Crack


Breves comentários sobre o crack e seus usuários...
O crack vem ocupando generosos espaços em nossa mídia.
Como um profissional que atua na área de marketing e ciente que vivemos num mundo capitalista, sempre que vejo um tema ocupando tanto espaço (seja ele qual for) me pergunto: quem está pagando por isso?!
Sim pode parecer absurdo, mas os espaços em mídias são caros e muito disputados. 
Devemos nos lembrar que quando um editor escolhe uma matéria ele deixa de publicar outra e se ele escolher a matéria errada insistentemente corre o risco de perder patrocinador, o que quer dizer, que o negócio "mídia" não se sustentará.
Assim, além da escolha do tema, o editor tem que ter a sabedoria de escolher a forma de abordá-lo, inclusive ideologicamente.
Na questão das drogas, essa postura ideológica é clara, mas a resposta a pergunta "quem paga por essa exposição do tema crack com essa vertente ideológica?" é algo instigante.
Mas, infelizmente essa só é uma das diversas questões sem respostas quando paramos para pensar sobre o tema "crack".
Seu baixo custo (uma "dose" de crack custa em torno R$ 1,oo) e o enorme prazer que proporciona já desde a primeira vez, aliado a diversos outros fatores, tem contribuído para que se espalhe por nossa sociedade, expondo ainda mais nossas mazelas.
Mas, apesar de todo esse destaque dado pela mídia, entendemos que alguns aspectos fundamentais a esse respeito não têm sido abordados com a enfase necessária, como por exemplo:
  •      O crack, assim como outras drogas (oxi, merla,..) "modernas", são frutos de nossa política proibicionista. Se a produção, distribuição e consumo das drogas psicotrópicas fosse legalizado e regulamentado, certamente, essas drogas (crack, merla, oxi, ...) NÃO EXISTIRIAM!
Porque?
Simples, por que a matéria prima (a cocaína, no caso do crack) estaria sob o controle do Estado e das empresas privadas autorizadas a produzí-las, com o seu uso devidamente regulamentado, como acontece com os remédios e suas matérias primas.
  •    O crack é consequência e não causa. Não adianta desenvolvermos políticas de atendimento ao usuário de drogas se não implantarmos CAMPANHAS DE PREVENÇÃO. É como enxugar gelo, jamais terá fim...
  •      Os efeitos causados pelo crack foram assim resumidos (publicado pelo IG em 14.01.2012)...
No caso do crack especificamente uma política de prevenção passa necessariamente por atuar nos fatores sociais que levam o usuário a consumi-lo e, quanto a população excluída socialmente a maior prevenção é promover sua inclusão social, alias como a grande maioria dos usuários compulsivos de drogas.
Como exemplo, podemos citar o caso de meninas de 10 a 15 anos usuárias de crack que se prostituíam para viabilizar suas sobrevivências. Para elas, uma das utilidades da droga era anestesiá-las para suportarem a dor da penetração durante as relações sexuais e o asco na prática do sexo oral. 
De nada adianta proporcionar-lhes um tratamento quanto ao uso do crack se elas terão que retornar a prostituição.
A reportagem exibida no programa Domingo Espetacular da TV Record, dia 16.04.2012 , denominada Dr Marcelo, mostra, como nenhuma outra que conheci, o universo dos usuários de droga. Veja-a a seguir.
Dr Marcelo
Uma história de vida.
Muito bom, vale a pena ser visto.


       A situação é tão estaparfúdia que diante a notícia que traficantes do RJ estariam proibindo a venda do crack, a reação do Poder Público foi solicitar a polícia a abertura de inquérito policial para averiguar o que está ocorrendo (?!).
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FSP 25.09.2013
O problema não é o crack, é a vida'
Júlio Lancellotti
Coordenador da Pastoral do Povo de Rua acredita que decisão da prefeitura de São Paulo de monitorar 'cracolândia' revela preocupação com a segurança, e não com os problemas que levam à dependência
Danilo Verpa


São Paulo – A Guarda Civil Metropolitana de São Paulo passará a monitorar a região da Luz, apelidada de "cracolândia", com um ônibus equipado com câmeras. De acordo com a Secretaria de Segurança Urbana da gestão Fernando Haddad (PT), o objetivo é que as imagens sejam usadas para o reconhecimento e a prisão de traficantes, e não para a repressão aos usuários.
O padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua, acredita que a medida não surtirá o efeito desejado, porque não trabalha com o ser humano e as razões pelo qual ele é um dependente químico, mas só age em prol da segurança e contra o usuário de drogas. “O que nós precisamos é que o atendimento chegue à comunidade, chegue à família, que os Centros de Atenção Psicossocial de Álcool e Drogas (CAPS AD) estejam mais presentes”.
Em janeiro deste ano entrou em funcionamento o Centro de Referência de Álcool e Drogas (Cratod), do governo de São Paulo. Até o momento, já foram feitas mais de 1.700 internações, sendo apenas uma compulsória. “Tanto se falou da internação compulsória como se fosse a solução, e foi feita uma única dos 6.700 acolhimentos e das 1.700 internações. Só que nós não sabemos, desses 1.700, quantos continuaram, quantos concluíram o tratamento e quantos estão em uma fase de recuperação de tratamento”, argumenta, em entrevista à TVT.
O programa do governo federal “Crack, é possível vencer” também é uma das iniciativas para o tratamento de dependentes químicos. Em parceria com as prefeituras, ele pretende fornecer 6 mil vagas para internação até o final deste ano. Lancellotti reforça que nem todas as pessoas precisam de internação.
“Há, no Brasil, 370 mil usuários de crack, e o programa oferece só 6 mil vagas. A internação não é a solução, muitos precisam de atenção psicossocial, de atenção para as famílias. É preciso um atendimento preventivo e que esteja sintonizado com a vida da pessoa na sua comunidade para termos uma resposta maior.” Ele ainda frisa a importância de ver o processo de recuperação como uma algo gradual. “A recuperação se dá quando as pessoas percebem que são capazes de fazer algo novo, que a vida delas pode ter valor e que elas podem ser vistas com respeito e com dignidade.”
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Informe ESPN 01.08.2013
Crack: estudo aponta perfil de consumo no país
Tatiane Vargas


Dados disponíveis sobre o consumo de crack no Brasil apontam um crescimento considerável disseminado em todo o país e especialmente nos grandes centros urbanos, onde tem maior visibilidade. O Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Álcool e Drogas, realizado em 2005 pelo Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), constatou, no país, um aumento de 75%, em relação ao ano de 2001, no número de pessoas que declararam já ter usado crack pelo menos uma vez. Na região Sudeste, o aumento foi de 125%. Com o objetivo de analisar o atual problema do consumo da droga, o psicólogo Francisco de Abreu Franco Netto apresentou, na ENSP, a dissertação de mestrado em Saúde Pública O problema do crack: emergência, respostas e invenções sobre o uso do crack no Brasil. O autor defende o fortalecimento e a multiplicação dos dispositivos de cuidado no âmbito do SUS, com o intuito de minimizar danos e riscos do uso prejudicial da droga.
Orientado pelo pesquisador da ENSP Gabriel Schütz, o estudo se propôs a historicizar as diferentes formas de uso da cocaína no Brasil, até chegar à cocaína fumada, ou seja, o crack. A droga surgiu no início da década de 1980 nos Estados Unidos. No Brasil, os primeiros relatos sobre uso são de 1989 em bairros da zona leste de São Paulo. Na década de 1990, o consumo em São Paulo, tanto na cidade como no estado, teve um aumento significativo. Levantamentos feitos na década de 2000 apontaram um aumento na percentagem do consumo de crack no Brasil, chegando a 0,7% da população brasileira, em 2005.
 “Buscamos explorar, na pesquisa, o perfil dos usuários e os contextos e efeitos do consumo de crack. Constatamos que fatores como a ilegalidade da substância, a marginalização e estigmatização de uma parcela dos usuários e sua vulnerabilidade social influenciam profundamente sua saúde. Analisamos, ainda, as práticas de segregação de usuários de crack atualmente em vigor, que se contrapõem às práticas de cuidado, como as estratégias de redução de danos”, explicou Francisco.
Com o aumento do uso de crack nos últimos anos, muito vem sendo divulgado sobre a droga e seus usuários. Segundo o autor da pesquisa, a midiatização do aumento do número de usuários de crack, associado aos frequentes padrões abusivos de consumo entre os usuários, tem gerado um grande temor social com relação aos seus efeitos prejudiciais. Na representação social, o abuso de crack aparece, frequentemente de forma equivocada, vinculado à degradação física e moral das pessoas, sendo percebido como uma droga que conduz mais rapidamente à dependência e ocasiona a morte precoce de seus usuários.
O crack e seus estigmas
A pesquisa pretendeu problematizar a associação imediata presente no senso comum entre o crime e o crack, levando em consideração os diferentes contextos em que a substância é apropriada, a diversidade das formas em que é consumida e comercializada e os efeitos que produz. De acordo com o autor, devemos entender os efeitos como fruto da interação entre a substância consumida, a pessoa que consome e o ambiente onde é consumida. “A inserção social do usuário pode apresentar grandes variações, quando considerados os diferentes contextos de consumo, subjetividades e segmentos sociais a que pertencem”, afirmou
Para o autor, a política proibicionista adotada pelo Brasil, diferente da verificada em muitos países, causa aumento na disponibilidade de drogas, em sua potência, no seu uso e abuso, na dependência e em doenças. “O crack é uma das substâncias inventadas pelo proibicionismo. Ninguém hoje pode alimentar a ilusão de que o tráfico possa ser vencido enquanto a proibição continuar fazendo das drogas ilícitas uma indústria de bilhões de dólares, com grandes interesses em manter a proibição. A violência desenfreada da guerra contra o tráfico, da qual as maiores vítimas são sempre os inocentes, é, portanto, um trágico caminho que precisa ser mudado”, alertou.
Segundo Francisco, quanto mais prejudicial for o efeito do uso abusivo de uma substância, mais urgente se torna sua retirada da ilegalidade. Ele afirma que aqueles que fazem uso prejudicial de drogas como o crack, por exemplo, são tão ou mais prejudicados pela sua proibição e pela violência que a acompanha. “Muitas experiências internacionais adotadas por alguns países no mundo poderiam ser implementadas no Brasil. O que defendemos hoje é o fortalecimento e a multiplicação dos dispositivos de cuidado no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), como os Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas (CapsAD), a fim de minimizar os danos e riscos do uso prejudicial de crack.”
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28/03/2013
A droga e o pânico social
Os dados a respeito do crack vão ao encontro de noções que se tornaram senso comum entre os brasileiros
André Antunes
A pesquisa do Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas da Universidade Federal de São Paulo (Cebrid/Unifesp) oferece alguns indícios dos efeitos na população da amplificação do problema do crack. De acordo com o levantamento, 77,1% dos entrevistados consideraram que utilizar cocaína ou crack uma ou duas vezes na vida oferecia um risco grave, enquanto para a maconha esse índice foi de 48,1%. Já a ingestão de uma ou duas doses de álcool por semana oferecia risco grave para 20,8% dos entrevistados. Os dados a respeito do crack vão ao encontro de noções que se tornaram senso comum entre os brasileiros: a de que a droga ‘vicia na primeira tragada’, que ela causa rápida degradação física e moral, é causadora da desestruturação familiar, mata muito rapidamente, etc.

Sergio Alarcon afirma que muitas vezes se confunde causa e efeito quando o assunto é crack. “O crack não é uma droga distinta da cocaína: é a própria cocaína transformada em um composto disponível para o consumo através do fumo. Seu sucesso está relacionado aos baixos custos para a sua produção e aquisição. O crack se tornou a cocaína dos estratos economicamente mais baixos da população. Ele apenas substituiu como droga de preferência outras drogas que sempre foram utilizadas contra a dor física e moral produzida pela miséria. O crack desnuda a miséria humana para muitos daqueles que certamente prefeririam mantê-la na invisibilidade”, coloca. Tarcisio Andrade complementa, afirmando que a droga cai como uma luva em contextos sociais marcados pela miséria. “Quando se diz que a pessoa que usa crack vai ficar na rua, na sarjeta, esquece-se que já existia rua e sarjeta antes do crack. E provavelmente, para essas pessoas vivendo nas ruas em condições extremamente desfavoráveis, o crack dá um suporte, ao melhorar o estado de ânimo diante de uma realidade terrível. Ele é um estimulante, um antidepressivo, tira a fome do indivíduo mal alimentado. Há um ciclo vicioso mas que não começou com a droga, ela chega em um segundo momento”, conclui.
A maior dificuldade que o crack coloca, segundo Alarcon, não é tratar os usuários compulsivos, e sim dar conta de acabar com a miséria que leva muitas pessoas a consumirem a droga. “Todos os que entendem minimamente de Saúde Mental e Saúde Pública sabem o que fazer e como fazer, e por isso queremos a implantação dos equipamentos públicos preconizados pelo SUS. O problema é como cuidar para retirar da miséria essas pessoas, e como evitar a fábrica de miseráveis, de crianças e adolescentes abandonados que, uma vez nas ruas, encontrarão outras drogas muito mais devastadoras que o crack, como a exploração sexual, as doenças infectocontagiosas e a violência extrema – inclusive a violência do Estado”, diz.
No artigo Causa mortis em usuários de crack, publicado em 2006, pesquisadores do Departamento de Psiquiatria da Unifesp apontaram indícios de que a mortalidade destas pessoas estava muito mais relacionada à violência e à vulnerabilidade às doenças infectocontagiosas do que propriamente ao consumo da substância. O estudo acompanhou, por cinco anos, 131 usuários de crack da cidade de São Paulo que se internaram em um serviço de desintoxicação. Ao final de cinco anos, dos 124 pacientes localizados, 23 deles haviam morrido, sendo 13 assassinados.
Outros seis pacientes morreram em decorrência da AIDS e um morreu de hepatite B. Outros dois pacientes morreram de overdose e um por afogamento.
Metade dos pacientes que morreram tinha menos de 25 anos. O estudo apontou que a probabilidade de um usuário de crack morrer era sete vezes maior do que a da população geral no período estudado na cidade de São Paulo.
 “Muitos usuários de crack usam a droga porque ela dá mais energia e eles têm que passar mais tempo acordados, porque moram em condições de altíssimo risco de vida. É uma ilusão isso que se veicula em relação ao crack, como uma coisa avassaladora que mata rapidamente. Na verdade, essas pessoas têm uma vida muito frágil, mas não necessariamente só pelo crack”, aponta Marco Aurélio.
Os pesquisadores da Unifesp Ligia Bonacim Duailibi, Marcelo Ribeiro e Ronaldo Laranjeira, no artigo ‘Perfil dos usuários de cocaína e crack no Brasil’, fazem uma revisão de artigos acadêmicos disponíveis sobre o tema em bases de dados e no Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Segundo o levantamento, o usuário de crack tem um perfil jovem, desempregado, com baixa escolaridade, baixo poder aquisitivo, proveniente de famílias desestruturadas, com antecedentes de drogas injetáveis e comportamento sexual de risco. Esses fatores, diz o artigo, o tornam um indivíduo “de difícil adesão ao tratamento, com necessidades de abordagens mais intensivas e apropriadas a cada fase de seu tratamento”.
Além disso, outras dificuldades para a manutenção do tratamento apontadas pelo artigo são “o não reconhecimento do consumo como um problema, passando pelo status ilegal e a criminalidade relacionada a estas drogas, pela estigmatização e preconceitos, pela falta de acesso ou não aceitação dos tipos de serviços existentes”. Já entre os fatores que promovem melhor adesão estão a farmacoterapia, encaminhamento a grupos de ajuda mútua, atendimento às mães e a família e atendimento médico geral. Os pesquisadores concluem afirmando que as informações relacionadas ao consumo de cocaína e crack no Brasil “ainda estão aquém do desejável, especialmente quando se vislumbram ações de política pública orientadas por evidências científicas e capazes de atender a todas as particularidades relacionadas à prevenção e tratamento dessas substâncias. Por outro lado, observou-se nos últimos vinte anos uma produção crescente de conhecimento acerca do tema [...]Novos estudos epidemiológicos e levantamentos são necessários em todos os campos levantados”.
A reportagem da Poli entrou em contato com a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde para agendar uma entrevista, mas foi informada de que a pasta não falaria sobre o assunto. (Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz)
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rev. Super Interessante 06.05.2013
O problema não está no crack – está na alma
Denis Russo Burgierman
De cada 100 pessoas que experimentam crack, algo em torno de 20 tornam-se dependentes. É um número assustador, preocupante, claro, mas é importante notar uma coisa: é a minoria. O crack é mais viciante que a maconha (9%), menos do que o tabaco (32%, a taxa mais alta entre as drogas). Mas a grande questão é a seguinte: o que faz com que algumas pessoas que experimentam as drogas fiquem dependentes e outras não?

Segundo o médico húngaro-canadense Gabor Maté, a resposta é simples: as pessoas que se afundam nas drogas são as mais frágeis. Gabor é um dos especialistas mais respeitados do mundo em dependência e esteve no Brasil esta semana. Sua palestra, no Congresso Internacional sobre Drogas que aconteceu no fim de semana em Brasília, foi imensamente esclarecedora.
“Em 20 anos trabalhando com usuários em Vancouver, eu nunca conheci nenhum dependente que não tivesse sofrido algum tipo de abuso na infância – abuso sexual ou algum trauma emocional muito grave”, ele disse. Ou seja: dependentes de drogas são sempre pessoas com fragilidades emocionais causadas por traumas na infância.
O momento mais polêmico da palestra foi quando ele afirmou algo que ninguém esperava ouvir: “drogas não causam dependência”. Como assim não causam? E aquele bando de gente esfarrapada no centro da cidade? Ele explica: “a dependência não reside na droga – ela reside na alma”. É que quem sofreu abusos severos na infância acaba tendo sua química cerebral alterada e cresce com um eterno vazio na alma. Frequentemente esse vazio acaba sendo preenchido com alguma dependência. “Pode ser uma droga, ou qualquer outro comportamento que traga algum alívio, ainda que temporário: compras, sexo, jogo, comida, religião, internet.”
A cura para a dependência, portanto, não é a destruição da droga: é o preenchimento do vazio na alma. Gabor, aliás, sabe muito bem do que está falando. Ele próprio, afinal, sente esse vazio. Ele nasceu em Budapeste em 1944, durante a ocupação nazista, com a mãe deprimida, o pai preso num campo de trabalhos forçados, os avós assassinados pelos alemães. Quando cresceu, para aliviar a dor emocional que sentia, desenvolveu uma dependência: “virei um comprador compulsivo”.
O sofrimento que Gabor sente está óbvio em seu rosto: nos seus traços trágicos, nos olhos tristes. Mas ele encontrou paz: seu trabalho ajudando dependentes lhe trouxe sentido na vida e esse sentido preencheu, ao menos em parte, o vazio.
Em resumo: crianças que foram muito mal-tratadas acabam virando adultos “viciados”. E aí o que nossa sociedade faz? Trata mal essas pessoas. “Nós punimos as mesmas crianças que falhamos em proteger”, diz Gabor.
Na semana passada, uma pesquisa do Datafolha mostrou que o maior medo dos paulistanos é o de perder seus filhos para as drogas. É um medo compreensível e do qual eu, como um quase pai (minha primeira filha nasce no mês que vem), compartilho. Mas esse medo não pode justificar políticas repressivas e violentas, que impõem tratamento religioso forçado e dá poder ilimitado à polícia. Isso só vai aumentar o estresse na vida de gente que já é frágil – e é sabido que estresse piora a dependência.
Hoje já está claro que o único jeito de lidar com gente que tem um vazio na alma é com compaixão. O que essas pessoas precisam não é de cadeia nem de conversão forçada nem de projetos de lei medievais como o que está tramitando agora no Congresso, com apoio do governo federal – é de compreensão e de ajuda para encontrar algo que ajude a dar sentido para as suas vidas.
Em 2000, uma pesquisa em Portugal revelou que as drogas eram o maior problema do país. No ano seguinte, o governo português teve a coragem de montar um novo sistema, muito mais barato para o contribuinte, comandado pelo ministério da saúde, sem internações compulsórias nem violência policial.
Ano retrasado, a pesquisa foi repetida e drogas nem apareceram na lista dos dez maiores problemas portugueses. O problema havia sido resolvido. Com compaixão.
Denis Russo Burgierman
Diretor de redação da Superinteressante. Escreveu o livro O Fim da Guerra, sobre o futuro das políticas de drogas. 
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G1 26/09/2011
Cortadores de cana de SP contam dramas após vício de crack
'Pensava que o crack era meu Deus', diz trabalhador em tratamento.
'Se usar na lavoura, você fica assombrado, vê cobra, vê tudo', afirma outro.
Roney Domingos
Internados em clínicas de reabilitação, ex-cortadores de cana de Iracemápolis, a 150 km de São Paulo, e de Leme, a 188 km da capital, contam ao G1 como se viciaram no crack e de que forma a droga quase destruiu suas vidas. Relatório da Frente Parlamentar de Enfrentamento ao Crack divulgado na semana passada mostra o avanço da droga no interior paulista e a falta de leitos para tratamento. Os deputados estaduais afirmam que entre os principais usuários estão os lavradores, que se valem da droga para suportar a carga de trabalho.
Ônibus de apoio a trabalhadores rurais em
usina no interior de SP  (Foto: Roney Domingos)
Em Iracemápolis - cidade de 20 mil habitantes que abriga uma usina de açúcar e álcool -, dependentes de crack fumam a droga não em uma cracolândia de concreto e asfalto como em São Paulo, mas em bosques e áreas verdes próximas ao centro da cidade. Sem leitos do Sistema Único de Saúde (SUS), a Prefeitura contrata vagas em clínicas particulares - situação semelhante à de boa parte das cidades. O estudo da Assembleia Legislativa mostra que 79% dos municípios consultados não contam com leitos hospitalares do SUS.
O levantamento, feito em 325 dos 645 municípios, revela ainda que nas cidades médias do interior do estado - com população entre 50 mil e 100 mil habitantes - o crack é tão citado pelos prefeitos quanto o álcool como a droga mais usada, com 38% das manifestações.
Cortador de cana em Iracemápolis, um rapaz de 21 anos, que pede para não ser identificado, diz que usava a droga dentro do canavial. "Muitas vezes eu levava o crack para dentro da lavoura, muitas vezes a pessoa levava para mim, chamava para gente usar lá dentro e era direto, não parava. Fora o crack, tinha muitas outras drogas: cocaína, maconha e até bebida alcóolica."
Ao contrário do que dizem os deputados, ele afirma que não dá para usar o crack durante o expediente. "O crack tira totalmente sua força. O pensamento do crack é só no crack. Quanto mais eu uso, mais eu quero. Não tem força física nem mental  nem nada." Internado há quatro meses, o rapaz já ajuda na organização interna da clínica e diz que pretende retomar a vida com mais religiosidade ao sair. "Perdi muitas coisas, o respeito da minha mãe, o carinho da minha namorada e o amor dos amigos. Eu pensei que o crack era meu Deus", afirma.
Ex-cortador de cana em Leme, José Rafael de Oliveira, de 25 anos, está para terminar o tratamento de seis meses a que se submeteu para se ver livre da dependência.  "Chegou ao ponto de eu não conseguir manter minha casa. Com o tempo passando, eu perdi minha esposa e minha filha para o Conselho Tutelar. Quem recuperou foi minha mãe", diz.
Oliveira também conta que usava o crack apenas fora do horário de serviço. "O crack tira a dor do corpo, só que não serve para trabalhar. O crack deixa você assustado. Se você estiver usando durante o trabalho em uma lavoura, você não vai conseguir trabalhar. Você vai ficar assombrado, vai ver cobra, vai ver tudo", afirma.
Colega de Oliveira na mesma clínica e lavrador desde os 8 anos de idade, Adenilson Donizeti Ivo, de 31, também se submeteu a tratamento para largar o crack. "Eu usava a droga desde 1999, mas apenas depois de deixar a lavoura. O crack é ruim para trabalhar. Hoje os fiscais ficam no pé e, se pegarem, mandam embora sem direito a nada", afirma.
Nascido no Ceará, o cortador José Alves, de 33 anos, trabalha em lavoura de cana na região de Iracemápolis e conta que é comum a presença da droga no ambiente de trabalho. "Eu nunca usei, mas já vi usarem. Aqui mesmo eu ainda não vi, mas já vi em Balbinos e em Santa Cruz. Tem cara que só trabalha quando usa, mas quando acaba o efeito, acaba se entregando", afirma.


Psicólogo responsável pela clínica onde Oliveira e Ivo estão internados, em Artur Nogueira, Lucas Castanheira afirma que os seis estabelecimentos privados mantidos em convênio com prefeituras locais atendem cerca de 180 pacientes - a maioria deles dependentes de crack. Ele afirma que os pacientes são cada vez mais jovens.
"Mudou um pouco o perfil do dependente. As pessoas chegam muito mais cedo para tratamento em função do uso do crack. As crianças têm um contato primeiro com o crack. Hoje existem também muitos poliusuários, que usam crack, cocaína, álcool e maconha", afirma. Segundo ele, na maioria das vezes, são as prefeituras que pagam o tratamento, que custa em média entre R$ 9 mil e R$ 12 mil mensais.
"Primeiro precisamos tratar da prevenção porque não adianta a gente só tratar do problema já instalado. Mas como isso não foi feito, precisamos de mais apoio dos governos estadual e federal, pois a verba é muito pouca", diz.
Coordenador da Promoção Social de Iracemápolis, Nivaldo Antonio Conti afirma que a cidade mantém seis vagas em instituições privadas - via convênio - para tratar dependentes, ao custo de aproximadamente R$ 50 mil por ano.
O atendimento segue critérios sociais ou obedece a determinações judiciais. A Prefeitura de Iracemápolis também mantém um programa de auxílio a 30 famílias de dependentes, ao custo de R$ 30 mil anuais. Nivaldo afirma que o ideal é ter uma unidade dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps Ad). Ele afirma que o Ministério da Saúde banca o investimento, mas a cidade teme não ter recursos para gantir o custeio da unidade.
Campanhas de prevenção
O diretor de comunicação da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Ademar Altieri, afirma que o setor emprega cerca de 1 milhão de pessoas e realiza campanhas de prevenção do uso de drogas dentro dos canaviais.
Em nota, a direção da Usina Iracema informa ter realizado junto aos cerca de 2 mil colaboradores e familiares ações contínuas preventivas e de conscientização voltadas ao combate às drogas, alcoolismo e tabagismo por meio de palestras e campanhas educativas.
A empresa diz que todos os empregados têm registro em carteira profissional e usufruem de assistência médica, odontológica e campanhas de vacinação. Afirma ainda que não há utilização de mão de obra terceirizada.
A nota diz que a usina possui atualmente um índice médio de 85% de colheita mecanizada e sem queima, e que até 2014 essa marca chegará a 100% em todas as áreas mecanizáveis. "Infelizmente, a questão do avanço do uso do crack é um problema social que atinge diversos segmentos da sociedade e não apenas um setor", informa a nota.
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G1 02/01/2013
Governo libera R$ 738 milhões sem conhecer 'epidemia' de crack
Pesquisa que embasa programa custou R$ 6,9 milhões e não está pronta.
Governo admite desconhecer a realidade, mas diz que projeto é 'prioritário'.
Tahiane Stochero
Glauco Araújo
Marcelo Ahmed
O filósofo chinês e estrategista militar Sun Tzu, famoso pelo livro "A arte da guerra", já dizia, cinco séculos antes de Cristo, que é necessário conhecer o inimigo para ganhar uma guerra. Um ano depois de o governo federal lançar o programa "Crack, é possível vencer", destinando R$ 4 bilhões até 2014 para combater o avanço da droga no país, o inimigo permanece uma incógnita.

