG
Ricardo Galhardo
Marcelo Camargo/ABr foto
A diretora geral do Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), Marta Jezierski, foi demitida na última sexta-feira (18) por discordar da nova política de incentivo às internações forçadas de usuários de crack adotada pelo governo estadual.
O Cratod é o principal centro de tratamento de dependentes químicos em São Paulo e pilar de toda a política pública de combate ao uso de drogas. Por isso foi escolhido para sediar o plantão judiciário inaugurado segunda-feira para agilizar casos de internação forçada de dependentes de crack, batizado Operação Centro Legal – Fase 2.
A Marta Jezierski, responsável desde 2010 por coordenar todo atendimento a dependentes químicos no Cratod, se posicionou contra a nova política adotada pelo governo estadual e foi demitida pelo coordenador do serviço de Saúde da secretaria de Saúde do Estado, Sebatião André de Felice.
Marta é considerada uma das maiores especialistas do país em tratamento de dependentes químicos e trabalha desde 1987 na área. Segundo ela, o governo do estado tentava há mais de dois anos implantar a política priorizar as internações forçadas mas esbarrava na recusa por parte dos médicos especialistas.
“Propusemos outras alternativas como a implantação de um consultório de rua na Cracolândia, a instalação de um telão onde as pessoas poderiam ‘doar’ mensagens de apoio aos usuários, ampliar o horário de atendimento do Cratod. Mas para isso o Estado precisaria investir em recursos humanos e contratar mais médicos. Me opus à atual política e fui demitida”, disse Marta.
A assessoria de imprensa da Secretaria de Saúde do Estado confirmou a saída da coordenadora do Cratod mas não informou os motivos.
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Estadão 24 de janeiro de 2013

SP tem 5,3 mil internações à força em 2012 e supera total registrado em 8 anos

ADRIANA FERRAZ
Pelo menos 5.335 dependentes de drogas e álcool foram internados à força na capital em 2012 após autorização de parentes, mesmo sem apoio do governo ou orientação da Justiça - que nesta semana deflagraram uma força-tarefa para conter o avanço do crack. As chamadas internações involuntárias foram notificadas ao Ministério Público Estadual (MPE) entre 1.º de janeiro e 31 de dezembro do ano passado. Na média, são 14 por dia.
O número registrado em 2012 é 736% maior do que a média dos últimos oito anos. Segundo o MPE, 5.103 notificações foram recebidas pelo Centro de Apoio Operacional (CAO) Cível e de Tutela Coletiva entre 2004 e 2011 - média de 637 casos anuais ou dois casos por dia. Segundo legislação federal, clínicas ou comunidades terapêuticas devem notificar o MPE sobre a internação em 72 horas.
A obrigatoriedade vale para qualquer diagnóstico, seja ele relacionado ao uso de drogas, álcool ou mesmo a doenças mentais. Mas, de acordo com o promotor de Justiça Eduardo Ferreira Valério, a regra nem sempre é cumprida. "Acredito que o número de subnotificações tenha diminuído, mas ainda existe."
Na lista oficial, o mês de julho é o campeão de notificações, com 549 casos. Agosto e setembro também concentram números altos, na casa dos 500. Para Valério, o aumento não tem relação direta com a operação policial iniciada em janeiro de 2012 na cracolândia. "A presença dos policiais só fez dispersar os usuários. Houve fuga, não busca por tratamento", diz.
O psiquiatra Dartiu Xavier discorda. Segundo ele, o aumento é uma consequência da repressão policial apoiada pelos agentes públicos. "É também resultado da publicidade dada ao tema pela mídia", afirma o professor da Unifesp. Para o especialista, porém, o registro de internações é "chocante" e representa um retrocesso. "Ele revela que os dependentes não estão procurando tratamento voluntariamente. Isso sem falar que a internação não é a melhor opção."
Vistoria. Além de registrar as internações, o MPE busca agora formar uma equipe para acompanhar os tratamentos. O órgão reconhece que há necessidade de se ter conhecimento não só do início da internação, mas do meio e do fim.
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http://ads.img.globo.com/RealMedia/ads/Creatives/default/empty.gifJornal Correio 22.01.2013

Salvador terá internação compulsória de viciados em drogas

Equipe vai fazer abordagens no Centro Histórico a partir de março

Anderson Sotero
Assim como São Paulo, que ontem passou a internar compulsoriamente os dependentes químicos, a Bahia também vai internar à força dependentes químicos. Uma equipe com profissionais de saúde será criada pela Superintendência de Prevenção e Acolhimento aos Usuários de Drogas e Apoio Familiar (Suprad), órgão vinculado à Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos. A previsão do governo do estado é que a equipe já esteja nas ruas do Centro Histórico em março.
Desde segunda (21), após parceria do poder Judiciário com o governo do estado de São Paulo, 50 agentes fazem abordagens nas ruas do Centro da capital. Se for atestado que o viciado não tem domínio da sua própria saúde e condição física e este se negar a receber tratamento, um juiz poderá determinar sua internação.
“Esse tipo de internação feita em São Paulo será feita aqui também no Centro Histórico. Aqui em Salvador, nós não temos uma cracolândia nos moldes da Estação da Luz (em São Paulo). Temos alguns pontos que têm características parecidas, como, por exemplo, o Centro Histórico, onde há uma grande concentração com pessoas que vêm até do interior. Não é igual, mas requer intervenções”, explica a superintendente da Suprad,
Denise Tourinho, destacando que antes da internação compulsória a equipe trabalhará  tentando se aproximar do usuário de drogas, conviver e criar  confiança.
Os casos de internação compulsória são quando o dependente está em risco e, mesmo sem autorização da família, a internação é determinada por um juiz competente, depois de pedido feito por um médico, atestando que a pessoa não tem domínio sobre suas condições psicológicas e físicas.
“Vai ser uma ação cotidiana. Vamos trabalhar com muita tranquilidade. 90% dos casos não precisam de internação. Precisam de orientação”, acrescenta Tourinho.
A Câmara Setorial de Enfrentamento ao Crack, criada pelo programa Pacto pela Vida, terá um grupo de trabalho para acompanhar quinzenalmente os casos de internação compulsória. Após o período de crise, que, segundo Tourinho, costuma demorar em média 17 dias, o dependente tem condições de decidir se quer acompanhamento voluntário.
Centro Histórico 
A criação da equipe específica para o Centro Histórico, local considerado prioridade pelo governo, faz parte do plano Viver Sem Drogas que foi implantado há um ano e um dos braços do programa estadual Pacto Pela Vida, do qual fazem parte também as Bases Comunitárias de Segurança.
“As questões relacionadas às drogas não são só de polícia. Nossa proposta é chegar nessas pessoas sem violação de direitos. O trabalho é numa perspectiva de convencimento dos usuários”, diz Tourinho. Há ainda a previsão de estender para outros locais, “onde houver necessidade”.
Problemas
Tourinho, porém, destaca problemas na internação. “Chegar até o usuário e determinar a internação compulsória é fácil. O difícil é a rede de saúde atender a todas essas pessoas”.
A saída para o Estado é internar em hospitais gerais. “Precisa de acompanhamento médico para tirar da abstinência. Estou falando de pessoas que estão nas ruas, degradadas, às vezes armadas, usando de 20 a 30 pedras de crack por dia, misturando com álcool. Estas pessoas não estão em condições de decidir. O encaminhamento destas pessoas só conta atualmente com os hospitais gerais”, destaca a superintendente da Suprad, admitindo que o Estado precisa implantar mais leitos psiquiátricos em hospitais gerais. “Nós temos 800 vagas por ano”, diz.
Ela reclama de falta de suporte do município. “Salvador não tem um Caps AD3 (Centro de Atendimento Psicossocial), que trabalha com acolhimento noturno, e o Caps Gey Espinheira (em Campinas de Pirajá) nunca funcionou como do tipo 3. Nossa expectativa é que o prefeito consiga expandir a rede de Caps”, diz.
De acordo com a diretora de Atenção à Saúde, Luciana Peixoto, da Secretaria Municipal da Saúde, a prefeitura “pretende expandir a rede de Caps”, mas ainda não há previsão para isso.
A coordenadora municipal da Área Técnica de Saúde, Célia Rocha, ressaltou que existem três consultórios de rua, formados por equipes profissionais de saúde, que realizam campanhas educativas de enfrentamento ao uso do crack. Dois são itinerantes e o terceiro fica no Centro Histórico.
“Existe um decreto do prefeito exigindo que nós temos um prazo de 90 dias para implementar ações que fortaleçam a rede psicossocial com ênfase no álcool e drogas”, lembra Rocha.
A psiquiatra Rosa Garcia, integrante da Associação Brasileira de Psiquiatria, concorda com a internação compulsória quando o dependente químico estiver correndo risco, mas destaca a necessidade de centros especializados em Salvador.  “Ele corre risco de ser agredido, atropelado, entre muitos outros, mas nós não temos um centro especializado para internar usuários de drogas compulsoriamente”, afirma.
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rev. Piauí / ed 56, maio 2011