Números exclusivos obtidos pelo G1 apontam que, em 2012, o governo liberou R$ 738,5 milhões para combater o que considera uma epidemia. Desse montante, R$ 611,2 milhões foram para o Ministério da Saúde, R$ 112,7 milhões para o Ministério da Justiça e R$ 14,6 milhões para o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
O dinheiro, porém, pode estar sendo gasto às cegas. Apesar de admitir que considera a droga uma "epidemia" no país, o governo reconhece que não sabe o perfil dos usuários nem onde eles estão nem qual é a melhor forma de tratá-los (leia abaixo). "Estamos rastreando e assumindo isso, mas não é fácil mensurar, porque é um problema que não temos dimensão e ainda descobrindo qual é a melhor política pública para combatê-lo, mas estamos correndo atrás", diz Helvécio Magalhães, secretário nacional de Atenção à Saúde e responsável pelo tema do crack no Ministério da Saúde.
O plano "Crack, é possível vencer", do governo federal, prevê aplicação de R$ 4 bilhões até 2014 em ações contra o avanço da droga no Brasil.
É possível vencer?
Lançado em 7 de dezembro de 2011, o plano "Crack, é possível vencer" prevê um trabalho conjunto entre os governos federal, estaduais e municipais nas áreas da saúde, segurança pública, defesa de fronteiras e assistência social.
Apesar de ser um ponto de partida para resolver o problema, ainda há grandes desafios a serem vencidos, segundo especialistas e integrantes do governo.
O crack é uma pedra branca, derivada da cocaína, geralmente queimado em cachimbos para ser consumida. Os efeitos são sentidos em minutos e passam rápido, provocando problemas neurológicos, respiratórios, entre outros. O elevado grau de dependência faz com que os usuários gastem muito dinheiro para manter o vício e, em alguns casos, passem a morar nas ruas e viver uma rotina de consumo coletivo nas chamadas cracolândias.
Até agora, 13 estados e o Distrito Federal aderiram à parceria com o governo federal para combater o crack, permitindo a abertura de 574 novos leitos, 4,1% dos 13.868 que a área da Saúde quer criar até 2014. Pelo acordo, estados e municípios recebem recursos para capacitar profissionais e construir unidades de atendimento aos dependentes, além de equipamentos para policiais e guardas municipais.
Ao assinar a parceria, o estado se compromete a adotar as "regras" do Planalto no combate ao crack: realizar internações involuntárias (contra a vontade) quando um médico vê risco de vida para o paciente e concentrar esforços no tratamento do usuário, não na repressão policial.
Pelo programa, o dinheiro, antes usado para repressão policial da venda da droga, agora é empregado para tratamento de dependentes. O investimento, no entanto, não tem efeito garantido. Segundo especialistas, o governo pode estar desperdiçando os recursos por desconhecer a dinâmica do crack no país, não suprir a grande procura por leitos e apoiar a internação involuntária.
"O Ministério da Saúde é incompetente em transferir recursos públicos para os municípios. Qual clínica de desintoxicação que foi inaugurada com recurso federal? O governo federal demorou a responder sobre o problema do crack e acho que ainda não respondeu. Acho tudo isso uma enrolação", disse Ronaldo Laranjeira, coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad), da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp).
Panorama nacional em levantamento
A base do plano de combate ao crack do governo federal é uma pesquisa encomendada pela Presidência da República à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em maio de 2010, ao custo de R$ 6,914 milhões. O diagnóstico, no entanto, ainda não está pronto. Segundo o professor e coordenador da pesquisa, Francisco Inácio Bastos, não há previsão para o estudo terminar.
Outro trabalho, da Universidade Federal de São Paulo, apontou o país como maior mercado mundial do crack, onde 2% da população faz uso da droga (2,8 milhões de jovens e adultos). De acordo com o estudo, o Sudeste concentra o maior número de usuários (46%), seguido pelo Nordeste (27%) e pelo Norte (10%).
Os dados, porém, são contestados pelo governo. "Temos uma epidemia. Mas, como nas grandes epidemias do século 20, não há dados qualitativos e quantitativos disponíveis. O crack não é como a Aids ou a tuberculose, que você pode fazer um exame de sangue e saber se está contaminado", diz Helvécio Magalhães.
"O crack é uma praga difícil. O mundo todo ainda está aprendendo qual é a melhor forma de lidar com ele e descobrindo qual é a melhor política pública para combatê-lo", completa.
Para Joaquim Melo, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead), as estratégias adotadas estão equivocadas. "É um erro muito grande, o que está sendo feito é totalmente pirotécnico. O governo federal está preocupado com o problema, mas tem de fazer novas clínicas e equipá-las, qualificar profissionais. O que os órgãos públicos querem pagar por paciente não cobre nem a hotelaria do paciente, nem a comida".
Já o psiquiatra Paulo Roberto Telles, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), questiona o uso do termo "epidemia" para o problema. "Tivemos, entre 2006 e 2010, uma procura pelo atendimento ambulatorial de dependentes subindo exponencialmente. Mas, desde o ano passado, esta demanda vem diminuindo. Não é possível saber se isso reflete só esta realidade da região, já que nas ruas é visível o número de usuários. Mas vale questionar o que realmente está acontecendo", pondera.
'Não temos dimensão do problema'
Na sede da Fiocruz, no Rio de Janeiro, o professor Francisco Inácio Bastos reúne mais de 25 mil questionários, amontoados em um contêiner, que serão usados na pesquisa que pretende dar uma cara ao usuário de crack brasileiro. O responsável pelo estudo encomendado pelo governo aponta dificuldades em realizar um levantamento preciso sobre o tema.
"Temos que tentar sair da questão se há ou não epidemia. Na verdade, não temos dimensão e não sei se é possível um levantamento que possa corroborar ou refutar esta tese. A única forma de se chegar a todos os municípios do país seria através do Censo. Mas a amostra domiciliar não mostra a realidade das ruas. O usuário de crack não fica em casa esperando o pesquisador para responder com que frequência consome".
"Só vamos parar a pesquisa quando não houver mais um centavo ou alguém nos mandar parar – o que ocorrer antes. Já temos mapas, entrevistas pessoais e testes que cobrem todo o país, mas que não se destinam a estimar quantos usuários há em uma cidade, mas, sim, em um conjunto de cenas. Já nas capitais, conseguiremos estimar um percentual da população que usa o crack", explica Bastos.
Entrevistadores ainda estão nas ruas de vários estados para concluir o levantamento, que englobará a realidade de mais de 1,2 mil cracolândias no país.
Maior mercado do mundo?
Coordenadora do programa "Crack, é possível vencer", a secretária Nacional de Segurança Pública, Regina Miki, não concorda com a visão de que o Brasil lidera o ranking de uso da droga.
"Em hipótese alguma somos o maior mercado. Nós temos um grande consumo, sim, mas não sabemos se é o maior ou o menor (do mundo), isso não tem como aferir", acredita ela.
A pesquisadora da Unifesp Clarice Madruga, que realizou o Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad) questionado por Regina Miki, diz que o dado foi obtido comparando-se a amostra nacional com números do Escritório da ONU sobre Drogas e Crime, que estima a quantidade de droga consumida no mundo.
"Não temos dados – nem aqui e nem nenhum outro levantamento feito no Brasil atualmente – para afirmar que existe uma epidemia, pois seria necessário conhecimento histórico do uso. Temos só o número de usuários no momento e não sabemos se aumentou ou diminuiu nos últimos anos. Não temos uma série histórica que embase isso", diz Clarice.
Erro de estratégia
Mesmo sem ter a real dimensão do inimigo oculto, as autoridades reconhecem que o governo "estava perdendo" a guerra contra o crack porque demorou mais de 20 anos para agir. Para Regina Miki, o país "começou a virar o jogo” em 2012 ao mudar o enfoque das ações.
"Nós assumimos que a guerra, não, mas a batalha estava perdida. E, ao assumirmos, conseguimos ver que o foco estava errado: ao invés de tratar o caso com visão na segurança, nosso enfoque passou a ser o usuário. Se persistíssemos na tendência de usar a segurança na frente do usuário, nós continuaríamos perdendo batalhas".
Visão humana do viciado
O plano federal apoia as internações involuntárias, mas não as compulsórias. "Tem que ter um profissional capacitado que avalie que há risco e que o tratamento é necessário. Saindo do estado de choque, ele pode então ter a voluntariedade do tratamento. Nós precisamos mostrar ao usuário um outro lado da vida", afirma Regina Miki.
Magalhães, do Ministério da Saúde, concorda com o ponto de vista. "Nós apoiamos a internação involuntária em situações de risco de morte. Estamos tentando organizar uma rede mais presente, com ambulatório nas ruas, em que os médicos e enfermeiros vão conversando diariamente com eles nas cracolândias e tentando adquirir a confiança deles para o tratamento", diz. "Não se sabe ainda exatamente o que fazer com eles. O mundo todo está aprendendo", explica.
Não adianta encher as cadeias de usuários. Hoje vemos que o papel da segurança pública é mais na inteligência, na investigação, na asfixia financeira das organizações criminosas. É totalmente errado usar a polícia para retirar o dependente de crack do local" Regina Miki, secretária Nacional de Segurança Pública.
O distribuidor, na boca, trabalha para comer. Apreender pedrinhas é enxugar gelo". Francisco Inácio Bastos, pesquisador da Fiocruz
Para Joaquim Melo, a estratégia de atendimento ao dependente químico de forma ambulatorial é "ineficaz". "O cuidado emergencial não resolve. A solução é a internação, seja ela qual fora. Os consultórios móveis não vão solucionar o problema, vai ajudar a conscientizar o dependente da necessidade de tratamento, mas não será a fórmula de tratamento".
Para o presidente da Comissão de Estudos sobre Educação e Prevenção de Drogas e Afins da OAB de São Paulo, Cid Vieira de Souza Filho, a internação contra a vontade da pessoa só deve ser realizada em "último caso".
"Somos contra a internação compulsória, e a involuntária deve ser usada com parcimônia. É preciso dar o livre arbítrio para a pessoa, se ela tiver discernimento, para escolher ou não se quer ser internada", defende.
No caso de adolescentes, porém, o advogado defende que "o estado atue de forma enérgica para garantir a vida deles". "Muitas crianças se prostituem nas ruas apenas para comprar o crack. Mães vendem os filhos por poucos reais. Nestes casos, temos a obrigação de atuar", diz. Cid Vieira, porém, pondera principalmente em cidades do interior do país, não há estabelecimentos e agentes "adequados" para isso.
O Ministério da Saúde entende, porém, que a guerra ainda pode ser ganha. "O grande foco hoje passou a ser o tratamento, a saúde do usuário. O próprio governo americano admitiu que estratégias de erradicação da cocaína não estavam fazendo efeito sozinhas. Ainda não se sabe exatamente o que fazer, não se tem um padrão na ONU de como tratar esta dependente de crack. Está todo mundo aprendendo qual é o caminho a trilhar, mas este é um dos projetos prioritários do governo", acredita Magalhães.
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Extra 19.12.2013
Maioria dos usuários de crack não morre devido à droga, e sim por causa da violência
Carolina Heringer
Paolla Serra
O efeito devastador do crack na saúde do viciado, que vai definhando com a droga, não é a principal causa de morte desses usuários.

Mais da metade deles é vítima da violência: uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) sobre a causa de morte de quem consome a droga — a única feita até hoje no país sobre o tema — revela que 56,5% dos viciados são assassinados. A Aids, responsável por 26% dessas mortes, vem em segundo lugar. A overdose da chamada “droga da morte” mata menos de 9% dos usuários, de acordo com o levantamento.
— As pessoas que consomem o crack têm morrido mais das mortes violentas do que de qualquer doença grave. A proporção é muito maior do que na população geral. A vida fica mais curta porque, com a droga, o usuário tem que se relacionar com um mercado ilegal — explica o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, do Departamento de Psiquiatria da Unifesp, responsável pela pesquisa.
O pesquisador acompanhou 131 dependentes da droga, internados entre 1992 e 1994, na Clínica de Desintoxicação em Álcool e Drogas do Hospital Geral de Taipas, no interior paulista. Os pacientes ou seus parentes foram ouvidos em 1996 e 1999. Nesse ano, 23 dos dependentes, ou quase 18% do total, já haviam morrido.
— O consumo do crack pode matar na primeira vez que a pessoa experimenta a droga, mas vemos que muitas pessoas morrem de questões secundárias. Brigam na rua, se envolvem com o crime ou ficam devendo dinheiro para o traficante — complementa Analice Gigliotti, chefe do Departamento de Dependentes Químicos da Santa Casa de Misericórdia.
As consequências do crack são imediatas, principalmente na aparência do usuário. De acordo com a psiquiatra Maria Tereza de Aquino, a mudança que se observa mais rapidamente é o emagrecimento.
— Um paciente meu emagreceu 20 quilos em uma semana. A perda de peso, num primeiro momento, é o que mais impressiona. Os dependentes ficam sem comer. Alimentam-se da droga — conta a psiquiatra da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Na boca, as marcas do vício
A destruição do crack também é visível pelas queimaduras na boca e pela deterioração dos dentes dos viciados. A cirurgiã-dentista Sandra Crivello, que trabalha com a reabilitação de dependentes químicos em São Paulo, explica que os usuários do crack são facilmente identificados pela boca.
— Há alguns sinais específicos. A boca, por exemplo, fica com marcas de queimaduras, já com a formação de calos esbranquiçados, após tantas lesões na mesma área — explica ela.
A rapidez e a intensidade dos efeitos do crack, segundo o psicólogo Pablo Roig, dono de uma clínica de reabilitação de dependentes químicos há 30 anos em São Paulo, são responsáveis pela decadência que a droga causa.
— Em questão de segundos, o crack age no cérebro do usuário. Quanto mais rápida é a droga, mais rápida é a dependência que ela cria. O crack tem uma capacidade destrutiva intensa. O usuário não o consome porque quer, mas porque precisa — explica, acrescentando que 30% dos que usam crack há mais de cinco anos acabam morrendo pelos efeitos da droga.
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Agência Senado 17.05.2012
Comissão pede investigação de ‘crack-salário’ para cortadores de cana
Gorette Brandão
A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) vai pedir aos Ministérios do Trabalho, da Justiça e da Saúde uma inspeção em canaviais na região de Araraquara (SP) para investigar denúncia de que pedras de crack estão servindo de pagamento para cortadores de cana dependentes da droga. O assunto foi trazido aos senadores durante a audiência pública que, nesta quinta-feira (3), debateu o relatório da 4ª Inspeção do Conselho Federal de Psicologia (CFP) a centros de internação para usuários de drogas.
- Seria grave um fato dessa ordem e justifica pedir uma inspeção – disse o senador Wellington Dias (PT-PI) ao fim da reunião.
O autor da denúncia foi Anderson Lopes Miranda, da Frente Nacional Drogas e Direitos Humanos. Segundo ele, a irregularidade foi identificada pela Pastoral da Terra, em levantamento sobre as condições de trabalho nos canaviais.
Violações
Antes, o coordenador da Comissão Nacional de Direitos Humanos do CFP, Pedro Paulo Bicalho, havia apresentado uma síntese do relatório em debate, divulgado em setembro do ano passado e produzido a partir de inspeção em 69 centros de tratamento em todo o país, mas conhecidos como comunidades terapêuticas. Ele apontou um quadro de violação aos direitos básicos dos pacientes nas instituições avaliadas, incluídas na inspeção a partir de denúncias registradas no site da entidade, dentro de programa denominado Observatório de Direitos Humanos.
- Grande parte dos acolhidos vive em situações que as entidades classificam como práticas de cuidado, mas que na realidade são medidas de violência – disse Bicalho.
Entre outros fatos, ele relatou o caso de um abrigo que obrigava os internos a cavar buracos, para que eles se mantivessem ocupados, considerando esta uma “medida terapêutica”. Além disso, mencionou como fato comum os internos serem forçados a adotar práticas religiosas alheias à sua fé e sofrerem repressão à sua condição sexual.
O mais grave seria a aplicação de castigos físicos aos que descumprem as normas estabelecidas. De acordo com Bicalho, um dos centros obrigava os internos considerados rebeldes a beber água recolhida no vaso sanitário.
Outro lado
Wellington Dias, que coordenou a audiência em substituição ao presidente da CDH, Paulo Paim (PT-RS), convidado para evento externo promovido por associação nacional de magistrados, elogiou o trabalho feito pelo CFP. Disse que muitas políticas públicas no país só avançaram após ações de fiscalização da sociedade organizada. Porém, ressalvou que o relatório não pode ser visto como um retrato do conjunto das comunidades terapêuticas.
O senador disse que já visitou cerca de 600 das mais de duas mil comunidades existentes em todo o país, atestando que há muitos centros de elevado padrão prestando assistência em um campo onde é necessária a atuação conjunta do Estado e da sociedade.  A seu ver, uma má leitura do relatório pode passar a ideia de que nenhuma comunidade terapêutica presta, “mas não é assim”.
- Tem muita coisa boa e não podemos deixar de reconhecer que milhares de pessoas já se beneficiaram, estando hoje em estado de abstinência – afirmou o senador.
Por sugestão de Wellington Dias, a CDH irá também levar ao governo um conjunto de propostas de ações para reforço das políticas de tratamento da dependência química. Uma delas é a proposta de que seja finalmente realizada a primeira conferência nacional para debater políticas relativas ao enfretamento da questão das drogas. Outra se refere à implantação de política de financiamento de ações nessa área, com base em 30% da receita dos tributos cobrados sobre a venda de drogas lícitas (bebida e cigarros).
Mão do Estado
O senador Paulo Davim (PV-RN), que é médico, defendeu o enfrentamento do problema da dependência química no país predominantemente por meio da “mão forte do Estado”. Disse ser lamentável que as ações sejam preponderantemente conduzidas pelas instituições filantrópicas, em grande parte com “viés religioso”, em razão da falta de infraestrutura da rede pública. Para Eduardo Amorim (PSC-SE), o governo está demorando em estabelecer uma política integrada que efetivamente funcione para prevenir, tratar e integrar socialmente as vítimas da dependência química.
O representante do Ministério da Saúde, Roberto Tykanori, salientou a importância de políticas que enfrentem a questão da droga em sua complexidade. Ele lembrou que a “guerra às drogas” que norteou as políticas de muitos países nos últimos dez anos era apoiada na tese de que a dependência “rompe o tecido social”.  Conforme assinalou, a própria ONU assume visão contrária: a droga e o crime emergem quando o tecido social se encontra rompido e prevalece um quadro de exclusão social.
Participaram ainda do debate Paulo Avelino, psicanalista da Sociedade Brasiliense de Psicanálise, e Nilton Vaz, professor do Conselho Distrital de Promoção dos Direitos Humanos do Distrito Federal.
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O Globo 23.02.2013
Crack e cocaína afastam do trabalho mais que álcool
Em seis anos, triplicou a distribuição do auxílio-doença para viciados das duas drogas
Gustavo Uribe
Mauricio Bitencourte, viciado em crack e cocaína, no Centro de Tratamento Retiro Claudio Amancio Denise Meirelles
SÃO PAULO - Há 13 anos como funcionário do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, o advogado Maurício Bitencourte, de 40 anos, finalmente havia conseguido em 2006 uma promoção à coordenação do departamento jurídico da entidade sindical. A permanência no posto, contudo, durou apenas um ano. Em 2007, o profissional, pós-graduado em Direito do Trabalho, foi internado em uma clínica de reabilitação. Na época, misturava cocaína e maconha com bebidas alcoólicas. Em 2010, após mais duas internações, foi demitido e começou a consumir diariamente o crack, que era trocado por ternos, camisas, sapatos e um televisor. Com o irmão, Luiz Carlos Bitencourte, consumia o crack nos fundos da casa da mãe. Mês passado, os dois, agora desempregados, conseguiram acesso ao auxílio-doença, entrando numa assombrosa estatística do governo: o consumo de drogas no país cresce a cada ano, e, hoje, cocaína e crack já afastam, em relação ao álcool, mais que o dobro de trabalhadores do mercado profissional.
Em 2012, a quantidade de auxílios-doença concedidos a dependentes de drogas psicoativas, como cocaína e crack, cresceu 10,9% em relação a 2011, superando uma realidade que já ficou para trás, a de que a bebida alcoólica era o que mais prejudicava trabalhadores.
Os dados inéditos foram obtidos pelo GLOBO com o Ministério da Previdência Social e com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Nos últimos sete anos, o total de benefícios a usuários de drogas psicoativas mais que triplicou no Brasil. Se em 2006 eles somavam 9.730, em 2012 chegaram a 30.737. No mesmo período, a quantidade de dependentes de álcool afastados do emprego não sofreu grandes alterações e manteve-se em um patamar médio de 13.158. A primeira vez que a soma dos auxílios-doença a usuários de drogas psicoativas superou a de viciados em álcool foi em 2007, quando chegou a 16.351. Desde então, a diferença entre os dois só aumentou.
Nos últimos sete anos, a quantidade de auxílios-doença concedidos a usuários de drogas em geral, como maconha, álcool, crack, cocaína e anfetaminas, passou dos 900 mil. O Ministério da Previdência Social não informou o total gasto em 2012 com os benefícios relativos ao uso de drogas, mas O GLOBO apurou que o montante chegou a R$ 100 milhões. O auxílio-doença varia de R$ 678 a R$ 4.159, de acordo com a contribuição previdenciária. O valor mensal médio pago a um dependente de drogas psicoativas é de R$ 975,29, e a duração média de recebimento do valor é de 308 dias. Para ter direito a ele, o segurado precisa de autorização de uma perícia médica e tem de apresentar laudos e exames que comprovem a dependência química.
Só em janeiro, o total de pedidos de auxílios-doença aceitos pelo governo federal para usuários de drogas como cocaína e crack chegou a 2.457, mais que o dobro dos autorizados aos viciados em álcool: 1.044. O avanço do crack levou, no ano passado, o Ministério da Justiça a gastar R$ 142,4 milhões apenas em medidas de combate à droga, que, como já reconheceu o governo federal, tornou-se uma epidemia no Brasil. A psicanalista Ivone Ponczek, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), avalia que o aumento do número de afastamentos devido ao crack deve-se tanto ao crescimento, nos últimos anos, do número de dependentes químicos como à descriminalização do usuário de drogas, que passou a procurar por ajuda.
Ela observa que, a partir de 2006, coincide o crescimento do afastamento de usuários de drogas psicoativas do mercado de trabalho com o aumento do uso de crack no país. No Rio de Janeiro, ela ressalta que o fenômeno é mais recente: a droga passou a ser consumida de “maneira exorbitante” nos últimos quatro anos.
— De 2006 para cá, houve um aumento impressionante do uso do crack no país. No Rio de Janeiro, a droga entrou de maneira exorbitante nos últimos quatro anos, uma situação realmente calamitosa. Além do aumento do uso, a descriminalização do usuário fez com que houvesse mais possibilidade de ele pedir o auxílio-doença. Foram abertas mais portas para o tratamento e para o pedido de ajuda — ressaltou.
Em São Paulo, estado que historicamente concentra o maior número de auxílios-doença a dependentes químicos, o advogado Maurício Bitencourte tem recebido por mês R$ 2.880 do INSS. Ele e o irmão estão internados há três meses em um recanto, em Suzano (SP), que faz parte da Instituição Cláudio Amâncio, que trabalha com prevenção e recuperação de dependentes químicos. Na quarta-feira, quando O GLOBO visitou o local, Luiz Carlos Bitencourte estava na capital paulista, justamente para buscar o benefício, cujo pagamento foi autorizado até o final de abril.
Em 2011, São Paulo registrou 41.271 benefícios a dependentes químicos, dos quais 11.515 foram relativos a drogas psicoativas. O Rio de Janeiro foi o sexto estado com o maior número de afastamentos: 6.527, dos quais 1.184 foram relativos a drogas como cocaína e crack.
— Já tinha conseguido o auxílio por oito meses: de junho de 2011 a janeiro de 2012. O processo para obtenção não costuma ser rápido, leva meses. Não ia dar entrada agora, mas acabei mudando de ideia — afirmou o advogado.
A demora para a aprovação do benefício também é criticada por outros dependentes químicos, como o paulista Ivan Mergulhão, de 33 anos. No início deste mês, o ex-praticante de fisiculturismo conseguiu o auxílio-doença por apenas um mês, o que considera pouco. Em internação, ele consumiu o crack pela primeira vez aos 16 anos. Por anos, conseguiu conciliar o trabalho com as drogas, até ter uma overdose.
— Eu gastei a rescisão inteira de serviço de motoboy com drogas. Ao todo, já fui internado mais de 15 vezes.
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O Globo 20.02.2013
MP exige da Prefeitura do Rio plano de enfrentamento ao crack
Apesar de ocupação da prefeitura, usuários de droga resistem a deixar imediações da cracolândia
WALESKA BORGES
ELENILCE BOTTARI
RIO - O Ministério Público requisitará ainda esta semana à Prefeitura do Rio a apresentação de dados oficiais sobre os atendimentos hospitalares e clínicos de emergência, os abrigamentos e internações psiquiátricas realizadas na operação realizada na cracolândia do Complexo da Maré nesta terça-feira. Além disto, o MP está cobrando a apresentação do Plano Municipal de enfrentamento ao crack com indicação “clara das unidades e serviços de saúde que serão ampliados para o atendimento dos usuários”. Entre as informações que estão sendo requisitadas estão a quantidade de novos leitos em hospitais gerais e novos Centros de Atendimento Psicossociais do município (Caps) que foram acordados entre MP, Prefeitura e outras instituições, na audiência pública realizada em 11 de dezembro passado.
Segundo a promotora Anabelle Macedo Silva, da 3ª Promotoria, desde outubro o MP exige das autoridades ações concretas para plena garantia do direito à saúde dos usuários de crack em situação de rua.
— O MP defende o direito ao atendimento integral dos usuários de crack no sistema público de saúde, contemplando o seu resgate da rua e dos locais públicos deteriorados pela droga, atendimento médico hospitalar, acesso a medicamentos, exames que forem necessários e cuidados em saúde mental, em centros especializados para drogadição (tais como CAPs III e comunidades terapêuticas), locais onde há inclusive leitos para permanência dos usuários e cuidados intensivos, possibilitando a continuidade e aderência do usuário ao tratamento.
Ela lembrou que como determina a Lei 10.216/01, os casos de internação psiquiátrica involuntária, devem ser sempre excepcionais e utilizado apenas quando se verificar risco a vida e integridade dos usuários e mediante indicação de médico psiquiatra, com comunicação ao MP.
Dependentes de crack continuam na Avenida Brasil
Cerca de 50 usuários de crack ocupam, na manhã desta quarta-feira, o canteiro central da Avenida Brasil, na pista sentido Zona Oeste, na altura da Favela Nova Holanda. Muitas crianças, adolescentes e adultos - entre eles mulheres - dormem no chão puro ou em colchonetes. Na pista sentido Centro, na altura do Parque União, outras dez pessoas estão debaixo de cabanas feitas de lençol e papelão. Os usuários de drogas estão a 200 metros do ponto de acolhimento aos dependentes montado pela prefeitura, nesta terça-feira, quando o município e a Secretária de Segurança Pública fizeram uma megaoperação de combate à droga durante a madrugada na cracolândia do Complexo da Maré. Na ação desta terça-feira, pela primeira vez, a prefeitura realizou internações involuntárias de adultos dependentes de crack. Vinte e nove usuários da droga foram levados para hospitais públicos, a partir da orientação de uma equipe médica. Ao todo, foram retirados das ruas 99 dependentes, sendo oito menores.
Segundo o subprefeito da Zona Norte, André Santos, equipes da Assistência Social e Saúde fazem o trabalho de convencimento e acolhimento dos dependentes. Das 6h de terça até a manhã desta quarta-feira, outras seis pessoas foram acolhidas, entre elas uma mulher de 25 anos, grávida de nove meses. Nenhum caso de internação involuntária.
Ainda de acordo com André Santos, na cracolândia da região havia cerca de 300 usuários.
— Pelo nosso trabalho de convencimento e a operação realizada, hoje (quarta-feira) 50 pessoas estão na região. O nosso trabalho não é compulsório. A internação involuntária é para pessoas com incapacidade de decisão e risco à saúde — disse Santos.
A subprefeitura da Zona Norte identificou outras duas cracolândias: uma nas imediações das comunidades Árvore Seca e Cachoeirinha, no Complexo do Lins; e a outra na Favela Cajueiro, em Madureira.
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O Globo 19.02.2013
Estado transfere escola para rua de cracolândia na Zona Portuária
Secretaria de Educação diz que alunos serão novamente deslocados para outra unidade
Prédio é cedido pela prefeitura, e instalações são precárias
Ruben Berta
Abandono: usuários de crack ocupam a Rua Souza e Silva, onde funciona o Colégio Estadual Vicente Licínio Cardoso Pedro Kirilos / O Globo
RIO - O retorno às aulas, nesta segunda-feira, trouxe uma desagradável surpresa para alunos e professores do Colégio Estadual Vicente Licínio Cardoso. A unidade que até o ano passado funcionava à noite num prédio cedido, de uma escola municipal homônima, na Rua Edgar Gordilho, na Saúde, foi transferida para o imóvel que abriga durante o dia a Escola Municipal Darcy Vargas, na Rua Souza e Silva, na Zona Portuária. O detalhe: a partir do fim da tarde, a via se transforma numa cracolândia. Nesta segunda, repórteres do GLOBO flagraram usuários de drogas a cerca de dez metros da porta da unidade. Havia pelo menos 50 deles perambulando nos arredores do colégio.
A Secretaria estadual de Educação admitiu que as condições do prédio para onde o colégio foi transferido são precárias. Segundo o órgão, a prefeitura pediu a saída do imóvel anterior e o próprio município teria indicado como opção a Escola Darcy Vargas. A secretaria informou que transferirá em breve os alunos para uma nova unidade, que foi inaugurada nesta segunda-feira na mesma região: o Colégio Estadual Reverendo Hugh Clarence, na Rua Rivadávia Correia. Cerca de cem estudantes estariam matriculados para 2013.
Na Rua Souza e Silva, além dos usuários de drogas, há muito lixo espalhado. O curioso é que a via fica bem próxima de uma área que já foi revitalizada como parte das obras do projeto Porto Maravilha. Na esquina das ruas Barão de Tefé e Sacadura Cabral, por exemplo, a dois quarteirões de onde fica o colégio, na tarde de anteontem havia quatro guardas municipais juntos. Para tentar sair com segurança da escola, professores e alunos estavam planejando uma forma de saírem juntos à noite, após o fim das aulas, para evitar assaltos.
Além das péssimas condições no entorno, os professores da Vicente Licínio Cardoso sofrem com as próprias condições do prédio para onde foram deslocados. Os armários com o material dos professores estão no pátio: alguns já foram arrombados. O local onde foram armazenados os computadores que eram usados numa sala de informática no imóvel anterior é uma pequena sala, sem ar-condicionado. Há salas de aula cujas carteiras são de alunos pequenos, do 1º segmento do ensino fundamental, de até 10 anos de idade. Mas os alunos do colégio são de Educação de Jovens e Adultos (EJA), antigo supletivo, todos acima de 18 anos.
Na semana passada, um grupo de professores redigiu uma carta pedindo providências à Secretaria de Educação. De acordo com os docentes, em visita à escola, foram constatadas “condições que inviabilizam o exercício de qualquer prática pedagógica”.
O ensino noturno vem sendo um dos grandes problemas na rede estadual nos últimos anos. Um levantamento feito pelo GLOBO no ano passado mostrou que 104 escolas não conseguiram aprovar nem metade dos seus alunos em 2011. E dessas, 70 (67%) funcionam à noite em imóveis cedidos pela prefeitura.
Para tentar mudar este quadro, a Secretaria de Educação aposta em 2013 num projeto de EJA, elaborado em parceria com Fundação Cecierj. O curso tem duração de dois anos, com uma carga horária de três horas e 20 minutos por dia. Na Nova EJA, dois módulos terão disciplinas com ênfase nas áreas de Humanas e dois com ênfase nas disciplinas de Ciências da Natureza. Cada módulo terá o mínimo de cinco disciplinas e o máximo de sete. Em todos os módulos, o aluno terá Língua Portuguesa e Matemática. A metodologia e currículo utilizados são específicos para jovens e adultos, com material didático próprio e recursos multimídia em sala de aula.
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IG 14.01.2012
Uso de crack supera 10 anos na Cracolândia, mostra pesquisa
Mortalidade dos usuários está mais ligada à violência do que aos prejuízos à saúde
Fernanda Aranda
Entre a primeira pitada e o último trago no cachimbo de crack passam 10 anos de uso crônico. E o motivo que leva o usuário desta droga a deixar de inalar a fumaça tóxica, provavelmente, estará estampado em um boletim de ocorrência policial e não em um prontuário médico.
A morte deste dependente químico, quase sempre, tem como gatilho a violência e não uma doença.
São informações que estão no mapeamento feito pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Os pesquisadores colheram informações de 170 pessoas que vivem na região paulistana conhecida como Cracolândia. Um público que há dez dias voltou a ser notícia por estar no alvo da Polícia Militar, em uma nova tentativa governamental de apagar esta mancha de mazelas sociais que cobre o centro da cidade.
Os dados encontrados pela Unifesp revelam que mais da metade dos dependentes usa crack há uma década, um indício de que o vício não tem potencial de destruição tão ágil quanto se supunha. O encontro com a pedra, para 65% deles, se deu antes dos 18 anos.
O crack surgiu com força no cenário nacional nos anos 80 e ficou mais intensificado na última década. Existem muitos usuários que fazem este uso crônico e prolongado”, afirma o psiquiatra Marcelo Niel, ligado ao Programa de Orientação e Atendimento ao Dependente da Unifesp.
Eles não estão só na Cracolândia. Muitos estão em casa, trabalhando ou em outros pontos da cidade. O risco deste uso por muitos anos é a morte. E a mortalidade, em muitos casos, está mais ligada aos episódios violentos do que a comprometimentos clínicos (como ocorre com o cigarro, por exemplo).”
A pesquisa realizada com os usuários endossa que enquanto uma mão segura o cachimbo a outra está, de alguma forma, ligada à criminalidade.
Dos dependentes pesquisados, 13% afirmaram roubar para conseguir a droga. Outros 13% disseram prestar serviços aos traficantes. Entre as mulheres, uma em cada dez já sofreu violência sexual e a mesma porcentagem, considerando também os homens, faz sexo em troca da droga. Do total de pesquisados, 53% já testemunharam mortes na Cracolândia.
Cracolândias invisíveis
Esta relação com episódios violentos tem como uma das explicações os próprios danos provocados pelo crack no organismo, explica a psiquiatra da USP e do Centro de Informações Sobre o Álcool (Cisa), Camila Magalhães.
“As substâncias químicas – uma versão mais pobre da cocaína, misturada a tóxicos como ácido sulfúrico – chega ao cérebro rapidamente. O uso contínuo danifica as partes cerebrais responsáveis pelo autocontrole, raiva, planejamento e bom-senso”, explica ela.
O rastro de destruição neurológica deixado pelo crack precisa ser controlado – e monitorado – inclusive no processo de abstinência, reforça o psiquiatra da Associação Brasileira de Estudo do Álcool e Outras Drogas (Abead), Sérgio de Paula Ramos.
“Caso a oferta de crack seja suspensa repentinamente sem uma oferta eficiente e imediata de atendimento médico, os únicos efeitos serão o encarecimento do produto e fazer com que o dependente busque até de forma desesperada a droga em outro lugar”, diz Ramos.
“A repressão do tráfico e o primeiro passo para parar de usar são bem-vindos, mas qualquer iniciativa está fadada ao fracasso caso não venha acompanhada de tratamento.”
A avaliação de Sérgio de Paula Ramos é partilhada por outros especialistas ouvidos pelo iG para criticar a estratégia divulgada pela Polícia Militar no perímetro urbano que compõe a chamada Cracolândia. A declaração de um dos responsáveis pela ação é de que o mote da operação é “dor e sofrimento”, ou seja, impedir que o tráfico abasteça a região. Assim, sem conseguir as pedras e em situação de abstinência, os usuários procurariam ajuda médica por conta própria para se livrar do vício.
Com base na experiência com o atendimento de usuários de crack, o especialista da Unifesp Marcelo Niel diz que este processo só agravaria a fissura dos dependentes que procurariam o que ele denomina de “cracolândias invisíveis.”
“Uma das maiores dificuldades em tratar o usuário de crack é que ele abandona rápido demais o tratamento”, diz.
“As taxas de evasão superam 40%. No caminho entre a própria casa e o médico, os pacientes contam que encontram quatro pontos de venda de crack e não resistem às recaídas.”
“A polícia montou uma ofensiva nas ruas do centro paulistano – principalmente pelas ruas Helvetia, Aurora e Guaianases – mas não consegue estar em todos os pontos onde a droga é vendida. Existem ‘cracolândias invisíveis’ espalhadas pela cidade toda, dentro de apartamentos, cabines telefônicas, favelas, avenidas. É para todos estes locais que os hoje frequentadores da área monitorada vão migrar.”
Fissura medicada
Segundo Camila Magalhães, para parar de usar o crack é preciso mesmo uma ruptura, mas este processo deve ser incentivado, acompanhado e esclarecido.
“Em especial na primeira semana sem uso, alguns efeitos não são confortáveis, mas a conscientização de que eles são passageiros dão suporte para a continuidade do tratamento”, afirma.
Em alguns casos, a fissura precisa ser tratada com medicações mais fortes que ajudam na desintoxicação. Quem conseguiu deixar as estatísticas dos usuários de crack, como foi o caso de Maria Eugênia Lara, acrescenta mais um incentivo.
“Eu não troco o meu pior dia sóbria pelo meu melhor dia louca.”
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notícias Rio de Janeiro
O Globo 17.11.2012
Crack já chega ao interior do estado do RJ.
Apreensões crescem 620% em seis anos. Beltrame defende internação compulsória.
RIO - Na semana passada, uma informação discutida numa reunião do Conselho Comunitário de Segurança de Itaperuna preocupou os presentes: o crack já estaria disseminado no município. A má notícia foi levada ao encontro por um policial militar, com base nas estatísticas de apreensões. Tradicionalmente um dos maiores produtores de leite do estado, além de ocupar lugar de destaque na pecuária de corte, a cidade tem cerca de 100 mil habitantes e é considerada ainda um polo estudantil no Noroeste Fluminense por sediar universidades públicas e privadas.
— O crack já é uma realidade na cidade, e os traficantes atuam infiltrados entre os estudantes. Um assunto bastante sério, grave, aqui para nós. Uma realidade nova que nos levou a realizar, uma vez por mês, encontros com alunos das escolas públicas, para mostrar o perigo da droga — disse a advogada e professora aposentada Maria das Graças Santos Magalhães, presidente do Conselho Comunitário de Segurança de Itaperuna.
Fruto de uma ação perversa do tráfico internacional, que usa o refugo do refino da cocaína para produzi-lo, o crack já chegou a quase todos os municípios do Rio. A Secretaria estadual de Segurança tem em mãos um levantamento do Instituto de Segurança Pública (ISP) — responsável pelas estatísticas de criminalidade — que atesta a gravidade da situação. As análises revelam que as apreensões de crack no estado registraram um aumento de 620% em seis anos. Passaram de um total de 326 casos, em 2006, para 2.345, este ano.
No mesmo período, de acordo com o ISP, as apreensões de cocaína e maconha ficaram estabilizadas. As da primeira subiram menos de 20% (de 4.564 para 5.651). E as de maconha, que sempre representaram grandes volumes nas estatísticas, tiveram queda. Foram 8.401 apreensões, em 2006, contra 8.250, este ano.
Na opinião do próprio secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, a questão ganhou contornos de epidemia nacional, impondo ações urgentes na área de saúde, somadas ao controle das fronteiras e a soluções impopulares, como a internação compulsória.
— Eu defendo a internação compulsória. Sou favorável. A situação do usuário é muito triste e, na minha opinião, ele não tem capacidade de decidir. Perdeu a condição cidadã. Sem discernimento, vive miseravelmente entre ratos e baratas, abandonado e em situação deplorável. Basta olhar para perceber que ele precisa de acolhimento — diz Beltrame.
De SP para o Sul Fluminense
No Sul Fluminense, investigações da Polícia Federal mostram que o crack já deixa um rastro de dependentes. Traficantes estariam trazendo a droga de São Paulo para Volta Redonda, Barra Mansa, Resende e Angra dos Reis.
— É uma praga que se alastrou por aqui. Muitas vezes prendemos a mesma pessoa várias vezes e notamos que ela praticou algum delito sob efeito do crack — contou o coronel César Tanner, comandante do 5º Comando de Policiamento de Área, responsável pela segurança em 20 municípios do Sul Fluminense.