Do outro lado da Lua
As clínicas para crianças e adolescentes que usam crack
Roberto Pompeu de Toledo
Janaína, uma menina de 14 anos, negra, baixinha, boca grande e lábios grossos, falastrona e, vista de certo ângulo, divertida, não tem a ponta do dedo indicador da mão esquerda. É o menor de seus problemas. Janaína começou a se prostituir aos 10 anos. O primeiro a abusar dela foi um policial. Ganhou em troca uma pedrinha de crack. Passou a viver na área do Centro de São Paulo conhecida como Cracolândia. Entrou na roda-viva de prostituir-se, ou “fazer programas” – muitos, a cada dia –, em troca das pedrinhas miraculosas – muitas, a cada dia.
“No começo, eu nem sabia o que era programa”, diz Janaína. “Pensava que era programa de televisão.” Dá um sorriso maroto. É o seu lado divertido. Um dia, a pedra do crack estourou dentro do cachimbo e queimou-lhe a mão. “O dedo ficou cheio de pus.” Levaram-na para a Santa Casa de Misericórdia, e teve de ter a ponta do dedo amputada. Foi um acidente grave, mas um nada, um detalhe, uma coisica do tamanho da ponta de seus dedinhos de criança, no contexto geral da vida que lhe foi reservada.
Janaína é um dos adolescentes, entre meninos e meninas, internados no Serviço de Atenção Integral ao Dependente, o Said, uma unidade de tratamento da prefeitura paulistana, administrada pelo Hospital Samaritano de São Paulo. O centenário Samaritano assumiu, em anos recentes, dois projetos de atendimento gratuito a dependentes do uso de drogas. Um é o Said, iniciado em agosto do ano passado no bairro de Heliópolis, perto de uma das maiores favelas da cidade. O outro é o Projeto Jovem Samaritano, iniciado um ano e meio antes no município de Cotia, na Grande São Paulo.
Os dois obedecem ao mesmo regime, ou seja, o Samaritano, instituição privada, que administra projetos para o setor público: o Said em convênio com a prefeitura; o Jovem Samaritano com o governo do estado. O Said acolhe de adultos a crianças; o Jovem Samaritano, só adolescentes. Os dois têm em comum o fato de serem regidos por um método importado do Chestnut Health Systems, entidade americana com sede em Bloomington, Illinois.
Visitar as instituições – chamemos de “clínicas”, embora os médicos não estejam de acordo em que a palavra expresse com justeza o que representam – é, para quem não é do ramo, experimentar duas sensações diferentes. Primeira, a de conhecer uma iniciativa inovadora, tocada por profissionais dedicados e bem qualificados, e alicerçada em fundamentos tão sólidos quanto a ciência pode proporcionar no momento, numa matéria tão complexa quanto a dependência de drogas. Segunda, a de observar de perto, ao entrar em contato com os pacientes, conversar com eles e ouvir suas histórias, um mundo do qual só se tinha conhecimento pela lente distante das estatísticas e das notícias de jornal.
Esta reportagem só falará dos menores. Dizer que eles chegam ao Said, ou ao Projeto Samaritano, vindos, na grande maioria, do submundo, é pouco. Vêm do sub do sub do submundo. Protagonizam histórias proibidas de contar para crianças, quanto mais de vivê-las. Era uma vez um menino que era abusado pelo tio. Era uma vez um menino que fumava crack com o namorado da mãe. Era uma vez uma menina que contraiu HIV aos 10 anos. Todos eles já estavam ou acabam na rua, consumindo uma pedra de crack após outra.
O autor deste texto teve sua atenção voltada para as clínicas administradas pelo Samaritano ao receber um e-mail de uma amiga, a jovem psiquiatra Camille Chianca. Ela já me contara que estava trabalhando no Said. No e-mail, disse que naquele dia lhe tinha dado a louca de mostrar algo diferente a dois dos meninos internados, um de 17 anos, outro de 13. Matutou, matutou e resolveu: ia levá-los ao Museu do Futebol.
Dois outros profissionais do Said, o professor de educação física Daniel e a técnica de enfermagem Jacinta, foram junto. “No museu, eles corriam, pulavam, olhavam ansiosos para uma coisa e outra”, escreveu Camille. “Acho que a adolescência é assim.” Pareciam – eis a grande revelação – adolescentes normais. O melhor ainda estaria por vir. Do Museu do Futebol, o grupo se dirigiu ao The Fifties, uma lanchonete da praça Vilaboim, ali perto do Estádio do Pacaembu. Camille disse no e-mail que nunca esquecerá o rosto do menino mais velho, que nunca tinha ido a um restaurante, ao saborear a maravilha disponível no local chamada milk-shake. O que minha amiga queria mostrar aos dois pequenos pacientes é que há coisas tão gostosas, ou mais, na vida, do que o crack. Naquela tarde, achou que tinha conseguido.
O e-mail de Camille me ofereceu um vislumbre do outro lado da lua. Do lado de cá, o que me é familiar, e, se não cometo grosseiro engano, à grande maioria dos leitores da piauí; as crianças aprendem desde cedo o que é milk-shake, e adolescentes... ora, adolescentes se comportam como adolescentes. Fui tomado pelo desejo de conhecer o trabalho realizado no Said e no Jovem Samaritano com os garotos e garotas do crack. Ou melhor, dos garotos e garotas portadores de dependência química. (Primeira lição: jamais chamá-los de drogados, muito menos de “crackeiros”, menos ainda de “nóias”.) Eles ficam internados por até três meses. Nesse período, se envolvem em atividades que vão da prática de esportes a aulas de música e discussões de grupo.
Há diferenças entre o Said e o Jovem Samaritano. O Jovem Samaritano, que começou antes, ministra um programa de aulas de português, matemática e ciências. No Said, isso ainda não foi implantado. As vagas são poucas, para que o tratamento, individualizado e intenso, possa ser bem ministrado. O Said pode abrigar até dezesseis adolescentes meninos, dezesseis adolescentes meninas (de 12 a 18 anos) e oito crianças (até 12 anos) – até isso existe nesse mundo obscuro. O Jovem Samaritano tem capacidade para acolher vinte internos, todos adolescentes do sexo masculino.
Os jovens, não raro com um passado (e um passivo) de infratores e passagens pela Febem (ou Fundação Casa, como foi rebatizada a instituição que acolhe menores transgressores em São Paulo), ao chegar se aproximarão dos profissionais de mãos para atrás e olhar baixo. Serão convidados a soltar os braços e levantar a cabeça, olho no olho. Terão aí a senha de que se encontram em outro ambiente.
Em minha primeira visita ao Said, fui recebido por Camille e pelo enfermeiro Reinaldo Antônio de Carvalho, coordenador técnico das duas clínicas administradas pelo Samaritano. A primeira surpresa reservada ao visitante é tomar conhecimento de que as instalações são de um antigo motel, desapropriado pela prefeitura porque se encontrava em situação irregular. É bizarro, mas, bem pesadas as coisas, eis uma ideia luminosa. Motéis demais e clínicas para dependentes químicos de menos, os males do Brasil são. O precedente merecia multiplicar-se. Ainda mais que a conformação arquitetônica dos motéis, basicamente a de longas fileiras de quartos, é a mesma requerida para clínicas. Os ajustes necessários para instalar o Said foram facilitados por essa circunstância. As garagens do motel, situadas ao rés do chão, transformaram-se em quartos. E os antigos quartos, no andar superior, viraram salas de reunião, oficinas de arte e de música, consultórios.
O conjunto todo se divide em quatro alas incomunicáveis – homens de um lado, mulheres de outro, adolescentes e crianças do sexo masculino em uma terceira ala, adolescentes e crianças do sexo feminino em uma quarta ala. Quando entrei na ala dos meninos, os três ou quatro que ali se encontravam, sentados em cadeiras, me estenderam a mão. O mais efusivo foi um baixotinho que não parecia ter os 13 anos que depois soube que tem. Ao passarmos por um corredor, Camille me chamou a atenção para a tampa de ferro vermelha do extintor de incêndio, toda amassada. “É o saco de boxe deles”, explicou. Os meninos são impacientes, continuou, e reagem com violência às contrariedades. Ela atribui a impaciência ao crack, que tem um efeito fulminante. Os adolescentes passam a querer o mesmo efeito em tudo.
O enfermeiro Reinaldo de Carvalho, que antes trabalhou no setor de psiquiatria da Santa Casa, me desfia uma pequena amostra dos casos assombrosos que teve nas mãos. Um deles é o do tal menino que era abusado pelo tio, com quem vivia. O menino era portador de leve deficiência mental e foi difícil arrancar dele o que acontecia em sua relação com o tio. Não achava relevante contar. Achava normal, numa relação entre crianças e adultos. Não faz muito, surgiu um paciente, adulto, mulher, mas que se dizia homem e afirmava chamar-se Fernando. Num raro momento em que um dos meninos pôde vislumbrar a ala dos adultos, o menino gritou: “Fernando!” Ele o(a) conhecia. Fernando/Fernanda era um(a)  aliciador(a) de crianças para pedófilos. O menino que o(a) reconheceu pertenceu ao quadro dos aliciados. E quem era esse menino? Aquele mesmo que me cumprimentara mais efusivamente, à entrada – o que tinha 13 anos, mas parecia menos.
Um sistema de pontos avalia se os adolescentes tiveram maior ou menor envolvimento com as atividades propostas durante a semana, melhor ou pior desempenho. A tabela com os pontos fica exposta numa parede, à vista de todos. Um certo número de pontos rende uma recompensa, que pode ser, à escolha do contemplado, um telefonema para a família, a dispensa de uma atividade que lhe desagrade, ou mesmo um passeio. Naquela ocasião do Museu do Futebol e do milk-shake, Camille estava contemplando dois ganhadores da semana.
Em outra oportunidade, ela e a psicóloga Juliana levaram um menino de13 anos ao cinema. “Você sabe o que é um cinema?”, lhe perguntaram antes. “Sei. É uma televisão grande, tem cadeiras e tem pipoca.” Foram ao Shopping Santa Cruz, ver o filme Enrolados, em terceira dimensão. Entraram no saguão, e o menino, ansioso, perguntava: “Cadê a televisão grande? Cadê as cadeiras?” Calma, garoto. Quando chegaram à sala de projeção, o menino continuou falando alto. Ensinaram-lhe que tinha de falar baixo. Durante a sessão, comeu dois sacos de pipoca e tentou agarrar com as mãos as imagens que saltavam da tela. Ao sair, foi submetido a discreta inquirição para avaliar se tinha entendido a história. Tinha.
O enfermeiro Reinaldo de Carvalho, de 31 anos, casado, pai de uma filhinha de 1 ano, teve desde cedo despertada a vocação para o que faz. Nasceu numa pequena cidade na região de São José do Rio Preto, onde o pai, quando ele era criança, foi presidente da Câmara dos Vereadores. Nessa qualidade, o pai de Reinaldo recebeu do juiz, em certa ocasião, a incumbência de encontrar tutores para três doentes mentais. Sem ter a quem recorrer, o pai assumiu ele mesmo a tarefa, e levou os três doentes para casa. Na convivência com eles, Reinaldo de Carvalho teve sua curiosidade aguçada pelos mistérios do funcionamento da mente.
Fez então faculdade de saúde pública em Rio Preto já sabendo que queria trabalhar com saúde mental. Mudou-se para São Paulo e, ao ser admitido na Santa Casa, escolheu o setor dos dependentes de álcool e drogas. Da Santa Casa foi recrutado, por meio de uma empresa deheadhunters, para os projetos que o Samaritano estava por instalar.
“Entre nossos desafios está a concorrência com o traficante”, afirma Reinaldo de Carvalho sobre seu trabalho atual. “Os meninos aqui ganham um tênis All Star quando chegam, mas que é um tênis diante dos mil reais por semana que o traficante pode lhes proporcionar?” É comum o consumidor se pôr a serviço do traficante. “Já encontrei casos em que, com a renda do tráfico, os meninos viram arrimos de família. Quando são internados, as famílias pressionam para saírem logo. Precisam recuperar a fonte de renda.”
Uma vez, caiu-lhe nas mãos um impresso, ou talvez se possa dizer um boleto, emitido pelo pcc (o Primeiro Comando da Capital, a central dos traficantes paulistas) e dirigido a uma família de São Vicente, no litoral paulista. O documento estipulava certa quantia que devia ser paga para que o filho continuasse autorizado a traficar.
O dependente químico só raramente é adicto a uma única droga. Um coquetel, no qual os especialistas nunca esquecem de incluir o cigarro e o álcool, faz parte de sua trajetória rumo ao depauperamento da saúde, à dissipação da atenção, ao aniquilamento da vontade e à impossibilidade de exercer atividade produtiva em que se constitui o estado avançado de dependência. De uns anos para cá, entre as camadas mais baixas da sociedade, principalmente, mas não só entre elas, o crack passou a reinar.
Essa droga começou a ser produzida na década de 70, nos Estados Unidos, e explodiu nas ruas das maiores cidades americanas, Nova York à frente, em meados dos anos 80. No Brasil, São Paulo à frente, chegou cerca de uma década mais tarde. “O crack nada mais é do que a cocaína em pó, adicionada de água e de bicarbonato de sódio”, escreve um dos maiores especialistas em dependência química do Brasil, o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, num pequeno manual – Drogas: Maconha, Cocaína e Crack. O livro foi feito em parceria com Flávia Jungerman e John Dunn, todos da Universidade Federal de São Paulo, possivelmente o mais ativo e respeitado centro brasileiro de tratamento e pesquisa da dependência química. “Essa mistura é aquecida até a água evaporar, e o produto final consiste em pedras de cocaína”, prossegue o texto.
O crack é fumado em cachimbos, que podem ser comuns ou improvisações com base em tubos de caneta Bic, copinho de Yakult ou latas de cerveja furada. Quando o cachimbo é aceso e a pedra, parecida com uma pedra de açúcar, de uma cor que vai do branco ao marrom, pega fogo, produz um estalo. Daí o nome “crack”, estalo em inglês. Ele é tido como capaz de produzir efeito mais imediato e intenso do que a cocaína. Nem todos os especialistas concordam com isso. O grande diferencial seria o preço. Há pedras de 10 reais, de 5 e “lasquinhas” de 1 real. Daí o seu apelo junto a populações nos últimos subsolos sociais.
A revista Veja noticiou (na edição de 9 de fevereiropassado) que, da convivência do traficante carioca Fernandinho Beira-Mar com o paulista Marcola, na Penitenciária de Presidente Bernardes, no interior paulista, resultou que Marcola convenceu o outro a incluir o crack em sua cesta de ofertas. Até então, o carioca relutava, no pressuposto de que a inclusão do crack abalaria o mercado de cocaína. Não, argumentou o paulista, o crack só atingiria os mais miseráveis. A conferência de cúpula entre as duas sumidades do tráfico mostra como eles são bonzinhos, em primeiro lugar, e, em segundo, explica a entrada do crack no mercado do Rio, depois de um período em que São Paulo reinou sozinho. Hoje está disseminado Brasil afora.
A Prefeitura de São Paulo mantém há dois anos um programa de assistência aos moradores de rua. Ação Integrada Centro Legal é o nome do programa, bem de acordo com a tendência (federal, estadual e municipal) de embalar os programas com nomes de fantasia, de apelo marqueteiro – Fome Zero, PAC, Minha Casa Minha Vida. Mas que o Centro Legal não se perca, nem seja julgado, pelo nome. Funciona bem, até onde podem funcionar bem os programas sociais brasileiros, e criou a figura dos “agentes urbanos” para, à semelhança dos agentes de saúde, que visitam as pessoas em seus domicílios, ir ao encontro das pessoas que não têm domicílios.
O trabalho dos agentes urbanos consiste em abordar o “povo da rua” – outro nome de fantasia, este cunhado pelas ONGs e organizações religiosas – e oferecer-lhes a ajuda possível. No caso dos adultos, se não estiver em condições de responder à abordagem, de tão drogado ou alcoolizado, ou se estiver ferido, será encaminhado a algum hospital. Se estiver em condições de responder à abordagem, será encaminhado a um abrigo ou, se for o caso, a uma clínica, apenas se concordar com isso.
Tratando-se de menor de idade, flagrado consumindo ou sob o efeito de droga, será obrigatoriamente tirado da rua, e pode vir a ser internado numa das treze clínicas de que dispõe a prefeitura, entre as quais o Said. É o que determina o Ministério Público, com base no Estatuto da Criança e do Adolescente. Essa é uma das maneiras de o menor chegar ao Said. Outra é a própria família encaminhá-lo a um hospital, ou pronto-socorro, de onde será transferido para uma clínica especializada. E outra ainda é o próprio menor procurar ajuda terapêutica.
Em minha segunda visita ao Said, logo ao chegar cruzei com duas profissionais, a enfermeira Graziela, coordenadora da unidade de adolescentes femininas, e a assistente social Sheila. Elas saíam para uma audiência na Justiça em que tratariam do caso de Janaína. Para onde encaminhar a menina, terminado o prazo de internação? – esta era a questão. A mãe tinha sido notificada para discutir o assunto com o juiz da Vara da Infância e da Juventude do Fórum de Santo Amaro.
Nesse dia, Reinaldo de Carvalho, que conhece Janaína desde os tempos em que trabalhava na Santa Casa, me levou até a menina. “Meu príncipe!”, foi a saudação com que ela o recebeu. Janaína o trata assim desde o dia em que, internada na Santa Casa, naquela ocasião quando queimou o dedo, fazia tanta bagunça que o enfermeiro ameaçou: “Se você não parar, vai para o pronto-socorro.” A agitação, segundo ele, devia-se à crise de abstinência. Janaína vestia uma fantasia de princesa, tinha nas mãos um chapéu de príncipe, e disse que pararia se ele concordasse em colocar o chapéu na cabeça. O enfermeiro pôs, e virou para sempre o príncipe.
No dia de minha visita, cumprido o ritual de saudar seu príncipe, Janaína perguntou-lhe se ele já sabia do resultado da audiência. A política do Said é manter os pacientes informados de tudo que lhes diz respeito. Não, respondeu Reinaldo. Graziela e Sheila tinham acabado de sair. Janaína estava muito curiosa em saber se sua mãe compareceria à audiência, mas se mostrava pessimista. “Minha mãe me abandonou”, disse.
Janaína (o nome verdadeiro é outro) é filha de mãe alcoólatra. Tem oito irmãos, um deles deficiente mental. Logo depois de nascer, foi retirada da mãe, que batia nos filhos. Abrigaram-na num orfanato. Aos 5 anos, voltou para a mãe, que havia virado evangélica e parara de beber. Aos 9 anos, acompanhou a mãe numa sortida até a Cracolândia. O objetivo era resgatar um irmão de Janaína, cinco anos mais velho, que se viciara em crack. Em vez de trazer o filho de volta, a mãe acabou perdendo também a filha. Janaína gostou do que viu e, principalmente, do que experimentou.
A menina passou a viver na rua e a se prostituir para comprar o crack. Conquistou alguns protetores. O dono de uma padaria deixava que ela dormisse na soleira da porta de seu estabelecimento, e até lhe dava pão, de manhã. Entre um programa e outro, uma pedrinha e outra, não foi apenas daquela vez que queimou o dedo que foi parar na Santa Casa. Várias outras vezes machucou-se, ou exagerou na dose, e acabou no hospital.
Ela diz, com orgulho, que nunca roubou. Os programas é que lhe proporcionavam o dinheiro para comprar a droga. Cobrava dos clientes 10 ou 20 reais. Não gostava do sexo. E do que gosta? Janaína diz que, mais que tudo, gostaria de ter duas coisas: uma bota de caubói e uma bicicleta. Uma bota de caubói já teve, mas ficou pequena. “Hoje calço quarenta”, diz, olhando os pés. São mesmo grandes. Às bicicletas, ela se afeiçoou quando roubava as dos vizinhos para dar umas pedaladas. Ué, mas não disse que nunca roubou? “Ah, mas eu devolvia.”
Gosta também de natação, que praticava enquanto esteve no orfanato. Gostaria muito de voltar a nadar. E para onde gostaria de ir, quando deixar o Said? Ela sabe para onde não quer ir: para um abrigo. Nos abrigos é permitido sair, e ao sair ela terá vontade de “usar”. “Usar”, sem precisar o quê, é característico da linguagem dos dependentes de crack. Preferem evitar a palavra.
Ao nos despedirmos, Janaína mostra que ainda está com a audiência na cabeça. “Quando elas voltarem você me conta?”, pede a Reinaldo de Carvalho. Volta a comentar que a mãe a abandonou. Ele me dirá depois que a mãe não quer receber a filha de volta.
Nesse mesmo dia, conheci outro personagem de quem já ouvira falar – o menino que Camille e Juliana haviam levado ao cinema para ver Enrolados. Tem 14 anos, mas aparenta menos, é branco, trazia os cabelos negros raspados dos lados e distribuídos num bem desenhado círculo no cocoruto. A mãe, faxineira do metrô, mora no Jardim Damasceno, na Zona Norte de São Paulo. Tem três irmãos, um deles mais velho, e começou a usar crack aos 7 anos, segundo vai me dizendo numa conversa que progride aos arrancos, ele sempre respondendo com monossílabos. O irmão mais velho também usa, e os dois já passaram pela Fundação Casa, por furtos e assaltos. O pai vive no Recife.
Diz que, entre as atividades no Said, suas preferidas são “bater tambor” e jogar bola. Pergunto para onde vai ao terminar a internação e ele responde que voltará a morar com a mãe. Minutos depois, diz que vai viver com o pai, no Recife. Despeço-me, quando parecem esgotadas as possibilidades de arrancar-lhe alguma coisa a mais, e ele então se aproxima e me dá um abraço apertado. Que é isso? Nesse momento, até parece uma criança das nossas! Doce, carinhosa e amorável como aquelas do nosso lado da lua. Minha sensação deve ser a mesma que experimentou Camille, no Museu do Futebol, ao se dar conta de que seus dois pequenos pacientes agiam como o comum dos adolescentes.
Quando ele vai saindo, ocorre-me perguntar algo que me escapara. Há quanto tempo está aqui? “Setenta e dois dias”, responde, com inesperada presteza. Reinaldo de Carvalho comenta que é comum eles contarem os dias de internação. Acrescenta que a possibilidade de vir a morar com o pai, aventada pelo menino, é inexistente, e que a mãe sofre a pressão dos vizinhos (com quem convive em casas amontoadas, como ocorre nas comunidades pobres) para não receber de volta um menino que já aprontou tanto. A amorável criatura é outro candidato a eternizar-se na condição de criança largada.
A primeira surpresa que o doutor Pedro Daniel Katz reserva ao interlocutor, ao falar de sua história pessoal, é contar que, perto de terminar o curso colegial, hesitou entre a medicina e o rabinato. A segunda surpresa é que quem o ajudou na decisão foi o padre canadense Paul-Eugène Charbonneau, vice-diretor do Colégio Santa Cruz, onde estudava. Elementar, diria o espírito de porco: a um padre não interessaria a concorrência de mais um rabino na praça. Isso para quem não conheceu, ou nunca ouviu falar, do falecido Charbonneau, famoso por uma mente aberta que chegava a chocar, no panorama conservador da Igreja Católica dos tempos em que aportou no Brasil. Pedro Katz foi para a medicina sem deixar o cultivo dos ritos e tradições judaicas.
Uma terceira surpresa, para quem o conhece do ambiente dos hospitais, clínicas e consultórios, é que toca piano e canta num conjunto de música hebraica. Na medicina, especializou-se em psiquiatria e, dentro dela, devota particular interesse pelo tema do preconceito que cerca os pacientes de transtornos psiquiátricos. Num dos locais em que trabalhou, o Hospital Pinel, em Pirituba, quando a telefonista atendia e dizia “Pinel, bom-dia”, ocorria de a pessoa do outro lado cair na gargalhada. A vã e inculta plebe tomava o santo nome do doutor Philippe Pinel, fundador da psiquiatria moderna, pela grosseira acepção que entre nós se atribui a seu sobrenome. A mesma confusão transparecia na correspondência que, em vez de “ao Hospital Pinel”, vinha destinada “ao Hospital do Pinel”.
Desde 2001, Katz trabalha na psiquiatria do Hospital Samaritano. Hoje, aos 54 anos, é diretor técnico dos projetos Said e Jovem Samaritano. Ele me recebe nesse hospital sediado no mesmo recanto do bairro de Higienópolis, já quase confinando com o do Pacaembu, em que se implantou, em 1894, por iniciativa de grupos de imigrantes protestantes. Nove meses atrás, Katz talvez fosse descrito como um homem gordo. De lá para cá, como informa com orgulho, perdeu 16 quilos. A descrição merece ser corrigida para “um homem sólido”.
Diz que o que o atraiu para os projetos sob sua direção foi seu caráter “inclusivo”, baseado no “reforço positivo”, em que “não se fala nas perdas, mas nos ganhos do paciente”. São prescrições que afastam qualquer investida moralista contra os usuários de drogas, e estão na base dos protocolos desenvolvidos pelo casal de psicólogos Susan e Mark Godley, desde a década de 70, na Chestnut Health Systems, a instituição americana cujo método foi importado pelo Samaritano.
O enfoque é no comportamento e na capacidade cognitiva do paciente, e a chave que permitirá o início do tratamento é conseguir um canal de comunicação com ele, especialmente quando se trata de menor de idade. “Adolescentes não se abrem por si sós”, diz Katz. “Eles conversam pelo olhar.” Decifrar o que dizem é o primeiro desafio. Uma regra de ouro é jamais confrontá-los. Além dos psiquiatras, dos psicólogos e dos enfermeiros, os dois projetos ainda contam com os serviços de clínicos gerais, ginecologistas, dentistas, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, nutricionistas, professores de educação física, de primeiras letras e primeiros números, conselheiros (encarregados da ponte com as famílias) e monitores.
Já se percebe, se não se percebeu até agora, que empreendimentos como o Said e o Jovem Samaritano são caros. A prefeitura repassa 1 milhão de reais por mês ao Samaritano para a manutenção do Said. No outro projeto, o próprio Samaritano investe 3,5 milhões de reais por ano, gozando em troca da isenção fiscal que a legislação garante a hospitais que mantêm projetos de responsabilidade social, de ensino e de pesquisa. À crítica pelo alto custo sempre se pode responder invertendo a questão: E quanto custa à sociedade não contar com semelhantes iniciativas?
A abordagem multidisciplinar é característica do método. “A multidisciplinaridade é fundamental”, diz Katz. “É muito complicado trabalhar sozinho.” Ele acredita mais ainda nas virtudes de obedecer a um método. “Muitos profissionais chegam com ideias próprias, mas com o tempo percebem que é mais eficaz abraçar o modelo do que se deixar levar por iniciativas ou experiências pessoais.”
Num recente congresso em Buenos Aires, Katz deparou-se com painéis pendurados nas paredes que relatavam “casos”. Não falavam em métodos, nem descreviam protocolos. A seu ver, os serviços de saúde mental no Brasil são frouxos em metodologia; as decisões individuais superam os protocolos. Não que todos devam seguir o mesmo método. O National Institute on Drug Abuse, Nida, órgão do governo americano que apoia a pesquisa e fomenta a disseminação dos avanços científicos na prevenção e tratamento da dependência química, reconhece a validade de diversos métodos de tratamento. “O que não se pode é trabalhar sem método”, diz Katz.
Ao dar entrada, e apurados seu histórico de vida e situação familiar, o paciente será submetido a exames médicos que investigarão possíveis “comorbidades”, como se diz na linguagem técnica – doenças como Aids e tuberculose são frequentes. Mais difícil é identificar se o dependente químico sofre de alguma doença mental. Os sintomas continuarão mascarados pela droga, mesmo por um bom tempo depois que deixou de ser usada. Internado, ele não pode fumar nem ingerir bebida alcoólica.
Cada um terá um “manejador” – médico, psicólogo, assistente social, enfermeiro ou outro do elenco de profissionais, encarregado de olhá-lo de perto e atender suas necessidades. É uma forma de aprofundar o tratamento individualizado que se pretende ministrar. Terminado o período de internamento, aos pacientes é disponibilizado um tratamento ambulatorial por até dois anos. “Há vários instrumentos a serem utilizados no atendimento, mas o mesmo não funciona para todos”, diz Katz. E insiste numa máxima que recita com a ênfase necessária para lhe dar força de lei: “Nada é óbvio no dependente químico.”
Entre uma visita e outra ao Said, fui conhecer o Projeto Jovem Samaritano. Está instalado à margem da rodovia Raposo Tavares, ocupando as mesmas instalações de uma clínica com fins semelhantes, outrora administrada pelos padres camilianos, ainda donos da propriedade. Escapou de ocupar um antigo motel, mas por pouco: quem conhece a Raposo Tavares sabe que motéis não faltam, às suas margens. Motéis de mais e clínicas de menos, como o leitor já sabe, os males do Brasil são.
O ambiente no Jovem Samaritano é de chácara de lazer. Quadras e espaços com ar campestre circundam as construções térreas em que se sucedem os quartos e salas de atividades. Os muros são baixos. “Quem quiser pode fugir”, diz Reinaldo de Carvalho, que divide sua semana de trabalho entre um e outro dos projetos mantidos pelo Samaritano. O muro baixo enfatiza o caráter voluntário da internação. No começo, explica Reinaldo, houve fugas. Ultimamente, não. Enquanto ainda nos encontramos nos espaços ao ar livre, um jovem se aproxima do pequeno poste em que está pendurado um sino e o aciona. Está chamando o grupo para uma nova atividade. A cada semana um interno assume alguma das funções necessárias ao bom funcionamento da clínica. A este, atualmente, cabe a de sineiro.
A atividade para a qual ele chama é a discussão do “tema da semana”. Comunicação, autopercepção, memória: eis alguns exemplos de “temas da semana”, informa Reinaldo. Quando passamos para o interior da edificação, os meninos já começaram a reunião, a portas fechadas. Um deles sai da sala, no momento mesmo em que percorremos o corredor que lhe dá acesso. “Estou tonto”, justifica, e dirige-se a seu quarto. “Se fosse aula de educação física, ele não ficaria tonto”, comenta Reinaldo.
O Jovem Samaritano, no final de fevereiro, tinha só treze de suas vinte vagas preenchidas. Vivia uma entressafra. Alguns pacientes receberam alta em dias recentes; outros, candidatos à internação, estão sendo avaliados. Nesse instante, em outra sala, se está fazendo uma avaliação. É uma atividade que ocorre em mão dupla: tanto o candidato é avaliado quanto ele avalia se quer ficar ou não. Ficarei sabendo, até o fim de minha visita, que desta vez o avaliado não quis ficar.
No Jovem Samaritano, à diferença do Said, os meninos são divididos em grupos chamados de “alfa”, “beta” e “gama”, para a prática de algumas das atividades. O recurso às letras gregas é para não lhes ficar claro que há uma hierarquia entre os grupos, como ficaria, se fossem a, b e c, ou 1, 2 e 3. O alfa reúne aqueles que um leigo chamaria de mais inteligentes, ou mais bem preparados, ou mais aptos a absorver o tratamento, mas que os profissionais definem como de maior capacidade cognitiva.
O primeiro menino que vou entrevistar pertence ao grupo alfa. Tem 16 anos, fartos cabelos negros, é branco, sorri com facilidade, olha nos olhos, é vivo, atento e bem articulado. Hummm! Desculpe o leitor, ninguém aqui quer se fazer de preconceituoso, mas, de novo, vem aquela impressão de que ele é um dos nossos – não dos “deles”. No entanto, este menino vem de um ambiente barra-pesada. É do notório Jardim Ângela, bairro paulistano que a ONU já considerou a região urbana mais violenta do mundo. O pai “mexe com remédios” e a mãe é dona de casa. Tem um irmão e quatro meios-irmãos. Nos últimos anos, o Jardim Ângela recebeu melhoramentos, teve o policiamento reforçado e seus índices de criminalidade caíram. Mesmo assim, o jovem, quando lhe pergunto se era fácil obter a droga, vai contando de cabeça e chega a sete pontos de venda apenas nos quarteirões mais próximos de sua casa.
Ele diz que seu envolvimento com drogas teve origem no “vazio” que sentia, combinado com o desejo de “ser popular” e atrair meninas. Iniciou-se no tabaco aos 11 anos, na cocaína aos 13, chegou ao crack aos 15. Entrou e saiu repetidas vezes de instituições de recuperação. Começou a se afundar. Em vez de conquistar as meninas, viu-as se afastar. Perdeu cinco namoradas. Chegou a um ponto em que pediu socorro ao pai, o qual o trouxe à presente internação. Está aqui há um mês e dezesseis dias (também tem o número na ponta da língua), e considera-se bem encaminhado.
“Meu problema era achar minhas dificuldades”, disse. Acredita que achou, ou que está achando. Gosta de matemática. Anuncia que quer ser engenheiro civil. Exibe um ar seguro e confiante. Ao terminarmos a entrevista, peço a Reinaldo que me apresente um interno de outro grupo que não o alfa. Ele chama então um beta – um jovem também de 16 anos, pele morena, cabelo cortado rente, gestos nervosos, cara de mau. Não sorri. Êpa! Este é dos “deles”. Começa a conversa dizendo que tem muita raiva e pouca paciência. Qualquer olhar que lhe lancem, interpreta como desafio. É da periferia norte de São Paulo, mora ali, na rua Y, junto à avenida X, perto do supermercado Z, conhece? Faço que sim, mas claro que não. É um recanto do lado deles da lua, não do nosso. Vive com o pai, eletricista, que o trouxe aqui. Está cansado do mundo das drogas e do crime. Quer mudar de vida.
Ele conta que começou com as drogas aos 13 anos. Cocaína, maconha, lança-perfume. Não menciona o crack. (Não experimentou ou tem vergonha de dizer?) Envolveu-se com o tráfico e com assaltos. Gerenciava uma “biqueira” por delegação do tio, que, preso por tráfico e por sequestro, ordenou à família, num telefonema: “Diz para o Fulaninho traficar.” O Fulaninho, quer dizer, o menino que tenho à minha frente, assumiu altas responsabilidades no negócio. Cuidava do barraco de refino da droga, do barraco da estocagem e do barraco do comércio. O tio é da família da mãe. Toda a família da mãe é bandida, informa ele.
A esta altura, vira-se, levanta a camisa e mostra uma tatuagem nas costas. É um sol?, pergunto. “O sol é só para ‘desbaratinar’”, explica, e me pede para olhar com mais atenção. O sol esconde outra bola, no centro, dividida em duas metades por uma linha curva. Uma das metades é clara e tem no meio uma bolinha escura; a outra é escura e tem uma bolinha clara. A primeira representa o bem, a segunda o mal, explica. “É o símbolo do Comando Vermelho”, diz. Mas Comando Vermelho não tem só no Rio?, pergunto. “Não, tem no Brasil também”, responde, não sei se por um lapso ou porque sua geografia assim dispõe.
Três vezes esteve internado na Febem/Fundação Casa. Apanhou muito lá, e da polícia já levou tiro. Uma vez assaltou um bingo. Conseguiu não gastar todo o dinheiro e – prodígio de previdência – até hoje tem parte dele na poupança. À escola ia armado, ameaçou professores. Na Febem, agrediu companheiros. Cansou do sofrimento que causava a si mesmo e ao pai e veio para cá, superando o medo de que clínicas como esta cultivassem o mau hábito de misturar veneno na comida, como lhe diziam. Pediu ao tio para dispensá-lo das hostes do tráfico. O tio, que se diz convertido a Jesus e quer virar pastor evangélico, dispensou-o. Não fosse assim, estaria marcado para morrer. Quando sair daqui, quer retomar os cursos que outrora andou frequentando, no Senac.
Quando o jovem já deixava a sala, Reinaldo chama-lhe a atenção: “Não está esquecendo de alguma coisa?” Ele estava de chinelos. Ah, sim. Precisaria calçar os tênis, porque era hora de educação física. “Me entendo muito bem com esse menino”, comenta Reinaldo, quando ele se afasta. Em seguida me aconselha a não levar ao pé da letra tudo o que disse: “Eles costumam criar histórias para intimidar uns aos outros.” No caso, talvez também para me impressionar, acrescento. O eletricista pai do menino é “um doce”, segundo Reinaldo. Costuma visitar o filho e acompanha com atenção seu tratamento.
A clínica é aberta para a visita dos pais às quartas-feiras, das 17h30 às 19h30, quando eles são convidados a jantar com os filhos. Nem todos aceitam o convite. “Se seu filho tivesse operado de apendicite, você não iria visitá-lo?”, costuma argumentar Reinaldo com os recalcitrantes. “Eles estão em tratamento, da mesma forma.” Muitos pais, como vimos, na verdade gostariam de nunca mais ver os filhos.
A assistente social Deise Fernandes do Nascimento teve um sonho que a intrigou, em abril do ano passado. Ela se via num ambiente estranho, um edifício em que prevalecia o concreto, com muitos vazios, e crianças a cercavam. As crianças faziam uma roda à sua volta, como se lhe pedissem algo. “Que crianças seriam essas?”, perguntou-se, ao acordar. O sonho perturbou-a por vários dias. “Não podiam ser meus três filhos, duas meninas e um menino, não, era outro tipo de crianças, e numerosas.” Em agosto, soube por uma amiga que uma nova instituição, chamada Said, procurava um profissional que – enfatizou a amiga – se encaixava muito bem em seu perfil. Não se entusiasmou num primeiro momento. A amiga insistiu. Ela continuou relutante. Enfim se apresentou, gostou do projeto, o projeto gostou dela, e foi contratada. Hoje, aos 35 anos, é coordenadora da ala dos meninos do Said, e desconfia de que o sonho tem algo a ver com as tarefas que lhe cabem.Deise fa-la com desembaraço e defende com entusiasmo seu trabalho. “Eu amo o que faço”, diz. Às atividades práticas acrescenta as acadêmicas. Empenha-se num mestrado na Unifesp, em torno do tema Educação e Saúde na Infância e na Adolescência.
Ela conta que no momento (estamos na primeira semana de março), o grupo sob sua responsabilidade inclui uma criança, quer dizer, um menor  abaixo dos 12 anos. Esse menino tem 11, e é da região de Sapopemba, na Zona Leste de São Paulo. Quando chegou, mostrava-se agressivo, gritava, jogava-se no chão. Seu curto passado já era rico de passagens por abrigos, por Caps (Centros de Atenção Psicossocial, entidades públicas para atendimento de portadores de transtornos mentais), por Creas (Centros de Referência Especializados de Assistência Social, entidades públicas criadas para fornecer proteção a pessoas sob “risco social”), pelo Projeto Quixote (entidade ligada à Unifesp). Tem cinco irmãos, os dois mais velhos na rua e os dois mais novos num abrigo.
Quando a mãe, de 35 anos, ela própria com uma história pessoal de abusos na bagagem, foi visitá-lo, ele chorou e questionou-a pelo fato de os irmãos pequenos estarem no abrigo. Deise providenciou uma visita do menino aos irmãos menores. “Foi bom para ele, há afeto entre os irmãos.” O menino tem melhorado. “Hoje é uma criança de 11 anos.” Seria uma história de sucesso? Ela hesita, diante de minha indagação. Sucesso? “Que é sucesso?”, devolve. Minha pergunta, mea culpa, mea culpa, foi tola. Esse menino tem muita estrada pela frente. Se hoje apresenta tal progresso que pode ser promovido à extraordinária categoria de “uma criança de 11 anos”, as condições gerais continuam péssimas, para percorrê-la.
Pergunto por outro caso que Deise considere significativo, e ocorre-lhe o de um menino de 13 anos, oriundo de estrato social mais alto do que o normal dos pacientes do Said. Os pais são separados, a mãe vive com o namorado. Os dois irmãos e o namorado da mãe são dependentes de droga. A mãe costumava deixar dinheiro para o menino, assim ele não roubava em casa para comprar a droga. O menino reagiu bem ao tratamento, teve alta e voltou para casa. O namorado da mãe, adicto à cocaína, mas ainda não ao crack, aproveitou sua presença para pedir-lhe: “Você me ensina a fumar crack?” O menino o atendeu. Teve uma recaída, saiu de casa, voltou à rua.
Dias depois, entrou em contato com o Said e pediu para voltar. O tema do sucesso volta à cabeça de Deise. “Isso é sucesso”, comenta. “Perceber o que pode prejudicá-lo. Ver que é possível mudar.” Ela acredita no seu trabalho, acredita na possibilidade de oferecer uma alternativa aos jovens pacientes, mas é realista o suficiente para não estender o metro do “sucesso” para além do que é observável na hora presente, nas condições presentes.
Eis uma questão que torna a missão de quem lida com dependentes químicos semelhante ao de um viajante a quem é vedado enxergar onde vai dar a viagem – o que lhe acentua o risco da frustação, mas também a nobreza. O médico que tira o apêndice do paciente sabe que, pronto!, ele está curado. Mesmo o que trata de um câncer sabe, em boa parte das vezes, para o bem ou para o mal, no que vai dar o tratamento. Quem trata de dependentes de drogas trabalha com um horizonte mais conturbado. Mesmo porque a melhor ciência recomenda considerar que, para tais pacientes, incluindo entre eles os alcoólatras, não há cura. O que há é a resistência à recaída, mesmo que ela dure a vida inteira.
Dados tais descontos, um critério mínimo utilizado para apurar os índices de recuperação e manutenção – o doutor Pedro Katz não recomenda o uso da expressão “taxa de sucesso” – é acompanhar se, num período de dois anos, não houve reincidência, e se o paciente conseguiu a reinserção na escola, no trabalho e no ambiente social. Quando o Projeto Jovem Samaritano fez dois anos, uma enquete entre os atendidos até então chegou a uma taxa de 45% de resultados positivos. O projeto Said ainda não tem os dois anos para ser submetido a semelhante balanço.
Até o final de março, o Jovem Samaritano somava 235 atendimentos em sua existência. O Said, que oferece mais vagas, somava 430, aí incluídos os adultos. A Chestnut Health Systems, instituição em que se inspiram e se espelham os projetos do Samaritano, já contabiliza 60 mil atendimentos em sua história de mais de três décadas, e apregoa uma taxa de recuperação dos pacientes de 65%. No Brasil, a recuperação se complica quando a população atendida pertence aos mais baixos estratos da sociedade. Os americanos da Chestnut estiveram em São Paulo em fevereiro, para visitar as instituições administradas pelo Samaritano. Segundo o psiquiatra Elie Leal de Barros Calfat, coordenador dos médicos do Said, eles ficaram impressionados com as condições sociais dos atendidos, muito mais ingratas do que as que observam em sua terra. O mesmo psiquiatra Elie Calfat define com uma frase lapidar a sorte dos pacientes que lhe chegam às mãos: “A droga, na vida dessas pessoas, é apenas um adereço.”
PS: A mãe de Janaína não compareceu à audiência. Discutiram-se ali duas possibilidades: encaminhar a menina a um abrigo ou ao Programa Equilíbrio, mantido pelo Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP para atendimento das crianças de rua.
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BBC Brasil 21.01.2013
Internação à força de viciados divide opinião de médicos
Especialistas só concordam em um ponto: internação compulsória não deve ser operação repressiva apenas para tirar os viciados das ruas. Veja os argumentos contra e a favor