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O Dia 15.12.2012
A cidade que venceu o crack
Elogiado por especialistas, modelo de São Bernardo do Campo foca em ressocialização
Caio Barbosa
Rio -  Com consultórios médicos ambulantes e abrigos com tratamento de qualidade, a cidade de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, tornou-se um modelo no combate ao crack em todo o país. O segredo foi atender aos usuários da droga como casos de saúde pública e não de segurança. O Ministério Público Estadual (MP) propõe que a fórmula adotada no município sirva de exemplo e modelo em outros estados que enfrentam problemas com viciados. É o caso do Rio de Janeiro, onde é grande o número de dependentes da droga, que perambulam nas ruas.
 Consultórios de rua, com médicos, psicólogos, enfermeiros e terapeutas, percorrem a cidade prestando a assistência necessária aos usuários
Em São Bernardo, os usuários são ajudados principalmente na reinserção social e no mercado de trabalho. “Entendemos que não é possível resolvermos este problema, se não atuarmos em três frentes: cuidados à saúde, geração de renda e moradia. Não adianta tirar o usuário de circulação por vários meses e do contato com a droga se, após estes meses, ele voltar para a rua, sem emprego, no mesmo ambiente degradante”, explica Arthur Chioro, presidente do Conselho dos Secretários Municipais de Saúde de São Paulo, que atua em São Bernardo.
Chioro tem recebido autoridades de várias cidades do Brasil e do exterior para apresentar o projeto de São Bernardo do Campo, iniciado há dois anos, na gestão do prefeito Luiz Marinho (PT).
“Nossa opção foi por apostar na singularidade das pessoas, no direito de cada um, para não desistir de ninguém. Mesmo quem está no fundo do poço, num determinado momento, abre a guarda e pede guarida”, aposta Chioro.
Vidas refeitas a partir do tratamento
Érica Coelho, que tem 28 anos e é há 15 usuária de drogas, esteve numa maternidade pública de São Bernardo há dois meses para dar à luz Emanoel. A direção da maternidade, ao notar o estado deplorável de Érica, acionou a Justiça para que a criança fosse levada para um abrigo.
“A prefeitura não deixou. Eles prometeram à Justiça que me recuperariam e isso está acontecendo. Recebo o melhor tratamento possível. Já estive internada em clínicas por dois meses, já fiquei três anos na cadeia e, quando saí, busquei o crack. Hoje, não busco mais porque sou tratada com respeito e atenção”, conta Érica.
Em tratamento junto com o marido, Érica recebeu um apartamento da prefeitura e agora sonha ganhar a vida como cabeleireira: “Nasci de novo”.
Consultórios de rua e moradias com plantão 24h
A política de atenção aos usuários de drogas em São Bernardo abrange as secretarias de Esportes, Assistência Social, Habitação, Saúde e Segurança.
Foram criados consultórios de rua, com médicos, psicólogos, enfermeiros e terapeutas, que percorrem a cidade prestando toda a assistência necessária aos usuários. Há também as ‘Repúblicas Terapêuticas’, moradias com cuidadores de plantão durante as 24 horas do dia. E núcleos profissionalizantes, que permitem a reinserção social dos dependentes.
“Eu posso, inclusive, fumar crack na ‘República Terapêutica’, se quiser. Não fumo porque eles me mostram que é melhor eu não fumar. Não é mandar ou obrigar, é ensinar e educar”, conta Érica Coelho.
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O Dia 15.11.2012

Bolsa de até R$ 900 para salvar viciados em crack

Vice-prefeito eleito, Adilson Pires aposta na medida, mas especialista defende tratamento
ANGÉLICA FERNANDES
Rio -  Até o final do mês, o vice-prefeito eleito e futuro secretário de Desenvolvimento Social, Adilson Pires, vai apresentar o projeto que prevê bolsa de R$ 350 a R$ 900 para famílias de menores viciados em crack, conforme antecipou a coluna Informe do Dia nesta quinta-feira.
Apesar do programa está em fase de estudo, especialista acredita que a verba pode ser aplicada de maneira errada pelos parentes.
A bolsa pode combater a pobreza das famílias que possuem menores viciados, mas não é incisiva no controle pela dependência química. O foco deve ser na saúde pública, pois dar dinheiro a parentes não significa que os menores deixem o crack”, observa Paulo Jorge Ribeiro, antropólogo e professor da PUC-RJ.
Viciados que estavam na Av. Brasil, na entrada da Ilha, deixaram o local  | Foto: André Luiz Mello / Agência O Dia
Para Adilson Pires, a medida é crucial no tratamento dos menores. “A família precisa estar perto e deve ter responsabilidade sobre o viciado. Tirar o usuário da rua é tarefa nossa, mas o menor não pode viver no abrigo para sempre”, defende.
Atualmente, a Secretaria de Assistência Social possui 123 menores abrigados em 54 unidades da cidade. Na próxima quinta-feira, Pires vai se reunir com membros de apoio aos dependentes químicos para discutir detalhes do projeto.
Um dos principais desafios é o destino dos menores que não possuem familiares na cidade. “Vamos ter que pensar em outra saída se nenhum membro da família for encontrado”.
Avenida Brasil sem cracolândia
Viaturas da PM deram lugar às cracolândias na Avenida Brasil, próximo ao acesso à Ilha do Governador e Parque União. Na tarde desta quinta-feira, poucos usuários foram vistos perambulando pela via.
Na quarta-feira, operação da Secretaria de Assistência Social recolheu 25 adultos e um adolescente ali. Em uma semana, foram 290 acolhimentos, sendo 266 adultos e 24 jovens. O 22º BPM (Maré) vai permanecer com as viaturas baseadas na região.
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O Dia 6.11.2012
Alvo de usuários de crack, lojas acumulam prejuízos.
Comerciantes enfrentam arrombamentos e furtos, e funcionários mudam sua rotina para evitar ataques próximo às novas cracolândias criadas em bairros do Rio
FRANCISCO EDSON ALVES
Rio -  Além de levar pânico à moradores das imediações das novas cracolândias que se espalham pela cidade, os usuários de crack também já causam prejuízo ao comércio. As aglomerações dos “nóias” — como são chamados — e furtos cometidos por eles aterrorizam empresários e funcionários, afastam fregueses e mudam a rotina de fechamento de lojas.
A criação de novas cracolândias aumentou após a migração de viciados em crack do Complexo de Manguinhos e da Favela do Jacarezinho, depois da ocupação pela polícia, em 14 de outubro.
O movimento frenético de usuários da droga representa prejuízo para estabelecimentos ao longo da Avenida Brasil, na entrada da Ilha do Governador, de Bonsucesso, e nos acessos às favelas Parque União e Nova Holanda, no Complexo da Maré.
Viciados lotam calçada e ponto de ônibus na Av. Brasil, onde passageiros desembarcam Foto: Fernando Souza / Agência O Dia
Em São Cristóvão, os arrombamentos de imóveis comerciais também passaram a ser constantes nas últimas semanas.
“Os clientes estão fugindo das cenas de horror protagonizadas entre os grupos (de dependentes da droga), que fumam crack em plena luz do dia, brigam entre si, praticam furtos e até defecam nas calçadas”, lamenta Jairo Isidório Reis, 45 anos, gerente de uma loja de variedades, que fica a menos de 50 metros de onde os viciados se reúnem, às margens da Favela Parque União.
Segurança particular
O afastamento de fregueses se traduz na queda do faturamento. “Clientes são assaltados por viciados na nossa porta. Com medo, a maioria não volta mais.
Na semana passada, tivemos que contratar segurança particular. Mesmo assim, estamos sendo obrigados a fechar a loja mais cedo, às 18h, duas horas e meia antes do horário que baixávamos as portas”, lamenta Alessandra Machado, auxiliar administrativa da Dinamicar Pneus, na Av. Brasil.
José Richard, presidente da Associação Comercial e Industrial da Ilha do Governado, alerta: “A tendência é que a situação piore. A chegada de viciados cresce todos os dias, de forma assustadora. Nosso receio é que eles se espalhem pela Ilha toda”, teme.
Restaurante instalou grade e câmeras
Em São Cristóvão, a onda de arrombamentos a estabelecimentos comerciais é creditada aos viciados em crack pelos empresários. No mês passado, houve pelo menos sete casos na região.
A gerente do restaurante Cristóvão, Michele Campos, não tem dúvidas de que usuários da droga é que entraram, várias vezes, no imóvel recentemente, resultando em um prejuízo de R$ 14 mil.
“Tenho certeza que foram as mesmas pessoas que atacaram, porque fizeram tudo igual”, conta Michele. Segundo ela, o restaurante agora tem câmeras, grades, alarmes e portas de ferro.
Depois de dois arrombamentos e cerca de R$ 2 mil de prejuízo, o sócio do Mercadinho Azevedo, Juan Azevedo, concluiu que os usuários de crack foram responsáveis pelos roubos.
“Eles também furtam pequenas quantias em dinheiro. O suficiente, porém, para comprarem pedras de crack”, comenta. O comando do 4º BPM (São Cristóvão) garante que reforçou as rondas ostensivas e o patrulhamento com motos na área.
Funcionários só andam em grupos
Uma empresa de gás veicular na Avenida Brasil, na altura do Parque União, recorreu até à instalação de cercas elétricas. Além das providências tomadas pelos donos de lojas contra ataques de viciados em crack, funcionários do comércio também mudaram seus hábitos para não virarem vítimas de usuários.
“Para ir para o ponto de ônibus depois do expediente, no início da noite, passamos a sair juntos. Andamos em grupos com empregados de outros estabelecimentos vizinhos”, conta Carla Evangelista, funcionária da Santos Turismo, na Avenida Brasil, a menos de 30 metros do ponto onde os viciados se reúnem todos os dias para consumir crack.
Marilinda Botelho, 26 anos, recepcionista de uma lanchonete, foi assaltada ao chegar ao trabalho na quarta-feira. “Um viciado, todo sujo, levou minha bolsa, que só tinha documentos”, diz. Especialistas estimam em 6 mil o número de usuários de crack que perambulam no Rio de Janeiro atualmente.
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O Dia 5.11.2012
Com medo da polícia, tráfico proíbe crack no Morro da Serrinha
Rio -  Preocupados com a migração de usuários de crack para o entorno do Morro da Serrinha, em Madureira, e a consequente presença policial, traficantes da região decidiram parar de vender a droga. Em algumas das entradas da favela da Zona Norte, os bandidos espalharam, com a ajuda de líderes religiosos, faixas comunicando a decisão com os dizeres: “A comunidade da Serrinha não vende nem apoia o uso do crack”.
Há meses, antes da ocupação policial, bandidos do Jacarezinho já haviam adotado a mesma estratégia. Após a ordem dos traficantes, os usuários que vivem na região passaram a se concentrar nos acessos à favela do Cajueiro, mais precisamente na Rua Leopoldino Oliveira.
 A faixa na subida do morro traz os dizeres: ‘A comunidade da Serrinha não vende nem apoia o uso do crack’ | Foto: Fernando Souza / Agência O Dia
Nos becos, é possível encontrar, à luz do dia, pessoas usando livremente a droga. Pela manhã, os viciados se concentram na Avenida Edgar Ramos, onde percorrem o comércio, cometem pequenos furtos, quebram estruturas de publicidade em busca de ferro e roubam fios de cobre da rede elétrica.
“Eles espalham lixo, colocam fogo em tudo, entram nos comércios e ainda fazem pontos de prostituição em imóveis abandonados que são invadidos. Estamos com medo de que aqui se torne o novo Jacarezinho”, disse um comerciante da via.
De acordo com investigadores da 29ª DP (Madureira), a determinação na Serrinha ocorreu em meados de junho, quando os antigos chefes, Jorge Porfírio de Sousa, o Dinho, 30, e seu irmão, conhecido como Skol, foram executados por integrantes da própria facção, o Terceiro Comando. Como os sucessores são contrários à aglomeração de viciados no entorno da favela por chamar a atenção da polícia, a ordem foi terminar o estoque e paralisar a venda.
‘Isso pode gerar uma guerra entre viciados’, diz ativista
Logo após o processo de ocupação e pacificação de Manguinhos e Jacarezinho, a ONG Rio de Paz, presidida pelo ativista dos direitos humanos Antônio Carlos Costa, alertou, por meio das redes sociais, sobre a migração de usuários para Madureira.
“Já tínhamos avisado, informalmente pela internet, que muitos usuários com os quais conversávamos diziam que iriam para a área do Cajueiro e da Serrinha. Isso pode gerar uma guerra entre viciados de áreas distintas, uma vez que a matéria-prima para conseguir dinheiro fica escassa”, diz Antônio Carlos Costa.
Crack representava 50% da receita
Em junho, traficantes das favelas do Jacarezinho e do Mandela já haviam proibido a venda de crack devido ao aumento no índice de roubos, furtos e brigas nas comunidades. Para comunicar a decisão aos viciados, cartazes com alertas foram fixados em postes e entradas.
Outros entorpecentes, no entanto, continuaram sendo vendidos sem qualquer tipo de problema pelos integrantes do Comando Vermelho (CV). Estimava-se, na ocasião, que pelo menos mil usuários frequentavam as favelas diariamente e que a droga representava 50% da receita do tráfico. 
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O Dia 31.10.2012
Como zumbis, viciados em crack tomam as ruas.
Sob efeito da droga, eles sentem pouco sono ou fome, perambulam entre carros e dedicam a vida ao consumo da droga. A cidade ainda não sabe o que fazer com eles
FRANCISCO EDSON ALVES
Rio -  Avenida Brigadeiro Trompowski, acesso à Ilha do Governador, às 15h de ontem. Consumindo crack sob sol de quase 40 graus, pelo menos 300 viciados protagonizavam cenas de horror na região, chocando moradores e quem transitava pela via. Transtornados com a ‘onda’ deixada pelas pedras da droga, homens e mulheres maltrapilhos, muitos deles adolescentes e até idosos, atravessavam a via entre os carros com risco de serem atropelados, ameaçavam motoristas e tentavam furtar objetos de quem se arriscava a pé pelo local. Muitos ‘tostavam’ na calçada e alguns pareciam fazer sexo debaixo de lençóis e cobertores.
“Como pode um cenário horripilante como esse na cara da polícia”, desabafou o motorista Jurandir Fraga, 46, ao parar num sinal de trânsito na Avenida Trompowski, em frente a uma sede do São Cristóvão, onde estava baseada uma patrulha do Batalhão de Policiamento de Vias Expressas (BPVE), a menos de 50 metros dos ‘zumbis’, como são chamados os viciados.
 Grupos de pessoas usam crack em plena luz do dia, no acesso à Ilha do Governador | Foto: Fernando Souza / Agência O Dia
            Após ocupação
Demonstrando suposta impotência diante do vizinho quadro de flagelo, policiais militares assistiam a tudo da viatura, no ar condicionado. Com o fim das maiores cracolândias do Rio, no Complexo de Manguinhos e na Favela do Jacarezinho, ocupados pela polícia desde o dia 14, dependentes do crack se espalham de forma rápida e devastadora pela cidade.
Especialistas calculam que mais de seis mil viciados estejam em cracolândias, por exemplo, nos acessos às favelas Parque União e Nova Holanda, no Complexo da Maré; nas linhas férreas e ruas de Madureira e Cascadura; na Favela do Arará, em Benfica, e Centro. A crescente presença dos ‘nóias’, como também são chamados, preocupa autoridades, moradores e o comércio desses locais.
Ontem também, o Ministério Público se manifestou contra a remoção compulsória (à revelia) de adultos para abrigos da prefeitura. O governo municipal, por sua vez, anunciou o nome da ONG Cieds como substituta da Casa Espírita Tesloo, para o tratamento de dependentes.
 Usuários de crack na saída da Ilha do Governador, em frente a comunidade Parque União | Foto: Fernando Souza / Agência O Dia
            Igreja recomenda ações de prevenção
O arcebispo do Rio, dom Orani João Tempesta, recomendou aos cerca de 600 padres das 264 paróquias do Rio que a Igreja Católica ‘vá ao encontro’ dos usuários de crack, reforçando suas ações de prevenção, acolhida e recuperação dos viciados. Em 18 de setembro, o assunto foi tratado na reunião do governo diocesano, com base em pesquisa encomendada pela Pastoral do Menor sobre o perfil de usuários de crack.
“A Jornada Mundial da Juventude (JMJ Rio 2013) vai atrair jornalistas do mundo inteiro. Se essa situação não mudar, o município ficará com a imagem arranhada para outros grandes eventos”, alerta o vigário episcopal para a Caridade Social, cônego Manuel Manangão.
Especialista em sociologia urbana da Uerj, Dário Sousa coordenou a pesquisa com 50 usuários de crack — 70% do sexo masculino — em cracolândias da Zona Norte. “O que nos impressionou é que a a maioria tem entre 22 e 24 anos e são pais, que estão fumando crack no lugar dos filhos, já dizimados pela droga”, comentou Dário.
Internação compulsória é ilegal, diz MP
As ações da Prefeitura do Rio no recolhimento de viciados em crack entraram na mira do Ministério Público. De acordo com o órgão, as medidas de remoção compulsória de adultos, que ganharam apoio do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, não têm qualquer fundamento legal.
Isso, ainda de acordo com o MP, foi reconhecido pelo município por intermédio do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado em 25 de maio deste ano.
Segundo o promotor Rogério Pacheco Alves, da 7ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania, o morador de rua só pode ser recolhido se for flagrado praticando algum crime ou em casos de alto risco para sua saúde.
Não há fundamento legal para o que acontece atualmente, com moradores de rua são levados para delegacias para verificação dos antecedentes criminais, ou seja, são sarqueados. As prisões são rejeitadas pela Constituição, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal”.
            Grávida não sabe quem é o pai do bebê
Magra, abatida e com uma barriga de oito meses de gravidez, C., de 40 anos, vive angustiada, perambulando há três anos pelas ruas do Centro. Ela conta que já enfrentou de tudo em cracolândias. “Fui até estuprada. Nem sei quem é o pai do meu filho”, diz.
Garantindo que agora tenta se livrar do vício do crack, ela evita andar com grupos de usuários. “Tenho medo de perder o quinto filho”, justifica. Explica que quatro foram mortos por ex-companheiros, que não queriam que ela engravidasse. “Matavam os bebês ainda na minha barriga”, revelou C., que disse ter ainda outros três filhos. “Estão por aí”, murmurou.
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30.07.2012 O Globo

Traficantes do Rio afirmam a site de rede de TV árabe que estão deixando de vender crack

Repórter da Al-Jazeera entrevista bandidos de favelas da Zona Norte

RIO - Uma reportagem do site da rede de TV árabe Al-Jazeera - publicada nesta segunda-feira - traz como personagens traficantes de duas favelas da Zona Norte do Rio. Os bandidos, identificados com os nomes fictícios "Rodrigo" e "João", das favelas Mandela e Antares, afirmam que estão deixando de vender crack nas comunidades. "Não vou mentir para você, a venda do crack dá muito lucro. Mas o crack também traz muita destruição para nossa comunidade, por isso não estamos mais vendendo. Os viciados roubam casas, se matam por nada dentro da favela. Nós queremos evitar isso tudo, por isso deixamos de vender", diz "Rodrigo" ao repórter Gabriel Elizondo.
A reportagem, que fala sobre o aumento do uso da droga no Brasil, chama atenção para o crescimento das cracolândias nas favelas do Rio e sobre o programa lançado recentemente pelo governo federal para tratar dos usuários.
De acordo com a Al-Jazeera, o comando do tráfico no Jacarezinho também já teria ordenado o fim da venda do crack no local, alvo constante de operações para recolher viciados.
Outro bandido entrevistado para a reportagem, identificado como "João", seria da Favela de Antares:
"Se nosso chefe mandar, a gente para de vender crack", disse.
A informação de que o tráfico não estaria mais vendendo crack no Jacarezinho foi adiantada pela coluna de Ancelmo Gois, em junho. No início de junho a Secretaria de Segurança informou que seu setor de Inteligência estava investigando o caso. Na mesma data, repórteres do jornal O GLOBO encontraram, na entrada da comunidade, uma faixa anunciando que a favela "havia se liberado” do crack. Naquela ocasião, policiais disseram que a venda de crack havia sido suspensa dentro da favela, mas que o restante do estoque estava sendo oferecido a usuários do lado de fora.
Em nota encaminhada no início da noite desta segunda-feira, a Secretaria de Segurança informou que "não confirma a informação sobre a desistência de traficantes de vender de crack em algumas comunidades do Rio". Ainda segundo a Secretaria de Segurança, "a área de inteligência da Seseg está acompanhando atentamente a movimentação do tráfico, mas ainda não identificou um movimento de interrupção da venda do crack".
Em maio, cerca de 150 agentes da Força Nacional de Segurança ocuparam o Morro Santo Amaro, no Catete, para a implantação do programa federal de combate ao crack. Eles vão ficar na favela até a chegada de uma UPP. Policiais civis e militares, além de agentes da Secretaria municipal de Assistência Social, também participaram da operação, na qual foram recolhidos 101 usuários de droga, sendo 12 adolescentes.
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G1 RJ 18/07/2012
Consumo de crack se espalha pelas ruas do RJ

Cerca de 3 mil usuários buscam a droga em 11 cracolândias da cidade. Polícia diz que proibição do uso nas favelas espalha o movimento nas ruas.
O consumo de crack está se espalhando pelas ruas do Rio. Principalmente, depois que traficantes começaram a proibir o consumo em algumas favelas da cidade para evitar a ação da polícia nas comunidades.
Às 8h30, muitos usuários de crack estão num sono pesado depois de passar horas consumindo drogas, na cracolândia do Jacarezinho, no Jacaré, no subúrbio do Rio, a maior da cidade. Eles dormem em qualquer canto: junto aos carros, no meio do lixo, amontoados, como mostra reportagem do RJTV.
Aos poucos eles acordam e dão início à mesma rotina do vício: usam um copo de plástico como cachimbo, e um isqueiro para queimar a pedra.
Os pontos de consumo se espalharam para além do Jacarezinho. Pessoas totalmente dependentes da droga foram flagradas em ruas de Bonsucesso, Higienópolis e Benfica, no subúrbio, onde fumam ao lado dos moradores.
Um levantamento feito pela Secretaria municipal de Assistência Social identificou cerca de três mil usuários de crack que ficam perambulando pelas ruas em busca da pedra mais barata. Ainda de acordo com o mapeamento, o Rio tem atualmente, pelo menos, 11 cracolândias em diferentes bairros da cidade.
Se antes a linha do trem, em Manguinhos, no subúrbio, por exemplo, era um local muito visado pelos usuários, agora, com as obras de suspensão dos trilhos, um antigo caminho do trem se transformou, ao lado da Rua Leopoldo Bulhões, se transformou em território de usuários da droga. Por causa da chuva nesta quarta-feira (18), muitos montaram barracas embaixo do viaduto.
Na rua, dois jovens, um deles de uniforme escolar, passam o copo plástico de um para o outro. Uma pesquisa feita pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) ouviu 61 adolescentes com idades entre 12 e 18 anos. Todos dependentes de drogas.
Os números relacionados ao crack espantam. Segundo a pesquisa, 66% eram usuários da pedra, 25% fumavam maconha e 5% eram dependentes de cocaína. Ainda de acordo com a pesquisa, para sustentar o vício do crack eles chegam a gastar R$ 740 por semana.
Eles muitas vezes assaltam motoristas e pedestres: 63% dos dependentes de crack assumem roubar a mão armada para conseguir dinheiro rápido. Nas redondezas de uma cracolândia, há sempre histórias de crimes praticados por dependentes de crack.
“Tentaram me pegar a carteira, eram garotos, não eram adultos não”, disse um homem que não quis se identificar.
Segundo a polícia, a expansão das cracolândias está ligada à restrição imposta por traficantes. De acordo com os agentes, muitos criminosos começaram a proibir o consumo nos arredores das favelas. Seria uma forma de evitar problemas com a polícia perto da comunidade.
A equipe do RJTV conversou com um PM que confirma a proibição em comunidades do Conjunto de Favelas da Maré e de outras regiões da cidade.
“Os próprios cracudos, vulgo cracudo, estavam usando o entorpecente lá dentro e roubando as próprias pessoas da favela. por isso foi proibido. Favela da Maré, Parque União, Manguinhos, Jacaré, todo local que tem crack, está havendo essa represália em relação a isso”, disse o PM.
Imagens mostram uma mulher aparentemente grávida, que saiu da Favela do Jacarezinho. E só começa a fumar a pedra quando já está distante da comunidade, junto com outras quatro pessoas. O consumo do crack cada vez mais se espalha pela cidade.
Proibição de consumo nas favelas
A delegada Valéria Aragão, da Delegacia de Combate às Drogas (Dcod), diz que ainda está observando se os usuários foram proibidos por traficantes de consumir crack nas comunidades,.
“Não podemos esperar que o tráfico cumpra com a sua palavra. Eles não estão fazendo isso por uma preocupação moral e com a saúde dos usuários, mas sim por uma visão empresarial do seu lucro. Eles estão vendo se vale a pena correr o risco de operações policiais que são atraídas para as comunidades”, disse a delegada que compara a lucratividade do crack com a venda de maconha e cocaína.
Segundo a delegada, o usuário do crack – diferentemente de usuário de outras drogas, que faz o uso controlado de substâncias – é compulsivo. Eles chegam a fumar 30 pedras por dia. Ela diz que o número de usuários de crack está crescendo e, embora eles tenham uma sobrevida curta, a substituição dos dependentes é rápida.
Valéria Aragão diz que a polícia vem fazendo ações de inteligência no combate ao crack, que às vezes não têm resultados rápidos, mas que são mais eficazes. Na semana passada foram feitas três operações, nas favelas do Jacarezinho, Manguinhos e Mandela, com prisão de seis traficantes e apreensão de cinco mil pedras de crack.
“Temos informações de que ao menos a maior facção criminosa do Rio está se mobilizando para interromper a venda do crack, após o término de seus estoques, justamente para evitar as ações policiais tão constantes. Eles querem evitar essa visibilidade toda que o usuário do crack traz, que consome a pedra ostensivamente, escancaradamente, atacando populares”, destacou a delegada.
Daphne Braga, da Secretaria municipal de Assistência Social (SMAS) destaca que crianças e adultos são acolhidos compulsoriamente e levados para abrigos, quando encontrados em situação de rua. Ela diz que vai ampliar o atendimento aos usuários, com o apoio da polícia.
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notícias São Paulo

Jornal da Record 30.10.2012
Moradores da região da “feira das drogas” dizem ter medo de sair de casa

Venda e consumo de drogas ocorre livremente na rua dos Gusmões

Há seis meses, com a migração da cracolândia, outra rua da região central ficou tomada pela venda e consumo de drogas. Moradores da rua dos Gusmões, local onde ocorre a “feira das drogas”, contam que são ameaçados na porta de casa por traficantes e usuários de drogas.