Sob uma forte polêmica, começa a funcionar nesta segunda-feira (21) um acordo entre autoridades de São Paulo que tornará mais ágil a internação forçada de usuários de crack em clínicas de desintoxicação.
Especialistas ouvidos pela BBC Brasil disseram esperar que a ação não se revele mais uma operação repressiva como já ocorreu no passado na Cracolândia – com o intuito aparente de apenas tirar os dependentes de drogas do centro da cidade, sem uma forma efetiva de tratamento.
A ação é baseada em um termo de cooperação técnica assinado pelo governo do Estado, Tribunal de Justiça, Ministério Público e OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Ela cria uma equipe integrada por médicos, assistentes sociais e juízes sediados no Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas), no Parque da Luz, próximo a região da Cracolândia.
Segundo o desembargador Antônio Carlos Malheiros – responsável pela parte do TJ na parceria – os dependentes químicos serão levados ao local a fim de passarem por avaliação médica. Caso o usuário necessite de uma internação e se recuse a submeter-se a ela, promotores pedirão a um juiz de plantão que decida sobre uma internação compulsória.
Hoje a lei brasileira prevê três tipos de internação: voluntária, involuntária (por determinação do médico e familiares, se o paciente não tiver condições de decidir) e compulsória (por decisão judicial). Por ordem do juiz, os dependentes de crack que necessitarem serão imediatamente levados contra sua vontade para uma clínica especializada conveniada com o o governo. Todo o processo deve ocorrer em poucas horas.
Ao anunciar a parceria na semana retrasada, o governador Geraldo Alckmin afirmou que o Estado dispõe de aproximadamente 700 leitos especializados para atender os dependentes químicos, a maioria em clínicas conveniadas. Leia abaixo as opiniões dos médicos psiquiatras Ronaldo Laranjeira e Dartiu Xavier da Silveira, ambos da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) sobre o tema da internação forçada.
Contra
Para o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, a internação forçada é negativa, de maneira geral. Ela se justifica apenas em aproximadamente 5% dos casos, quando o dependente de crack também apresenta um problema mental grave.
Segundo ele, o tratamento de usuários de drogas mais efetivo é voluntário e envolve visitas regulares a clínicas e centros especializados. Silveira é um renomado professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), onde coordena o Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes.
Segundo ele, há situações específicas, do ponto de vista médico, nas quais se justifica a internação involuntária. Isso acontece quando o paciente apresenta psicose (delírios de perseguição e alucinações) ou risco iminente de suicídio.
"Essa pessoa pode não ter um juízo crítico da realidade e então cometer um absurdo, mas não é o crack que faz isso com ele, é o problema mental", disse.
Ele afirmou ainda que, embora os estudos sobre o tema sejam controversos, a taxa de recuperação dos dependentes é maior em um contexto ambulatorial do que no de uma internação.
"É relativamente fácil alguém ficar longe da droga quando está internado, isolado, em condições ideais. O difícil é se manter longe da droga quando você volta para o convívio com a família, com o emprego, com os problemas", disse.
"A consequência é que a grande maioria recai no primeiro mês depois da internação. Além do custo ser muito maior que um tratamento ambulatorial, a eficácia é menor".
Silveira afirmou que a população de rua pode ser tratada de forma ambulatorial. Essa abordagem já é usada com frequentadores da Cracolândia.
"Isso já é empregado de uma forma muito bem feita", disse.
O psiquiatra defende ainda que sejam oferecidos aos usuários o benefício das moradias assistidas – chamadas no exterior de "halfway houses", hoje ainda insuficientes no Estado –, onde eles receberiam além do teto, acompanhamento médico e ajuda para conseguir emprego e se restabelecer socialmente.
Sobre as críticas de que o número de dependentes na região não diminui ao longo dos anos, Silveira explica que o problema da Cracolândia é majoritariamente social e não médico.
"A condição de miséria da população de rua é decorrência de uma omissão do Estado, da falta de acesso a moradia, à saúde, à educação. O estado de vulnerabilidade em que eles se encontram os torna suscetíveis a se tornar dependentes químicos, mas a droga é consequência e não causa".
Segundo ele, frequentemente as autoridades fazem operações massivas na Cracolândia nas quais prevalece o caráter agressivo e repressivo em detrimento do tratamento por meio do convencimento. Ele citou como exemplo ações ocorridas no início do ano passado – onde policiais militares apenas espalharam os frequentadores da Cracolândia pelo centro da cidade. "(Essas medidas) destroem anos de trabalho de confiança estabelecida entre o agente de saúde e o morador de rua".
Dependentes na Cracolândia: drogas são a consequência, e não a causa do problema, defende médico
"A gente precisa começar a dar a essa população condições mínimas de cidadania, de qualidade de vida. Isso é uma coisa que o Estado não quer encarar. (A atual ação) me parece mais uma tentativa de tomar uma medida com um impacto midiático, político".
"Mas a gente sabe que isso não vai resolver o problema. Um tipo de proposição dessa ordem é algo que não seria aceito em um país de primeiro mundo".
A favor
Para o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, internar de forma compulsória moradores de rua extremamente dependentes de crack é um "ato de solidariedade".
Segundo ele, a maioria das pessoas que chegam contra sua vontade em clínicas de tratamento acabam aderindo voluntariamente ao tratamento após os primeiros dias de internação. Laranjeira é professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e uma das maiores autoridades no assunto no país.
Ele se diz favorável à facilitação das internações compulsórias em casos extremos, desde que acompanhada de uma linha especial de cuidados ao paciente após sua desintoxicação inicial. Ou seja, apenas em casos realmente necessários, sem a adoção de uma abordagem simplista ou higienista, para ocultar um "problema" urbano.
"Você tem que cuidar daquelas pessoas que estão desmaiadas na rua (devido ao uso abusivo do crack). Isso é um ato de solidariedade e não cárcere privado", disse.
Segundo Laranjeira, a maioria dos países democráticos já tem mecanismos para viabilizar a internação compulsória.
"Na Suécia, 30% do tratamento psiquiátrico é coercitivo. Os Estados Unidos têm pesquisas que mostram a eficiência desse tratamento e a classe média no Brasil já vem fazendo isso há muito tempo também".
Segundo ele, a internação por ordem judicial está prevista na lei brasileira e já é bastante comum em São Paulo, mesmo antes do início da atual parceria anunciada pelo governo. Dos cerca de 100 leitos de uma clínica chefiada por Laranjeira no interior do Estado, 50% são ocupados por pessoas internadas por ordem judicial. Ele diz acreditar que a tendência se repete em toda a rede especializada no tratamento de dependentes químicos.
"Toda semana eu faço uma ou duas internações (forçadas) na minha clínica. Mais de 90% delas em uma semana se tornam voluntárias", disse.
Segundo Laranjeira, a pessoa que necessita de uma internação à força chega à clínica em uma situação grave, na qual é praticamente incapaz de discernir o que é melhor para ela. Quando a crise inicial passa, ela começa a ter condições de analisar a situação e acaba concordando com o tratamento.
De acordo com o psiquiatra, o governo de São Paulo já deu um passo significativo quando começou a abrir leitos (30 atualmente) para internação de mulheres grávidas usuárias de crack. Na opinião do médico, nesses casos a internação involuntária é muito necessária, pois não envolve apenas a saúde da mãe, mas também a do bebê.
De acordo com Laranjeira, quando uma pessoa é internada compulsoriamente por estar em um estado emergencial de dependência, seu período médio de permanência na clínica não deve ultrapassar dois meses. Uma vez estabilizado, o paciente deve ser submetido a uma fase de tratamento ambulatorial – frequentando uma clínica especializada uma ou duas vezes por semana, para receber acompanhamento médico, psicológico e de assistentes sociais.
No caso dos moradores de rua – que não podem passar por esse tratamento enquanto hospedados na casa de familiares – ele defende o uso de moradias assistidas. Elas são necessárias, pois é comum que o usuário de crack que acaba numa cracolândia não tenha mais emprego, bens e esteja afastado da família. Nessas moradias, o usuário pode entrar ou sair livremente e recebe apoio do Estado para reconstruir sua vida – ao mesmo tempo que tem a dependência química monitorada.
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Terra 11.01.2013
Crack: professora vê eficácia nula em internação compulsória
Vagner Magalhães
A professora Luciana Boiteux, coordenadora do Grupo de Pesquisas em Política de Drogas e Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que a eficácia das internações compulsórias de dependentes de drogas é praticamente nula sem uma estratégia de prevenção, que é avaliada por ela como a medida mais importante para se diminuir o problema do crack, principalmente nas grandes cidades. Nesta sexta-feira, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), assinou o termo de cooperação técnica entre o governo do Estado de São Paulo, o Tribunal de Justiça (TJ-SP), o Ministério Público (MP-SP) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) para autorizar a internação involuntária de viciados, após uma avaliação médica.
"Quando se implanta um tipo de medida como essa, é preciso ter um protocolo muito bem definido. Não se pode ir pegando as pessoas na rua e forçando uma internação. Esse tema é muito mais complexo e multifacetado, mas as autoridades tendem a setorizar essa questão", diz ela.
A professora afirma que o problema precisa ser visto pela perspectiva médica e psiquiátrica. De acordo com ela, o abuso no consumo de qualquer substância traz problemas que vão além do vício. "Não se pode generalizar. Os problemas decorrentes estão no contato do ser humano com aquela substância. Cada um tem um tipo de uso. No caso do crack, envolve muitas vezes uma população de rua. E o problema não está só em elas morarem na rua. Precisa saber o que levou a pessoa para lá, suas angústias, o uso da droga como fuga para problemas familiares. Muitos deles são portadores também de problemas mentais. Não se pode fazer uma política generalista", diz.
De acordo com ela, o maior risco é justamente de se fazer uma política generalista. "Esse tipo de ação acontece muitas vezes para se dar uma satisfação à opinião pública. Tem de se pensar que a pessoa que ficará internada e vai retomar a vida, não vai ficar lá eternamente. E é aí que o Estado deve agir, senão volta tudo ao ponto de partida", diz ela.
A professora cita o que aconteceu no Rio de Janeiro, quando foi utilizada a força policial para a internação das pessoas. "Foi uma política sem protocolo definido. Com a intenção de 'limpar' as ruas. E nós criticamos esse método, que é violador dos direitos fundamentais do ser humano".
Ela diz que a abordagem tem de ser complexa, integral, humana, caso contrário pode trazer efeitos ainda mais danosos. "É preciso, definitivamente, respeitar os direitos e a dignidade humana".
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O Globo 12.01.2013
Projeto em SP de internação de viciados opõe petistas a tucanos.
Prefeitura vê truculência, Estado diz que medida só será aplicada em casos graves.
Eliaria Andrade
SÃO PAULO — A medida que será adotada a partir da semana que vem em São Paulo para internação compulsória de dependentes químicos opôs ontem as atuais administrações do estado e da prefeitura da cidade, em uma queda de braço entre os governos de PSDB e PT. Em cerimônia de posse, o novo secretário municipal de Direitos Humanos, Rogério Sotilli, indicou que o prefeito Fernando Haddad, do PT, atuará de maneira oposta à administração do governador Geraldo Alckmin, do PSDB, no tratamento a usuários de drogas. Segundo ele, a gestão municipal pretende fazer uma abordagem “com respeito aos direitos humanos”, levando em conta a vontade dos usuários e sem usar a força.
O tema é o primeiro a colocar em lados opostos as gestões municipal e estadual desde a posse de Fernando Haddad, em uma antecipação do embate que será travado entre PT e PSDB pelo comando de São Paulo em 2014.
— Nós vamos trabalhar em outra perspectiva, no sentido de valorizar os direitos humanos e construir os caminhos necessários para que essas pessoas saiam do crack, que não pela força. O uso de força não resolve em nenhuma situação — afirmou Rogério Sotilli.
Ontem, o governador de São Paulo assinou termos de cooperação técnica para acelerar a internação de dependentes químicos. No evento, a secretária estadual de Justiça, Eloisa Arruda, negou que a iniciativa seja “higienista” e afirmou que a intenção é acolher pessoas que precisam de ajuda. Segundo ela, ninguém será internado compulsoriamente caso não corra risco de morrer, e sempre será dada a opção de internação voluntária.
O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Ivan Sartori, informou, contudo, que a Polícia Militar poderá ser acionada para cumprir decisão judicial sobre a internação compulsória, em caso de resistência.
— Isso tudo está embutido em um projeto que nem é higienista nem é de internação em massa. É um projeto de resgate das pessoas e de apoio à família. Nós não vamos tirar das ruas quem não esteja em risco grave de morte ou de integridade física — afirmou Sartori.
Na campanha municipal, a política de combate ao crack do governo estadual também foi alvo de troca de farpas entre PT e PSDB. Na época, Fernando Haddad classificou como “desastrada” a operação deflagrada no início do ano passado de combate ao tráfico de drogas na chamada Cracolândia. Em resposta, o então candidato do PSDB, José Serra, elogiou a operação e avaliou que ela foi “mistificada”.
— A abordagem a dependentes químicos, para os direitos humanos, não é via internação compulsória. A norma é por meio de convencimento e de trabalho de saúde. É claro que há casos extremos, mas a política não é de casos extremos — criticou ontem Paulo Vanucchi, ministro dos Direitos Humanos do governo do ex-presidente Lula.
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Sul21 12.01.2013
Projetos de lei centrados na internação involuntária de usuários dividem opiniões
 O projeto de lei do deputado federal Osmar Terra (PMDB) altera Lei de Drogas e prevê internações involuntárias, além do aumento da pena para tráfico de drogas e outras atribuições
Foto: Agência Brasil
Natália Otto
A dependência química e a relação da sociedade com as drogas em geral é uma das grandes questões do século XXI, em termos de políticas públicas. Com a recente declaração do governo do estado de São Paulo de que irá instituir a internação involuntária de dependentes químicos, o debate no Brasil volta-se, mais uma vez, para a questão da internação dos usuários de drogas ilícitas.
Este ano, projetos de lei que tramitam na Câmara dos Deputados, em Brasília, e na Assembleia Legislativa do RS sugerem a instituição de internações contra a vontade do usuário e dividem setores da sociedade civil, políticos e especialistas.
Projeto de lei que altera Lei de Drogas institui a internação involuntária
Tramita em Brasília o Projeto de Lei n.º 7663, de 2010, de autoria do deputado Osmar Terra, que altera a Lei de Drogas (nº 11.343, de 2006). Entre outras atribuições, a lei permitira a internação involuntária do usuário de drogas pelo prazo de, no máximo, seis meses. Diferente da compulsória, a internação involuntária não passa pelo Judiciário e ocorre mediante autorização médica.
Aprovado em 12 de dezembro de 2012 pela Comissão Especial do Sistema Nacional de Política Sobre Drogas, criada em dezembro de 2011 para conferir parecer sobre o projeto e composta por 28 parlamentares, o projeto de lei segue para votação na Câmara dos Deputados. Para o deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS), ex-Secretário de Estado da Saúde do RS, o Legislativo não deve esperar o governo federal para agir. “A lei é feita em cima de uma necessidade social, cabe ao governo dar resposta”, afirmou o parlamentar, em entrevista ao Sul21.
Osmar Terra: “A família, que vive o drama junto com o dependente, que sofre tanto ou mais que o usuário, deve ter prioridade e poder pedir a internação”
Foto: Ivan de Andrade/Palácio Piratini
Terra afirma que a diferença entre sua proposta e a lei atual, que permite a internação compulsória uma vez que todas as possibilidades extra-hospitalares estejam esgotadas, é o foco na internação involuntária – aquela proposta pela família do dependente. “A família, que vive o drama junto com o dependente, que sofre tanto ou mais que o usuário, deve ter prioridade e poder pedir a internação”, afirmou. De acordo com o projeto, os familiares do usuário podem conduzi-lo, contra sua vontade, a um médico que fará o diagnóstico e determinará se há necessidade de internação.
Para o deputado, que é médico, a necessidade da internação involuntária é baseada em evidências científicas. “O objetivo principal da internação é desintoxicar. O usuário está dormindo na rua, comendo lixo, não tem capacidade de discernir o que é importante para ele. Depois da desintoxicação, ele pode decidir se quer prosseguir com o tratamento”, explica. “No momento de dependência, a pessoa precisa de ajuda de alguém externo a ela, da família e do poder público, para iniciar um tratamento. Há um grau de dependência no qual a pessoa nem pensa em se tratar”, afirmou.
A internação involuntária poderia ser mais eficaz, de acordo com o parlamentar, pois inicia o tratamento o mais cedo possível. “Você antecipa o tratamento, pois a família detecta precocemente os sinais da dependência. Quanto mais cedo iniciar o processo, melhor para o dependente”, explicou.
Contrário às correntes que se opõem à internação involuntária, Terra argumentou que políticas de redução de dano, como os Consultórios de Rua, os Centros de Atendimento Psicossocial (CAPS) e as equipes de saúde da família, que atendem a população de rua usuária de drogas, não são suficientes para resolver o problema. “Sem tirar o dependente do local onde ele usa a droga, o tratamento não funciona. A memória da droga é muito forte, até a rua onde o dependente usava a droga pode dar a ‘fissura’ de novo”, explicou.
O projeto de lei de Terra também contempla as necessidades dos usuários após o período de desintoxicação. No texto, propõe-se que haja incentivo para empresas que derem empregos a dependentes em recuperação e que haja um aumento do número de vagas em cursos técnicos para essa população. “O ideal ainda é que, depois de um período de desintoxicação de 15 a 45 dias, a pessoa, se decidir continuar com o tratamento, vá para uma comunidade terapêutica onde fique por mais de um ano, se possível”, acrescentou o deputado.
Terra afirmou que o projeto de lei deve ser votado ainda no mês de fevereiro e que está otimista quanto a sua recepção na Câmara. “As expectativas são favoráveis. Foi aprovado por unanimidade na Comissão Especial, e lá tínhamos todos os partidos”, contou. “Pelo que percebo em minha vivência no Plenário, o projeto deve ser aprovado com maioria de mais de 70%”.
No RS, projeto de lei institui sistema que facilita a internação compulsória
No Rio Grande do Sul, tramita na Assembleia Legislativa o projeto de lei que institui o Sistema Estadual de Internação Compulsória de Dependentes Químicos. De autoria da deputada estadual Miriam Marroni (PT), o PL facilita o processo de internação compulsória no estado. “Não tenho competência para mudar o que estabelece o Código Penal (que declara que a internação deve ser declarada por um juiz), mas o que podemos fazer é criar procedimentos no Sistema Único de Saúde que facilitem a produção de laudos médicos para que o Judiciário autorize as internações”, afirmou a deputada, em entrevista ao Sul21.
De acordo com Marroni, que trabalha com o grupo As Mães Contra o Crack, atualmente não há quem faça um laudo que diagnostique o dependente químico, forçando as famílias a irem direto ao Judiciário. “Os promotores mais engajados e sensibilizados acabam autorizando as internações, mas não há um sistema público para o estabelecimento de laudos”, explicou. O PL propõe a formação de uma equipe multidisciplinar que, através da rede SUS, produziria os laudos que podem auxiliar nas decisões jurídicas.
Para a deputada, as políticas públicas ainda não responderam à altura do problema do crack. “Temos uma rede de saúde para os cardíacos, para os diabéticos, mas a dependência nunca foi tratada como doença. É vista como uma coisa de ‘sem-vergonhas’, malandros, marginais”, afirmou. Para ela, a dificuldade do poder público em responder com ações concretas passa pela falta de comunidades terapêuticas oferecidas pelo SUS, pela necessidade de um plantão psiquiátrico qualificado, aberto 24 horas, e pela falta de leitos em hospitais gerais – onde, de acordo com Miriam, se trata melhor a dependência.