— Você não tem liberdade pra sair, pra pedir uma pizza. Outro dia eu pedi uma pizza e eles agrediram o entregador, roubaram todas as pizzas.

Os prédios aqui na região da cracolândia antigos, do século passado. Os apartamentos são amplos e quem vive aqui não se arrisca a sair à noite. Muitos moradores já abandonaram à região.

Além disso, os imóveis na região ficaram desvalorizados. Um deles, por exemplo, está pra alugar há mais de seis meses. O apartamento chegou a valer quase R$ 300 mil. Hoje, não dá pra vender nem por R$ 70 mil, já que a varanda fica de frente para a “feira das drogas”.

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O Vale 09/08/2012
Cracolândia: usuários migram para região nobre de São José
Para driblar fiscalização da polícia e da prefeitura, usuários de crack deixam o centro e invadem imóveis fechados em vias como 9 de Julho e Paulo Becker; comerciantes e moradores relatam medo dia e noite
Xandu Alves
O crack invade a região nobre de São José dos Campos. Misturados a moradores de rua, usuários de crack estão migrando do centro para a região da avenida 9 de Julho, uma das mais valorizadas da cidade.
De acordo com relatos de comerciantes e moradores, eles dormem debaixo de marquises de lojas ou ocupam imóveis fechados. Conseguem dinheiro vigiando carros e pedindo esmola. Fuçam no lixo de restaurantes e lanchonetes atrás de comida. O consumo de droga começa por volta das 19h e entra pela madrugada.
O VALE circulou duas noites pela região e flagrou moradores de rua e usuários de droga ocupando a varanda de um restaurante fechado na rua Paulo Becker, perto da praça Romão Gomes, a 100 metros da 9 de Julho.
Visivelmente alterado, um homem que se identificou como Jeferson e dizia ter 18 anos, mas aparentava ser mais velho, dormia no local. Ele disse que escolheu o lugar “por não ser incomodado para ficar chapado”.
Na calçada da 9 de Julho, O VALE flagrou três homens saindo de uma construção. Um deles carregava um cobertor nas costas. Eles não quiseram conversar e se dispersaram rapidamente por ruas próximas à avenida.
Um outro homem, de 27 anos, que não quis dizer o nome, admitiu que é usuário de crack e que prefere as ruas mais calmas e próximas da 9 de Julho para “ficar maluco”. “Aqui não está marcado pela polícia”, disse ele.
Ameaça. 
Segundo o proprietário de um comércio na avenida, clientes já reclamaram da ação de flanelinhas que, com ameaças, exigem o pagamento de dinheiro. “Boa parte deles parece estar sob efeito de drogas”, disse ele, que pediu para não ser identificado.
A estudante Adélia Antunes, 22 anos, contou que vem percebendo um aumento gradual de viciados no entorno de 9 de Julho.
Para ela, eles encontram ali dinheiro e lugar para dormir, sem ser incomodados. “É a facilidade que está trazendo eles para cá.”
O principal ponto de venda e consumo de drogas no centro continua sendo no entorno da rua Major Antônio Domingues. Porém, usuários contaram que a mudança para lugares mais nobres serve para “fugir da polícia”.
Rua se transforma em ‘território ocupado’
A rua Major Antônio Domingues continua sendo a principal ‘cracolândia’ da região central de São José. 
É possível flagrar usuários a qualquer hora do dia ocupando um imóvel fechado, mas é a partir das 19h que o movimento de viciados, prostitutas e moradores de rua aumenta.
Na noite de ontem, O VALE flagrou duas usuárias de crack brigando na calçada. 
Uma delas esmurrou a outra na cabeça e a jogou no chão. A Polícia Militar foi acionada e abordou a agressora cerca de 15 minutos depois de a briga ter acabado.
Para comerciantes, os usuários de droga fizeram da rua um território ocupado. 
“Eles (usuários) chegam mesmo a defender quem trabalha por aqui de outros criminosos. É como se fosse uma disputa por território”, disse uma empresária, que pediu para não ser identificada.
Nas ruas. 
O VALE conversou com um travesti de 28 anos que faz ‘ponto’ na rua Major Antônio Domingues. Com medo de ser identificado pelos colegas, ele pediu para não ter o nome revelado. 
“Uso drogas e vivo na rua há quatro anos. Eu até aceitaria o tratamento, mas não quero ser internado. Aqui na rua tem que ficar esperto.”
PM reforça fiscalização; prefeitura notifica imóvel
A Polícia Militar informou que faz rotineiramente a abordagem de usuários de drogas na região central de São José, mas que só são presos aqueles que trazem uma quantidade de drogas que os enquadrem como traficantes, e não apenas usuários.
Ontem, dois homens foram detidos por tráfico na região central. Um deles portava cinco invólucros de crack.
Segundo o capitão Sadi Stamborowski, que comanda o policiamento na região central, a Polícia Militar reforçou a consulta criminal de usuários no centro e tem tirado adolescentes com drogas das ruas. Mas ele pede mais empenho da prefeitura. “Cabe ao poder público municipal a atenção à dependência bem como o tratamento médico.”
A Secretaria de Desenvolvimento Social informou que a abordagem é exclusiva para moradores de rua e que não pode entrar em imóveis particulares, ainda que fechados, para abordar usuários.
A Secretaria de Defesa do Cidadão disse que reforçou neste ano a operação com assistentes sociais e a Guarda Civil Municipal para abordar usuários de drogas nas ruas, orientando a aceitarem o tratamento oferecido pela Secretaria de Saúde, que conta com vagas para internação.
De 600 abordagens feitas em 2012, 105 usuários concordaram com o tratamento e 34 foram detidos por suspeita de tráfico.
A secretaria informou ainda que uma equipe do Departamento de Fiscalização e Posturas notificou ontem os responsáveis pelos imóveis fechados das ruas Paulo Becker e Major Antônio Domingues, que estão sendo ocupados por usuários de drogas, para que providenciem o fechamento do acesso. O prazo para vedação do imóvel é de 15 dias.
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notícias Gerais
05/09/2012 rev Época
Brasil é o maior mercado consumidor de crack do mundo, diz estudo
Cerca 6 milhões de brasileiros já experimentaram cocaína alguma vez na vida. País é o segundo maior mercado da droga no mundo
Os “noias”, como são conhecidos os usuários de crack, numa rua do bairro dos Campos Elíseos, na região central de São Paulo (Foto: Fabio Braga/Folhapress)
O Brasil é o maior mercado mundial do crack e o segundo maior de cocaína, conforme pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisa de Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas (Inpad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Os dados do estudo - que ouviu 4,6 mil pessoas com mais de 14 anos em 149 municípios do país – foram apresentados nesta quarta-feira (5) na capital paulista.
Os resultados do Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad) apontam ainda que o Brasil representa 20% do consumo mundial do crack. A cocaína fumada (crack e oxi) já foi usada pelo menos uma vez por 2,6 milhões de brasileiros, representando 1,4% dos adultos. Os adolescentes que já experimentaram esse tipo da droga foram 150 mil, o equivalente a 1%. Considerando o número absoluto de consumidores de cocaína, o Brasil só perde para os Estados Unidos no mundo. 
De acordo com o relatório, cerca de 4% da população adulta brasileira, 6 milhões de pessoas, já experimentaram cocaína alguma vez na vida. Entre os adolescentes, jovens de 14 a 18 anos, 44 mil admitiram já ter usado a droga, o equivalente a 3% desse público. Em 2011, 2,6 milhões de adultos e 244 mil adolescentes usaram cocaína.
O levantamento do Inpad revelou também que a cocaína usada via intranasal (cheirada) é a mais comum. Aproximadamente 5,6 milhões de pessoas já a experimentaram na vida e, somente no último ano, 2,3 milhões fizeram uso. Entre os adolescentes, o uso é menor, 316 mil experimentaram durante a vida e 226 mil usaram no último ano.
A pesquisa também comparou o consumo de cocaína nas regiões brasileiras em 2011. No Sudeste está concentrado o maior número de usuários, 46% deles. No Nordeste estão 27%, no Norte 10%, Centro-Oeste 10% e Sul 7%. Relatórios com resultado e metodologia estão na página do Inpad na internet.
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JORNAL EXTRA 02/02/2012
Verba contra o crack some das prefeituras em Alagoas
União investe R$ 333 mil em 16 cidades com alto consumo da droga, mas prestação de contas do dinheiro é um mistério.
A promessa do Governo Federal de combater o avanço do tráfico de drogas em Alagoas e tornar o Estado mais violento do Brasil referência nacional em ações do Ministério da Justiça esbarra em um problema, criado pelas prefeituras alagoanas. Das 102 cidades de Alagoas, 16 enfrentam “risco alto” de proliferação do crack. E praticamente todas receberam, ao todo, R$ 333 mil reais da União para ações de enfrentamento a droga. Mas, onde está o dinheiro? E porque o problema persiste?
Não é muito dinheiro. Mas, a cidade de Arapiraca recebeu R$ 160 mil no ano passado para ações de enfrentamento ao crack e outras drogas. É um dinheiro depositado na conta do Fundo Municipal da Saúde e deveria ajudar, por exemplo, a melhorar o atendimento aos drogaditos.
Mesmo assim, Arapiraca e mais 15 cidades aparecem em relatório da Confederação Nacional dos Municípios (CNM)- divulgado em novembro do ano passado- com índice alto no consumo do crack. Isso significa que o dinheiro poderia ajudar a diminuir o problema.
Não é bem assim. Em 2010, Arapiraca recebeu R$ 80,6 mil - ou seja, em um ano, a capital do agreste recebeu o dobro de verba federal no enfrentamento ao crack
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A Cidade do Rio de Janeiro terá uma DELEGADA coordenando a implantação do Programa "Crack, é possível vencer."
O que você acha disso?
Publicada no jornal O Globo, coluna do Anselmo, de 10.01.2012
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Blog do Planalto 7.12.2011
Governo vai investir R$ 4 bilhões em ações contra o crack e outras drogas
Governo lança conjunto de ações para enfrentar o crack. 
Investimento soma R$ 4 bilhões. 
Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

O governo federal lançou um conjunto de ações para enfrentar o crack e outras drogas.
Com investimento de R$ 4 bilhões, as medidas pretendem aumentar a oferta de tratamento de saúde aos usuários de drogas, enfrentar o tráfico e as organizações criminosas, e ampliar ações de prevenção.
Com o mote Crack, é possível vencer, as ações estão estruturadas em três eixos: cuidado, autoridade e prevenção.
Cuidado -- O Eixo Cuidado prevê a ampliação e qualificação da rede de atenção à saúde voltada aos usuários.
Serão criadas enfermarias especializadas nos hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) para atendimentos e internações de curta duração durante crises de abstinência e em casos de intoxicações graves.
Até 2014, o Ministério da Saúde vai repassar recursos para que estados e municípios criem 2.462 leitos nessas enfermarias especializadas. Para isso, o valor da diária de internação crescerá 250% -- de R$ 57 para até R$ 200. Ao todo, serão investidos R$ 670,6 milhões.
Outra ação prevista no Eixo Cuidado é a criação de 308 consultórios de rua para atendimento nos locais onde há maior incidência de consumo de crack. As equipes serão compostas por médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem. A ação, que terá recursos de R$ 152,4 milhões, atenderá municípios com mais de 100 mil habitantes. Os recursos já estão disponíveis e aguardam apenas a adesão dos municípios.
Já os Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas (CAPSad) passarão a funcionar 24 horas por dia, 7 dias por semana. Até 2014, serão 175 unidades em todo o país. Cada centro oferecerá tratamento continuado para até 400 pessoas por mês.
O atendimento será reforçado também pela criação de Unidades de Acolhimento, que cuidarão, em regime residencial por até seis meses, para manutenção da estabilidade clínica e o controle da abstinência. Para o público adulto, serão criados 408 estabelecimentos, com investimentos de R$ 265,7 milhões até 2014. Já para o acolhimento infanto-juvenil, serão 166 pontos exclusivos para o público de 10 a 18 anos de idade, com investimento de R$ 128,8 milhões.
Autoridade -- As ações policiais de repressão ao tráfico de drogas serão realizadas nas fronteiras e nas áreas de uso de drogas. Serão intensificadas as ações de inteligência e de investigação para identificar e prender os traficantes, bem como desarticular organizações criminosas que atuam no tráfico. O contingente das Polícias Federal e Rodoviária Federal será reforçado com contratação de mais de dois mil novos policiais.
Está prevista também a implementação de policiamento ostensivo e de proximidade nas áreas de concentração de uso de drogas, onde serão instaladas câmeras de vídeo monitoramento fixo. A expectativa é que a utilização de câmeras contribua para inibir a prática de crimes, principalmente o tráfico de drogas.
O governo federal também encaminhará ao Congresso Nacional projeto de lei que altera o Código de Processo Penal e a Lei de Drogas para acelerar a destruição de entorpecentes apreendidos pela polícia e agilizar o leilão de bens utilizados para o tráfico. Também será enviada proposta que institui o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e sobre Drogas.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, explicou que o governo federal não dispõe de informações precisas sobre a violência no país. Os dados mais recentes sobre criminalidade, segundo ele, são de 2008.
“Não posso traçar políticas consistentes com três anos de atraso. É chegada a hora de termos um sistema nacional que tenha essas informações, que faça essas estatísticas. Não é simples fazer isso, porque os dados são coletados pelos estados com padrões metodológicos diversos. Essa lei pretende unificar essas informações.”
Dentro do Eixo Autoridade, também foi anunciado o apoio aos projetos de lei, em tramitação na Câmara dos Deputados, que tipifica o crime de participação em organização criminosa e que agiliza o processo de extradição. O governo também formalizou o apoio ao projeto de lei já aprovado pela Câmara e em tramitação no Senado, que acaba com a lista de específica de crimes antecedentes para se caracterizar a prática de lavagem de dinheiro.
Prevenção – O Programa de Prevenção do Uso de Drogas na Escola prevê a capacitação de 210 mil educadores e 3,3 mil policiais militares para prevenção do uso de drogas em 42 mil escolas públicas. Estima-se que serão beneficiados 2,8 milhões de alunos por ano.
Já o Programa de Prevenção na Comunidade pretende capacitar 170 mil líderes comunitários até 2014.
Está prevista ainda a realização de campanhas para informar, orientar e prevenir a população sobre o uso do crack e de outras drogas.
O serviço de atendimento telefônico gratuito de orientação e informação sobre drogas Viva Voz passará para o número 132, para facilitar o acesso ao cidadão.
Além disso, o Portal Enfrentando o Crack reúne as informações sobre o tema e está disponível em http://www.brasil.gov.br/enfrentandoocrack.


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Carta Capital 06.09.2011
Não foi tão diferente assim
O principal jornal de Los Angeles, que viveu o surto de crack nos anos 90, criticou a política de internação compulsória no Rio
Eduardo Graça
Há um natural fascínio da sociedade americana pela explosão do consumo do crack no Brasil, onde o número de usuários beira os 600 mil, segundo estimativas do governo federal. A epidemia do fim dos anos 80 deixou cicatrizes nos Estados Unidos e não é mero acaso a sequência de reportagens sobre a multiplicação de cracolândias em publicações como o Los Angeles Times e o Miami Herald. 
A partir de 1984, juntamente com o aumento do consumo da droga, houve um crescimento sensível de crimes violentos especialmente em grandes centros urbanos como Nova York, Los Angeles, Washington, Filadélfia, Baltimore, São Francisco, Boston e Seattle. A experiência gera na mídia ianque certa preocupação: até que ponto a exportação do fenômeno à maior economia latino-americana, três décadas depois, pode aumentar os riscos de segurança para turistas interessados em conferir a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016?
Os pontos de conexão entre o problema do uso de crack no Brasil e a epidemia americana do fim dos anos 80 não são desprezíveis. 
A crescente apreensão da droga em território nacional é considerada uma conexão direta entre as duas epidemias. Os números impressionam: pela primeira vez na história o Brasil ultrapassou os EUA. Só na cidade de São Paulo aumentou, entre 2006 e 2009, de 595 para 1.635 quilos por ano. No Rio de Janeiro, no mesmo período, as apreensões quintuplicaram, de 546 para 2.597. “Exatamente como nos Estados Unidos, a partir do segundo governo Reagan, as autoridades brasileiras vêm anunciando um aumento até cinco vezes maior na apreensão de crack”, aponta o sociólogo Jeffrey A. Butts, diretor do Centro de Pesquisas do Colégio John Jay de Justiça Criminal, parte da Universidade da Cidade de Nova York, respeitada instituição na área do estudo de políticas públicas dos EUA.
Para o antropólogo Osvaldo Fernandez, professor-visitante, até o ano passado da Escola de Saúde Pública da Universidade de Colúmbia, em Nova York, o aumento expressivo do uso de crack no Brasil está diretamente relacionado a uma geração que, em resposta ao HIV, trocou produtos à base de coca injetados na veia para o cheirado (cocaína) e o fumado (crack). Como esse último é mais barato, o mercado popularizou-se e atingiu as camadas mais miseráveis da sociedade brasileira. “O crack passou a ser usado como um estimulante que retira a sensação de fome de amplos segmentos do proletariado dos grandes centros urbanos”, explica o hoje professor da Universidade do Estado da Bahia, autor da tese de doutorado Coca Light? Usos do Corpo, Rituais de Consumo e Carreiras de Usuários de Cocaína em São Paulo.
O estigma social do crack também é destacado por Jeffrey Butts, que critica o que classifica ser uma tendência da mídia brasileira de transformar a droga na vilã da história. O mesmo erro, segundo o sociólogo, foi cometido pelos EUA: “Ainda tratamos o problema sob o ponto de vista criminal. Começamos agora a abordar o tema de uma maneira mais, digamos assim, europeia, como caso de Saúde Pública. Mas em momentos de pânico, como no dos surtos epidêmicos, continuamos caindo na tentação de enfrentá-lo do ponto de vista criminal, o que só piora o cenário”.
Internação compulsória
Tanto Butts quanto Fernandez refutam a ideia de tratamento forçado de consumidores de crack implantada no município do Rio de Janeiro desde maio. “Há uma valorização exagerada do fetichismo do produto e um desaparecimento do sujeito, ao excluí-lo do controle de seus desejos, suas práticas, sua autonomia frente ao crack, na linha do que Marx definiu como reificação”, ressalta Fernandez.
Para Butts, que viveu a transformação de Nova York na virada dos anos 90, o programa carioca tem um forte teor de limpeza das ruas: “Quando violência e consumo de drogas se unem, a opinião pública tende a esquecer os direitos dos indivíduos e as liberdades civis e se volta para a polícia e o governo. Adoraria que pudéssemos lidar com os problemas relacionados ao consumo de drogas como fazemos com as bebidas alcoólicas, que, aliás, são muito mais prejudiciais para o organismo do que o crack e a cocaína”, provoca.
No entanto, a realidade dos que vivem nas ruas é terrível. Uma pesquisa da USP revelou que um terço dos consumidores de crack morre por conta da violência em um período de cinco anos. Números que, segundo Butts, devem ser olhados com cuidado. “Não foi o uso das drogas que causou a morte dessas pessoas, mas a legislação voltada para o seu consumo. É uma diferença importante. Se eles pudessem entrar em um centro de distribuição mantido pelo governo, por exemplo, para receber doses não letais, não estariam expostos à violência. As leis antidrogas matam mais que as drogas”, ataca Butts, autor de dois livros sobre o tema e que iniciou a carreira como conselheiro especial em casos relacionados ao consumo de álcool e drogas por jovens no estado do Oregon.
O sociólogo norte-americano também enfatiza o fato de o crack e a cocaína serem drogas ruins, no sentido de que o efeito de euforia gerado pelo consumo dos produtos passar muito rapidamente. “Nos dois casos, o usuário precisa consumir mais e mais. Cocainômanos usam a droga em seus apartamentos, pobres fumam crack nas ruas.” Segundo Butts, a política de criminalização e tratamento forçado, do ponto de vista sociológico e farmacológico, vai na direção errada e afeta desproporcionalmente os usuários mais pobres. Hoje, estima-se que uma pedra de crack seja comprada por algo como 5 reais nas ruas das principais cidades do Brasil. Isso aumenta o número de transações comerciais de um produto ilegal. “Quanto mais transações, mais risco para a violência e possessão de armas”, pontua.
Tais questões relacionadas hoje ao consumo de crack no Brasil não são tão diferentes das enfrentadas pelos EUA. Mas o caminho para o fim da epidemia americana, lembram os especialistas, deu-se tanto pelo aumento de fiscalização nas fronteiras do país – a ONU estima a redução, desde 2006, em até 80% na entrada do produto em solo americano – quanto por uma campanha de conscientização da sociedade civil. “Houve uma geração que viveu na pele a epidemia e eles mudaram suas atitudes diante do crack. Por outro lado, investiu-se pesado, por aqui, em algo similar ao que se fez com relação ao vírus HIV: celebridades informando os riscos gerados pelo comportamento de quem consome drogas como o crack. A publicidade negativa do uso das drogas teve sua importância nessa redução do consumo, muito mais do que a ameaça de pessoas com prisão e/ou tratamentos forçados”, afirma Jeffrey Butts.
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R7 03/03/2012
Dois meses após início da operação Centro Legal, PM tira usuários de crack só de “área nobre” da Luz
R7 flagrou consumo da droga em oito pontos; um deles é vizinho à polícia
Viciados consomem crack em plena luz do dia, na rua Apa, na região central de São Paulo
Fernando Gazzaneo, Eduardo Enomoto
Se a operação Centro Legal fosse rebatizada, ela poderia facilmente ser chamada de Nova Luz Legal. A ação da Polícia Militar de São Paulo para retirar usuários de crack e traficantes do centro da cidade, dois meses após ser iniciada, diminuiu significativamente o movimento de viciados em parte da área conhecida como Cracolândia. O "sumiço" dos usuários ocorreu onde está o foco de investimentos privados do projeto municipal conhecido como Nova Luz. Mas no “lado B” da região, entre a avenida Rio Branco e a alameda Barão de Limeira, onde devem permanecer os pequenos comerciantes do centro, a situação é outra.  
O R7 visitou a área na última quarta-feira (29), entre a tarde e a noite. Do lado da estação da Luz, a reportagem constatou que o movimento é quase pacato na rua Helvetia – dois meses antes, a via era o epicentro da ação da Polícia Militar para a retirada dos usuários de crack.
No trecho, um dos imóveis ocupados por viciados e traficantes foi demolido e será ocupado por um centro de assistência social, a ser inaugurado ainda este mês. A sensação de tranquilidade, conta um PM que pediu para não ser identificado, está instalada nas redondezas. “Mas o problema só mudou de lugar”, relata o próprio soldado. 
"Cracolândia está sempre por aí"
- Por aqui, não tem mais craqueiro. Mas a situação mudou de lugar. Depois de a PM vir e ocupar esse lugar, eles [os usuários de crack e traficantes] migraram para os antigos pontos. As praças da Sé e da República, a rua Apa. Não tem jeito, a Cracolândia está sempre por aí. 
Ação da PM não acaba com crack e cria novos pontos de consumo
Para o PM, o olhar dos investidores e da especulação imobiliária na região foi um dos motivos para a Polícia Militar encabeçar a ação no perímetro da Cracolândia. Ele cita o Sesc Bom Retiro, bancado pela Federação do Comércio, e o patrocínio para a Sala São Paulo e a Pinacoteca, feito pelo Banco Itaú, ao dizer que os interesses privados na região forçaram a administração municipal a tomar uma atitude drástica e urgente para acabar com o problema. “Pelo menos por ali”, ressalta. 
O R7 visitou de carro pontos de concentração de usuários de crack indicados pelo policial militar. Enquanto as lojas da Santa Ifigênia ainda estavam com as portas abertas, era difícil ver viciados nas ruas. Mas, bastou anoitecer e o comércio encerrar o expediente para que uma concentração de drogados se formasse nas calçadas de ruas como a dos Gusmões, Aurora e General Osório, entre a Barão de Limeira e a avenida Rio Branco. 
O “lado B” da Nova Luz tem movimento igual àquele observado anteriormente do outro lado da avenida. Uma aglomeração inquieta de homens, mulheres e adolescentes se concentra debaixo das marquises dos comércios. Sentados no chão, eles consomem o crack tranquilamente. A venda das pedras da droga também é facilmente avistada. 
No momento em que a reportagem passou na rua Guaianases, entre a ruas Aurora e Vitória, policiais militares abordavam dois jovens. Outros três PMs abordados pela reportagem na esquina das ruas General Osório e a Guaianases, por volta das 19h40, disseram que não iriam abordar usuários e traficantes que estavam na rua ao lado (Gusmões) porque estavam ali de passagem,  não eram responsáveis pela área. 
Crack à luz do dia 
Já na rua Apa, é durante a tarde que dezenas de usuários de droga e moradores de rua se aglomeram para consumir o crack. A via é curta e tem pouco movimento de carros; o muro da Funarte, entidade vinculada ao Ministério da Cultura, se estende por quase todo o quarteirão e favorece a concentração de drogados. O ponto onde há o maior número de viciados fica a cinco quadras do batalhão da Polícia Militar, na avenida Rio Branco. 
A moradora Iraci Rosa Jesus consegue ver da janela de casa a concentração dos viciados. Segundo ela, o movimento já existe há pelo menos dois anos, mas se intensificou depois que a PM resolveu expulsar os drogados da Cracolândia. Moradora dos Campos Elíseos há 28 anos, ela conta que o bairro tem sido deixado por antigos moradores. 
- Eu tenho uma colega na rua Apa que está procurando outro lugar pra morar. Não dá pra viver assim, sentindo medo de entrar em casa. Por aqui, roubo de celular e bicicleta é muito comum. Esses dias eu passei pela rua [Apa] e vi um drogado com um aparelho [celular] na mão dizendo que ia fumar crack o dia inteiro. Às vezes, a PM passa aqui, assusta os viciados, mas depois eles voltam. 
A reportagem também flagrou cerca de dez pessoas consumindo drogas no canteiro lateral do viaduto do Glicério, na altura da rua Conselheiro Furtado. Sentados sobre a barra de proteção, eles consumiam e vendiam pedras de crack.
Para o engenheiro Eugênio Luccioli, a concentração de drogados na área é sinônimo de perigo, principalmente em horário de rush.
- Muitos deles resolvem assaltar os motoristas ali mesmo, no congestionamento, para comprar drogas. 
Na rua Barão de Ijuí, entre o viaduto Pedroso e rua Condessa de São Joaquim, e no viaduto Jaceguaí, também havia pessoas que consumiam crack. A falta de iluminação favorecia a concentração dos viciados. 
 Balanço
O último balanço da Polícia Militar referente à Operação Centro Legal mostra que 23 mil abordagens foram feitas nesses dois meses de trabalhos na região. Elas resultaram na prisão de 250 pessoas. Outros 243 adolescentes foram detidos. A PM diz também ter recolhido mais de 4 kg de crack e cerca de 60 kg de cocaína e maconha. A CGM (Guarda Civil Metropolitana) também esteve envolvida na operação e, ainda segundo a Polícia Militar, deteve mais 43 pessoas e encaminhou outras 65 para tratamentos de saúde. 
Desde o início, a ação na Cracolândia é duramente criticada por organizações civis de direitos humanos, principalmente por causa da força policial empregada para retirar os viciados da região. Em nota, a Defensoria Pública afirmou que encaminhou as denúncias de abuso aos órgãos responsáveis (como Secretaria de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania e Corregedoria da Polícia Militar) “e irá aguardar os desdobramentos das apurações”.
Outro lado
O coronel Álvaro Camilo afirmou estar muito satisfeito com a operação Centro Legal, principalmente por cumprir o primeiro objetivo da ação, que era resgatar e encaminhar usuários de crack para atendimento de saúde. Durante os dois meses, 290 pessoas foram levadas para tratamento médico. O trabalho da corporação, ainda segundo o comandante da PM, também cumpriu o objetivo de permitir que órgãos de assistência social trabalhassem na região e de devolver o espaço público à população. 
Camilo, no entanto, admitiu que a Polícia Militar já esperava a migração dos usuários de crack para outros pontos da cidade e, por isso, destinou cerca de 70 PMs para fazer o policiamento no entorno da Cracolândia. 
- Não é uma operação fácil. Sabíamos que haveria migração para o entorno. Hoje não há aquela situação com centenas de pessoas aglomeradas. Você até vê pontos com meia dúzia de usuários [...]. Mas nós estamos trabalhando e protegendo a cidade de São Paulo do crack. 
O comandante disse ainda que tomou conhecimento da concentração de viciados na rua dos Guaianases, como apontou a reportagem, no dia 27 e já determinou que uma viatura estivesse no local durante todas as noites, a partir das 17h. Sobre o ponto na rua Apa, Camilo relatou que só ficou sabendo nesta sexta-feira o que acontecia no local e também já tomou providências. Os outros pontos citados nesta matéria também serão visitados pela PM, garantiu o comandante. 
Sobre a postura dos PMs que disseram não poder prender usuários traficantes por não atuarem na área, Camilo ressaltou que irá orientar novamente os policiais que trabalham na Cracolândia. O mesmo vai acontecer com os soldados que alegaram que o papel deles era impedir que os viciados se espalhassem para outras regiões. 
- Esses policiais que não estão bem orientados ou podem estar acomodados. O papel deles é prender quem está consumindo ou traficando. [...] o comprometimento da PM é apurar qualquer denúncia feita pela população por meio do 191 ou 181.
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Jornalismo em Quadrinhos
Crack: caso de polícia ou saúde pública
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Revista Brasil  29.02.2012
Crack, epidemia da desinformação
Por que certas estatísticas exageram a incidência da droga, enquanto minimizam as do álcool. Quais as alternativas ao inferno das “comunidades terapêuticas”
Joana Moncal, Júlio Delmanto e Spensy Pimentel
Foto: Danilo Ramos
Estudantes, representantes de movimentos sociais, agentes pastorais e intelectuais comeram embalados por samba e forró ao vivo. Nos bares, dançava-se Racionais MCs. Os discursos eram raros e curtos, nada de comício. O churrasco daquele sábado, 14 de janeiro, apenas marcava a solidaridade à bola da vez na repressão policial em São Paulo, os usuários de drogas da área conhecida como “Cracolândia” – alvo de desastrosa operação da polícia paulista, a Ação Integrada Centro Legal, ou Operação Sufoco. A noite chegava, as pessoas se dispersavam e os usuários de crack e outros moradores de rua não usuários, também alvos da ação policial, se despediam.
“Agora, vocês vão embora, a madrugada chega, e o jogo começa outra vez”, dizia um deles. “A gente sabe que em mais umas semanas isso termina. Eles já conseguiram o que queriam, saiu na televisão.” A resignação com o absurdo da situação é mais um sintoma da falência do modelo de repressão às drogas. Como já deve ter percebido qualquer pessoa que tem na família ou entre os amigos algum caso de uso problemático dessas substâncias, violência é o que menos resolve. “A operação é voltada para o cuidado com o lugar, e não com as pessoas em estado de vulnerabilidade”, define Daniela Albuquerque, da Defensoria Pública de São Paulo, atuante no caso das operações policiais na Cracolândia.
“Esse interesse em uma ‘solução’ chega movido por politicagem na época da eleição, e nunca por motivos de ordem técnica, humanitária”, critica o psiquiatra Raul Gorayeb, 62 anos. Com mais de três décadas de experiên­cia profissional em saúde mental, Gorayeb assessorou Secretarias de Saúde em níveis municipal e estadual.
Hoje, coordena o Centro de Referência da Infância e da Adolescência, no Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo. “Está todo mundo interessado em tirar dividendos políticos. Virou moda, a mídia ajuda. Um pouco antes do crack, era a questão de tirar as crianças de rua das ruas. Mais atrás, era a Febem. Sempre se trata de promover algum barulho”, completa.
Números?
Não dá para tirar a razão do psiquiatra e dos usuários ouvidos quando se analisa o que, de fato, justificaria o crack ter se tornado assunto da vez. A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), do Ministério da Justiça, não dispõe de números atualizados para mapear a dimensão real de sua expansão no país. A pesquisa mais recente disponível sobre o tema é o Relatório Brasileiro sobre Drogas de 2009, organizado pela Senad, mas os dados sobre o crack são de 2005. Atualmente, o governo corre contra o tempo para aprimorar seu diagnóstico.  Um olhar um pouco mais criterioso sobre o que há disponível tem algo de estranho.
Por exemplo, a Confederação Nacional dos Municípios divulgou, em 2011, uma pesquisa segundo a qual 98% das cidades analisadas dizem enfrentar problemas com o crack. O estudo foi baseado em questionários enviados às prefeituras, com perguntas como: “Seu município enfrenta problemas relacionados ao consumo de drogas? Caso sim, qual: crack ou outras drogas?” Certamente o método influencia o resultado, considerando-se que a CNM é uma associação que realiza a intermediação entre governo federal e prefeituras, sempre em busca de verbas.
O que os números mais confiáveis mostram é que o álcool – droga lícita – continua sendo o que mais problemas causa: foi responsável, em 2007, por 83% das mortes (6.500) e por 69% das internações (95 mil) decorrentes de transtornos mentais e comportamentais pelo uso de drogas. No mesmo período, a incidência do crack sobre esses índices, de tão pequena, não mereceu menção na pesquisa da Senad.
“O crack não é a substância psicoativa que mais deveria ser tema de debate no Brasil, e sim o álcool. Mas, como está muito relacionado a um contexto de pobreza extrema, marginalização e ocupação de espaço público, a própria existência do seu consumidor é menos suportável”, afirma o antropólogo Maurício Fiore, integrante do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Neip), formado por pesquisadores da área de ciências humanas.
É certo que têm aparecido dados sobre seu uso em lugares onde a opinião pública nem imagina (leia reportagem à página 22), mas, por enquanto, é preciso precaução. “O consumo de crack se disseminou pelo país e, ao que parece, teve um aumento razoável nos últimos anos. Mas não se trata de epidemia, e sim do fato de seu consumidor, por uma série de fatores, incomodar mais os olhos”, diz Freire.
O plano
Com pressões de todos os lados, o governo anunciou em dezembro o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas, com previsão de investimentos de R$ 4 bilhões. São recursos para a prevenção ao uso, tratamento e reinserção social de usuários e enfrentamento do tráfico de crack e outras drogas ilícitas. O ponto mais polêmico diz respeito à destinação de recursos para criação de leitos nas chamadas “comunidades terapêuticas” – centros de internação para tratamento de dependentes.
Para o Conselho Federal de Psicologia (CFP), esse é um fator de alerta. “O plano se mostrou pouco inovador e, com a inclusão das comunidades terapêuticas como dispositivos do Sistema Único de Saúde, levanta-se a preocupação de que isso possa se constituir no retorno da lógica manicomial, que segrega e isola o indivíduo das suas relações sociais, familiares e do seu território cultural”, aponta o órgão, em nota divulgada recentemente.
“Muitos jovens que atendi foram moradores de comunidades terapêuticas por um tempo. As atrocidades que me contaram a que eram submetidos lá dentro são de arrepiar”, conta o psiquiatra Gorayeb. Relatório do CFP revela uma série de violações aos direitos humanos em clínicas de tratamento de usuários em todo o país. Movimentos ligados ao debate sobre a descriminalização das drogas também têm se juntado a uma campanha contra o repasse de verbas públicas para essas clínicas, frequentemente ligadas a grupos religiosos e políticos, e de resultados duvidosos.
São questionadas ainda outras ações tomadas em nome do combate ao crack. Em especial, a já mencionada Operação Sufoco em São Paulo, cuja premissa expressa pelo coordenador de Políticas sobre Drogas do governo paulista, Luiz Alberto Chaves de Oliveira, era levar “dor e sofri­mento” aos dependentes para que busquem tratamento.
E a internação compulsória de crianças e adolescentes em situação de rua com alto grau de dependência química, em vigor no Rio de Janeiro.
“Internações forçadas só se justificam pontualmente, por um breve período e quando há risco de morte, por exemplo”, diz a defensora Daniela Albuquerque. “Experiências na área da saúde demonstram que a internação contra a vontade do paciente tende a ser ineficaz. A adesão ao tratamento é elemento fundamental.”
Que fazer?
O fato é que o país tem poucas respostas. Embora seja reconhecida como droga violenta e destrutiva, o crack não é um beco sem saída. Vários casos evidenciam que é possível recuperar-se. Mas não há passe de mágica. “O problema das drogas não é médico na sua origem, é social”, afirma Gorayeb. O bombardeio na mídia é tão forte que, muitas vezes, parece não haver alternativa às internações, o que não é verdade. Há anos, o Sistema Único de Saúde desenvolve tratamentos baseados em atenção multidisciplinar por meio dos Centros de Atendimento Psicossocial para Álcool e Drogas (Caps-AD), com apoio de hospitais para internação em casos de crise, e estruturas da assistência social.
O problema é o déficit crônico de recursos no SUS, além do fato de que os princípios que devem guiar esse atendimento nem sempre são seguidos. “Governos tomaram os Caps para si e impuseram um funcionamento que distorceu seus princípios, que são ótimos”, diz Gorayeb – que já atuou na implementação de Caps desde sua criação.
Em 2006, no início do governo Gilberto Kassab, as ingerências políticas, segundo ele, levaram a seu afastamento da direção de um Caps Infantil no centro de São Paulo. Ele se negou a seguir a ordem da prefeitura de encaminhar as crianças de rua para internação em hospital psiquiátrico. “Estava perto das eleições e havia uma campanha de que deixariam a cidade limpa, uma clara política de higienização. Durante o tempo em que estive lá não internamos nenhuma criança trazida da rua porque não tinham indicação clínica técnica. Fui afastado do cargo.”
Enquanto o setor público sofre com problemas políticos e falta de recursos, as pessoas se viram como podem. O recifense Saint Claer Angeiras, de 27 anos, está sem usar droga há quatro. Apesar de trabalhar e estudar dentro da linha conhecida como redução de danos – que não prima pela abstinência e busca minimizar os efeitos do uso de drogas pelo diálogo com os usuários –, ele diz ter se recuperado da dependência por iniciativa própria.
“Passei meses internado, estive preso, me tratei em clínicas e em Caps, passei por todo tipo de estratégia de recuperação e nenhuma funcionou. Coloquei na balança e pesei dois cenários de como minha vida estaria depois de cinco anos: com ou sem drogas”, relata Saint Claer, acrescentando que qualquer que seja o tipo de tratamento oferecido só funcionará com disposição por parte do dependente.
Desde a morte da mãe, quando tinha 8 anos, Saint Claer viveu na rua e só conseguiu deixar o uso abusivo de crack quando optou por se tratar com afinco. Sofreu bastante por meses, mas superou essa fase, com ajuda dos profissionais de um Caps em Recife, onde inclusive passou a trabalhar. A oportunidade de emprego foi parte fundamental da recuperação, propiciando-lhe nova rotina e outras motivações. Ele integra hoje uma equipe de pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz e faz faculdade de Serviço Social.
Em São Paulo, o Centro de Convivência É de Lei é referência nacional na atuação com usuários de drogas na região central. De acordo com a psicóloga Camila Alencar, a principal característica do trabalho da organização é a busca de vínculos com o usuá­rio. “Construímos junto com ele alternativas a um possível uso abusivo. Na maioria dos casos a ideia não é só cuidar do uso em si, mas dos muitos aspectos que o permeiam. Se você consegue ressignificar esses aspectos, o uso acaba naturalmente se modificando”, aponta Camila.
Por não lidar com as drogas de forma repressiva, a redução de danos costuma ser vista como estratégia complacente, ou até estimulante ao consumo. “Pensar a redução de danos como estímulo a drogas é o mesmo que dizer que a camisinha é um estímulo ao sexo”, refuta a psicóloga. “Não podemos esquecer que é o consumidor o principal atingido por seu uso.”
Livre e espontânea pressão
Assim como Saint Claer, o psicólogo Maurício Cotrim já teve experiências difíceis com a dependência de crack e, uma vez superada, passou a trabalhar no atendimento a pacientes com o mesmo problema. Com pai alcoólatra e mãe “passiva”, Cotrim passou a consumir crack com frequência aos 15 anos, chegando a se sentir “como um rato, praticamente desistindo de viver”. Largou o vício de forma aparentemente pouco usual: após um princípio de overdose, procurou a polícia, que o encaminhou a uma assistente social. Esta, por sua vez, propôs um tratamento em regime de internação, e ele aderiu.
Cotrim rechaça o estereótipo que relaciona o consumo de crack à miséria. “Em consultório ou nas clínicas em que atuo atendo pacientes das mais variadas classes sociais, níveis culturais e tipos de dependência: de um morador de rua ou ex-presidiário ao intelectual com ensino superior ou grande empresário, advogado etc.”
Ele não se alinha ao campo conhecido como redução de danos e diverge de sua repulsa às internações, vistas como necessárias apenas em casos extremos de risco de suicídio ou à saúde de terceiros. “Entendo as questões ligadas à luta antimanicomial, e gostaria muito que na realidade nenhum paciente necessi­tasse de internação, que todos se tratassem ambulatorialmente, nos grupos de NA e AA, nos consultórios particulares, mas na prática o buraco é bem mais embaixo”, acredita o psicólogo.
Tomando sua própria experiência, e a de seus pacientes, como exemplo, ele questiona a distinção normalmente feita em relação às internações: “Falar em paciente voluntário ou involuntário é muito subjetivo, pois quase nenhum dependente químico ou alcoolista chega a um tratamento, mesmo que por suas próprias pernas, porque quer. Chega ‘por livre e espontânea pressão’, como costumo dizer”.
Mesmo quem trabalha em clínicas particulares, como ele, concorda que, ao contrário do que apregoa o senso comum, a internação pura e simples não é o melhor caminho para tratar o problema. “Cada caso é um, porque cada indivíduo é único. Mas, exceto naqueles que representam um risco extremo para o dependente ou para quem convive com ele, a internação é a última opção.”
Cotrim lamenta, porém, o fato de muitas vezes ser procurado por pacientes que buscam mas não encontram tratamento no sistema público. “A demora em receber alguém para uma simples triagem é absurda”, reclama.
A caminho da saída
A conversa final no churrasco do dia 14, na “Cracolândia” paulistana, é com Lúcio Mauro Pereira Mendez, 37, que conta já ter estado “limpo” do crack por 15 anos. Durante esse período, casou duas vezes e teve três filhos. Aos 34, sofreu uma recaída e, a partir de então, vive em um albergue da prefeitura na região da Luz. Há menos de um mês está em abstinência, na luta para parar. “A filosofia de ‘só por um dia’ funciona”, conta ele, que há duas semanas não recorre ao acompanhamento que vinha tendo na “Cristolândia”, misto de igreja e centro comunitário.
A experiência de Mauro na busca por uma saída é vasta. Ele já frequentou centros do SUS e pelo menos duas clínicas particulares. Ao lembrar de como parou de usar crack da primeira vez, afirma: “A melhor clínica é a mente. Consegui parar por vontade própria, mas com muita ajuda da minha companheira na época”. Sobre a internação compulsória, diz que é o mesmo que ir para a cadeia. “Só traz revolta para o dependente. O que a gente precisa é de afeto, é de alguém que te dê a mão e diga: ‘Por aqui é mais seguro’.”
Mauro já esteve em contato com o trabalho do É de Lei. “Eles dão suporte, apoio moral, passam coisas boas. Você não se sente inferior, mas como alguém da sociedade. O usuário incomoda a sociedade. Há furtos, deselegância na rua, agressão… É difícil conviver com ele, eu sei. Mas somos humanos. Não posso ser hipócrita, fazemos parte da sociedade, mas estamos embaixo dela.” Ele diz que não vê o filho mais novo há dois anos, talvez por um pouco de orgulho próprio. “Não quero que ele me veja assim. É triste não poder andar onde você gosta por ter vergonha de si mesmo.”
Atualmente, Mauro vive um novo relacionamento, acaba de conseguir um emprego e está esperançoso. “Nós precisamos procurar ficar bem, ter um pouco de orgulho próprio. É o que quero para mim e para todos, não é fácil olhar e não ser visto.”
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iG São Paulo 27/02/2012

O crack avança nos canteiros e corrói empregos e sonhos dos operários do PAC

Em Jaci Paraná (RO), a 20km das mais modernas hidrelétricas, estima-se que 10% dos “barrageiros” estão sendo consumidos pelo vício

Yan Boechat (reportagem e fotos)