Há necessidade de financiar as comunidades terapêuticas. Hoje, temos 1260 vagas que o estado compra, mas não é o suficiente. É um avanço, mas não basta: precisamos financiar as comunidades para que se estruturem, com uma rede física melhor e maior capacitação”, argumentou a deputada.
Para Miriam, não se pode esperar até que haja uma “cracolândia” no Rio Grande do Sul para agir. “Enquanto profissional da saúde, o crack não nos deixa outra saída (além da internação). Seria negligência abandonar esses jovens à própria sorte. É um crime tu esperares que um dia eles queiram se tratar”, declarou a deputada. “Nesse sentido, a internação compulsória é um ato de proteção”.
De volta à Assembleia após ter exercido a função de Secretária-Geral de Governo em 2012, Miriam garante que colocará o projeto “embaixo do braço” e vai trabalhar para que ele passe na Comissão de Constituição e Justiça. “Tenho certeza que os deputados partilham da vontade de criar esse sistema. Tenho confiança no projeto, tratei muito sobre o assunto na Comissão de Direitos Humanos, e acho que foi muito bem aceito”, afirmou a deputada. Ela estima que o projeto possa ser votado ainda em fevereiro ou março deste ano.
Para psicólogo, internação involuntária não estabelece relação de confiança entre usuário e equipe.
O psicólogo e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Túlio Batista Franco integra a corrente de especialistas que são contrários às medidas de internação forçada de dependentes químicos. Para ele, a internação contra a vontade do dependente é “ineficaz, violenta e ilegal”.
  “A pessoa que foi objeto de violência não vai estabelecer uma relação de confiança com equipe que vai tratá-la”, argumenta professor da UFF
Foto: Serjao Carvalho/Flickr
De acordo com o professor, para que haja eficácia no tratamento do dependente, é preciso que ele tenha o desejo de fazer o tratamento e que estabeleça vínculos com os profissionais da equipe. “A partir da confiança na equipe, se estabelece uma possibilidade de negociação de projetos terapêuticos, com vários dispositivos, onde a internação não é o principal deles”, afirmou Franco, em entrevista ao Sul21. “A eficácia do tratamento está muito mais envolvida em torno do acolhimento, do vínculo, ou seja, das tecnologias relacionais, do que das tecnologias instrumentais”, declarou.
Para o professor, a violência do processo de ser internado contra a vontade impede o dependente de formar esse vínculo necessário com a equipe. “A pessoa que foi objeto de violência não vai estabelecer uma relação de confiança com essa equipe. O componente afetivo, que é necessário, nunca estará presente no tratamento”, explicou.
Franco acredita que as políticas de drogas que focam na internação involuntária e compulsória desumanizam o usuário. “O sujeito deixa de ser um filho, um pai, para ser um consumidor de droga, um criminoso. E se desumanizamos uma pessoa, podemos fazer de tudo com ela. Inclusive não atribuir a ela os direitos que ela tem, como o de ir e vir e o direito de não ser conduza à força para internação”, afirmou.
De acordo com o professor, a questão da descriminalização das drogas é fundamental e estrutural para o tratamento dos dependentes químicos. “Uma vez que se descriminaliza, as pessoas que fazem uso da droga se vêem seguras para pedir ajuda”, argumentou.
À curto prazo, no entanto, a solução estaria em aumentar a escala das intervenções, como as redes de atendimento psicossocial. “Esta já é uma questão adotada pelo Ministério da Saúde, que está investindo nisso, mas ainda é um investimento pequeno em função da extensão do problema”, afirmou Franco.
Para ele, a rede psicossocial ideal reúne todos os equipamentos necessários para o atendimento ao dependente, de leitos em hospitais gerais até os CAPS, passando por consultórios de rua e equipes de saúde da família. “É preciso haver um investimento massivo no treinamento destes profissionais. Em vez de dedicar recursos públicos às comunidades terapêuticas que acolhem os internados compulsoriamente, o governo deveria investir mais na rede psicossocial”, sugeriu.
 Para Marcos José Duarte, usuários de crack são deslocados do centro do Rio de Janeiro devido à especulação imobiliária
Foto: Lucas lg54 – WikiCommons
Assistente Social atenta para possível tentativa de ‘limpeza’ nas grandes cidades
Para o assistente social e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Marcos José Duarte, o caráter social de políticas públicas que envolvem internação forçada de dependentes químicos não pode ser ignorado. Em entrevista ao Sul21, ele lembrou que a população usuária de crack vive na rua e é composta, em sua maioria, por afro-brasileiros que vivem em um quadro de miserabilidade.
Essa política parte de uma lógica repressiva para manter uma cidade ‘limpa’. Por conta de um projeto de megaeventos, no caso específico do Rio de Janeiro, as Olimpíadas e a Copa, você tem que ‘limpar’ a cidade”, afirmou o professor. “Por motivos inclusive de especulação imobiliária, essa população indesejada está sendo deslocada, removida do centro da cidade”. Duarte cita o aumento de preços de apartamentos no bairro carioca da Lapa como exemplo do resultado da especulação.
Duarte apontou que, a partir do início de 2012, a prefeitura do Rio de Janeiro iniciou um processo junto ao Ministério Público para realizar internações de forma compulsória, inclusive de crianças e adolescentes. “Estavam recolhendo essas pessoas de forma massiva e arbitrária, sem avaliação médica nem acompanhamento, e colocando-as em abrigos municipais com violações de direitos humanos”, acusou o professor.
Movimentos sociais contrários à medida criaram a Frente Estadual das Drogas e Direitos Humanos do Rio de Janeiro, da qual Duarte é integrante. Após diversas audiências públicas, a Frente conseguiu exigir da gestão municipal do RJ um compromisso de transferir a responsabilidade da questão de drogas da área da assistência social para a saúde, além da perspectiva de ampliar a rede CAPS, as equipes de saúde da família e os consultórios de rua – medidas que Duarte julga mais eficazes do que a internação compulsória.
Para o professor, que é supervisor do Centro de Atendimento Psicossocial da UERJ, o plano de enfrentamento ao crack do governo Dilma tem falhas “absurdas”, como o estabelecimento de parcerias público-privadas com as comunidades terapêuticas, em vez de focar na ampliação da rede psicossocial. “Essas comunidades têm um conteúdo moralista, conservador, e a maioria é gerenciada por evangélicos fundamentalistas”, afirmou. “Eles não têm projeto terapêutico. Nós, da área da saúde mental, somos contra”.
Duarte afirmou que há uma ambiguidade na própria política do governo federal, que oferece cursos de capacitação tanto para as equipes de saúde da família que lidam com usuários de drogas, quanto para equipes de comunidades terapêuticas. “É como se houvesse uma correlação de forças e o governo quisesse agradar os dois, tanto a corrente anti-manicomial e anti-proibicionista, quanto os conservadores”.
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Estadão 11/01/2013
Alckmin assina termo para internação involuntária de dependentes químicos
Governador rebateu críticas do secretário municipal de Direitos Humanos, para quem 'uso de força não resolve em nenhuma situação'
Guilherme Waltenberg
SÃO PAULO - O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), assinou na tarde desta sexta-feira, 11, os termos de cooperação técnica com o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e a seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) para apressar a internação de dependentes químicos, incluindo o encaminhamento de casos considerados graves para internação involuntária.
Durante a cerimônia, Alckmin rebateu as críticas do secretário municipal de Direitos Humanos, Rogério Sotilli, que disse nesta sexta que "o uso de força (no caso da internação compulsória) não resolve em nenhuma situação". O governador afirmou que a maioria das internações realizadas no ano passado foram voluntárias, mas que, para casos mais graves, a lei prevê a internação compulsória. Alckmin comparou ainda a "internação à força" com a autorização dada na quinta-feira, 10, pelo prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), para que, se necessário, seja feita a retirada à força de moradores de áreas consideradas de risco devido às fortes chuvas que atingem a região paulistana, dizendo que ambas as determinações seguem o mesmo princípio.
O governador disse que o Estado possui a capacidade de realizar cerca de 5.500 internações ao ano. A secretária estadual da Justiça e Defesa da Cidadania, Eloisa Arruda, afirmou que não haverá participação da polícia na abordagem dos dependentes químicos. Esse trabalho, explicou a secretária, será realizado por outros agentes, como assistentes sociais e ex-dependentes. "Não haverá a participação da PM (Polícia Militar) para recolher as pessoas nas ruas. Se a pessoa estiver convulsionando, será chamada uma ambulância", disse.
O convênio, firmado nesta sexta, prevê a instalação de um anexo no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod) com a presença de juiz, promotor e advogados, além do corpo médico, para determinar a necessidade de internação compulsória. De acordo com o presidente do TJ-SP, Ivan Sartori, a ação pode ter início já na próxima segunda-feira, 14. A reunião que irá regulamentar a presença do TJ no Cratod, no entanto, será realizada apenas na próxima quinta-feira, 17. "Trata-se de uma ação social, de cidadania e saúde. Não há lugar aqui para ideologia. Vamos agilizar a aplicação da lei 10.216 (que prevê a internação compulsória de dependentes)", afirmou Sartori.
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FSP 05.01.2013
Ainda a cracolândia
Editorial
Poucas drogas são tão perversas quanto o crack. Uma vez consumida, a substância chega ao cérebro em seis a oito segundos, contra três a cinco minutos da cocaína em pó. O usuário pode tornar-se dependente com apenas algumas doses, e os sintomas da abstinência aparecem minutos após o uso.
Tais características do crack explicam por que é tão difícil para o usuário escapar da droga. Em certo sentido, também ajudam a explicar a persistência da cracolândia, ferida há duas décadas aberta no centro de São Paulo.
Nada justifica, porém, que a prefeitura e o governo do Estado tenham sido incapazes, ao longo de tantos mandatos, de conceber um plano capaz de dar conta desse desafio, por complexo que ele seja.
Talvez o que venha faltando seja reconhecer a complexidade do problema. Uma visão simplista levou o ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) a anunciar o fim da cracolândia em 2008. No mesmo erro incorreu Eloisa Arruda, secretária da Justiça do Estado de São Paulo, que, em janeiro passado, disse: "a cracolândia já acabou".
A afirmação da secretária foi feita menos de um mês depois de o governo e a prefeitura terem iniciado uma intervenção na região. Com ênfase na ação policial, a iniciativa deixou como resultados mais visíveis alguns episódios de violência e a dispersão de parte dos dependentes pelos bairros vizinhos.
Um ano após ter sido deflagrada aquela operação, a cracolândia continua um cenário desolador, em que pesem os avanços obtidos. Reportagem desta Folha mostrou anteontem que o tráfico de drogas persiste na região, a despeito da presença da Polícia Militar.
Em resposta, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) afirmou que vai facilitar a internação à força de dependentes graves de drogas.
Trata-se de mais uma abordagem simplificadora do problema. Internações forçadas apenas afastam o viciado da droga por um certo período. Não são mais que paliativos. Além disso, enquanto não oferecem riscos, adultos devem ter sua liberdade individual preservada e respeitada pelo Estado.
Tratamentos à revelia, nos termos da lei, são cabíveis somente em último caso e para situações particulares -quando o indivíduo perde a capacidade de decidir-, nunca como resposta governamental a uma circunstância complexa.
O poder público, nas três esferas, deve criar uma rede de proteção para incentivar o usuário a não retomar o vício, articulando ações de saúde e assistência social. O enfoque policial deve e precisa existir, mas para o traficante de droga.
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FSP 04.01.2012
Governo de SP vai facilitar internação à força de viciados 'graves' em drogas.
Medida foi anunciada pelo governador ontem, um ano após o início da operação na cracolândia. De acordo com Geraldo Alckmin (PSDB), a mudança deve ser implementada nas próximas 2 semanas
TALITA BEDINELLI / AFONSO BENITES
O governador Geraldo Alckmin (PSDB) anunciou ontem um projeto para facilitar a internação à força de dependentes graves de drogas.
A divulgação foi feita após ele ser questionado sobre a operação na cracolândia, centro de São Paulo, que completou um ano ontem. Reportagem da Folha mostrou que o tráfico continua no local.
O governo não deu detalhes sobre a medida. A Folha apurou que ela está em fase final de discussão e que o anúncio foi antecipado por Alckmin.
De acordo com ele, a medida deve ser implementada nas próximas duas semanas.
A principal alteração se dará na equipe do Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas), para onde são levados viciados por agentes do governo.
No local, haverá médicos, um promotor e um juiz, que juntos vão agilizar a decisão pela internação do viciado.
Os médicos avaliarão as condições do paciente e informarão a necessidade de internação forçada de casos graves que recusarem tratamento.
O promotor dará então um parecer, e o juiz decidirá se a internação forçada é necessária. A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) acompanhará a decisão.
No anúncio, Alckmin afirmou que o projeto -uma parceria entre governo, Tribunal de Justiça, Ministério Público e OAB- seria para internações "involuntárias", modelo em que um familiar pode pedir a internação forçada diretamente ao sistema de saúde, sem precisar da Justiça.
À tarde, o palácio confirmou que também serão feitas internações "compulsórias" - quando a Justiça tem que autorizar a internação, após atestado médico e parecer da Promotoria (a família não precisa pedir).
O governo não informou oficialmente qual o critério exato para definir os casos "graves" até a conclusão desta edição.
No anúncio, Alckmin disse que são os que implicam em "comprometimento da saúde e da vida das pessoas".
O projeto servirá para crianças, adolescentes e adultos.
Segundo Rosangela Elias, coordenadora de Saúde Mental, Álcool e Drogas do governo, a medida não será uma "caça às bruxas". "Esperamos que esse seja o caso da grande minoria", diz a coordenadora.
O desembargador Antonio Carlos Malheiros, da área da Infância e Juventude do TJ, diz que a medida o preocupa.
"Não sou contra a internação compulsória, mas o meu temor é que isso seja feito em massa. Que se comece a retirar todo mundo da rua e confundir o usuário de drogas com o marginal."
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Agência Brasil 24/12/2012
Retirada de usuários de drogas das ruas do Rio foi ação de segurança pública, diz promotor
Akemi Nitahara
O promotor de Justiça de Defesa da Cidadania, Rogério Pacheco, criticou as operações, feitas ao longo dos últimos anos, para retirada de usuários de drogas das ruas do Rio de Janeiro. Na avaliação dele, as ações da Secretaria de Ordem Pública buscaram mais a perspectiva da segurança pública e não a da assistência social.
"São operações de enxugar gelo, porque as pessoas são recolhidas aos abrigos do município e lá não permanecem, porque esses abrigos ainda carecem de uma estrutura adequada e por conta da falta de uma política no município para o atendimento dessas pessoas."
Desde março de 2011, a Secretaria Municipal de Assistência Social faz ações de retirada das ruas e acolhimento dos usuários, em parceria com órgãos de segurança. Em 2011, foram 63 operações que contabilizaram 2.924 acolhimentos, sendo 2.476 adultos e 448 crianças e adolescentes. Em 2012 foram 3.025 acolhimentos, com 2.695 adultos e 330 crianças e adolescentes, em 77 operações.
Apesar das críticas ao acolhimento de usuários de drogas, a subsecretária de Proteção Social Especial, Monica Blum, defende que o trabalho "é fundamentado, embora não seja perfeito", mas que precisa envolver todas esferas de governo. "O trabalho é dinâmico e vem sendo feito. Mas a política [de atendimento ao usuário] precisa ter todos os setores, serviços e esferas do governo juntas. O momento de recolher e levar para o abrigo é importante, mas não resolve", admite Monica.
Para ela, é preciso discutir o que fazer com o usuário. "O usuário merece respeito e que sejam feitas políticas públicas para eles. Não podemos nos conformar com o que a gente faz, precisamos oferecer sempre algo melhor", diz a subsecretária. De acordo com Monica, o governo está discutindo um novo modelo de atendimento.
Para crianças e adolescentes que tiverem a dependência química comprovada por especialistas, o abrigamento é compulsório. Ao serem localizados, esses jovens são encaminhados para uma das três centrais de recepção da Secretaria Municipal de Assistência Social, onde passam por triagem e avaliação psicológica, clínica e nutricional.
Durante o período de abrigamento compulsório, é feito um trabalho para a reaproximação com a família e a reinserção social, com matrícula na escola e em atividade complementar. A secretaria conta com cinco Centros Especializados de Atendimento à Dependência Química, além da Unidade Municipal Casa Viva, para o abrigamento compulsório. Todos têm equipes multidisciplinares compostas por médicos, enfermeiros, psicólogos, educadores, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais. Ao todo, essas unidades oferecem 178 vagas. Atualmente, 123 crianças e adolescentes estão abrigadas compulsoriamente: 60% são meninos, metade tem entre 13 e 15 anos, 35% têm entre 16 e 17 anos e 15% são menores de 12 anos.
O crack foi a droga mais utilizada pelas crianças e pelos adolescentes abrigados, seguida pela maconha, cigarro, zirrê [droga que combina crack e maconha] e cocaína. Entre os acolhidos nas ruas e nas cracolândias, 40% foram encaminhados para a rede de proteção social e 60% são de outros municípios, sendo encaminhados para conselhos tutelares de suas regiões. Do total, 24% são reincidentes. Cerca de metade das crianças e adolescentes acolhidos compulsoriamente não receberam uma única visita familiar.
No caso dos adultos, não há abrigamento compulsório. Mas para o usuário de droga que desejar atendimento, foi inaugurada, em 2011, a primeira Unidade Municipal de Reinserção Social Rio Acolhedor, com 422 vagas. No local, é feita avaliação e os usuários são orientados a procurar o atendimento contra a dependência química nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), mantidos pela Secretaria Municipal de Saúde.
Dentro do programa Rio Acolhedor, os abrigados têm oportunidade de fazer alfabetização para jovens e adultos, capacitação profissional, esportes e apoio a dependentes químicos, além de poder tirar nova documentação. As equipes contam com assistentes sociais, educadores, psicólogos, pedagogos, fonoaudiólogos, professores de educação física, enfermeira e nutricionista. São 438 vagas em unidades próprias do município e 100 vagas em instituições conveniadas.
De acordo com perfil traçado pela Secretaria Municipal de Assistência Social, a população de rua adulta do Rio de Janeiro é composta, na maioria, por homens (76%). O principal motivo que leva as pessoas a essa situação é o alcoolismo e o uso de drogas (58%), seguido de conflito familiar (26%) e desemprego (10%). Aparecem também como motivo a violência na comunidade (4%) e a situação de exploração sexual (2%).
A coordenadora-geral de serviços de acolhimento do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Mariana de Sousa Machado Neris, lembra que o problema é muito amplo e exige atenção individualizada. "Não existe um sujeito claramente identificável como usuário de droga, são de todas as idades, gêneros, classes sociais, religiões, posições sociais. Cada experiência é uma vivência singular".
De acordo com ela, o desafio é desmascarar o problema do crack para identificar os outros problemas do usuário. "A abordagem tem que romper com a linha higienista, que leva o usuário à privação de liberdade, para desenvolver uma estratégia integrada e integral, reconhecendo o usuário como sujeito de direito, sem estigmatizar. A responsabilidade é compartilhada entre os níveis da federação."
A Polícia Militar informa que apreendeu, de janeiro a novembro deste ano, 103.399 pedras de crack em toda a cidade. Dentro do programa federal Crack, é possível vencer, foram formados 48 operadores de segurança, entre eles, policiais militares, civis e guardas municipais, para atuar no combate à droga.
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Agencia Brasil 19/11/2012