Adolescente viciado em crack aguarda para ser atendido por psiquiatra em posto de saúde de Jaci Paraná, localidade mais próxima do canteiro de obras da Usina de Jirau
A notícia começou a circular ainda com ares de boato no início tarde do dia 28 de dezembro. Foi ganhando força ao entardecer e quando a noite caiu sobre o lamacento povoado de Jaci Paraná, a 100 quilômetros ao Sul de Porto Velho (RO), tornou-se uma verdade assustadora mesmo para uma região tão acostumada à violência. Uma família inteira de cinco pessoas, entre elas uma mulher grávida de quatro meses e uma menina de apenas cinco anos, havia sido brutalmente assassinada. Não era um crime comum. Mãe e filha haviam sido violentadas e torturadas antes de morrer. Os homens - o pai e dois de seus primos - tiveram os braços e as pernas quebrados para que coubessem com mais facilidade nas covas rasas. Todos foram degolados.
Naqueles dias tensos às vésperas da virada do ano, os moradores de Jaci Paraná se deram conta de que a relação que o povoado tinha com o tráfico e o consumo de drogas havia mudado de patamar. Desde o início das obras da Usina Hidrelétrica de Jirau o consumo de crack vem crescendo de forma constante nesse distrito de Porto Velho com cara de cidade. Jaci Paraná nasceu há exatos 100 anos por conta da faraônica construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Distante apenas 20 quilômetros do principal canteiro de obras da usina hidrelétrica, a cidade é uma espécie de parque de diversões dos quase 20 mil trabalhadores que estão construindo as mais modernas usinas hidrelétricas do Brasil. Em seu núcleo central, composto por três ruas de 700 metros de comprimento cortadas por seis perpendiculares, contam-se exatos 62 prostíbulos, 18 salões de beleza e cinco igrejas.
Rua principal do distrito de Jaci Paraná, o parque de diversões dos operários de Jirau
Foi no ano passado que o frágil equilíbrio que rege um universo calcado em sexo, álcool e drogas começou a sair de órbita. Pequenas cracolândias bem ao estilo paulistano começaram a aparecer. Logo cenas de craqueiros sujos, quase zumbis, catando latas pelas ruelas barrentas ou vivendo nas ruínas da ferrovia foram sendo incorporadas ao cotidiano de Jaci. “O consumo de crack começou a crescer muito, muito mesmo, tanto entre os funcionários da hidrelétrica quanto entre os moradores de Jaci”, diz Ademir Ferreira, diretor do Centro de Atenção Psicossocial em Álcool e Drogas (Caps-AD) de Porto Velho. “De cada 10 pacientes que temos, oito são dependentes de crack e essa proporção tende a aumentar”, afirma ele, que desde abril passou a levar a equipe da Caps para visitas bimestrais ao distrito.
A chacina de Jaci, como ficou conhecida a matança do final de ano, apenas cristalizou uma certeza: o crack havia saído de controle no entorno de uma das maiores obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal, orçada hoje em R$ 15 bilhões. Em Jaci todos sabiam que família assassinada era chefiada por um traficante que havia se instalado na região havia pouco tempo. Antes mesmo de a polícia finalizar as investigações e concluir que o autor do crime era um soldado da Polícia Militar local ligado a outros traficantes, não havia quem duvidasse de que as mortes eram fruto da disputa por um mercado formado por um exército de homens que foram buscar emprego e melhoria de vida em canteiros de obras na amazonia.
 Sexo e Crack
R.F. não tem idade para trabalhar em Jirau. Fez 14 anos há pouco e não fosse a voz que insiste em dançar descontrolada entre os graves e agudos, poderia se passar até por um pré-adolescente. O corpo esquálido, sempre enfiado em calças justíssimas, reforça a impressão de que é quase uma criança. Ele não brinca muito e de estudar desistiu quando começou a voltar para casa com os primeiros raios de sol. “Passo a noite toda fumando, fumo uma pedra e quero mais, mais e mais”, diz ele, que experimentou o crack pela primeira vez há três anos. “Ai só paro de manhã, quando o pessoal volta pra usina e vou dormir”.
 É em meio às árvores que circundam os restos dos trilhos da Estrada de Ferro Madeira Mamoré que R.F. se prostitui
Para conseguir dinheiro para comprar as pedras de crack, vendidas a R$ 10 em Jaci Paraná, R.F. se prostitui. Seus clientes, quase sempre, são os operários das empresas que estão construindo a Usina de Jirau. “Faço programas com gente de tudo quanto é empresa”, conta, com a naturalidade de quem vive em um lugar conhecido como o maior bordel ao ar livre da Amazônia. O adolescente cobra R$ 20 o programa e o faz entre as frondosas árvores amazônicas que cobrem os últimos trilhos que restaram da Madeira-Mamoré, numa região conhecida como Trilhal, um dos pontos de encontro dos usuários de crack de Jaci Paraná. Ele frequenta o Trilhal muitas vezes na companhia de duas tias, também viciadas e que também se prostituem para conseguir dinheiro para comprar a droga.
R.F. faz parte de um novo tipo de usuário de crack em Jaci Paraná. Até pouco tempo, o consumo estava restrito basicamente aos funcionários das usinas, prostitutas que migraram para lá no início das obras e moradores ribeirinhos que foram remanejados de áreas rurais para o núcleo urbano por conta dos alagamentos inerentes à construção das barragens. Agora, no entanto, o crack vem se alastrando pela população juvenil rapidamente. “Para não exagerar, ao menos 10% dos adolescentes entre 12 e 18 anos de Jaci Paraná já são dependentes químicos da pedra”, diz Hélia de Jesus Bernardes, conselheira tutelar da Infância e da Juventude local. “Essa é uma conta conservadora, a coisa simplesmente saiu de controle e está crescendo”, diz ela, pouco depois de levar, ao posto de saúde, um adolescente que diz querer largar o vício.
 Sorte de mãe
Essa é a conta também de um executivo de uma das empresas que constroem a usina e que conhece o canteiro de Jirau de perto. Pelas suas estimativas, ao menos 10% dos homens que estão construindo a usina hidrelétrica que terá capacidade de abastecer mais de 10 milhões de casas são dependentes ou usuários de crack. “É impressionante”, afirma o engenheiro, que prefere não ter o nome e o cargo revelados.
 Boa parte dos trabalhadores que foram trabalhar em Jirau veio do Maranhão e do Pará
“É muita gente da usina, gente demais que vem fumar pedra aqui. Tem dia que recebo tantos convites que nem sei pra onde ir”, diz Oseas Salgueiro, o Sassá, viciado em crack de Jaci que funciona como uma espécie de intermediário entre os homens que estão alojados nos canteiros de obras e os traficantes locais.
Sassá tem 22 anos, mas aparenta muito mais. Sua pele é manchada por pequenas marcas negras, que parecem cicatrizes criadas por espinhas que infeccionaram e demoraram muito tempo para secar. Seu cabelo tem falhas e os quatro dentes incisivos centrais da arcada superior já se foram. Preso duas vezes por porte e tráfico de drogas, Sassá é um homem bem humorado que, como quase todos os viciados em crack, vive exclusivamente para a droga. “Na minha casa, dos 12 irmãos, só três estão na pedra. Minha mãe tem sorte”, diz ele, rindo.
Para conseguir dinheiro para comprar a droga faz o que chama de “correria”, principalmente para os funcionários mais graduados da usina. “Encarregados sempre me procuram, às vezes, até engenheiros. Passam o dia fumando aqui no Trilhal e ainda levam pro canteiro”, afirma. “Teve uma vez que fiquei mais de dois meses, fumando sem parar, sem ir em casa, com um cara da usina que recebeu a rescisão por ter sido demitido”, conta, rindo e lembrando que sua mãe mora a menos de um quilômetro dessa cracolândia amazônica.
Sanções trabalhistas
Na Camargo Corrêa, funcionário encontrado com crack é demitido. “Sempre tem gente sendo pega lá, semana passada mesmo eu flagrei um com um cachimbo do lado do alojamento”, afirma um guarda patrimonial que trabalha dentro do canteiro de obras de Jirau e faz bico de segurança em Jaci Paraná. “Não tem conversa, está com crack a gente já leva pro departamento de demissão e chamamos a polícia”. Procurada pela reportagem, a Camargo Corrêa enviou uma nota informando que “todo profissional, ao ser contratado, passa por uma sensibilização em relação a dependência química e é alertado que, de acordo com as normas da empresa, o porte de drogas não é permitido de forma alguma no ambiente de trabalho, sendo considerado infração grave sujeita a sanções trabalhistas e penais.”
 Oscar veio do Amazonas em busca de emprego em Jaci, mas encontrou o crack e não vê os três filhos há dois anos
O problema é que muitos dos migrantes que foram tentar a sorte no canteiro de obras perdem o emprego, mas não largam o vício. “Muitos desses trabalhadores demitidos já estão dependentes e nem conseguem voltar para casa, ficam por aqui mesmo e acabam com o dinheiro da rescisão em dias, só consumindo crack”, diz Alda Lopes, diretora do Centro de Referência em Assistência Social de Jaci Paraná. “Antes ainda tinham algum tipo de respeito, mas agora, que vivem por aí, fumam em qualquer lugar, não se preocupam mais, já perderam tudo mesmo.”
Essa é a história dos irmãos José Aparecido, de 30 anos e de José Paulo, de 31 anos. Naturais de Catanduva (SP), os dois foram trabalhar como armadores na construção da Usina de Jirau há dois anos. Em pouco tempo passaram a usar crack. Primeiro nos finais de semana, em Jaci Paraná. Depois nos canteiros de obras. Flagrados fumando, foram demitidos. Com o dinheiro da rescisão esbaldaram-se por uma semana, até que tudo se foi. Hoje, vivem com cerca de outros 15 usuários de crack sob as arquibancadas de madeira do único campo de futebol de Jaci Paraná. “É nossa pequena cracolândia, já foi muito maior, mas a polícia deu bafão aqui depois da matança, bateu na gente, e aí um povo foi morar lá para o Trilhal”, afirma José Aparecido.
 Baiano, assim como diversos moradores da chamada "cracolândia da arquibancada", chegou a Jaci para trabalhar em Jirau e acabou perdendo o emprego por conta do vício
As arquibancadas eram a principal cracolândia de Jaci Paraná até o início do ano. Mas com a repercussão da chacina, cometida por um soldado do próprio batalhão que faz a segurança do distrito, a polícia decidiu por reduzir o movimento. “Em época de pagamento das empresas isso aqui parecia dia de jogo de futebol, lotava essa arquibancada”, conta Oscar, um amazonense que chegou a Jaci há dois anos para trabalhar em uma madeireira e, como os irmãos paulistas, também perdeu o emprego após viciar-se em crack. “Comecei nos fins de semana, nas folgas, e logo parei de trabalhar”, diz ele, que deixou mulher e três filhos na periferia de Manaus. “Mas agora só sobramos nós, o resto se embrenhou no meio do mato”, diz Alberto Vargas, o Baiano, outro viciado em crack, outro ex-funcionário de Jirau e agora mais um morador da cracolândia da arquibancada.
Barro molhado
Jaci Paraná é um lugar simples. Nessa época em que chove quase todos os dias na Floresta Amazônica, uma lama vermelha toma conta de tudo: das ruas, dos carros, das casas, das roupas. De longe, o tom ocre do barro molhado contrasta com o azul escuro das nuvens sempre carregadas e com o verde das matas que ainda restam nessa região marcada pelo encontro dos rios Jaci e Madeira. Desde que a Usina de Jirau começou a ser construída, houve uma explosão demográfica nesse antigo ponto de parada da Madeira-Mamoré.
 Jaci Paraná é um amontoado de ruas esburacadas e cobertas pelo barro vermelho dessa região de Rondônia
Aos 4 mil habitantes que viviam ali da pesca e da agricultura de subsistência, em quatro anos somaram-se outros 16 mil que vieram tentar a sorte na esteira da grande obra. Como quase sempre acontece, Jaci não foi preparada para a invasão de prostitutas, cafetões, operários, comerciantes e toda sorte de aventureiros que sempre surgem em situações como essas. “Não houve nenhuma preparação e toda a sociedade ficou desestruturada. Prometeram muito, mas pouco fizeram. Continuamos sem saneamento básico, sem uma estrutura de saúde”, diz Maria da Silva Pereira, agente de Saúde da Família e professora do ensino básico de Jaci Paraná, que vive ali há quase duas décadas.
Hoje, Jaci é um amontoado de ruas esburacadas e lamacentas, com pouquíssimos equipamentos públicos. Tem um posto de saúde que faz as vezes de pronto socorro, duas escolas públicas e um centro administrativo. No mais, não há sequer um representante direto dos governos federal ou estadual. “Aqui nós não temos condições de atender o viciado”, afirma Adriana Soares da Silva, diretora do posto de saúde da família de Jaci Paraná, única unidade de saúde num raio de quase 100 quilômetros. “O que fazemos é dar o tratamento básico quando alguém está tendo uma overdose ou quando se envolve em uma confusão”, diz. “A demanda cresceu demais desde a chegada das usinas, não conseguimos nem atender toda a população de forma eficaz”.
As barragens construídas pelas duas usinas do Madeira estão mudando a região
Quando foram assinados os contratos dos consórcios que venceram as licitações para construir as usinas do Complexo do Madeira – Jirau e Santo Antônio, essa distante apenas 20 quilômetros de Porto Velho – ficou acertado que cerca de R$ 400 milhões seriam investidos em compensações sociais na região. Em Jaci, a Energia Sustentável do Brasil, consórcio responsável pela construção de Jirau, ampliou o posto de saúde, fez obras de reformas na escola municipal e construiu o centro administrativo da comunidade, além de ceder uma área onde a polícia militar está instalada.
Mas boa parte do investimento foi destinado a uma cidade modelo construída a apenas 10 quilômetros do canteiro de obras. Para lá foram levados parte dos moradores da localidade de Mutum-Paraná, que será totalmente alagada quando a usina estiver pronta. Nessa cidade cuidadosamente planejada e curiosamente sem árvores, estão instalados também os engenheiros mais graduados da Camargo Corrêa e da Energia Sustentável do Brasil (ESBR). Apesar da proximidade com o canteiro de obras, não há prostíbulos nem cracolândias em Nova Mutum Paraná.
Pedido de ajuda
A Energia Sustentável do Brasil é um consórcio liderado pela empresa francesa Suez. São ainda sócias no empreendimento a Eletrosul, a Chesf e a própria Camargo Corrêa. Boa parte dos R$ 15 bilhões que estão sendo gastos na construção da usina – a qual o consórcio terá o direito de explorar por 35 anos, vem de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES. O Banco já autorizou o empréstimo de R$ 7,5 bilhões – o maior de sua história. A ESBR pleiteia um crédito adicional de R$ 2,5 bilhões para ampliar a capacidade de geração de Jirau. A Energia Sustentável do Brasil recusou-se a dar declarações sobre essa reportagem ao iG. Por meio de sua assessoria de imprensa, informou que problemas com drogas dentro do canteiro de obras são de responsabilidade da Camargo Corrêa. Fora dele, da prefeitura de Porto Velho.
Trabalhador de Jirau diverte-se com prostituta em um dos mais de 60 bordéis de Jaci Paraná
A única ação da prefeitura de Porto Velho para conter, ou ao menos amenizar, o avanço do crack na região de Jirau é o envio bimestral da equipe do Caps-AD. Por apenas dois dias a cada dois meses, Ademir segue com um psiquiatra, uma psicóloga, uma assistente social e um assistente administrativo para Jaci Paraná. Instalam-se no posto de saúde e ali aguardam a chegada de viciados que estejam dispostos a buscar tratamento. É um trabalho reativo que, reconhecem os próprios profissionais, tem poucos efeitos práticos. “Estamos só raspando a pontinha do iceberg, há um número imenso de dependentes dentro das usinas com os quais não temos contatos, além daqueles que já estão em estado de total dependência aqui em Jaci e que não querem ajuda”, diz Bernardo Melo, o psiquiatra do Caps.
Ana Lúcia Rueda quer ajuda. Morando há três anos em Jaci Paraná, há poucos meses ela entrou em uma espiral de decadência que a fez perder a filha, de pouco menos de dois anos, e a dignidade. “Tive que entregar minha menina pra minha mãe, senão o conselho ia levar, e agora ela não me deixa mais ver a menina”, diz ela, que chega a fazer programas por até R$ 10 para conseguir comprar crack. Com 24 anos, Ana Lúcia foi para Jaci para ser uma das centenas de prostitutas que tem nos trabalhadores da usina uma clientela regular. Experimentou o crack com um barrageiro, como são conhecidos por lá os operários. Em pouco tempo estava fumando todo fim de semana, depois todas as noites e, por fim, o tempo todo. Foi expulsa do prostíbulo no qual trabalhava e hoje vive sob as arquibancadas do campo de futebol. “Quero parar porque quero ver minha filha, mas sozinha não consigo”, diz Ana. Ela nunca procurou o apoio, nem recebeu a visita, de um profissional do Caps.
O pedido de ajuda de Ana Lúcia é o mesmo do de Hélia Bernardes, a conselheira Tutelar da Infância e da Juventude de Jaci Paraná. “Sozinhos nós não conseguiremos fazer nada, precisamos de ajuda do poder público”, diz ela. “Não temos nada aqui e sem apoio a coisa só vai piorar”.
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JN 24/02/2012
Consumo de crack já tem registros em 90% das cidades brasileiras
O problema de saúde que surgiu nos maiores centros urbanos passou a ser desafio para as autoridades de todo o país. A droga causa destruição mesmo nas regiões mais pobres e afastadas.
Um problema de saúde que surgiu nos maiores centros urbanos brasileiros passou a ser um desafio para as autoridades de todo o país. Segundo a Confederação Nacional dos Municípios, o consumo de crack já tem registros em nove de cada dez cidades. É uma situação que os repórteres Ismar Madeira e Saulo Luiz comprovaram no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais.
O sertão mineiro, no Vale do Jequitinhonha, é uma região pobre, de um povo simples. Na pequena Araçuaí, Seu Ailton sempre trabalhou duro para ganhar a vida com dignidade, e agora vê o filho de 16 anos seguir outro caminho. “Esse aí entrou lá no meu serviço, no meu comércio, pegou mercadoria minha, mas muita e muita e muita. Quando eu descobri, foi tarde”, ele conta.
Em casa, já não tem mais o que roubar. Ficaram só alguns móveis. No quarto, o material usado para consumir crack. “Enquanto tem, eu fumo”, confessa o jovem.
O problema na família é em dobro. O filho mais novo também se viciou em crack, aos 11 anos de idade. “Essa droga chegou de repente. Ela veio para destruir a gente, mas para acabar com a vida da gente”, lamenta Ailton.
A poucos quilômetros de Araçuaí, em Itaobim, é principalmente à noite que o tráfico toma conta das ruas, em várias bocas de fumo.
Em todo o Vale do Jequitinhonha, o consumo do crack chegou acompanhado do aumento da violência. No município de Itaobim, o volume de apreensões da droga cresceu 73% nos últimos dois anos. E jovens têm perdido a vida, envolvidos com o tráfico. Kaíque foi assassinado aos 15 anos de idade. E o irmão dele, Johni, foi morto aos 17 anos.
A avó diz que os adolescentes deviam dinheiro aos traficantes. “Eles vieram aqui na porta, ameaçaram eles. Falaram com eles assim: ‘Se vocês não voltarem para vir pagando de novo, nós vamos te matar, nós vamos matar vocês, todos os dois’”, ela lembra.
Os roubos se tornaram frequentes. “Principalmente em Araçuaí e na região, esses pequenos furtos realmente estão aumentando para a manutenção do vício”, avalia o tenente Gilamárcio da Rocha, da Polícia Militar de MG.
Outro jovem traz no corpo as cicatrizes do tráfico. “Já levei tijolada, tiro, já levei tapa na cara, porrada”, ele revela.
A mãe passou a usar um método radical para impedir que ele saia de casa para usar crack. “Está sempre aí na cama. Acho que já tem mais de um ano que uso essa corrente e este cadeado. Resolve porque aí ele não vai para a rua”, ela diz.
“Toda noite ela me prende na cama. É bom, para eu não ir para a rua usar droga”, diz o rapaz.
No Vale do Jequitinhonha, não existe nenhum programa de atendimento aos dependentes de drogas.
“O problema chegou ao interior. O tratamento desse problema ainda não veio”, explica Leda Marques Borges, secretária de Desenvolvimento Social de Araçuaí.
“Não há como tratar o usuário do crack em algumas instâncias, se não houver uma internação para desintoxicação. E essa internação, muitas vezes, tem que ser forçada. Senão fizermos isso, o problema vai continuar se avolumando no Brasil. Há indícios de que ele já está presente em mais de 90% dos municípios brasileiros, é um fenômeno de norte a sul, de leste a oeste. Não há mais dúvida: vivemos uma grave epidemia de uso de crack no Brasil”, alerta o sociólogo Luiz Flávio Sapori.
Mas há exemplos de que é possível superar o problema. Há dez anos, Abrão visita as famílias de dependentes químicos em Itaobim. Passou a buscar ajuda para quem pedia. Foi assim que Douglas largou o vício. Pediu socorro depois de levar um tiro na perna.
“Ajuda. Primeiramente Deus, segundo, as pessoas que me ajudaram”, ele diz sobre o que considera que foi fundamental para a recuperação.
O PM formado em enfermagem, com pós-graduação em dependência química, vem improvisando no socorro às vítimas do crack. Conseguiu o apoio de empresários, de clínicas ligadas a igrejas e da Secretaria Municipal de Saúde. Douglas está há quatro meses sem usar droga, depois de quase 15 anos de dependência.
“O vício da droga é experimentá-la. Eu, graças a Deus, tive tempo ainda. Mas tem vários que não tem tempo mais”, alerta Douglas.
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Estadão 29.01.2012
Europa busca saídas contra o crack
Londres, Amsterdã, Zurique e Madri estão entre as cidades mais afetadas pelo consumo da droga, que avança em subúrbios e guetos
Jamil Chade
Salas para relaxar, equipamento esterilizados de inalação de drogas e até a distribuição de um "kit crack". Essa é a abordagem que autoridades passaram a ter com dependentes do subproduto da cocaína na Europa, que, nos últimos anos, avançou de forma inquietante nos subúrbios e guetos mais marginalizados das grandes metrópoles.
Londres, Amsterdã, Zurique e Madri estão entre as cidades mais afetadas pelo fenômeno, que, segundo os especialistas, é recente na Europa e vem ganhando dimensões preocupantes diante da crise que não cede.
Por anos, a questão era considerada um problema que se limitava aos Estados Unidos e a países latino-americanos. Ainda hoje, a União Europeia (UE) estima que o crack é "muito raro entre os usuários de cocaína socialmente integrados".
O problema é que, com o reconhecimento da existência da pobreza nas periferias das grandes cidades européias e da taxa recorde de desemprego, revelou-se também a existência do crack, penetrando de forma importante entre a parcela da população mais pobre e entre desempregados, sem-teto e grupos étnicos minoritários. Nesses guetos, muitas vezes a poucos quilômetros de centros sofisticados das finanças internacionais, o crack é uma realidade européia.
Bruxelas admite ainda ter poucos dados sobre quantos são os usuários. Mas já chama a atenção para bolsões onde a incidência é alta.
Em seu mais recente relatório sobre a situação das drogas na Europa, publicado em novembro, a UE alerta que, em Londres, "o uso do crack é considerado como um componente maior do problema das drogas nas cidades".
A estimativa de 2010 era de que a Inglaterra contava com 189 mil usuários de crack - quase 6 casos a cada mil habitantes. Para as autoridades, esses números levaram vários governos a estabelecer programas para tratar esses dependentes.
Em praticamente todos eles, a estratégia em relação aos consumidores não é a intervenção policial, mas a oferta de tratamentos de saúde.
Iscas. Na Alemanha, cidades como Hamburgo e Frankfurt criaram "salas de inalação" para os consumidores, na esperança de reduzir os riscos associados ao vício e, pouco a pouco, substituir a droga. Inaladores desinfetados passaram a ser oferecidos pelas autoridades, enquanto o viciado se compromete a passar por um tratamento de saúde oferecido pelas prefeituras.
Segundo um funcionário de uma dessas salas em Frankfurt, esses locais foram criados como uma espécie de "isca" para que as autoridades possam atrair os viciados e, a partir do contato e da confiança, estabelecer programas para desintoxicação.
"A orientação é a de nunca chegar e exigir que o viciado passe por um tratamento. Isso raramente funciona", conta o funcionário, que pediu para manter o anonimato.
Desafio. A União Européia, em seu relatório de novembro, não esconde que o usuário de crack representa um "desafio" para os serviços de saúde. Esses viciados são os mais marginalizados na sociedade e com história com drogas de maior duração.
"Aos que chegam ao local, damos conselhos médicos e assistência psicológica. Para alguns que não têm onde dormir, oferecemos ainda camas para passar a noite", explica. "Quando esse viciado entende que há uma chance de ele melhorar, nosso trabalho de tratamento é imensamente facilitado", diz. Questionado se o local era visitado pela polícia, o especialista perguntou: "Para que a polícia viria?"
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Veja 21/01/2012
Cracolândia: uma terra sem pai
No jogo político de empurra, a discussão sobre soluções para a explosão do consumo do crack no país e o combate ao uso da droga mais devastadora das últimas décadas descamba para o discurso simplista: a busca por culpados
Bruno Huberman
Usuários de droga na Rua Helvétia, na região da cracolândia, em 13 de janeiro (Apu Gomes/Folhapress)
"Não existe um culpado pela Cracolândia. Não dá para dizer que é culpa de uma única gestão, porque todas foram negligentes e não souberam enfrentar o problema"
Marcelo Ribeiro, psiquiatra e professor da Unifesp
O crack virou o assunto da vez nos primeiros movimentos da corrida eleitoral à prefeitura de São Paulo. A discussão ganha destaque desde a operação de repressão ao consumo da droga na Cracolândia, iniciada no último dia 3. E tem contornos eleitorais cada vez mais definidos.
Enquanto políticos empurram a paternidade do problema uns para os outros e não apresentam soluções efetivas para conter a explosão da droga, especialistas afirmam que não há como apontar um único responsável. A ausência de dados e registros oficiais dificulta ainda mais a compreensão exata do problema.
"Não existe um culpado pela Cracolândia. Não dá para dizer que é culpa de uma única gestão, porque todas foram negligentes e não souberam enfrentar o problema", resume o psiquiatra e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Marcelo Ribeiro.
Na última segunda-feira, um dos pré-candidatos do PSDB, Andrea Matarazzo, acusou o PT de "consolidar" a Cracolândia em São Paulo. "O PT consolidou o crack na região da Luz durante os anos de gestão deles na prefeitura e hoje vem reclamar que está sendo feito tudo errado", disse Matarazzo, em uma alusão à administração Marta Suplicy (2001-04). O PT joga a culpa nos tucanos, que, na visão do partido, abandonaram os projetos de revitalização do Centro na gestão José Serra (05-06). 
A nova operação na Cracolândia gerou controvérsia entre estudiososos e serviu de munição para troca de farpas no meio político. O pré-candidato do PT à prefeitura, Fernando Haddad, por exemplo, chegou a tachar a ação de “desarticulada” e “desastrada”. Enquanto o prefeito Gilberto Kassab (PSD) defendia a operação, chegou-se a falar que a ação, mais do que desmantelar a ação de criminosos que alimentam o vício de usuários, teria pretensões políticas - ofuscar uma futura empreitada do governo federal, que poderia usar isso como trunfo na campanha eleitoral deste ano.
Expansão – Divergências políticas à parte, o que interessa é que nem mesmo o governo federal conseguiu mapear de forma real a expansão do crack e apresentar soluções efetivas para erradicar a droga, que se alastrou pelas capitais de forma avalassadora e chegou aos rincões do país. O Plano de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, lançado com pompa pela presidente Dilma Rousseff em dezembro de 2011, ainda não foi colocado em prática. Uma pesquisa que promete expor a dimensão do crack no país, encomendada pelo Ministério da Justiça à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ainda está em fase de conclusão.
O principal levantamento sobre o consumo de crack, feito no ano passado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) em 4.430 das 5.565 cidades brasileiras, revelou que há consumo da droga em 91% delas. A pesquisa, porém, não traz uma evolução histórica da presença do crack e carece de informações de capitais importantes, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. (clique aqui e conheça o mapa do crack)
Os dados mais antigos sobre o crack no Brasil remetem ao início da década de 2000 e não trazem números específicos sobre São Paulo. Uma pesquisa encomendada pelo governo federal ao Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em 2005, mostra um consumo discreto e estável na população brasileira entre 2001 e 2005. De acordo com o Relatório Brasileiro sobre Drogas, feito pelo Ministério da Justiça em 2009, há evidências de que a partir de 2005 o consumo do crack cresceu vertiginosamente, porém não há números que comprovem essa constatação.
Cracolândia – O surgimento de uma área de uso do crack em São Paulo é o desdobramento mais recente de um longo processo de deterioração do Centro da cidade, iniciado ainda na década de 1950.
A concentração dos “crackeiros” foi um processo natural, uma vez que o alto grau de dependência da droga exige um local onde o poder público não está presente. “As zonas abandonadas foram escolhidas por viciados em todas as cidades do mundo onde há crack”, afirma o psiquiatra e professor da Unifesp Marcelo Ribeiro. 
De acordo com o estudo “Circuitos de uso de crack na região central da cidade de São Paulo”, da psicóloga Luciane Raupp e do cientista social Rubens Adorno, a procura pelo crack na região da Luz se intensificou em 1991 e alcançou grandes dimensões em 93. O estudo, apresentado na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (US), mostra que a prevalência do crack cresceu de 5,2%, em 89, para 65,1% entre 95 e 97. A droga passou a ser a mais consumida nesta região da cidade. 
Por ser barato e ter devastador poder de vício, o crack atingiu inicialmente as populações mais vulneráveis: crianças e moradores de rua. No entanto, o consumo logo se alastrou para outras classes sociais. Usuários costumavam ficar confinados por horas em construções abandonadas da região para consumir a droga perto dos traficantes. O uso à luz do dia também se tornou recorrente.
Os autores afirmam que a Cracolândia ganhou status de “nação independente”, ou seja, se “consolidou”, em meados dos anos 90, entre as gestões de Paulo Maluf (1993-96) e Celso Pitta (1997-2000).
Em meados dos anos 2000 começou o “uso descarado” do crack na região. A definição da assistente social Neide de Almeida Nunes, que trabalha na Luz desde 1988, nada mais quer dizer que o uso público da droga passou a ser tolerado.  
Apu Gomes/Folhapress
Jovem acende cachimbo de crack na rua dos Gusmões, região da nova cracolândia, no centro de São Paulo
Caso de polícia - As investidas para desmontar a Cracolândia, em diferentes governos, foram em vão até agora. A Operação Tolerância Zero, comandada pelo então governador Mário Covas (PDB), em 1997, foi a primeira grande ação policial a prender usuários. O resultado não foi nada auspicioso: a Cracolândia apenas se deslocou de algumas quadras para outras, na mesma região central.
Na gestão Marta Suplicy não houve grandes operações policiais na região nem tampouco registro de ações sociais e de saúde. “A Cracolândia não apresentava a densidade de hoje e também não era uma das grandes preocupações da gestão”, admite o vereador e presidente municipal do PT, Antônio Donato, à época coordenador de subprefeituras. 
Segundo petistas, o objetivo era recuperar o Centro sem retirar quem morava ali, como os usuários. “Nós herdamos a gestão Maluf/Pitta, que era uma gestão de truculência. O lema que nós seguimos foi de recuperação da região central sem abandonar e retirar os moradores do centro”, afirma Aldaiza Sposati, secretária de assistência social da gestão. 
Aldaiza joga a culpa do crescimento da Cracolândia na gestão José Serra que, segundo ela, abandonou o projeto petista para o Centro e focou apenas na região da Santa Ifigênia, com o Projeto Nova Luz.
O pré-candidato e secretário estadual de Cultura, Andrea Matarazzo, rebateu a acusação em entrevista ao site de VEJA. “Os petistas não fizeram nada para acabar com a Cracolândia. Eles queriam melhorar o Centro sem tratar os dependentes e prender os traficantes. Falar que eliminamos projetos da região central é balela” afirma Matarazzo.
Quando lançaram o Projeto Nova Luz, em 2005, os tucanos retomaram as ações policiais na região. “Há seis anos eu falo que a única maneira de combater o crack é com polícia para os traficantes e saúde para o usuário. Me chamavam de maluco, mas sempre tive certeza disso”, diz o pré-candidato tucano.
Batalha - Vinte anos depois de a Cracolândia sofrer um processo de “consolidação” (embora, na prática, o consumo tenha se deslocado algumas vezes, dentro de um quadrilátero), o poder público ainda tenta erradicar a droga do Centro de São Paulo. Em 2007 e 2009, o prefeito Gilberto Kassab (PSD) chegou a anunciar o fim da Cracolândia. Agora, diz que tudo será diferente, pois a cidade está preparada para tratar o dependente químico.  O tempo dirá se, desta vez, haverá sucesso na empreitada.
Especialistas são unânimes ao criticar a falta de continuidade na implantação de políticas públicas de prevenção e tratamento para usuários de crack. É verdade. Mas a discussão vai muito além da busca de culpados. E há um agravante: além de ser uma questão de saúde pública, o combate ao crack é, também, e acima de tudo, uma questão de segurança pública. Não haverá sucesso sem sufocar o tráfico de drogas.
Nos Estados Unidos, além de desmantelar o esquema dos traficantes, as autoridades criaram tribunais especializados em delitos relacionados ao uso de drogas. O governo americano não conseguiu acabar com o consumo do crack, mas o uso despencou de 337 000 pessoas, em 2002, para 83 000 em 2011. Em São Paulo, a polícia - em uma ação "desastrada" ou não - conseguiu ao menos desmontar o cenário dos traficantes. O primeiro de muitos passos que a sociedade espera serem dados em busca de triunfo na batalha contra esse flagelo.
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Brasília 247 19.01.2012
Crack se espalha pelos bairros ricos de Brasília
Plano piloto tem a maior concentração de usuários da droga, com 3 dos 12 pontos mapeados pela Secr. Nacional Anti Drogas em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz
 Andressa Anholete
Brasília247 – A poucos metros do centro do poder, usuários queimam pedras de crack sob o sol quente de Brasília. Nem a alta movimentação de pessoas, muito menos a proximidade com os poderosos de gravata intimidam os viciados a usar a droga à luz do dia numa das 12 cracolândias encontradas pelo Distrito Federal. Mapeamento elaborado pela Secretaria Nacional Antidrogas em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, a Fiocruz, mostra que é pelos bairros nobres e em meio à gente rica de Brasília que a droga mais se espalha. O estudo aponta a invasão da droga em nove cidades, mas o pior cenário encontrado está na capital, onde há três pontos fixos de usuários.
É na cidade projetada por Lucio Costa, onde os prédios devem permanecer livres à circulação de pessoas, que moradores são tomados pelo medo de descer do apartamento e serem abordados por viciados pedindo dinheiro para comprar droga. No Plano Piloto há pelo menos três pontos críticos de usuários da pedra. Nas quadras 106/306 Sul e 315 Norte, onde se concentram também um dos maiores números de prostitutas durante o período da noite, e na região central de Brasília, nas proximidades da Rodoviária, onde circulam cerca de 500 mil pessoas por dia, a droga corre solta.
O mapeamento mostra os pontos de uso de drogas também em Ceilândia, Taguatinga, Samambaia, Recanto das Emas, Sobradinho, Gama, Planaltina e Paranoá. Em cada uma dessas regiões administrativas, dezenas de pessoas consomem a pedra diariamente. A pesquisa ainda não está finalizada, o que impossibilita analisar a densidade da população afetada em cada ponto. No entanto, o secretário em exercício da Secretaria de Segurança Pública, Jefferson Ribeiro, alerta que a situação do Plano Piloto, com três pontos críticos, da área central de Ceilândia e de Taguatinga são as mais preocupantes.
Para tentar conter a proliferação do crack, o governo resolveu monitorar área central com 37 câmeras de segurança. A partir do dia 25 de janeiro, os equipamentos de vídeo móveis e fixos entrarão em funcionamento em fase experimental. Eles serão instalados em pontos estratégicos da área central de Brasília, nas proximidades da Rodoviária. O investimento será de R$ 900 mil.  
As imagens captadas pelas câmeras da Secretaria de Segurança Pública serão acompanhadas pela Central Integrada de Atendimento e Despacho (Ciade). Policiais civis e militares estão sendo treinados para realizar o monitoramento dos vídeos. Durante 24 horas por dia, sete dias da semana, três pontos com dois monitores cada um e um telão receberão as imagens do Setor Hoteleiro Sul e Norte, Setor de Diversões Sul e Norte e Eixo Monumental.
Também está sendo negociado o compartilhamento de imagens captadas por câmeras instaladas pelo Governo Federal, por meio do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), em algumas áreas do Distrito Federal. O projeto contemplará ainda a celebração de parcerias com hotéis, shoppings e outros estabelecimentos que possam ceder imagens de áreas públicas.
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Blog Sem Fronteiras 14.01.2012
Wálter Fanganiello Maierovitch
A Polícia Civil de São Paulo  tem uma folha de bons serviços e por ela passaram delegados de polícia competentes, honestos e com acendrado espírito público. Nos meus mais de 30 anos de serviço público testemunhei, em especial como juiz singular (varas criminal, de execução criminal e corregedorias da polícia judiciária e dos presídios estaduais) e de tribunais de Alçada Criminal e Justiça (seção criminal),  trabalhos preciosos e atuações heróicas de integrantes da denominada polícia judiciária. Refiro-me aos delegados, peritos, investigadores, escrivães.
Apesar do nome polícia judiciária e função auxiliar ao Judiciário, a mencionada corporação estadual  não integra, com o de outras unidades federativas, o Judiciário. Por distorção  constitucional e legislativa, a polícia civil, por abarcar outras atribuições, restou colocada junto ao Poder Executivo. Durante a ditadura, frise-se, houve, na Polícia Civil de São Paulo, um movimento de resistência aos policiais que, em panos de polícia política, ficaram a serviço da tortura e do arbítrio. Em síntese, de um regime de exceção.
Nos últimos tempos, a Polícia Civil foi perdendo o brilho e o crédito conquistado com méritos junto à sociedade civil. Nota-se que os seus membros ativos estão sem motivação. Pior, carreiristas sabujos cederam às exigências de populistas e de interesses eleitoreiros: poucos dias antes de o PCC declarar guerra ao estado de São Paulo e sua população, um dos chamados “cardeais” da polícia afirmou que essa organização criminosa de matriz pré-mafiosa não existia mais, fora desarticulada. A propósito, o secretário de Segurança, chefe da polícia, não o desmentiu e o governador fez cara de crente.
O jogo político, com secretários de Segurança portando aspirações políticas ou com engajamentos corporativos anteriores,  quebrou o equilíbrio entre as corporações civil e militar. Privilegiaram-se as ações militares, algumas rocambolescas e de pirotecnia eleitoral. Assistiu-se, assim, ao fim da salutar emulação entre as duas corporações. Corporações, ressalte-se, com atribuições diversas, mas complementares, e que só funcionam quando há sinergia. Em resumo, a investigação perdeu espaço e qualidade e as novas lideranças na Polícia Civil ainda não conseguiram resgatar a boa imagem para acabar com as suspeitas de corrupção em seus quadros.
Diante deste triste panorama, explica-se ter a Policia Civil, pelo seu departamento de narcóticos, resolvido dar sinais de vida na Cracolândia. Ou seja, prendeu-se em flagrante uma mulher com 16 mil pedras de crack. Por evidente e usando uma expressão popular, ela “não era nova no pedaço”.
Como se sabe, e já alertou em dezembro de 2000 a Convenção da ONU sobre crime organizado, existe uma atuação reticular dessas organizações. Em outras palavras, redes de abastecimento usam, nos seus nós, subdistribuidores e varejistas. Os operadores das redes ficam distantes da Cracolândia.
A Polícia Militar, na torturante operação autorizada pela dupla Alckmin-Kassab, está atrás dos varejistas. Por outro lado, a Polícia Civil, com a apreensão de 16 mil pedras na posse de uma única mulher, mostrou um nó dessa rede de abastecimento que operava na Cracolândia. Em outras palavras, mostrou ao secretário de Segurança, desafeto da Polícia Civil, que a Polícia Militar está, mais uma vez e na terminologia popular,  enxugando gelo.
Para rematar, muda-se, oportunisticamente, o conceito de traficante e de usuário, na Cracolândia.
Uma nova tática é empregada para tornar mais rápida a “limpeza” de um território, Cracolândia, que, por décadas, é usado como confinamento de toxicodependentes e, também, como  lugar sem restrições ao tráfico de drogas proibidas. Aliás, algo explicável  até para se manter o confinamento.
Ao abandonar a nossa legislação, a dupla Alckmin-Kassab passa a adotar uma legislação de exceção na Cracolândia. Deixa de existir o critério conhecido na Europa como presunção de tráfico baseado  na quantidade. Agora, a Polícia Militar prende na Cracolândia, como traficantes, dependentes químicos com  1 grama de crack. E a polícia judiciária formaliza o entendimento, em auto de prisão em flagrante por crime inafiançável.
Pano rápido. Com esse tipo de prisão completa-se um quadro de barbárie. Para “limpar” o território da Cracolândia, dependente é enquadrado como traficante.
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Época 24/06/2011
Os bebês do crack
Cresce o número de recém-nascidos expostos à droga na gestação.
Estudos sugerem que ela afeta o desenvolvimento cerebral das crianças
CRISTIANE SEGATTO
Graziella e os gêmeos abandonados na UTI da maternidade Leonor Mendes de Barros. A equipe suspeita que seja mais um caso de crack durante a gestação
Cerca de 600 bebês nascem todos os meses na Maternidade Estadual Leonor Mendes de Barros, a principal da Zona Leste de São Paulo. A neonatologista Graziella Pacheco Velloni é responsável pelos primeiros cuidados que eles recebem. Na semana passada, a médica tentava aliviar o sofrimento de gêmeos prematuros nascidos no início do mês com pouco mais de 1.200 gramas. Os meninos ainda precisavam receber oxigênio e eram alimentados por meio de uma sonda gástrica. Do lado de fora da UTI, não havia pai, mãe, avó ou parente distante torcendo por eles.
A mãe, uma moça de 22 anos, recebeu alta e não voltou mais. Graziella suspeita que as crianças tenham sido expostas ao crack na gestação. A médica está acostumada a lidar com dramas desse tipo, que não são raros naquele hospital. Mas acostumada não significa conformada. “Meu sentimento é de total impotência”, afirma. “A gente fica em dúvida sobre o que seria melhor para essas crianças: viver com os pais viciados ou viver sem os pais?”
Em 2007, apenas uma criança nascida na maternidade foi encaminhada à adoção porque a mãe, dependente química de crack ou cocaína, abriu mão do bebê. Em 2008, foram 15 casos. No ano seguinte, mais 26. Em 2010, outros 43. Só no primeiro trimestre deste ano, o hospital encaminhou 14 recém-nascidos para a Vara da Infância e Juventude. Eles vão para abrigos e ficam à espera de adoção.
“O consumo de crack durante a gestação é um grave problema médico e social”, afirma Corintio Mariani Neto, diretor do hospital. Ele diz que a droga pode provocar diversos problemas: descolamento da placenta, falta de oxigenação, retardo do crescimento, baixo peso no nascimento e morte neonatal. Quando o bebê sobrevive, surgem preocupações sobre a extensão dos danos provocados pela droga. Há os problemas visíveis e imediatos e há os danos posteriores, relacionados ao desenvolvimento – sobre os quais ainda se sabe pouco. Quando a grávida usa crack ou cocaína, o bebê costuma nascer hiperexcitado, irritado, choroso. É sinal de que a droga chegou ao cérebro e pode ter provocado alterações de desenvolvimento. Mas o resultado desse contato precoce só pode ser observado anos depois, quando a criança começar sua vida escolar.
Nos primeiros dias depois do parto, a droga é metabolizada pelo fígado do bebê e expelida nas fezes. Em cerca de uma semana, a criança está livre da substância. Bebês expostos à cocaína e ao crack durante a gestação não nascem com síndrome de abstinência evidente, como ocorre quando a mãe usa heroína, morfina e qualquer outro derivado do ópio. Nesses casos, o organismo dos bebês sente falta da substância. Para tratá-los é preciso dar a mesma droga e reduzir a dose aos poucos.
A grande preocupação em relação ao crack e à cocaína é o desenvolvimento futuro da criança. “As drogas alteram a arquitetura cerebral do feto. Elas mudam a formação de sinapses, conexões e circuitos. Ao final, podem provocar alterações cognitivas que prejudicam a vida social e escolar da criança. Sua capacidade de entender conceitos abstratos e fazer associações pode ser comprometida”, diz Ruth Guinsburg, professora de pediatria neonatal da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Um dos grupos mais dedicados ao estudo desse problema é o da americana Emmalee S. Bandstra, professora de pediatria, obstetrícia e ginecologia da Universidade de Miami. No final dos anos 1990, a equipe dela reuniu 476 recém-nascidos (nenhum prematuro) para realizar um amplo estudo sobre os efeitos da exposição à cocaína e ao crack durante a gestação. Metade das mães usava drogas de forma frequente e metade não usava. O estudo, que ainda continua, deu origem a vários artigos científicos. Em um deles, a equipe avaliou funções intelectuais e capacidade de aprendizagem aos 7 anos. O risco de apresentar dificuldades de aprendizagem foi três vezes mais elevado no grupo de crianças que teve contato com a droga.
“As habilidades matemáticas parecem ser as mais afetadas”, escreveu Emmalee num artigo publicado na revista científica Developmental Neuropsychology. “Essa descoberta desperta questões sobre os processos neuropsicológicos que podem ser afetados.” As competências matemáticas são comandadas por várias regiões do cérebro, entre elas o hemisfério direito, o lobo frontal e o lobo temporal. Em tese, portanto, o consumo de crack durante a gestação poderia ter impacto sobre diversas regiões do cérebro do bebê. O primeiro passo para tentar entender a extensão do problema é identificar as crianças afetadas. Mas o Ministério da Saúde do Brasil não tem ideia de quantos recém-nascidos são expostos a drogas durante a gestação. “Precisamos ficar atentos a esse problema porque deve haver muita subnotificação”, diz a professora Ruth, da Unifesp. A equipe do Leonor fez um esforço para contar os casos e investigá-los. É um exemplo a ser seguido.
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Opera Mundi 13.12.2012
Experiência portuguesa pode melhorar combate ao crack no Brasil, dizem especialistas
Foco deve ser o tratamento dos dependentes; analistas criticam operação na Cracolândia
Simone Cunha e Vitor Sorano
No final dos anos 1990, quando o consumo de heroína ocupava as ruas de Portugal, o país decidiu tomar uma medida radical e polêmica: descriminalizou o consumo de toda e qualquer droga. O foco da ação do Poder Público deixou de ser a repressão policial ao consumo de entorpecentes, para privilegiar o tratamento de saúde e a assistência social aos usuários.
Hoje, o país é elogiado pelas estatísticas que apontam queda no uso de drogas. Para alguns analistas do fenômeno, a política portuguesa deveria servir de referência para o Brasil, por exemplo, na luta contra o crack, - em contraposição à repressão policial aos usuários da região conhecida como Cracolândia, no centro de São Paulo.
Mesmo que se resista à descriminalização, como é a posição oficial brasileira, os especialistas defendem que o importante é que a prisão não seja o recurso para tratar o consumidor.
A forma, qualquer que ela seja, deve evitar a estigmatização do usuário, disse ao Opera Mundi João Goulão, presidente do IDT (Instituto da Droga e da Toxicodependência). O órgão, que fica sob a alçada do Ministério da Saúde, é o equivalente português da Senad (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas), do Brasil, subordinada ao Ministério da Justiça.
“Penso que a descriminalização não é condição sine qua non para a dissuasão. O que me parece essencial é que o contato do usuário com o sistema (penal ou outro) seja acompanhado por um olhar de profissionais da área da saúde e de apoio social, tendo em vista encontrar respostas para além da mera reclusão, que habitualmente não tem outros resultados que não sejam os do aumento da exclusão e estigmatização”, afirma Goulão.
Com a mudança da lei, em 2000, em vez de enfrentar um processo criminal, os flagrados com drogas para consumo próprio (a quantidade máxima é a necessária para até 10 dias) em Portugal respondem a um processo administrativo nas Comissões de Dissuasão de Toxicodependência.
Combate à estigmatização
As punições, quando ocorrem, são administrativas – não vão para a ficha criminal – e envolvem, por exemplo, impedimento de que o dependente exerça algumas profissões ou frequente determinados locais. Mas a maioria dos processos é suspensa. Assim, em 2010, 62% das decisões das comissões foram pela a suspensão dos processos de não-dependentes, 20% pela suspensão de processos de dependentes que se comprometeram com tratamento e 14% resultaram em punição.
A preocupação em evitar o estigma modela também o modo de operação. O consumidor pode pedir que as cartas sobre o processo não sejam enviadas para sua casa e o “julgamento” é feito em uma sala informal, sem colocá-lo na situação de réu, descreve Gleen Greenwald, constitucionalista norte-americano que escreveu um relatório sobre o modelo português para o Instituto Cato, publicado em 2009.
“A esfera dos procedimentos operativos que acompanha a descriminalização traduz-se numa ferramenta conceitual importante à diminuição da repressão do consumidor e reparadora no sentido de serem propostas novas abordagens ao consumidor / toxicodependente, considerando-se a hipótese de conduzi-lo para tratamento sem estigmatização ou punição”, defende Lúcia Dias, mestre em toxicodependência e patologias psicossociais e autora do livro Drogas em Portugal.
O que não significa que não haja repressão a quem trafica. Em 2010, a maioria (58%) dos presumíveis infratores detidos pela polícia foi traficante-consumidor. Dos processos envolvendo indivíduos que acabaram considerados traficantes, 87% terminaram em condenação.
Reconstrução social
“Claro que há discriminação”, relatou Margarida Marques, de 57 anos, ex-dependente que hoje atua em uma associação de apoio aos usuários de drogas em Portugal.  “Mas não foi isso que me levou a deixar o vício. O que me levou a procurar ajuda foi minha degradação em todos os níveis (fisico, social e espiritual)”. Atribuindo sua recuperação à religião e contrária às políticas de substituição de drogas, ela defende entretanto o apoio terapêutico do Estado ao dependente.
Para além da saúde, o modelo português investe na reconstrução da estrutura social do indivíduo buscando detectar que tipo de problemas individuais podem estar relacionados com o uso de drogas. Foram identificados 1.323 indivíduos com necessidades de apoio habitacional, sendo um terço deles solucionados -- percentual considerado baixo pelo IDT. Houve também atendimento de 43% dos 4.719 casos com necessidades de emprego, 26% dos 2.280 de formação profissional e 44% dos 1.965 de educação.
O trabalho de reinserção, afirmou Goulão, pode ser aplicado mesmo a populações problemáticas como as de consumidores de crack da Cracolândia. “É possível sempre. Claro que não conseguimos com todas as pessoas um sucesso pleno que teria como corolário: habitação, emprego etc., mas é sempre possível ajudar as pessoas mais desorganizadas a fazerem alguns progressos: nos hábitos de higiene, na aproximação com a família, na (re)aprendizagem da vida em grupo, a saberem onde acaba o seu espaço e começa o do ‘outro’”, explicou o presidente do IDT.
“Temos clubes de emprego onde se ensina a procurar anúncios nos jornais, a fazer um currículo, treinam-se as respostas a uma entrevista. Qualquer pequeno progresso é sentido por estas pessoas como um enorme ganho”, contou Goulão.
Referência
Em artigo que analisa a intervenção planejada pelo Governo Federal em relação ao crack, a cientista política e fundadora do Instituto Igarapé, Ilona Szabo, traça um paralelo entre a crise da heroína na Europa e a de crack no Brasil. Ela sustenta que a saída de Portugal e outros países europeus foi sábia ao retirar “sanções criminais dos usuários como forma de abrir um canal direto para prestar assistência médica e social.”
“O modelo português é um primeiro passo para o Brasil, porque está bem estruturado e documentado”, diz Ilona, que também faz parte do secretariado da Comissão Global e Latino Americana de Políticas sobre Drogas. Nos relatórios do ano passado das comissões, o modelo punitivo em relação às drogas foi declarado falido e a guerra, perdida.
Para o grupo, do qual fazem parte figuras como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), Kofi Annan, métodos alternativos como o de Portugal deram melhores resultados do que a “Guerra às Drogas”. O texto global defende “a legalização e a regulamentação da maconha, o fim da criminalização dos usuários de todas as drogas, o investimento de recursos em pesquisa científica e o uso da repressão com ênfase nas estruturas criminosas e não nos cultivadores, mulas humanas e vendedores de pequenas quantidades de droga”.

Mesmo para o crack?
“Quanto mais perigosa a droga, mais sentido faz descriminalizar”, disse Glen Greenwald, que vive atualmente no Rio de Janeiro para apresentar as pesquisas que tem feito sobre o modelo português. Para ele, as realidades sociais e culturais dos dois países são bastante semelhantes – com pobreza, catolicismo, conservadorismo e poucos recursos por parte do governo – o que aponta que a política seria eficaz aqui como lá. “É mais eficaz tratar vício em droga como um problema de saúde do que um problema criminal. Isso é tão verdade no Brasil quanto é em Portugal".
“É um mecanismo de limpeza social (que está sendo feito em São Paulo)”, opinou Ilona Szabo, "uma opção fácil de tornar invisível o problema das drogas e não de resolvê-lo. É cruel, uma cultura de que o filho feio a gente esconde”.

Familiarizada com modelos internacionais de combate e tratamento de drogas, Ilona se diz incapaz de antever o resultado da política adotada no Brasil em função da falta de transparência sobre o tratamento que será dado aos usuários de drogas em termos de saúde e assistência social. “Meu medo é que nada disso exista e se esteja apenas levando essas pessoas para algum lugar e dopando. Sem plano e cuidado com reinserção o problema vai voltar e maior.”
A responsabilização dos profissionais da saúde e da assistência social quanto às ações adotadas com os usuários é um dos pontos fortes destacados por Ilona no modelo português.
Diferente das alternativas que deixam nas mãos dos policiais a definição de quem vai ou não para a delegacia por não preverem quantidade e nem terem protocolos de saúde definidos, nesse caso há um profissional que assina o cadastro, cujas informações são protegidas. “Uma comissão de profissionais é responsável pela vida de outra pessoa e assina isso, e os dados são recolhidos pelo assistente social, não pela polícia. O usuário sai do número e vira uma pessoa”.

É um mecanismo mais custoso e trabalhoso, mas visto por ela como mais eficaz. “A política que estamos empregando hoje é enxugar gelo e dar tiro no pé. Estamos muito atrasados e somos preconceituosos em relação ao tema. Aqui bandido bom é bandido morto, mas se não entendermos que a sociedade tem de cuidar de todos os cidadãos, todos somos afetados. Não preciso consumir para ser afetado”.
De baixo para cima
O modelo português começou de forma clandestina, diz o pesquisador Jorge Barbosa em seu artigo“A emergência da redução de danos em Portugal: da clandestinidade à legitimação política”. Nos anos 1980, os técnicos desenvolviam ações pontuais ligadas à saúde porque percebiam, no dia a dia, que faltava apoio nessa área. Foi na crise da heroína e com a explosão de casos de Aids no país que o tratamento se institucionalizou. Um dos primeiros programas foi o do bairro social do Casal Ventoso, em Lisboa. Segundo Barbosa, o projeto encontrou pontos de contato com a população usuária de droga, unidades móveis que faziam programas de substituição da heroína e feitos planos integrados de prevenção às drogas entre governo e sociedade civil.

No Porto, outro programa parecido foi desenvolvido em meio ao sentimento de insegurança e exclusão social gerado pelo consumo de drogas nas ruas. Para se aproximar dos usuários, foram colocadas equipes de rua, gabinetes de apoio, centro de acolhimento, programas de troca de seringas e de substituição de droga e rastreio de doenças infecciosas.
A consolidação de programas de trocas de seringa, estima Barbosa, evitou aproximadamente 6.000 infecções cada 10.000 utilizadores de drogas injetáveis, entre 1993 e 2001. Uma economia de 400 milhões de euros em recursos públicos calcula.
Com o aumento dos casos de Aids e da criminalidade por conta do consumo de drogas, ocorreu o que Barbosa chama de “cientificação” do debate sobre políticas alternativas em relação ao consumo de drogas, em que o governo chama os especialistas a contribuírem para a busca de soluções. Discutiu-se até legalização e criou-se uma proposta de descriminalização, que virou lei após a análise de uma comissão de estudos em 1999. Tudo isso, não sem críticas de que a política era de resignação perante as drogas ou de medicalização do que era visto como um problema de segurança.
Para Barbosa, o país ainda precisa fazer mais, diversificar a atuação e se adaptar às práticas de consumo para reduzir o problema. Ele critica o fato de não haver prescrição de heroína sob controle médico, troca de seringas nas prisões ou criação de salas de injeção assistida. Para Lúcia Dias, a principal dificuldade do atual modelo é conseguir definir as quantidades-limite que diferenciam um consumidor de um traficante. “É muito difícil precisar e especificar esses valores”.
Sem utopia
Sinais de aumento no consumo de drogas entre populações escolares e de um recrudescimento do fenômeno da cocaína mostram que a estratégia portuguesa, se bem sucedida, não é de todo capaz de zerar o problema do consumo de entorpecentes – assim como parece acontecer com a guerra às drogas.
Para Ilona Szabo, que foi também co-roteirista do documentário Quebrando o Tabu, em que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso faz um périplo atrás de soluções de redução de dano em relação às drogas, o Brasil precisa ir além do modelo português. O segundo passo é a regulação da maconha. “Como queremos continuar em um modelo burro de proibir drogas conhecidas? O que é proibido não pode ser regulado, precisamos experimentar um modelo pragmático”.
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FSP 14/01/2012 - 22h33
'A droga que não uso é o título de eleitor', diz morador da cracolândia
JULIANNA GRANJEIA
veja o vídeo
 
Wellington, 33, morador de rua e viciado em drogas, ficou responsável por uma das churrasqueiras na esquina da rua Helvétia com a alameda Dino Bueno, onde estava sendorealizado o "churrascão da gente diferenciada" na tarde deste sábado. Cantando e dançando, ele ajudou a servir os moradores da região central de São Paulo que fizeram fila para comer.
"Não tenho palavras para descrever isso. Muita energia positiva. Você não vai perguntar se eu uso drogas? A droga que eu não uso é o título de eleitor. Vocês ficam votando e o que recebemos depois é borrachada", afirmou.
Sebastião Nicomedes de Oliveira, 44, cuidou de outra churrasqueira. Disse que morou nas ruas por quatro anos e outros quatro em albergue, e que não usa drogas. O problema na região da Luz, para ele, é a falta de respeito com quem vive por ali.
"Deveria ter uma casa de convivência aqui, com pessoas que tenham amor, zelo, que ofereçam ajuda. Não é com helicóptero da polícia e borrachada que vão resolver o problema aqui. Essas pessoas são vítimas do descaso", afirmou.
A moradora de rua viciada em crack Eliane Ferreira de Sena, 40, concorda. "Eu estou gostando dessa movimentação de hoje, estou achando bonito que existem pessoas preocupadas com a gente. Nós não estamos certos, a gente sabe disso. Se alguém me oferecesse ajuda agora para largar das drogas e procurar minha família, eu aceitaria", afirma Eliane que, ao avistar os fotógrafos, lembra que não penteou o cabelo e que estava sem maquiagem.
O artesão conhecido como Piauí Ecologista --que já foi viciado em drogas e hoje faz campanha de conscientização sobre o uso-- disse estar inconformado com a forma de como a Polícia Militar está agindo na região.
"Estou há 20 anos sem usar drogas e estou revoltado com o que está acontecendo aqui. Em ano de eleição, os políticos querem mostrar serviço e usar como propagando eleitoral. Nós temos que denunciar os abusos", afirmou.
Piauí fez um discurso de cima de uma das casas usadas pelos viciados para se drogar na alameda Dino Bueno. No final de sua fala, os manifestantes cantaram o Hino Nacional.
O padre Julio Lancelotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua, que estava presente na manifestação, afirmou que o protesto demonstra o descontentamento com a postura higienista adotada para tratar a situação.
"A manifestação trouxe o lúdico, a resistência, o protesto contra a tortura. Há uma sociedade que não concorda e que está preocupada com as ações da PM."
CHURRASCÃO
Ao menos 200 pessoas participaram do "churrascão da gente diferenciada" na cracolândia, região central de São Paulo, na tarde deste sábado.
A manifestação foi organizada por diversas ONGs e grupos, entre eles o coletivo Dar (Desentorpecendo a Razão), a Casa da Cultura Digital e Transparência Hacker, e começou por volta das 16h na esquina da rua Helvétia com a alameda Dino Bueno. Membros do MST e da Igreja Católica e evangélica também participaram.
O evento foi um protesto contra a operação iniciada pela PM na região no dia 3 e pela falta de política pública para os usuários de drogas da cracolândia.
Alguns moradores de rua entraram na festa, aproveitando os comes e bebes e cantando com os manifestantes.
Outros viciados que estavam no local no início do "churrascão", porém, mudaram para outra esquina. Irritados com fotógrafos e jornalistas, eles pediram para não serem fotografados e diziam para quem se aproximava: "A festa é do outro lado".
Policiais tentaram dispersar o grupo, mas minutos depois ele voltava a se reunir.
Um grupo da Transparência Hacker levou seu ônibus para o local e soltou balões de gás hélio coloridos no começo do evento.
"A ideia é registrar, conhecer e ocupar a região. Não é só um problema de política e segurança, é um problema nosso. Para ajudarmos, precisamos conhecer melhor", afirmou Daniela Silva, integrante da ONG.
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Manifestantes protestam com churrascão na cracolândia
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G1 SP  14/01/2012
Manifestantes fazem churrasco na Cracolândia
Cerca de 200 pessoas participaram do ato, considerado pacífico pela PM.
Cerca de 200 pessoas, segundo a Polícia Militar (embora as fotos do Jornal Folha de SP nos façam crer que haviam muito mais... http://bit.ly/wnpVOI), realizaram na tarde deste sábado (14) um churrasco na região da Cracolândia, no Centro de São Paulo, para protestar contra a Operação Centro Legal, que a corporação executa desde o dia 3 deste mês.
O grupo autodenominado Desentorpecendo a Razão (DAR) convocou o protesto pelas redes sociais. No Facebook, mais de 4 mil confirmaram a presença no evento.
O encontro foi chamado de ‘Churrascão de gente diferenciada – versão Cracolândia'.
De acordo com a organização do evento, o objetivo foi protestar contra a presença da polícia nas ruas da cidade paulista e contra o “preconceito e o racismo dos políticos e das elites paulistanas".
O evento faz alusão ao churrasco que aconteceu no dia 14 de maio de 2011 na região de Higienópolis.
Na ocasião, os manifestantes protestaram contra a iniciativa de moradores da região que tentaram vetar a construção de uma estação do Metrô no bairro.
Durante a madrugada, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, visitou a região. Ele percorreu as ruas da área de carro e disse que a Cracolândia está mais segura. Alckmin reforçou que a Polícia Militar continuará com a operação.
"A polícia vai continuar na região. Esse é um trabalho longo, não vai resolver no curto espaço de tempo, tem que perseverar. De um lado, [é preciso] o trabalho social, de abrigamento das famílias, e [um trabalho] policial, de garantir a segurança das pessoas e prender os traficantes de drogas", disse o governador.
Balanço da Polícia Militar mostra que 149 pessoas foram presas desde o dia 3 de janeiro na Cracolândia durante a Operação Centro Legal. Do total de detidos, 106 foram presos por delitos diversos e 43 são foragidos da Justiça.
Desde o início da operação, 212 pessoas foram encaminhadas para serviços de saúde, 80 foram internadas e nove pessoas foram encaminhadas para hospitais.
No total, a PM realizou 4.273 abordagens e apreendeu 2,33 kg de crack, 10,187 kg de cocaína e 17,195 kg de maconha - quase 30 kg de drogas. Segundo o balanço da corporação, 878 pessoas foram encaminhadas para abrigos e 101 toneladas de lixo foram recolhidas das ruas da região central de São Paulo.
Inquérito

A partir da semana que vem, o Ministério Público ouvirá os envolvidos na operação. Um inquérito foi instaurado para apurar a ação. Nesta sexta-feira (13), houve uma reunião entre promotores, o comando da PM e representantes das secretarias municipais e estaduais de Saúde, Assistência Social e Justiça.
No encontro, que durou cerca de cinco horas, os promotores questionaram a eficiência da ação. Eles argumentaram que seu início foi precipitado, já que o complexo da Rua Prates para atender os usuários ainda não foi inaugurado. O comandante da corporação disse que a estratégia não será modificada. O governo de São Paulo informou que as ações vêm sendo planejadas em conjunto há pelo menos três meses.
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FSP 06/01/2012
A cracolândia somos nós
Gilberto Dimenstein
A ação contra o consumo de crack, localizado na região da Luz, provocou incômodo nas classes média e alta --e com certa razão. Afinal, aqueles seres, quase inumamos, com seus andrajos, estão migrando para os bairros mais ricos. E, aí, o que é para muitos só notícia de jornal vira imagem de carne e osso. Passa uma sensação de que São Paulo virou uma grande cracolândia. Vamos reconhecer: não tinha alternativa.
O poder público demorou muito a tomar providência, consentiu com a criação de um território livre para as drogas. E a sociedade aceitou porque a cracolândia tinha fronteira, era quase como se fosse um país estrangeiro. Era problema dos outros.
Mas a verdade é que a cracolândia é um problema de todos. E a solução só vai aparecer se houver uma cooperação dos governos federal (que se dispõe a dar dinheiro), estadual e municipal, em colaboração com as entidades não governamentais e universidades. É uma teia inter e multidisciplinar.
Deveríamos encarar esse problema na base do "vencer ou vencer", um desafio de toda uma cidade.
A cracolândia somos nós.
A cidade de São Paulo conseguiu reduzir, desde o final da década de 1990, em mais de 80% sua taxa de homicídio. Não há razão para não acreditar que, com colaboração e persistência (com muita, muita persistência), a cracolândia vire passado.
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FSP 08.08.2012
Bairros de classe média abrigam cracolândias privês
AFONSO BENITES
Uma espécie de cracolândia privê funciona em casas e apartamentos de bairros como Vila Mariana, Bixiga, Paraíso, Penha e Bela Vista.
São espaços discretos e seguros destinados à venda e ao consumo local do crack.
Para entrar, é preciso ser apresentado por algum conhecido do traficante e só consumir a droga "da casa".
Os usuários são, em sua maioria, homens de classes média e baixa, com idades entre 18 e 35 anos, de diferentes profissões.
Há dois tipos de cracolândia privê.
Em uma, o usuário compra a pedra e a consome em um dos cômodos.
Na outra, que chamam de "mocó", ele pode morar como num aluguel. Pago adiantado, o valor é R$ 210; no fim do mês, R$ 300.
Na Vila Mariana, o esquema funciona em uma casa simples, em uma rua arborizada, perto de um posto de combustíveis e dois prédios residenciais.
Tem 11 cômodos improvisados, transformados em quartos, coletivos ou individuais.

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Show de horror: por dentro da cracolândia


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Jornal da Globo 05.01.2012
Matéria da TV Globo expõe falência do poder público na questão das drogas!
(não deixe de ver a última cena!)

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Violência Policial na Cracolândia. Quem são os bandidos?
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UOL Notícias 05/01/2012
SP usa 'dor e sofrimento' para acabar com cracolândia
Baseados na estratégia de "dor e sofrimento" de usuários de crack, pela primeira vez Prefeitura e Estado definiram medidas para tentar esvaziar a cracolândia, que resiste no centro desde os anos 1990. O Plano de Ação Integrada Centro Legal entrou em prática anteontem na região e não tem data para acabar.
Eduardo Anizelli/Folhapress
Usuário de crack se deita na calçada de praca, ao lado da Sala São Paulo, na região central de São Paulo, na primeira noite após operação da Polícia Militar que retirou viciados da cracolândia.
A estratégia está dividida em três etapas.
A primeira consiste na ocupação policial, cujo objetivo é "quebrar a estrutura logística" de traficantes que atuam na área. Além de barrar a chegada da droga, policiais foram orientados a não tolerar mais consumo público de droga. Usuários serão abordados e, se quiserem, encaminhados à rede municipal de saúde e assistência social.
Em uma segunda etapa, a ação ostensiva da PM, na visão de Prefeitura e Estado, vai incentivar consumidores da droga a procurar ajuda.
Na terceira fase, a meta será manter os bons resultados.
"A falta da droga e a dificuldade de fixação vão fazer com que as pessoas busquem o tratamento. Como é que você consegue levar o usuário a se tratar? Não é pela razão, é pelo sofrimento. Quem busca ajuda não suporta mais aquela situação. Dor e o sofrimento fazem a pessoa pedir ajuda", diz o coordenador de Políticas sobre Drogas da Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania, Luiz Alberto Chaves de Oliveira.
Especialistas, porém, veem a estratégia com ressalvas. Para eles, forçar crises de abstinência pode provocar outras reações nos usuários, inclusive violentas. E estudos mostram que a falta da droga não causa busca por tratamento, pelo contrário. Na fissura, dizem alguns médicos, o usuário não tem discernimento para decidir o que é melhor ou não para ele.
A vice-prefeita e secretária municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, Alda Marco Antonio (PSD), discorda. "Cortando a chegada do crack e tirando o traficante da rua, a ação da saúde e da assistência social vai ficar facilitada", afirma, destacando que a inauguração de um centro de assistência na região central para 1.200 pessoas até março vai ampliar a capacidade de atendimento da Prefeitura.
Migração
Sabendo da migração dos usuários para regiões vizinhas, que inevitavelmente ocorre em grandes operações, a PM prometeu aumentar as abordagens nos locais para onde os consumidores se mudarem. A PM já identificou quatro novos pontos de consumo perto da cracolândia. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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iG | 07/12/2011
Em meio à epidemia de crack, Brasil fracassa em tratamento para dependentes
Levantamento feito pelo iG mostra que o País possui apenas um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas para cada 7 milhões; Amazonas não tem nenhum
Cíntia Acayaba e Fernanda Simas
Menos de 20 meses após o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter lançado o Plano Nacional de Combate ao Crack, o governo anunciou nesta quarta-feira mais um programa de combate a essa e outras drogas. As mudanças devem atingir a atual rede de assistência a dependentes químicos, que é deficitária e sofre acusações de desrespeito aos direitos humanos.
Foto: Divulgação
Imagem da Cracolândia, no centro de São Paulo
Levantamento feito pelo iG mostra que o Brasil possui apenas um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD) para cada 7 milhões de pessoas. O Estado do Amazonas, por exemplo, não possui nenhuma unidade de Caps AD.
Pesquisa divulgada pela Confederação Nacional de Municípios revela que ao menos 74,3% das cidades brasileiras enfrentam problemas com o consumo de drogas. A pesquisa também mostrou que o crack começa a substituir o álcool nos municípios de pequeno porte e áreas rurais e que uma pedra custa menos de R$ 5.
Um dos pilares da reforma psiquiátrica de 2001, que prevê internação apenas em casos extremos, o Caps AD promove o acompanhamento clínico, tratamento ambulatorial e a internação de curta duração de pessoas com transtornos pelo uso de crack e outras drogas. Atualmente, existem 271 Caps AD no País.
Para Arthur Guerra de Andrade, médico psiquiatra, especializado em dependência química, a ideia do Caps AD é boa, mas a rede não foi feita de forma eficiente. “É preciso ter uma pulverização desses Caps”, diz.
Previstos para serem instalados em municípios com pelo menos 70 mil habitantes, os Caps AD não estão presentes em 423 cidades com esse mínimo populacional.
O Estado de São Paulo, por exemplo, tem 100 municípios com mais de 70 mil habitantes e apenas 66 unidades de Caps AD. O Rio de Janeiro, que conta com 35 cidades com esse volume populacional, possui 18 Caps AD, e o Pará, com 20 municípios de médio ou grande porte, tem seis Caps AD.
O Ministério da Saúde forneceu dados por Estado e não por município, portanto uma cidade pode ter mais de uma unidade de CAPs AD, como o município de São Paulo.
O presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Humberto Verona, defende os Caps AD como uma possibilidade "da pessoa continuar o tratamento e ter sua liberdade respeitada”.
Segundo o ministério, equipes de Saúde da Família, consultórios de rua, Casas de Acolhimento Transitório (CATs) e Comunidades Terapêuticas compõem a rede de assistência à saúde de dependentes químicos.
As Comunidades Terapêuticas, em que os usuários ficam internados, veem sendo condenadas por entidades. Para o Conselho Federal de Psicologia, as Comunidades são instituições privadas ligadas a grupos de interesses específicos, como entidades religiosas.
De acordo com Relatório da 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos – locais de internação para usuários de drogas, 68 Comunidades Terapêuticas foram visitadas no País e em todas elas foram registrados abusos.
Houve casos de imposição de abstinência sexual, presente em 21 das 25 unidades da federação avaliadas, mão-de obra não remunerada, em 18 Estados, imposição religiosa (17), castigos proibitivos e físicos (16), adolescentes e crianças com adultos (13), prática de isolamento (11), situações constrangedoras (9) e apropriação de documentos (9).
Para Verona, presidente do CFP, as Comunidades Terapêuticas estão baseadas na crença de cada entidade e na internação compulsória.
“O método de tratamento usado nessas Comunidades é baseado na religião, na abstinência como solução, no comportamento moral”, afirma.
“O que nos deixa indignados é que a política de tratamento está sendo feita em torno desses modelos de internação compulsória em comunidades terapêuticas. Isso é um retrocesso”, completa.
Para Guerra, a Comunidade Terapêutica é uma ferramenta que deve ser usada. “A imensa maioria dessas comunidades tem orientação correta e ajudam no tratamento. Mas, é provável que algumas não respeitem as normas, mas isso tem em todas as áreas”, disse.
Já Verona quer que o governo retire as Comunidades do plano de combate às drogas, que lança nesta quarta.
“A internação compulsória é prevista na lei, mas requer que haja um processo judicial e uma autorização do juiz. O que estamos vendo é uma banalização disso. Nas comunidades a pessoa não vai ser tratada, vai ser segregada. Depois, ela vai ser devolvida à sociedade e aí as políticas públicas vão ter que assumir o caso porque na comunidade não há um plano de continuidade do tratamento”, afirma o presidente do CFP.
O Ministério da Saúde, por meio de sua assessoria de imprensa, afirma que as “internações hospitalares estão disponíveis aos dependentes químicos e devem ser vistas como uma das possibilidades de tratamento (de acordo com indicação médica) e dentro de uma concepção ampliada de atendimento, incluindo o acompanhamento integral do paciente”.
Verona defende tratamento aberto, “dentro da lógica da diminuição de danos”, como os Caps AD. Ele lembra que o número de Caps que funcionam 24 horas - três no País - é insuficiente e precisam ser expandidos.
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O Globo 13.11.2011 ROBERTO MALTCHIK
Brasileiros consomem até 1 tonelada de crack por dia
Indústria da droga movimenta diariamente R$ 20 milhões
BRASÍLIA - Produzido até na Amazônia e com métodos rudimentares de refino e distribuição, o crack já consolidou no Brasil uma indústria que movimenta diariamente R$ 20 milhões. Estimativas da Comissão de Segurança da Câmara dos Deputados e da Polícia Federal indicam que os brasileiros consomem, todos os dias, entre 800 quilos e 1,2 tonelada da "pedra", a droga ilícita campeã em mortes rápidas e no flagelo da degradação familiar.
Os números são conservadores e consideram o universo de 1,2 milhão de usuários de crack no país. Para consolidar pela primeira vez os dados do giro financeiro da pasta-base de cocaína misturada ao bicarbonato de sódio, os especialistas levaram em conta um consumo diário, por usuário, de quatro pedras, sendo que cada uma delas vale R$ 5 em bocas de fumo e "cracolândias" espalhadas nas capitais do Brasil. Porém, as ruas e a experiência das clínicas de recuperação mostram que o dependente só para de fumar quando termina o dinheiro ou quando ele atingiu o esgotamento, o que pode ocorrer depois da 20 dose.
Bruno, nome fictício, de 14 anos, trafica crack e maconha em Brasília para sustentar o vício. Na noite da última quarta-feira, ele contou ao GLOBO que não sabe quantas pedras fuma por dia. Depende do dinheiro no bolso e de quanto arrecada dos outros usuários, estes representantes da classe média da capital federal.
— Com dinheiro, não paro de fumar, moço. Isso aqui fica impregnado! Só paro quando acaba o dinheiro. Se dá, fumo mais de dez pedra (sic), com certeza — disse, sozinho, agachado em um canto de beco na Asa Sul, área de classe média de Brasília.
O relatório preliminar do levantamento produzido pela Comissão de Segurança da Câmara, com o apoio da Federação Nacional dos Policiais Federais e do SindiReceita, indica que um quilo de pasta-base de cocaína produz quatro quilos de crack. E um quilo de crack fabrica quatro mil pedras, cada uma com 240 miligramas, em média.
O levantamento também acaba com a falsa ideia de que o crack é uma droga barata. Não existe consumo de uma pedra. Há, sim, a dependência de cinco, dez pedras diárias, o que significa que nenhum usuário gasta, por dia, menos de R$ 25.
De acordo com o psiquiatra Pablo Roig, diretor da Clínica Greewood, especializada em dependência química, o resultado é que seis entre cada dez usuários de crack cometem algum tipo de crime para obter a droga. Desde o tráfico até o latrocínio, sem contar o recurso mais recorrente: a prostituição.
_ Aí, você pensa no custo social. Falando de mais de um milhão de usuários, podemos pensar que temos potencialmente 600 mil criminosos em função da dependência da droga. Imagina o custo que isso tem para a sociedade. O custo social é altíssimo - diz Roig.
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Pesquisa revela que o crack está em 90% das cidades brasileiras
Uma pesquisa da Confederação Nacional de Municípios revela que o consumo do crack, droga derivada da cocaína, se alastrou por todo o país. Por isso, o Mais Você desta terça-feira, 08 de novembro, conversou com a psiquiatra Analice Gigliotti, especialista em dependentes químicos, que apontou que medidas são necessárias para resolver o problema desta droga.
"Dependência de drogas não tem cura, tem tratamento. Uma vez doente, ela sempre será doente e ter risco de recair. Uma pessoa que está com problema agora, não precisa ficar com ele para o resto da vida. O tratamento é químico, psicológico e social, como se afastar das situações que te levam a consumir, do local, se nele há facilidade”, aconselhou Gugliotti.
Especialistas alertam que, em média, um em cada três usuários morre após cinco anos de uso da droga. O ex-empresário Gilberto, que contou com a ajuda da filha, neta e pais para sair do vício, relatou o drama de perder tudo para as drogas. “Eu destruí os meus sonhos e os sonhos da minha família”, admitiu ele. A psiquiatra analisou que o aumento de uso do crack por pessoas com mais de 50 anos pode ter origem na intensidade e rapidez do efeito da droga: “Ele é mais gostoso que a cocaína, por ser a sua forma fumada, faz efeito mais rápido e, por isso, faz você repetir a dose mais vezes".