Ministério da Saúde diz que não incentiva internação compulsória de dependentes

Mariana Tokarnia
Brasília – O coordenador adjunto de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Leon Garcia, disse hoje (19) que o governo federal não incentiva a internação compulsória de dependentes de droga. O dirigente respondeu a participantes do seminário Álcool e Outras Drogas: Um Desafio para os Profissionais de Saúde, coordenado pelo Fórum dos Conselhos Federais da Área de Saúde, que criticaram a implantação de políticas desse tipo no país.
"Internação compulsória é uma política pobre feita para pobre. É uma estratégia de higienização para mostrar um país bonito nos eventos internacionais", disse o coordenador do Movimento Nacional de População de Rua (MNPR) e da Frente Nacional sobre Drogas e Direitos Humanos (FNDDH), Samuel Rodrigues.
 O representante do Ministério da Saúde alegou que essas decisões se dão em âmbito estadual e municipal e garantiu que a política federal é para que essas internações sejam feitas apenas em casos extremos, nos quais haja risco de vida para o usuário.
"O ministério busca o diálogo, de forma a intervir e ampliar a rede de cuidados. O nosso objetivo é que a internação involuntária adquira novamente a dimensão que nunca deveria ter deixado de ter, quase nula. Que seja aplicada apenas em casos muito específicos", disse Garcia.
A conselheira do Conselho Nacional de Política sobre Drogas (Conad) Cristina Brites, de outro lado, disse que o poder aquisitivo pode influenciar no tratamento. "Ninguém pode negar que um policial, quando aborda um usuário de drogas, age dependendo do bairro onde vai atuar, dependendo da cor da pele da pessoa. Quando é negro, quando é pobre, quando está num bairro mais afastado, de certa forma a ação da polícia é mais repressora”.
Para Cristina Brites, o consumo de drogas de forma generalizada está ligado à classe social. A dependência se instalaria em um contexto de perda de sentido, estando ligada também a condições materiais. O jovem, segundo ela, "se coloca mais em risco quando tem menos acesso a informação, se coloca mais em risco quando não pode conversar sobre isso abertamente na escola, quando convive com o tráfico cotidianamente”.
As comunidades terapêuticas também receberam críticas. Os motivos são violação de direitos humanos, trabalhos forçados das pessoas em tratamento e más condições das instalações físicas. O governo é responsável diretamente por 25 centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSads). As demais comunidades que existem no país são iniciativas particulares. Muitas recebem auxílio governamental por meio de editais.
A intenção é que esses centros integrem a Rede de Atenção Psicossocial, instituída pela Portaria 3.088 de 23 de dezembro de 2011. A rede inclui o Sistema Único de Saúde (SUS), facilitando a fiscalização e o envolvimento da família no tratamento. No entanto, de acordo com o coordenador adjunto Leon Garcia, o ministério não tem tido sucesso nessa integração e tem encontrado resistência por parte das comunidades.
"A gente sabia que era um problema complexo, que não vai conseguir resgatar o atraso de muitos anos de política em um ano só. Temos um horizonte de trabalhar até 2014 para ter uma rede mínima de cuidados efetivos nesse campo de álcool e drogas", informou.
Até 2014, o Ministério da Saúde vai investir R$ 4 bilhões no Programa Crack, É Possível Vencer, destinado ao tratamento e combate à dependência da droga. Desses, R$ 2 bilhões serão destinados diretamente para tratamento. Esse ano, foram lançados editais que visam a atender a pelo menos nove projetos de comunidades terapêuticas com cerca de R$ 900 mil.
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O Dia 12.12.2012


Crack: MP é contra plano do governo
Promotores acham que internação compulsória não resolve problema
Caio Barbosa
Rio -  O Ministério Público do Rio realizou audiência pública com representantes da prefeitura, governo do estado, especialistas e sociedade civil, ontem à tarde, onde chegou-se a um consenso: a internação compulsória de usuários de crack está muito longe de ser a solução para o problema. Após o encontro, o secretário municipal de Saúde, Hans Dohmann, que esteve no evento, prometeu apresentar novo projeto de combate ao crack ainda este ano.
O Ministério Público é contra a forma como o caso está sendo tratado pelo governo e a favor da lei já existente, que prevê a internação compulsória apenas em última instância”, explicou a promotora Anabelle Macedo.
De acordo com a maioria dos presentes, mais do que uma violação dos direitos humanos, a internação compulsória é uma medida ineficaz no tratamento de quem sofre da dependência química.
Os números estão aí. Em 97% dos casos onde há internação compulsória, o dependente químico não se livra do vício. O usuário de crack não precisa sair do convívio social. Ele já é desprovido de liberdade e precisa ser reinserido na sociedade, com tratamento adequado, moradia e emprego”, explica Aldo Zaiden, representante do governo federal.

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O Globo 22.10.2012
Crack: internação compulsória de adultos divide opiniões
Há discussão jurídica sobre constitucionalidade da medida anunciada por prefeito, que já admite que iniciativa é polêmica
Remédio drástico. Medida, polêmica, tem o objetivo de acabar cracolândias como as que surgiu no acesso à Ilha do Governador na semana passada (Foto Pablo Jacob)
CAROLINA DE OLIVEIRA CASTRO
LUDMILLA DE LIMA
RIO — A internação compulsória de adultos usuários de crack, anunciada na segunda-feira pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes, divide opiniões. Há uma discussão jurídica sobre a constitucionalidade da medida, que o próprio Paes admite ser polêmica. Segundo a legislação atual, uma pessoa só pode ser internada contra a vontade caso fique provado que ela não é capaz tomar decisões. Presidente da Associação de Magistrados do Estado do Rio (Amaerj), o desembargador Claudio Dell'Ort diz que a decisão tem que partir da Justiça.
— A prefeitura só pode internar compulsoriamente caso haja uma decisão da Justiça. Os usuários podem ser recolhidos para identificação, mas o pedido de interdição deve ser encaminhado ao Ministério Público, que irá pedir a interdição legal. Apenas a família e o MP podem pedir isso à Justiça — ponderou.
O presidente da Ordem dos Advogados do Rio de Janeiro (OAB), Wadih Damous, no entanto, disse que é a favor da internação forçada por se tratar de um problema de saúde pública. Já a presidente do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro, Vivian Fraga criticou a decisão:
— A ação é contrária a tudo que está escrito, conveniado e assinado dentro das políticas de saúde e assistência. Ele tomou a decisão à revelia de processos democráticos. É uma decisão higienista do prefeito.
Para colocar o plano em prática, o prefeito disse que criará, até o fim do ano, 600 vagas para o tratamento de dependentes da droga. De acordo com Paes, caberá às secretarias de Assistência Social e de Saúde a elaboração de um projeto de criação das vagas na rede municipal. Ele afirmou que a proposta será apresentada no dia 5 de novembro, no Jacarezinho. O prefeito disse ainda que, na quinta-feira, pedirá apoio ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha, em Brasília.
— Teremos que criar uma estrutura própria. Vamos tentar fazer ainda esse ano, de forma emergencial. E, a partir do momento em que disponibilizarmos essa estrutura, a Secretaria de Assistência Social vai partir para a internação compulsória de adultos — afirmou Paes, que anunciou a medida na Clínica de Família Antídio Dias da Silveira, no Jacarezinho.
Para o prefeito, usuários de crack não têm condições de decidir pela internação:
— Essas pessoas não têm condições de tomar decisão. Sempre tive opinião pessoal favorável (pela internação compulsória). Mas aqui é decisão política do prefeito — destacou o Paes, que negou estar defendendo “a hospicialização ou a prisão” dos dependentes.
A Secretaria municipal de Assistência Social identificou em abril, a pedido do GLOBO, por meio de um mapeamento informal, 11 cracolândias na cidade e mais seis pontos itinerantes de consumo de crack. Nesses locais, circulariam cerca de três mil usuários (sendo 20% menores). Hoje, há 123 crianças e adolescentes acolhidas compulsoriamente.
Quatro escolas e nove EDIs
Paes se reuniu na segunda-feira com secretários cujos órgãos estão envolvidos em ações nas favelas de Manguinho e do Jacarezinho. ele afirmou que o horário das clínicas de famílias serão estendidos até as 20h. Hoje, as unidades ficam abertas até as 17h. Já a clínica Antídio Dias terá sua equipe de médicos dobrada. O prefeito disse ainda que serão construídos nove Espaços de Desenvolvimento Infantil (EDIs) e quatro escolas na região. Eles se somarão a nove escolas, seis creches e quatro EDIs existentes. Os investimentos chegarão a R$ 112 milhões. Em relação à infraestrutura, Paes disse que estão em curso obras no entorno do Jacarezinho orçadas em R$ 10,8 milhões.
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FSP 22/10/2012
Rio vai internar compulsoriamente adultos dependentes em crack
MARCO ANTONIO MARTINS
A Prefeitura do Rio irá internar compulsoriamente os adultos dependentes em crack na cidade. A decisão foi anunciada pelo prefeito Eduardo Paes (PMDB) após reunião com lideres comunitários da favela do Jacarezinho, na zona norte da cidade.
"Não vou ficar de camarote assistindo as pessoas se drogarem nas ruas. Gente quase se jogando debaixo dos carros na avenida Brasil. Não vou ficar no debate ideológico. Nossa obrigação é salvar vidas", afirmou o prefeito.
Paes disse que a medida não começa agora e também não afirmou quando será iniciada.
Na semana passada, 67 pessoas --entre elas cinco adolescentes-- foram recolhidos em uma operação da Secretaria Municipal de Assistência Social na região do Parque União, na entrada da Ilha do Governador, na zona norte. Os moradores de rua e usuários de drogas foram identificados e encaminhados para abrigos.
Após a ocupação das comunidades do Jacarezinho e Manguinhos muitos usuários de crack foram outros pontos da cidade. Um grupo foi para a frente do Departamento Náutico do São Cristóvão Futebol e Regatas, em Ramos, bairro vizinho, também no subúrbio, e improvisou acampamento no local.
Outros grupos de usuários da droga se espalham nas entradas de comunidades próximas como Nova Holanda. Alguns se escondem atrás de tapumes de obras da Transcarioca (corredor expresso de ônibus) na avenida Brasil.
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O Dia 19.10.2012
Prefeito quer internação compulsória de drogados
Proposta abre polêmica sobre tratamento de adultos e a insuficiente quantidade de vagas nos centros psicossociais do município. Clínicas estaduais não estão atendendo

Rio -  A internação compulsória (contra a vontade) de adultos viciados em crack poderia ajudar no combate à proliferação e a migração de usuários da droga na cidade.
A proposta é defendida pelo prefeito Eduardo Paes, cuja administração já adota a internação involuntária de crianças e adolescentes. Mas alguns especialistas contrários à medida criticam a prefeitura pela falta de leitos e unidades de tratamento.
“É um desafio. Eu sou totalmente a favor (da internação compulsória) para o sujeito que está correndo risco de vida, completamente desorientado”, disse Paes. O próprio prefeito reconhece a falta de estrutura adequada para dar conta de tantas internações forçadas.
“Temos que ampliar a rede e sua qualidade. Mas estamos fazendo nossa parte, pois há três anos o governo municipal não tratava de crack”, argumentou.
O município tem quatro Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) para internação de adultos drogados, com 538 vagas ocupadas.
O estado não tem clínica. As duas conveniadas, com 180 vagas, estão sem contrato desde 19 de agosto. Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, novo convênio com clínicas está em fase de tramitação.
Opiniões distintas
O psiquiatra forense Talvane de Moraes é a favor da internação compulsória, baseada na Lei 10.216 (2001), que, através de laudo psiquiátrico, permite encaminhamentos para recuperação. “Em crise, o usuário perde a capacidade de tudo, inclusive de raciocinar”, defendeu Talvane, ao contrário do advogado Nélio Andrade.
“Esse tipo de iniciativa fere a Constituição Federal, que é clara: só se tira o direito de ir e vir do cidadão por meio de prisão em flagrante ou por ordem judicial devidamente fundamentada. Não se pode aplicar a Lei 10.216 sem que haja estrutura bem preparada de saúde”, acrescentou Nélio.
Marcelo da Rocha, presidente da Associação de Defesa dos Dependentes Químicos em Recuperação (ADQR), concorda com Nélio. “Continuam fazendo política com o dependente químico. Se faltam vagas e unidades de tratamento, falar em internação compulsória para adultos soa como contrassenso”.
Grupo vai acompanhar iniciativas
Para acompanhar as ações contra o crack e tratamento de viciados, foi criada ontem, por 16 entidades, a Frente Estadual de Drogas e Direitos Humanos. Alice De Marchi, do Conselho Regional de Psicologia, é uma das fundadoras. “A internação compulsória fere qualquer tipo de liberdade. Representa retrocesso à brava luta anti-manicomial”, disse.
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iG 02.07.2012
Crack: os dramas de dependentes químicos ricos e pobres
Reportagem do iG passou um dia em uma clínica particular e outro em uma unidade da prefeitura do Rio para comparar as formas de tratamento da droga
Valmir Moratelli
Prédio do refeitório na clínica Jorge Jaber: tratamento a R$ 7 mil por mês mais remédios
Em uma clínica particular voltada para a classe média, o tratamento mensal de um dependente em crack sai por, pelo menos, R$ 7 mil. Entre os centros de tratamento bancados pela prefeitura do Rio, um paciente custa aos cofres públicos cerca de R$ 3 mil por mês. Segundo dados da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS), o Rio tem hoje pelo menos 11 cracolândias e outros seis pontos itinerantes de consumo de crack.
Os maiores centros de consumo estão, segundo a prefeitura, nas favelas do Jacarezinho, Manguinhos e Morro do Cajueiro, em Madureira. Nessas áreas circulam diariamente cerca de três mil usuários (20% deles menores). O município gasta, mensalmente, R$ 1,7 milhão no acolhimento e tratamento de viciados carentes.
Mas o crack já chegou à classe média.
Na clínica particular Jorge Jaber, em Vargem Pequena, zona oeste do Rio estão 65 pacientes dependentes de drogas diversas, incluindo o álcool. Mas a maioria esteve envolvida com o crack. “É uma nova realidade que estamos tendo que lidar. O viciado em crack teve sua capacidade cognitiva e social deteriorada, está propenso à irritação extrema, tem comprometimento físico e sem laços familiares. É um ser humano à beira da destruição, um fracassado total, insano.”, define o psiquiatra Jorge Jaber, que dá nome ao local.
Já no Centro Especializado de Atendimento à Dependência Química Ser Criança, em Guaratiba, também na zona oeste do Rio, mantido pela prefeitura, 50 jovens menores de 18 anos, todos do sexo masculino, tentam voltar à vida normal. Muitos não sabem ler e escrever, preferem ser tratados com apelidos de rua e não sabem o que é hierarquia. “Aqui eles precisam reaprender a viver em sociedade. Tem hora para brincar, para comer, para dormir. Não é fácil, porque gostavam da vida sem limites que tinham”, conta Vatusy Ramos, coordenadora do espaço.
Diferenças no tratamento
Após visita a dois centros de tratamento, o particular e o da rede pública, a reportagem do iG pôde perceber algumas diferenças na forma de lidar com o dependente. Em ambas, as atividades precisam ter horários pontuais, seguidos rigorosamente por todos. Mas na primeira, há psicólogos e terapeutas ocupacionais em maior número para orientar as conversas e até a forma de encarar os problemas individuais. As reuniões tanto acontecem em grupo, quanto individualmente. Com as crianças, o cuidado está na formação básica, já que muitos não são nem alfabetizados. “Ninguém pode ser tratado com apelidos que ganharam nas ruas. Aqui é para se buscar o resgate da identidade. Não podemos incentivar a informalidade”, conta Vatusy.
É claro que a clínica particular tem uma estrutura mais equipada, com mais profissionais à disposição(veja quadro abaixo). Muito mais médicos, mais psicólogos. O rigor na condução do tratamento na clínica particular é maior, até porque não lida apenas com crianças. Ali há, em sua maioria, adultos em mais de uma internação. A prefeitura não tem um centro especializado para viciados maiores de 18 anos.
Os dependentes de crack adultos são levados para a Unidade Municipal de Reinserção Social Rio Acolhedor, em Paciência, zona oeste da cidade, com 350 vagas. Ali há também acolhimento e atendimento especializado de moradores de rua. No local, os usuários são avaliados e orientados para o atendimento contra a dependência química nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) da Secretaria Municipal de Saúde. Os abrigados podem tirar nova documentação, participam de encaminhamentos focados no aumento do ensino, reaproximação familiar, capacitação profissional, questões habitacionais, inserção no mercado de trabalho, além de atividades recreativas e passeios e focados em entretenimento.
Os pacientes – de classe média ou de origem humilde – também guardam aproximações. Todos dizem que “chegaram ao fundo do poço”, termo recorrente entre os dependentes. Os olhos são fundos, tristes. Poucos sorriem. Falam com dificuldade, em certos casos devido à medicação pesada. Reconhecem que precisam de ajuda e que lutam para ter uma vida digna, com trabalho ou de volta à escola. A questão, dizem os psicólogos, é que nada é fácil em se tratando do crack. A vigilância é para o resto da vida.
Para o médico José Veríssimo, da clínica Jorge Jaber, todo o combate que se tem feito (pelos órgãos governamentais) é de "enxugar gelo”. “Os resultados são pequenos porque o maior desafio é o que vem depois do tratamento, como restabelecer os laços familiares e uma vida social, longe das drogas”, diz o médico. Vatusy reconhece que os resultados são obtidos timidamente, um por vez. “Meu maior aperto no coração é quando tenho que liberar um jovem para ir embora, após três meses internado. Sei que ele vai ter grande chance de voltar ao contato com as drogas, porque não tem uma base familiar sólida... Muitos moram em frente à boca de fumo da favela”, conta.

Veja no quadro a seguir a comparação estrutural entre uma clínica particular e a unidade da prefeitura.
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O Globo 24/05/2012
Editorial do Jornal O Globo
Guerra ao crack pressupõe recolhimento

Opinião
O uso de crack atinge índices epidêmicos no Rio - e, de resto, nas regiões metropolitanas das grandes capitais do país. Um mapeamento preliminar, portanto não completo, feito mês passado pela Secretaria Municipal de Assistência Social indicou que a cidade tem pelo menos 11 áreas conhecidas como cracolândias, por onde circulam diariamente cerca de três mil pessoas, 20% delas menores de idade. É um desfile de usuários da droga, a grande maioria vencida pelo vício.
São números impressionantes, que levaram o prefeito Eduardo Paes a assinar convênios com os governos estadual e federal, visando a frear o avanço da droga através do programa “Crack, é possível vencer", parte de um plano nacional de enfrentamento deste flagelo. O projeto capacitou o Rio a receber R$ 40 milhões para ações de redução de danos, como a ampliação de consultórios de rua, abrigos-modelos e do número de leitos para o tratamento de viciados.
Portanto, ao menos nas intenções o município procura se equipar para uma cruzada contra a droga. Na prática, no entanto, a guerra está longe de ser vencida, como indica a reportagem publicada esta semana no GLOBO: das 608 pessoas recolhidas entre sexta-feira passada e a manhã da última segunda-feira, durante operação contra a cracolândia no Morro Santo Amaro, no Catete, somente 36, menores, permanecem acolhidas numa central de recepção de usuários.
De 572 adultos levados para um abrigo, quase todos já haviam voltado às ruas no dia seguinte. Muitos nem chegaram a dar entrada no órgão: voltaram para a vida de vício minutos depois de descerem dos ônibus que os transportaram até o local onde, em tese, deveriam se submeter a tratamento. Reflexo de uma política que mais se assemelha à prática de enxugar gelo do que a um plano de ação que vise a, de fato, dar alternativas de recuperação e reinclusão social a usuários de uma droga cujo vício lhes rouba todo o futuro.
Os esforços do poder público para refrear a disseminação do crack na cidade podem até conter equívocos, compreensíveis quando se trata de formular uma linha de ação para enfrentar um problema cujas consequências ainda não são totalmente conhecidas. Neste caso, trata-se de corrigir rotas.
O mais grave é que ações esbarram em irresponsáveis resistências ao recolhimento compulsório de adultos a instituições, de modo a lhes assegurar tratamento contra o vício, medida crucial para mudar a curva de consumidores crônicos. Os obstáculos partem não só dos próprios adictos - muitos num estágio de dependência que lhes tira a capacidade de discernir -, mas também de entidades que contrapõem palavras de ordem grandiloquentes, mas ineficazes, à necessidade de enfrentar realisticamente essa tragédia.
O crack é uma droga que vicia rapidamente e, a partir de um estágio do consumo, degrada física e mentalmente o usuário. Não à toa, é alvo em todo o mundo de programas de combate à sua disseminação, não só por suas comprovadas agressões à saúde de quem o consome, mas também por uma perversa particularidade social: por ser uma substância de preço mais acessível que o de outros entorpecentes, tornou-se um tóxico de uso preferencial do estrato social mais carente da sociedade.

Nossos comentários enviados por email para o Dir. Geral e o editor Chefe do Jornal O Globo.
Presados, como estão?
Com referência ao editoral “Opinião”, publicado em 24.05.2012, sob o título "Guerra ao crack pressupõe recolhimento" acreditamos ser um excelente exemplo do quanto são contraditórias as informações que circulam pelas mídias a esse respeito, dificultando que todos aqueles que se interessem pelo tema entrem em contato com a realidade e impossibilitando que sejam elaboradas e executadas políticas públicas que interajam de fato com a realidade de nossa cidade.
Com a intenção de abrir um espaço de diálogo com vocês, seguem alguns comentários a respeito do edital em pauta, mas antes, para facilitar a compreensão de nossos comentários a seguir, gostaríamos de deixar claro 2 pontos que consideramos importantes:
  1. o “respeito pe BOM e eu gosto!” é um movimento da sociedade civil que luta pela implantação de políticas públicas que atendam a TODOS os usuários de drogas.
  2. A priori não somos contra a internação compulsória muito pelo contrário, recomendamos veementemente para alguns casos.
Mais uma vez nos colocamos como parceiros de VSas na luta por um mundo mais justo, ético e solidário.
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O Globo Opinião 24/05/2012
Em verde nossos comentários e em negrito o txt original.

Guerra ao crack pressupõe recolhimento
O recolhimento pressupõe internação e a internação pressupõe aparelhos do Estado capazes de conduzi-la a contento, a começar por profissionais capacitados para tal. Mas o que pensar se nossos hospitais municipais estão sendo fechados exatamente por falta de MÉDICOS, como demonstra reportagem publicada por vcs em 31.07.2011 e, de lá para cá, a situação só tem se agravado?

O uso de crack atinge índices epidêmicos no Rio - e, de resto, nas regiões metropolitanas das grandes capitais do país. ...
Devemos nos lembrar que o CRACK está em nossa sociedade há aproximadamente 30 anos (desde o início da década de 80) e só agora chama a atenção de todos. Se é verdade o CRACK se espalha rapidamente em nossa sociedade, por que só após 30 anos presente em nossa sociedade ele nos chama a atenção?

... Um mapeamento preliminar, portanto não completo, feito mês passado pela Secretaria Municipal de Assistência Social, indicou que a cidade tem pelo menos 11 áreas conhecidas como cracolândias, ...
Interessante esse dado de 11 cracolândias.

Matéria do Jornal Folha de São Paulo, publicada em 19.05.2012, sob o título Tropa não tem data para deixar morro.” divulga informação da Pref RJ de 17 cracolâncias (veja mapa a seguir).
É importante observar que todos os que militam com a questão das drogas sabem que o número real de cracolândias é MUITO maior, se contabilizarmos as situadas em regiões de difícil acesso, como as favelas que não estão ocupadas por UPPs, e outras que no mapa aparecem como ponto único, mas são vários e independentes, como as da comunidade da Maré. 
Cabe lembrar que no início eram os traficantes que impediam o CRACK de ser comercializado na Cidade do Rio de Janeiro. O CRACK foi introduzido em nossa cidade pela classe média, através da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, um verdadeiro e histórico centro de comercialização e difusão de drogas por todos tolerado.

... por onde circulam diariamente cerca de três mil pessoas, 20% delas menores de idade. É um desfile de usuários da droga, a grande maioria vencida pelo vício.
Esse dado é também bastante curioso, tendo em vista que matéria publicada por vcs "A crônica de um menor viciado em crackem 18.03.2012 afirmava “Com um ano de ações, prefeitura estima em 150 os adolescentes dependentes na cidade”, sendo que na matéria publicada também por vcs em 21.05.2012 sob o título “Crack: ação no Catete já recolheu 608 usuários” afirmava que Nos relatórios da secretaria constam ainda 2075 acolhimentos de crianças e adolescentes, das quais 80% tiveram envolvimento com crack e/ou outras drogas. o que pressupõe que teríamos que ter condições de acolher 8.300 adultos, partindo do pressuposto que 20% dos 80% são crianças e adolescentes (não se utiliza mais o termo “menor de idade”).
Sendo assim, onde internaríamos 8.300 adultos? O sistema público de saúde mental está sem vagas para receber até mesmo os usuários de drogas que desejam se tratar, como demonstra excelente matéria do Jornal da Band postada em http://videos.band.com.br/Exibir/Somente-8-das-cidades-oferecem-tratamento-para-viciados-no-/2c9f94b6308954400130907065d20712?channel=587, além da matéria Clínicas grátis para viciados chegaram ao fundo do poço” publicada no Jornal O Dia em 05.05.2012 que alertava para fato que só restam 180 leitos em duas (clínicas), em Santa Cruz e Valença, que funcionam precariamente. Espera por vaga demora até sete meses” (????!!!!)

São números impressionantes, que levaram o prefeito Eduardo Paes a assinar convênios com os governos estadual e federal, visando a frear o avanço da droga através do programa “Crack, é possível vencer", parte de um plano nacional de enfrentamento deste flagelo. O projeto capacitou o Rio a receber R$ 40 milhões para ações de redução de danos, como a ampliação de consultórios de rua, abrigos-modelos e do número de leitos para o tratamento de viciados.
Portanto, ao menos nas intenções o município (???!!!) procura se equipar para uma cruzada contra a droga. Na prática, no entanto, a guerra está longe de ser vencida, como indica a reportagem publicada esta semana no GLOBO: das 608 pessoas recolhidas entre sexta-feira passada e a manhã da última segunda-feira, durante operação contra a cracolândia no Morro Santo Amaro, ...
Cabe lembrar que nessa mesma comunidade a Pref RJ já vem desenvolvendo um trabalho específico de “combate ao crack” (?!), conforme matéria publicada por vcs em 26.01.2012, a seguir, com os resultados que vemos nesse momento.
É interessante observar que mesmo a Pref RJ tendo a prerrogativa da internação compulsória para crianças e adolescentes e estando presente nessa comunidade há 4 meses, foram encontrados 36 crianças e adolescentes usuárias de drogas nessa comunidade, em um local de fácil acesso e facilmente identificado como demonstraram diversas matérias vinculadas em nossas mídias, pex,

Plano Nacional de Combate ao Crack faz a primeira grande operação no Rio” da TV Globo, ou seja, não estavam escondidos no interior da favela, nem essa era uma favela violenta, tendo em vista q não houve uma única troca de tiro. O que pensar a esse respeito?

... no Catete, somente 36, menores, permanecem acolhidas numa central de recepção de usuários.
Quem são, onde estão e o que foi feito dessas crianças e adolescentes, uma vez que o número de internos nos abrigos da Pref RJ para recepção e tratamento dessa população permaneceu inalterado desde lá. 
Cabe lembrar da matéria reproduzida a seguir, de 29.09.2011, realizada por vcs chamava atenção para um grupo de crianças e adolescentes que foram acolhidas pela Pref RJ exatamente nessa área e foram libertas depois de terem sido encaminhados a DPCA (!), ou seja: o fato de vcs terem acompanhado esse grupo até a central de recepção de usuários não garante que tenham sido internados.

De 572 adultos levados para um abrigo, quase todos já haviam voltado às ruas no dia seguinte. Muitos nem chegaram a dar entrada no órgão: voltaram para a vida de vício minutos depois de descerem dos ônibus que os transportaram até o local onde, em tese, deveriam se submeter a tratamento.
Essa observação é também extremamente interessante, sucitando em nós uma pergunta: já que pretende-se atender a justa e legítima demanda de todos do Estado cuidar dos necessitados de cuidados, no caso usuários de drogas, seus familiares e afins, porque não começar a fazê-los com aqueles que desejam se tratar e não encontram aonde, como vimos anteriormente. Pesquisa desenvolvida pela FIOCRUZ apontou que 71% dos usuários de crack da Cidade do Rio de Janeiro deseja se tratar, mas não encontra aonde, como demonstrado anteriormente. Recente matéria do programa da TV Record Balanço Geral, do Wagner Montes, mostrou o estado absolutamente lastimável dos abrigos da Prefeitura do Rio para acolhimento de moradores de rua, sendo que em um deles, em Sepetiba, tinha 350 adultos abrigados, sem cama para todos, com um único vaso sanitário e 3 chuveiros, para todos também.
Se o poder público quer cumprir com sua obrigação constitucional de prover atendimento aos usuários de crack, porque não divulgar um endereço e telefones para onde os usuários, familiares e afins que queiram se tratar deveriam se dirigir?
Diversas pesquisas e a prática demonstram que, com certeza, ex-usuários de drogas são os melhores propagandistas de um tratamento exitoso.

Reflexo de uma política que mais se assemelha à prática de enxugar gelo do que a um plano de ação que vise a, de fato, dar alternativas de recuperação e reinclusão social a usuários de uma droga cujo vício lhes rouba todo o futuro.
E aqui, de novo, é abordado um tema absolutamente relevante com uma expressão bastante apropriada “enxugar gelo”. 
Não seria “enxugar gelo” também promover uma política de atender usuários de drogas, sejam crianças, adolescentes ou adultos, sem investir solidamente em polícicas de prevensão? Vamos refletir a partir de uma situação similar, a AIDS, por exemplo. De que adiantaria ter a política pública de distribuir medicamentos para os soro positivos se não se distribuísse preservativos e não se fizesse campanhas de esclarecimentos de como usá-los? 
Os Srs não concordam que é URGENTE que discutamos a respeito de qual seria o preservativo para drogas? Países que conseguiram sucesso em relação a questão das drogas. e mesmo o Brasil com o tabagismo, investiram muito mais na prevensão do que no atendimento. Será que as escolas do Rio estão preparadas para tal? Veja a matéria de vcs a seguir.

Os esforços do poder público para refrear a disseminação do crack na cidade podem até conter equívocos, compreensíveis quando se trata de formular uma linha de ação para enfrentar um problema cujas consequências ainda não são totalmente conhecidas. Neste caso, trata-se de corrigir rotas.
O mais grave é que ações esbarram em irresponsáveis resistências ao recolhimento compulsório de adultos a instituições, de modo a lhes assegurar tratamento contra o vício, medida crucial para mudar a curva de consumidores crônicos. Os obstáculos partem não só dos próprios adictos - muitos num estágio de dependência que lhes tira a capacidade de discernir -, mas também de entidades que contrapõem palavras de ordem grandiloquentes, mas ineficazes, à necessidade de enfrentar realisticamente essa tragédia.
Dentro desse princípio, não poderiam os opositores da política de internação compulsória serem produtos da desinformação criando “irresponsáveis resistências” gerada pela constante publicação de matérias jornalísticas em nossas mídias com informações equivocadas, criando, por exemplo, a possibilidade de um leitor mais desatento transformar a vítma em seu próprio algoz e o algoz em vítima?
O crack é uma droga que vicia rapidamente e, a partir de um estágio do consumo, degrada física e mentalmente o usuário. Não à toa, é alvo em todo o mundo de programas de combate à sua disseminação, não só por suas comprovadas agressões à saúde de quem o consome, mas também por uma perversa particularidade social: por ser uma substância de preço mais acessível que o de outros entorpecentes, tornou-se um tóxico de uso preferencial do estrato social mais carente da sociedade.
Mais uma vez os parabenizo por trazerem para nossa reflexão esse tema sob essa abordagem, tendo em vista que na matéria “Crack: ação no Catete já recolheu 608 usuários”, aqui citada diversas vezes, afirma-se que:
Um levantamento da Secretaria Municipal de Assistência Social mostra que o crack é a droga mais consumida entre moradores de rua do Rio. A pesquisa ouviu os 3.194 adultos acolhidos em ações do órgão, entre março de 2011 e abril deste ano. Das pessoas em situação de rua acima de 18 anos, 24% (774) responderam que são dependentes de crack, contra 20% (638) de álcool, 15% (486) de cocaína e 12% (364) de maconha.”
Como podemos observar, pesquisa da própria SMAS chega a conclusão que o CRACK é consumido por somente 24% dos adultos acolhidos, sendo, portanto, 76% deles usuários de outras drogas. Além disso pesquisa do Ministério da Saúde demonstrou que o álcool é o responsável por 85% das mortes provocadas pelo consumo de drogas, sejam as lícitas ou as ilícitas, sem considerar os acidentes e incidentes, o que elevaria em muito o percentual referente ao álcool.
Porque será então que continua-se a atribuir ao CRACK e somente ao CRACK todas as mazelas dessa população.
Por que dar o nome de cracolândia aos pontos de encontro de usuários de drogas, quando na realidade o mais correto seria “drogalândia”, por exemplo?
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O Globo 22.04.2012
Tema em Discussão

Internação compulsória de dependentes crônicos de crack

Opinião do Jornal
O crack espalha-se pelo país na forma de uma crescente epidemia, já admitida oficialmente como tal pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha. É um surto cevado pelo binômio caso de polícia/flagelo social. Na primeira ponta, quadrilhas de traficantes lucram com a desgraça de usuários, provendo-lhes o consumo com uma droga de efeitos tão imediatos quanto devastadores no organismo de quem a usa; na segunda, localizam-se os sintomas mais preocupantes de uma calamidade que, se não for contida, será potencializada por um número cada vez maior de dependentes arrastados para o drama de um vício que, quando não leva à morte, conduz quase irreversivelmente ao caminho da degradação física e moral.
Não há números definitivos para medir a dimensão da praga. Mas, os que estão disponíveis, elaborados através de levantamentos segmentados do Ministério e secretarias de Saúde, são suficientes para traçar um quadro estarrecedor do problema. Levantamento feito ano passado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) dava conta de que, de 4.400 cidades pesquisadas entre as 5.563 prefeituras do país, 63,7% delas acusavam problemas extras para seus organismos de saúde pública em decorrência do uso de crack por pacientes neles atendidos. Isso significa sobrecarga no SUS, que já é pressionado por crônicas deficiências em sua rede de assistência tradicional e, de maneira geral, não está preparado tecnicamente para atender à especificidade do usuário de uma droga cujos efeitos sobre o organismo do consumidor são distintos dos sintomas de todas as outras.
Reflexo subjacente dessa realidade é que em 58% dos municípios ouvidos a circulação do crack — e outras drogas, principalmente cocaína e oxi — tem aumentado as demandas na área de segurança, ao passo que se registrou um índice de 44% de cidades cujos órgãos de assistência social estão sobrecarregados de atendimentos a viciados. Ainda no terreno da violência decorrente do tráfico que drena o crack para as pontas de consumo, em julho do ano passado O GLOBO denunciava que o aumento do consumo dessa substância no país estava diretamente ligado ao crescimento dos indicadores de homicídios, principalmente de jovens entre 15 a 24 anos — não por acaso, a faixa etária onde são mais agudos os reflexos do flagelo.
Pesquisadores de causas da criminalidade são praticamente unânimes em afirmar que a parcela mais considerável da violência nas grandes cidades está ligada ao consumo de crack. Mas o viés policial, ao menos a curto prazo, talvez não seja o principal ponto da questão, embora não se deva relaxar com os procedimentos na área de prevenção — combate ao tráfico, punição exemplar dos criminosos envolvidos com a venda da droga e incremento da fiscalização para inibir a circulação da substância. O drama dos dependentes deve estar, neste momento, em primeiro lugar na lista de soluções a serem buscadas pelo poder público, com ações emergenciais de redução de danos. Entre estas, a assistência direta a viciados, da qual é inescapável a internação compulsória de dependentes crônicos, notadamente aqueles recolhidos nas ruas, em áreas conhecidas como cracolândias.
São Paulo e, mais recentemente, o Rio já adotam programas semelhantes de recolhimento de usuários cujo vício atingiu o caminho da irreversibilidade — portanto, num estágio em que a próxima tragada pode ser a derradeira no caminho da morte, se nada for feito para se não lhes restituir a saúde integral, ao menos lhes dar a chance de recomeçar a vida.

OUTRA OPINIÃO
MARGARIDA PRESSBURGER*
A política de combate ao crack no Rio de Janeiro se revelou um completo fracasso, como já prevíamos quando de seu polêmico e midiático início, há quase um ano. As imagens recentes de um caminhão baú transportando dezenas de dependentes químicos da cracolândia da Central do Brasil até os abrigos, ou melhor, até as casas de recolhimento da prefeitura, foram a mais completa tradução da derrota frente ao crack das medidas equivocadas de recolhimento compulsório de crianças, adolescentes e adultos viciados, adotadas pelo município.
Sua continuidade comprova apenas a nossa suspeita de que esteja sendo implementada com o objetivo de higienizar a cidade às vésperas de importantes eventos esportivos e católico.
No ano passado, em meio a um debate na sede da OAB-RJ, o secretário municipal de Assistência Social, Rodrigo Bethlem, defendeu a política por ele adotada, dizendo que se encontrasse um filho seu na cracolândia o pegaria pelo braço e o internaria, mesmo a contragosto, em uma das melhores clínicas que o dinheiro dele pudesse pagar. Ao ouvir a sua confissão, eu perguntei: por que, então, as crianças e os adolescentes dependentes não estavam sendo internados nas melhores clinicas que o dinheiro público pode pagar? A interrogação era pertinente porque, na ocasião, o governo federal destinou recursos da ordem de R$ 2,4 milhões para políticas de combate ao crack no Rio de Janeiro, assim como recentemente anunciou a liberação de R$ 3,2 milhões com o mesmo fim para o município de São Paulo.
Aterrorizada pela violência e cerceada no seu direito de andar com tranquilidade na cidade em que vive, a população quer que alguma coisa seja feita. Concordo. Alguma coisa já teria que ter sido feita muito antes da véspera da Copa do Mundo, das Olimpíadas e da Jornada Mundial da Juventude Católica. Alguma coisa teria que ter sido feita há 30 anos, quando o menino de rua pedia um trocadinho para comprar cola. Da cola ao crack foi um longo caminho ignorado pelos governos.
Alguma coisa precisa ser feita agora. E não é recolher viciados e levá-los para locais que não curam ninguém. Primeiro, porque ninguém se cura de uma dependência química se não quiser. Segundo, porque não há nada nesses locais que incentive alguém a se livrar do crack. São casas em que os dependentes vão ficar três, quatro, cinco ou seis meses, se não fugirem antes, até serem devolvidos às calçadas e às cracolândias.
O crack é terrível. Não será derrotado com políticas de enxugar gelo e de colocar dedo em bolinha de mercúrio, a exemplo de recolhimento em abrigos truculentos e posterior abandono. Talvez o seja pelo abrigamento e acolhimento. Pelo cuidado com as crianças e os adolescentes que não foram cooptadas pelo tráfico, ainda uma das maiores agências de emprego do Rio de Janeiro.
O município insiste em jogar dinheiro pelo ralo, em limpar as ruas. Esquece que crack não é assunto de xerifes, mas de médicos. É questão de saúde pública. Livrar as nossas crianças desse destino terrível é assunto de Estado e deve ser planejado.
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* MARGARIDA PRESSBURGER é presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ e representa o Brasil no Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes da ONU.

Nossa Opinião
Ao ler os artigos acima o que salta aos olhos é o lugar comum com que o tema é tratado, embora ambos ultrapassem as expectativas de um leitor que esteja chegando agora na discussão. Para completar, infelizmente, eles tratam de questões distintas e de forma genérica.
O jornal aborda a questão por ele denominada (diversos especialistas discordam dessa linha de raciocínio) de “epidemia do crack” e de forma audaciosa, é verdade, começa a admitir que o crack não é a origem dos males que assolam nossa sociedade, apontando timidamente suas baterias na direção do resultado de um recente estudo da ONU: o consumo de drogas (lícitas e ilícitas) é diretamente proporcional ao IDH local.
Não avança na questão, também é verdade (me parece que esse não é seu propósito), mas pelo menos sinaliza com uma mudança de rota na análise da questão, o que é um enorme avanço de um importante veículo formador de opinião.
O incompreensível de fato é porque encerrar o artigo elogiando duas estratégias que são uma FARSA e que a realidade já demonstrou que não atendem nem mesmo aos seus propósitos escusos.
Por outro lado, Margarida reafirma denúncias que vem realizando já há muito em relação “A política de combate ao crack no Rio de Janeiro...” como ela mesma reafirma em seu artigo.
Sim, mas também não avança na questão deixando para o leitor a pergunta: "Sim mas e aí?"
O que a OAB, o Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes da ONU tem feito de concreto em relação a essa questão além de denunciar.
E o que ambos pretendem fazer, o jornal e Margarida?
Mas nos parece que o mais importante a ser considerado aqui é que ambos estão preocupados com a questão e daí surge uma proposta:
Que tal nos unirmos e tentarmos contribuir de forma decisiva na busca de alternativas para o enfrentamento dessa questão social?
Que tal realizarmos um grande debate sobre o tema, escutando especialistas de diversas matises, origens, nacionais e internacionais?
Quem sabe não poderíamos assim estimular a construção de políticas públicas que pudessem efetivamente contribuir com o enfrentamento do uso de drogas em nossa sociedade, ao invés de propor ações pontuais como vem fazendo nossos governantes já há tempos?
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em 12.04.2012
Carta aberta à direção do Jornal O Globo
Afinal, qual o compromisso do Jornal O Globo: com os fatos ou...
Paulo Silveira
     Prezados Marcello Moraes, Diretor Geral, e Ascânio Seleme, Editor Executivo, como estão?
     Escrevo-lhes como assinante desse jornal há mais de 30 anos e, portanto, leitor assíduo e militante do movimento da sociedade civil “respeito é BOM e eu gosto!” (www.reBOMeg.com.br).
     Venho, por meio desta, consignar meu protesto quanto às matérias que têm sido publicadas a respeito do Programa da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro de Acolhimento compulsório de Crianças e Adolescentes usuárias de crack, as quais têm sido absolutamente incoerentes, chegando algumas delas a se contradizerem.
     A matéria publicada hoje, dia 12.04.2012, sob o título “Crack leva Saara a ampliar ação de vigilantes”, a seguir, é um exemplo primoroso.

    Ao mesmo tempo em que a matéria relata o caos em que se encontra o centro da cidade, em especial a região próxima a Central do Brasil e ao Campo de Santana, comete a façanha de publicar em seu interior um editorial, sob o título de “Opinião”, enaltecendo as ações da Prefeitura, trazendo, em cada um dos seus parágrafos, pérolas típicas do total desconhecimento do que ocorre e a arrogância daqueles que se pretendem senhores de tudo.
     Quanto ao título:
COMPULSÓRIO
     O que se pretende dizer com isso? 
    Que é compulsório e urgente que a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro cumpra a lei, em especial o artigo Art. 88, § I que determina que os municípios têm a obrigação de atender, cuidar e dar toda a assistência necessária para crianças e adolescentes em situação de risco e que a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro já foi condenada no STF por não cumprir com tal obrigação?
     Ou é compulsório que a Prefeitura cumpra com a resolução SMAS Nº 20 de 27.05.2011, publicada no diário oficial do município em http://doweb.rio.rj.gov.br/sdcgi-bin/om_isapi.dll?&softpage=_infomain&infobase=30052011.nfo que “CRIA E REGULAMENTA O PROTOCOLO DO SERVIÇO ESPECIALIZAO EM ABORDAGEM SOCIAL, NO ÂMBITO DAS AÇÕES DA PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL DE MÉDIA COMPLEXIDADE DA SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, ASSIM COMO INSTITUI OS INSTRUMENTOS A SEREM UTILIZADOS NO PROCESSO DE TRABALHO.” o que também jamais fez como deveria?

      Já no parágrafo seguinte temos: 
AS AÇÕES que a Prefeitura do Rio anuncia para frear o avanço do crack são positivas.
     Quais ações são positivas? Relate apenas uma para seus leitores! 
     Estimular os comerciantes do Saara a contratarem mais segurança? 
     Solicitar que a população não use cordões de ouro no entorno da Central do Brasil?
    Implantar o Programa de acolhimento de crianças e adolescentes usuárias de crack, que na realidade é uma FARSA, alvo de inúmeros processos judiciais movidos por familiares ou responsáveis de crianças e adolescentes que estiveram internados em estabelecimentos da Prefeitura e denunciam que sofreram tortura, sevícias, maus tratos, supressão de direitos, além de denúncias como uso de medicamentos com datas vencidas, ausência de profissionais qualificados no atendimento dos internos, etc e que tem como resultado o caos retratado em suas recentes matérias, inclusive nessa região da cidade em questão?

Em seguida temos 
O MODELO de abordagem, com repressão à venda da droga e acolhimento de menores usuários, já foi testado com relativo sucesso em São Paulo – à parte de falhas operacionais.
Ora o que isso quer dizer, sucesso com falhas operacionais??!!
O que tenta se afirmar? A redação está péssima! Será que pretende-se afirmar que se sucesso tivesse havido teria sido pela concepção da estratégia e se fracasso houve é devido a quem a operou? Como separar uma coisa da outra? Quem concebeu a estratégia não deveria ter capacitado profissionais adequados para realizá-la? Estamos falando de governos distintos, o que elaborou e o que a operou?
     E onde está o sucesso, se todos são unânimes em apontar o fracasso de uma política elitista, higienista, sem nenhum respaldo técnico, com o caos tendo se espalhado por toda a cidade de São Paulo. Caso vocês não tenham conhecimento de tal fato, convido-os a consultarem o material disponível em http://www.rebomeg.com.br/p/sobre-o-crack.html?spref=tw.

     Poderia se pensar que acabou, mas a pérola maior está no último parágrafo da nota:
MAS HÁ que se considerar como ponto inegociável do programa a internação compulsória de viciados de qualquer idade, evitando a armadilha dos discursos que, ao criticarem a medida, pavimentam o caminho que leva ao colapso de qualquer política séria de combate ao flagelo.
   Realmente aqui fica evidente que os senhores são absolutamente mal informados ou irresponsáveis ou ...
     Será que os Srs., como jornalistas que são, desconhecem o fato que os serviços públicos de saúde mental na cidade do Rio de Janeiro estão sendo DESATIVADOS! Sem nem entrar no mérito da questão, NÃO EXISTEM VAGAS DISPONÍVEIS NO SERVIÇO PÚBLICO PARA AQUELES QUE DESEJAM SE TRATAR de dependência química, seja ela qual for, como demonstrou excelente matéria do Jornal da Band a seguir (clique na imagem para abrir o link).
 
     Será que os Srs. se esqueceram também que o serviço de saúde pública da cidade do Rio de Janeiro acaba de ser classificado pelo Ministério da Saúde como o pior entre o de todas as capitais brasileiras? Sinceramente, antes de publicarem qualquer coisa, pesquisem, estudem, se informem.
    Como se não bastasse, suas matérias a esse respeito têm sido tão contraditórias, sem fundamento, que se desqualificam umas as outras...
    Em que acreditar, na matéria que vocês publicaram no dia 18.03 último sob o título “A crônica de um menor viciado em crack” tendo como subtítulo “Com um ano de ações, prefeitura estima em 150 os adolescentes dependentes na cidade” ou na publicada ontem, 12.04, sob o título “Mapeamento mostra que Rio tem 11 cracolândias e 3 mil usuários da droga”? ambas em http://www.rebomeg.com.br/p/casa-viva-pref-rj-reportagens.html?spref=tw.
    E quanto à linguagem usada por vocês para se referirem a essas crianças e adolescentes (pivetes, bandos, quadrilhas etc.), o que vocês pretendem? 
    Estimular ainda mais a discriminação, o preconceito em relação a eles, marginalizando-os ainda mais, deixando como alternativa única a vida marginal, para voltarem a ocuparem os noticiários daqui a poucos anos como assassinos, traficantes, criminosos de alta periculosidade? Até porque, insisto, é isso que estamos ensinando a eles. 
    Aproveito a oportunidade para enviar-lhes artigo do Sen. Cristóvam Buarque (http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/educacao/0121.html) a respeito desse linguajar completamente inadequado utilizado por alguns setores de nossa sociedade, que espero os façam repensar quais os termos mais adequados para compor uma matéria jornalística a respeito de crianças e adolescentes.
    É com pesar que vejo, como um assinante de mais de 30 anos do jornal O Globo, repito, a veiculação de matérias sobre um tema absolutamente essencial para a população brasileira ser tratado com tanto despreparo e preconceito.
    Custo a crer que o que se comenta cada vez com mais ênfase entre os leitores e ex-leitores de seu jornal, um veículo com tamanha importância na história brasileira, seja verdade: que, nesse momento, a opção de vocês é camuflar / distorcer fatos em detrimento de interesses legítimos da população e em prol de interesses outros.
    E custo a crer ainda mais que no meio de uma crise sem precedentes da mídia impressa, o Jornal O Globo se predisponha a jogar fora sua única ferramenta para conquistar leitores, a credibilidade, uma vez que como dizia Sigmund Freud, “a realidade é algo inquestionável”.
    Para que não se pense que nossa intenção é apenas criticar, temos duas propostas a lhes fazer, obviamente partindo do princípio que o interesse do Jornal O Globo é o mesmo que o nosso, “contribuir para implantação de políticas públicas que atendam ao enorme contingente de brasileiros e brasileiras usuários de drogas, familiares e afins”:
1. que solicitemos a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro um telefone e um endereço para onde todos aqueles que tenham envolvimento direto (usuários) ou indireto (familiares e afins) com drogas (crack, cocaína, bebidas alcoólicas etc.) devam se dirigir. Tais informações serão divulgadas através de uma campanha intensa. 
2. que lancemos um concurso de redação para estudantes da Cidade do Rio de Janeiro sobre o tema “Crack, o que fazer?”, onde os estudantes farão sugestões, denúncias, avaliações etc. sendo que assumiremos o compromisso público que as denúncias que recebermos serão entregues, em uma solenidade pública, ao Ministério Público para que tome as devidas providências.

4 comentários:

  1. Na verdade estou com uma dúvida e não sei onde encontrar ajuda, já liguei para bombeiro defesa civil e outros e ninguém sabe o que fazer, onde moro tem um morador de rua que sofreu algumas agreções, só que a última ele perdeu um dedo e parece que o braço dele está necrosando e ninguém sabe o que fazer nem onde achar ajuda, se por favor alguém tiver alguma solução liguem para mim, desde já agradeço
    meu tel é 34263512 .flaviagussate@yahoo.com.br

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  2. Eu tenho vivido com esta doença mortal por mais de um ano, o meu marido, descobri que estávamos ambos HIV +. Tínhamos tentar de todas as maneiras de viver nossas vidas, apesar desta coisa em nosso corpo não até que me deparei com este poderoso herbalista que interpretou que ele tinha a cure.At primeiro, ficamos mais cético, mas meu marido insistiu em dar-lhe uma tentativa e pedimos para algumas de suas ervas e em poucas semanas depois de seguir o devido processo desta fitoterapeuta, fomos para um teste de como ele nos disse também fomos surpreendidos com a felicidade quando recebi o resultado na clínica. A taxa de vírus em nosso corpo caiu e em mais algumas semanas Estávamos totalmente cured.We também perguntou por que ele não veio para o mundo que ele tinha a cura e ele disse que fez em 2011, mas foi rejeitada pela equipe de pesquisa internacional. A coisa mais importante é para você ser curado Se você quer saber sobre o fitoterapeuta chamá-lo em +234 706 542 4920 ou e-mail: herbalcure4u@gmail.com. Deus te abençoe.

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  3. Meu nome é Adilson Tajuana eu sou do México, era real sério na minha vida como um HIV positivo, quem vai acreditar que a erva pode curar Oito anos HIV no meu corpo e eu estava tendo problema na minha pele em resultado deste vírus, eu nunca acreditar que isso vai funcionar eu tenho gasto muito dinheiro comprando drogas do hospital para me manter saudável e eu estava esperando por essa morte para vir, porque eu era impotente, um dia i duro sobre este grande homem que é bem conhecido de HIV e cura do câncer, eu decidi enviar-lhe (okonofua_solution_tem99@hotmail.com), sem saber, para mim que este será o fim do HIV no meu corpo, preparou a erva para mim e para enviá-lo ao serviço de correio através de, e deu me instruções sobre como levá-lo, no final dos cerca de alguns dias, ele me disse para ir para o hospital para um check-up, e eu fui, surpreendentemente, após o teste, o médico confirmou-me negativa, eu pensei que era uma piada , eu fui para outros hospitais não acreditei que sou HIV negativo. Eu realmente quero dar graças a DR. PAUL EMEN por salvar a minha vida, eu nunca acreditei que eu vou ser HIV negativo hoje, por favor, meus queridos amigos, me ajude a agradecer DR. PAUL EMEN para o que ele tem feito na minha vida eu sou grato Sir. se você está tendo mesmo problema por favor entre em contato com ele através deste e-mail (okonofuatem99@gmail.com).
    eu te amo DR. PAUL EMEN eu nunca te esquecer, e eu prometo para compartilhar este testemunho todo lá e em qualquer lugar que eu esteja. obrigado novamente.

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  4. Houve um monte de dúvidas sobre a cura da aids hiv, eu também duvidei, mas agora eu tenho a acreditar que o milagre que eu recebi também pode ser de grande ajuda para o mundo. Meu nome é Angela meu email é angelafreemane@gmail.com Eu vivi com esta doença mortal por mais de um ano, meu marido descobriu que nós éramos ambos HIV positivo. Nós tentamos por todos os meios para viver nossas vidas, apesar de esta coisa no nosso corpo é apenas quando tropeçavam este poderoso herbalista que ele retratou cura. No início, estávamos mais cético, mas meu marido insistiu em dar-lhe uma tentativa e pedimos para algumas de suas ervas e algumas semanas após a conclusão do processo devido a este fitoterapeuta, fomos para um teste como nós também disse, nós foram esmagados felicidade quando recebi os resultados na clínica. A taxa de vírus no corpo e caiu em algumas semanas estávamos completamente cicatrizado. Também perguntou por que ele não veio para o mundo que ele tinha a cura e ele disse que fez em 2011, mas foi rejeitado pela equipe de pesquisa internacional. A coisa mais importante é para você ser curado, se você quer saber sobre esta chamada fitoterapeuta no 2349032913215 ou e-mail: odincurahiv@gmail.com ou odincurahiv@outlook.com

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