Mais Você conhece a realidade de jovem dependente de crack
Uma pesquisa da USP de Ribeirão Preto constatou um dado alarmante: muitas pessoas entre 60 e 80 anos estão consumindo de três a quatro pedras de crack por dia. “Ela é uma droga devastadora e cada vez mais você quer”, declarou um pai de 60 anos. “O crack roubou de mim tudo o que eu tinha, a começar pela minha dignidade e honra. Me tornou um marginal”, desabafou. Para Analice, o principal motivo da escolha do crack é o seu baixo preço. “Em geral, as pessoas de classe média baixa escolhem o crack pelo preço, mas existem outras que escolhem o crack pelo prazer também. A fácil acessibilidade é um fator que aumenta o consumo”, avaliou a especialista.
A droga que surgiu no Brasil na década de 90 tinha uso restrito de uma pequena população em São Paulo. Hoje, segundo estimativas do Governo Federal, o número de brasileiros usuários já chega a 600 mil. Uma pesquisa, com 4.400 municípios, revela que o crack está em 90% das cidades brasileiras, que hoje já ocupa o lugar do álcool em pequenos municípios e na zona rural.
Uma das consequências dessa chegada é o aumento da violência. Em 60% das cidades pesquisadas, a droga está ligada ao aumento de furtos e roubos e da violência doméstica e intrafamiliar. Quase 38% das Prefeituras apontam também problemas entre os adolescentes - a queixa mais preocupante é o tráfico de drogas nas escolas. Em outro dado levantado pela pesquisa, em 44% dos municípios não há qualquer tipo de assistência social para familiares de usuários ou para os viciados. “Os números e os dados impressionam mesmo”, declarou Ana Maria Braga.
Veja 05.11.2011
Pesquisas definem o perfil do usuário de crack
Resultados de estudos encomendados pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria Nacional Antidrogas vão orientar ações para combater a droga
Natalia Cuminale
O usuário típico de crack é pobre, tem baixa escolaridade e possui entre 20 e 40 anos de idade. Ele gasta todo o dinheiro que tem para consumir a droga, não tem acesso a tratamento e não costuma abandonar o vício por problemas de saúde. Sabe-se ainda que a droga não se concentra apenas nas grandes metrópoles – ela está se espalhando por áreas em que não aparecia antes, como cidades do interior do Nordeste. É o que mostram os dados preliminares de três pesquisas diferentes em fase de conclusão, apresentados durante o Congresso de Psiquiatria, no Rio de Janeiro.
Os levantamentos foram encomendados pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), como parte do Plano Integrado para Enfrentamento do Crack e outras drogas. O objetivo é orientar ações e políticas públicas de prevenção a partir da criação de um grande banco de dado com um mapeamento da situação atual droga no país e do perfil dos usuários. A princípio, a divulgação dos resultados oficiais e completos estava prevista para o início deste ano. Ainda não há previsão de divulgação.
O primeiro estudo traça um perfil do usuário de crack que busca tratamento nos Centros de Atenção Psicossociais – Álcool e Drogas (CAPS-AD). O levantamento foi realizado em seis capitais brasileiras. Dados preliminares de 182 usuários de crack de Porto Alegre mostraram que quem busca ajuda para largar a droga tem entre 20 e 40 anos, tem baixa renda e baixa escolaridade. A maioria deles teve problemas com a família e sofreu abuso ou negligência. Além disso, 42% continuam usando a droga apesar dos problemas de saúde que ocorrem em decorrência dela.
A segunda pesquisa refere-se a um levantamento nacional com cerca de 1.000 mapas que apontam onde estão localizados os usuários da droga. Parte deles consome a droga em ‘cracolândias móveis’, ou seja, mudam de ambiente por influência de confronto entre gangues ou ação pontual da polícia. Segundo Francisco Inácio Barros, autor da pesquisa realizada pela FrioCruz, os mapas vão ser utilizados para nortear as políticas públicas para as áreas mais críticas. “O estudo vai desagradar os dois extremos. Por um lado, mostramos que houve um avanço do crack em algumas regiões onde ele não estava. Por outro, não podemos afirmar que o Brasil é um conjunto de cracolândias”, diz Barros.
Descobriu-se também que o comportamento de cada um deles pode variar de acordo com a região. É o que sugere a terceira pesquisa, realizada a partir de uma parceria entre a Universidade Federal da Bahia e a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Por exemplo, os dependentes químicos do Rio de Janeiro moram na rua, não trabalham e consomem o crack em um copo de plástico. Já os usuários de crack de Salvador moram em uma casa, trabalham e misturam a droga com maconha.
No total, foram estudados 80 usuários de crack de Salvador e 80 do Rio de Janeiro. O município de Macaé também faria parte da pesquisa, mas foi excluído devido às dificuldades enfrentadas pelos pesquisadores em entrevistar os usuários de drogas.
O objetivo da pesquisa é descobrir qual o perfil do usuário, como ele chega aos serviços públicos, quais são as barreiras e o que poderia facilitar o acesso”, explica Marcelo Santos Cruz, coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas (Projad) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Além disso, a pesquisa busca saber padrões de consumo, histórico social e médico - foram colhidos exames para diagnóstico de HIV e de hepatite C. “O que podemos antecipar é que é baixíssimo o acesso dessas pessoas aos serviços disponibilizados”, diz Cruz.
Outra pesquisa será iniciada para ajudar a formar esse amplo material sobre o usuário de crack no Brasil. Segundo Marcelo Ribeiro de Araújo, da Unidade de Pesquisas em Álcool e Drogas, o objetivo é conhecer o perfil de quem frequenta os centros que recebem viciados em drogas, também conhecidos como comunidades terapêuticas. No total, 1000 pessoas participarão do estudo, que será realizado em 7 estados e no Distrito Federal. Os resultados devem ser publicados no fim de março de 2013. “Queremos fazer um perfil sócio-demográfico. Precisamos entender como é o comportamento dos usuários de crack para construirmos serviços que correspondam às necessidade deles. Assim será possível agir preventivamente”, diz Araújo.
Opinião do especialista
Ronaldo Laranjeira
Diretor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e outras Drogas (Inpad), coordenador do Unidade de Pesquisas em Álcool e Drogas(Uniad) e autor de uma das poucas pesquisas sobre o crack no Brasil
"O crack é uma epidemia. Mas a Senad e o Ministério da Saúde dizem que não é. Ou eles não sabem o que é epidemia, ou não sabem o que está acontecendo no Brasil.
A pesquisa da FioCruz só observou o surgimento das cracolândias e não buscou comparar para saber se houve um aumento no número de casos no país. Infelizmente, acredito que se gastou muito dinheiro com pesquisa e investiu-se pouco em ação. Esses estudos não serão a revolução para a política de crack no Brasil.
Minha pesquisa mostrou que um terço dos jovens morre após cinco anos de uso de crack. Eles precisam de assistência. A pesquisa pode até direcionar ações políticas. Mas o que é mais urgente?
Enquanto  isso, há uma semana, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, anunciou uma 'caravana do crack', que vai mobilizar e alertar a população sobre os perigos da droga. Medidas políticas são tomadas. Ninguém anuncia, contudo, nenhum novo investimento para aumentar a capacidade assistencial."
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O Globo Pesquisa da CNM 04/11/2011 
Pelo menos 64% dos municípios dizem já sofrer problemas graves com disseminação do crack
André de Souza (andre.renato@bsb.oglobo.com.br)
BRASÍLIA - O crack se espalhou pelo país e é um dos principais problemas para a maioria dos municípios brasileiros, sobrecarregando os sistemas de saúde locais. A conclusão é de pesquisa feita pela Confederação Nacional de Municípios (CNM), que ainda está sendo fechada e será divulgada nesta segunda-feira. O levantamento ouviu 4.400 das 5.563 prefeituras do país. Para 63,7% delas, o crack já causa problemas extras para os serviços públicos de saúde.
Dos municípios ouvidos, 58,5% informaram que a circulação do crack e de outras drogas também tem provocado problemas preocupantes na segurança, enquanto 44,6% responderam que o serviço de assistência social é outra rede que foi afetada seriamente. O presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, frisou que faltam hoje dados sobre o crack e que a pesquisa ajudará a mostrar a real gravidade do problema. Segundo Ziulkoski, a pesquisa avança em relação a uma outra divulgada em dezembro de 2010.
- A situação é muito aguda. Os dados vão poder mostrar melhor o problema - resumiu Ziulkoski.
Ele lembrou que a CNM não tem o poder de implementar políticas contra o uso do crack. Por isso, o objetivo da pesquisa é mostrar a realidade, dando subsídios para o debate sobre a questão:
- Queremos provocar e fomentar políticas de enfrentamento ao crack.
Aumento no registro de alunos armados
Entre os principais problemas detectados na pesquisa está o aumento da violência, inclusive com a crescente incidência de estudantes armados nas escolas. Outros motivos de preocupação para os municípios são a falta de estrutura para atendimento de dependentes e de recursos para prevenção, tratamento, reinserção social e combate ao tráfico.
Ziulkoski também reclamou do que considera uma omissão da União e dos estados. Segundo ele, os municípios acabam sobrecarregados, pois recaem apenas sobre eles a responsabilidade de combater o crack e os problemas decorrentes de seu consumo:
- A União está omissa e os estados, também. A gente ouve discursos, mas faltam ações de enfrentamento (ao crack) - diz, acrescentando: - (O crack) Está sobrecarregando os municípios na área de saúde.
Ziulkoski citou o uso de crack em regiões de produção de cana. Segundo ele, é comum trabalhadores usarem crack para produzir mais.
Embora a pesquisa tenha conseguido obter resposta de 79% dos municípios brasileiros, o índice foi significativamente menor no Rio de Janeiro, repetindo o que já ocorrera na pesquisa de 2010, quando só 15 dos 92 municípios responderam ao questionário. Na pesquisa de 2011, o número subiu para 17. Desses, 89,4% confirmaram que enfrentam problemas com a circulação de drogas.
Para Ziulkoski, o motivo da baixa adesão de cidades do Rio à pesquisa é a oposição entre o estado e a CNM na questão dos royalties do petróleo:
- O baixo índice no Rio ocorre porque os municípios do estado se retiraram. Eles se sentem injustiçados por causa da briga dos royalties.
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rev. Veja / 21.10.2011
Crack agora é vendido na forma granulada em SP
Pedro da Rocha
São Paulo - Em patrulhamento pelo Jaguara, na zona norte de São Paulo, policiais militares prenderam, na noite de ontem, três pessoas com sacolas contendo diversos entorpecentes, dentre eles o crack granulado, que os usuários usam junto com outras drogas.
O crack granulado é vendido em pinos, diferente do comercializado em pequenas pedras. A aparência é similar à cocaína, porém mais amarelada na cor. Ele é repassado desta forma para o usuário poder misturar com outras drogas, como maconha, ou até com tabaco, e preparar cigarros para o consumo.
De acordo com o sargento Odair Genauro, da Força Tática do 49º Batalhão da PM, os detidos foram abordados na Rua Pascoal Bini, próximo ao quilômetro 21,5 da Rodovia dos Bandeirantes. "Eles vendiam a droga na região", contou o sargento. "Os traficantes usam celulares para se comunicar e um avisa o outro quando uma viatura se aproxima. Eles, inclusive, andam com diversos chips de telefone móvel pré-pago para dificultar a quebra do sigilo telefônico e as investigações. Mas, nesse caso, eles não conseguiram fugir e não ofereceram resistência", relatou Genauro.
Foram apreendidos com o grupo 561 porções de maconha, 2003 pinos de cocaína, 200 potes de lança perfume e 569 pinos de crack. Com um dos presos também foram encontrados R$ 1.161 em dinheiro. Os detidos estavam sem documento e o caso foi encaminhado ao 33º Distrito Policial (DP).
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Rede Brasil Atual: 05/10/2011
Crack: internação compulsória só em último caso.
Juízes montam posto de atendimento móvel na Cracolândia para definir tratamento de crianças e adolescentes
Jéssica Santos de Souza,
São Paulo - Em meio à polêmica da internação compulsória para crianças e adolescentes usuários de crack em São Paulo, o Tribunal de Justiça resolveu montar um posto de atendimento móvel na Cracolândia, região central da cidade. O objetivo é avaliar o tratamento adequado caso a caso.
A partir deste mês, 15 juízes vão realizar audiências concentradas, juntamente com a Defensoria e Ministério Público, além de profissionais de saúde para decidir o futuro dos usuários.
O desembargador Antonio Carlos Malheiros, coordenador da Infância e Juventude do TJ-SP e autor da ideia, disse que a internação compulsória é uma violência e só deve ser usada em último caso. Para ele, o importante é encaminhar as crianças para um tratamento em um meio aberto, como nas comunidades terapêuticas.
"Nós não somos adeptos da internação compulsória, a medida só será usada quando ficar absolutamente patente que a criança ou adolescente está em uma gravíssima situação de risco", afirmou Malheiros. Ele também explicou que o Judiciário irá cobrar do poder público o atendimento a essas pessoas. "Nós vamos decidir obrigando o poder público a fazer o que é sua obrigação."
Para o psiquiatra e presidente do Conselho Estadual de Políticas Sobre Drogas (Coned-SP), Mauro Aranha, a iniciativa do TJ é positiva e atende à reivindicação de médicos, assistentes sociais e psicólogos que discutem o problema das drogas. "Esse projeto como apresentado é bem-vindo porque decide caso a caso. Os juízes vão decidir instrumentalizados pelo parecer técnico dos profissionais de saúde", observou Aranha.
A permanência dos juízes nas ruas ainda não tem tempo determinado. Segundo Malheiros, o tempo será definido de acordo com o sucesso da iniciativa. "É importante que o juiz saia do seu gabinete e trabalhe entre as pessoas que estão sofrendo, principalmente se forem crianças e adolescentes", defendeu o desembargador. 
O vice-presidente da Comissão Especial da Criança e do Adolescente do Conselho Federal da OAB, Ariel de Castro Alves comemora a iniciativa "pioneira" do desembargador que, segundo ele, não foca a "limpeza social". "O juízes, defensores públicos e promotores não estão suscetíveis a interesses que não sejam os legais. Ainda mais porque será uma instituição fiscalizando a outra e atuando em conjunto".
Como no Rio
O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (PSD), admitiu a possibilidade de se implantar algum projeto de abrigamento compulsório semelhante ao do Rio de Janeiro, mas até agora não foram divulgados detalhes da iniciativa. O secretário de Assistência Social carioca, Rodrigo Bethlem, compareceu em uma audiência pública sobre o assunto na Assembleia Legislativa de São Paulo no começo de setembro para mostrar os dados da experiência na cidade.Ao ser questionado pela reportagem sobre possíveis abusos nas casas para onde as crianças eram levadas, Bethlem disse que os críticos reclamariam mesmo que elas estivessem hospedadas no luxuoso hotel Copacabana Palace.
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CRACK: ESTRATÉGIAS DIFERENTES PARA 
PEQUENAS E GRANDES CIDADES
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, afirmou em entrevista, na tarde desta sexta-feira (7), que o consumo de drogas é um problema de saúde pública: “temos que ter tratamento epidêmico para este problema. Temos que tratá-lo como uma situação nova e emergente em nosso País”.
Perguntado sobre o aumento do consumo de crack entre trabalhadores do interior do Brasil, o ministro ressalta a necessidade de maior articulação, no setor público e privado, para prevenção e tratamento. “Uma ação combinada com o setor de Educação, com o setor da produção do trabalho, para entender porque algumas vezes a droga está relacionada, por exemplo, a pessoa querer produzir mais; trabalhar mais; virar a noite trabalhando; para que a gente possa interferir naquilo que leva às pessoas ao consumo”, disse.
Padilha destacou ainda que os modelos de atendimento devem ser adaptados às necessidades das cidades. “Na rede de saúde mental, a ideia é expandir serviços diferentes para todas as realidades dos municípios. Têm pessoas que precisam dos consultórios de ruas, nas crackolândias que, em geral, estão nas grandes cidades. Já em pequenos e médios municípios, criar centros especializados ambulatoriais para álcool e drogas. Estes centros trabalham 24 horas, com retaguarda para pessoa se cuidar e, se precisar ficar internada, durante um ou dois dias para se estabilizar, existirão unidades de acolhimento, em parceria com entidades que já fazem isso”, explicou.
Atendimento mais próximo – Os consultórios de rua serão unidades móveis, compostas por médicos, profissionais de saúde mental e assistência social, que ficarão localizadas em regiões conhecidas pela presença de usuários de álcool e drogas. O objetivo é fazer uma avaliação rápida do estado de saúde dos dependentes químicos e, caso seja necessário, encaminhá-lo ao serviço médico mais adequado. Os assistentes sociais auxiliarão no acolhimento e reinserção no mercado de trabalho.
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Agência Bom Dia 04/09/2011

Crack se instala entre pessoas da 3ª idade

Serviço público de atendimento psicossocial de Rio Preto atendeu pelo menos cinco pacientes com mais de 60 anos neste ano viciados na droga

Nany Fadil

Pedro, 60 anos, já foi professor e empresário em Rio Preto. Era alguém aceito em sociedade, com família constituída. Costumava passear nos finais de semana com a mulher e o casal de filhos.

O professor, como é conhecido hoje, faz coleta de materiais recicláveis e pede dinheiro na rua para alimentar a vida e o vício, dele e da filha, pelo crack. Os dois moram juntos na rua e consomem, juntos, a pedra branca considerada uma das mais destrutivas.

Pedro é mais uma vítima da droga que se instalou recentemente entre pessoas da terceira idade de Rio Preto.

Não existem números que mostrem o percentual do avanço do crack , mas só neste ano, o Caps/AD (Centro de Atenção Psicossocial/Álcool e Drogas) atendeu pelo menos cinco pacientes com mais de 60 anos, dependentes da droga. Um deles conheceu e se viciou em crack aos 73 anos.
A reviravolta na vida de Pedro se deu há 20 anos, quando ele perdeu a mulher e conheceu a cocaína. Passou a cheirar diariamente e cada vez mais. “Cheirou” a casa, o carro, o dinheiro que tinha e a empresa, mas ainda mantinha a dignidade, morava em casa de aluguel e cuidava dos filhos.
Foi há pouco mais de dois anos que o empresário passou a ser pedinte depois de ser apresentado ao crack e, como ele mesmo diz, ter se rendido totalmente à droga. “Vicia na primeira vez que usa.”
A filha, Sílvia, 23 anos, é a única companheira que sobrou para Pedro. As demais pessoas que fizeram parte de seu ciclo social se afastaram. “Eles não querem conviver com uma pessoa como eu.”
Sílvia conheceu o crack na faculdade. Era estudante de letras. Via os pai às vezes, mas agora mora com ele na rua.
“Eu nunca levaria um filho meu para essa droga, mas quando ela me procurou já estava viciada. Já que estamos na rua eu cuido dela.”
Mais /As vovós do crack – um grupo de mulheres que vendem a droga em um bar no Centro – também têm na maioria 60 anos ou mais de idade. Com o dinheiro que recebem pelo tráfico garantem o consumo da pedra. Nenhuma quis falar com o BOM DIA.
Um aposentado de 75 anos, bem instalado em um apartamento de três dormitórios, é outro dependente da droga. É um senhor distinto, mas que vez em quando passa dois, três dias na rua, sem tomar banho ou se alimentar. Parece um pedinte.  Ele também se nega a falar sobre o assunto.
Segundo a direção do Caps/AD, todos os pacientes viciados em crack e com mais de 60 anos que procuraram atendimento estão evadidos, ou seja, desistiram de lutar contra a pedra. 
Prazer / Especialistas dizem que os idosos têm recorrido à droga à procura de uma nova forma de prazer e para superar dificuldades típicas da velhice. Alertam que as redes de saúde pública e privada não estão preparadas para identificar e tratar dependentes químicos com mais de 60 anos de idade.
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rev Época 08.08.2011
Internar à força resolve?
Marina Sanches, Matheus Paggi (texto), André Valentim (fotos), com Eduardo Duarte Zanelato
RESIGNADO
Um usuário de crack de 25 anos espera pelo transporte que o levará ao abrigo municipal. Ele aceitou a internação porque temia morrer do vício
A boca ferida, maltratada pelo uso contínuo de cachimbos precários, era uma das poucas partes do rosto de R. que o cobertor marrom e sujo deixava entrever. O corpo miúdo poderia facilmente ser confundido com o de um garoto de 14 anos. Os passos que o conduziam para fora da Favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, eram apenas resignados, não mais relutantes. Enquanto caminhava, R. experimentava momentos de lucidez nos quais tentava resumir sua trajetória. Aos 25 anos, viciado em crack, sem ter onde dormir, exceto a rua, ele enfrentava o quarto dia sem comer. No dia 19 de julho, foi encontrado e levado à força pela equipe da Secretaria de Assistência Social do município do Rio de Janeiro. “Se for a salvação para mim, eu vou. Sabe por quê? Porque eu tô vendo que se eu ficar aqui, fumando oito, nove pedras por dia, eu não vou aguentar mais. Eu vou morrer.” Antes das 10 horas da manhã, R. já embarcara numa das quatro vans da prefeitura que levaria os usuários de crack recolhidos ali à delegacia e, depois, a algum abrigo para tratamento de dependentes químicos.
A ação da Secretaria de Assistência Social carioca é estridente. Desde maio, três vezes por semana, os agentes sobem os morros da cidade que continuam sob domínio do crime organizado para levar, na marra, os dependentes de crack que povoam as cracolândias da cidade. ÉPOCA acompanhou uma dessas operações no final do mês passado. O trabalho só é possível porque é apoiado por policiais civis e militares, empunhando armas de grosso calibre. Antes dos agentes, o blindado da PM conhecido como “caveirão” sobe o morro. Há troca de tiros entre a polícia e traficantes. Abordados pelos agentes, os usuários costumam reagir de modo arredio. A resposta vem na mesma proporção. O porte físico avantajado e a experiência como segurança de boate, constantes entre os agentes da secretaria, possibilitam que eles terminem por dominar os dependentes, embora com dificuldades.
As operações já resultaram no acolhimento de 1.319 pessoas (1.065 adultos e 254 crianças e adolescentes) em cracolândias. Segundo a prefeitura do Rio, nas áreas onde os viciados são tirados das ruas, o índice de pequenos roubos e furtos costuma cair até 50% nos primeiros dias. Depois de levados das favelas, crianças, adolescentes e adultos têm destinos diferentes. Todos os menores de 18 anos encontrados, de quem o Estado passa a ser o tutor, ficarão cerca de três meses internados contra a própria vontade (e de sua família, eventualmente) em alguma unidade terapêutica da prefeitura. São casas com psiquiatras, clínicos gerais, enfermeiros, terapeutas ocupacionais e grades. Grades por todos os lados. A prefeitura do Rio está convencida de que, sem elas, de nada adianta ter os melhores profissionais. A recuperação seria inviável. Ainda assim, nem sempre se consegue evitar a fuga dos pacientes. Para os adultos, a internação compulsória ainda não é a regra, embora já ocorra em alguns casos, sempre autorizados por um juiz. A prefeitura do Rio afirma que gostaria de adotá-la em larga escala, mas que ainda não encontrou um meio legal de promovê-la.
À FORÇA
Dependentes químicos menores de idade são levados para internação compulsória em operação da Secretaria de Assistência Social do Rio. As operações começaram em maio e já recolheram mais de 1.300 pessoas
A medida de internação à força do Rio de Janeiro é pioneira, tem provocado polêmica, mas conquistado cada vez mais adeptos entre os gestores públicos. No Congresso, tramita um projeto de lei que propõe extinguir a necessidade de ação judicial para internar alguém à força. No governo federal, há autoridades simpáticas à ideia. Em São Paulo, onde há a maior cracolândia do país, depois de dois anos de uma política de convencimento de dependentes para que aceitassem voluntariamente ser tratados, a experiência carioca poderá ser repetida em breve. A Procuradoria-Geral da cidade deu um parecer favorável à internação compulsória de usuários de crack. A decisão agora cabe ao prefeito Gilberto Kassab, que já admitiu publicamente ver a internação forçada como uma resposta para o histórico problema do município. Estima-se que, pela cracolândia paulistana, perambulem quase 2 mil pessoas diariamente. A internação na marra funciona? Representa uma solução para as famílias que sofrem o drama de ter dependentes em crack?
A despeito das críticas daqueles que veem na proposta apenas uma tentativa de limpar as ruas, diversos motivos empurram os governantes à medida extrema da internação compulsória. A droga surgiu no Brasil no fim da década de 1980 e ficou restrita aos grandes centros urbanos e às populações de classe baixa por mais de uma década (leia o quadro abaixo). Nos últimos anos, o crack se espalhou pelo país, atingiu todas as classes sociais e ganhou contornos de epidemia. Nas eleições presidenciais do ano passado, o combate à droga emergiu como um dos assuntos mais discutidos da campanha. Na ocasião, a então candidata petista, Dilma Rousseff, chegou a declarar que o crack era “uma das questões mais desafiantes” de sua futura gestão.
Não existem estatísticas sobre o número de usuários no Brasil. Uma estimativa feita pela Frente Parlamentar Mista de Combate ao Crack, com base nos dados do Censo de 1999 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sugere que eles sejam 1,2 milhão de pessoas. O governo federal deverá divulgar nas próximas semanas os resultados da maior pesquisa já feita sobre o assunto no país. Foram ouvidos 50.890 estudantes de ensino fundamental e médio em todas as capitais e no Distrito Federal. Deles, 0,6% admitiu já ter usado crack ao menos uma vez na vida. Parece pouco se comparado ao número dos que já provaram maconha (5,7%) ou álcool (60,5%). Mas não é. “As pessoas de bom-senso sabem que estamos diante de uma epidemia de crack”, diz o médico Drauzio Varella, favorável à internação compulsória.
A comparação entre o número de usuários de crack e os de outras drogas, como maconha e álcool, também não revela a magnitude dos prejuízos físicos e sociais que cada uma dessas drogas produz. “Existem dois tipos de usuário: aqueles que usam compulsivamente a droga até acabar e que, tão logo acabe, partem em busca de mais e aqueles que fazem um uso controlado da substância”, afirma o psiquiatra Elisaldo Carlini, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “A grande maioria dos usuários de crack pertence ao primeiro grupo.” A necessidade de repetir o êxtase obtido no consumo da pedra pode levar o viciado a abandonar a própria casa e a família e a cometer crimes. Maltrapilhos, vagando pelas ruas em meio a lixo e entulho e sob o constante delírio provocado pelas baforadas de crack, eles parecem estar completamente desprovidos da capacidade de escolher, de exercer as próprias vontades com autonomia. De acordo com os defensores da medida, esse estado degradado dos dependentes justifica a internação compulsória.
A vida de A., de 14 anos, é uma sucessão de evidências favoráveis a esse argumento. Viciada em crack desde os 9, ela chegou a se prostituir para comprar a pedra. Nas cracolândias, contraiu HIV, sífilis e tuberculose. Internada compulsoriamente no Rio há dois meses, tenta se recuperar do vício. Simpática, revela, ao fim de cada frase triste, um sorriso banguela. O dente perdido é uma das consequências de sua compulsão química. Desesperada para fumar e sem dinheiro, aos 11 anos A. surrupiou uma pedra de R$ 5 do estoque de um traficante. Descoberta, levou uma surra que lhe extirpou parte do sorriso. Nas regras de conduta rígidas do crime, é razoável considerar que A. teve sorte de não ter sido morta. Os criminosos parecem ter entendido antes do Estado o potencial devastador do crack. Nas cadeias brasileiras sob mando do crime organizado, a lei tácita dos presos é taxativa: é proibido o consumo de crack atrás das grades. “Nos presídios do país, as facções chegaram à conclusão de que era melhor abolir o crack porque o uso acaba por interferir na hierarquia da cadeia e atrapalha o negócio. Se você fuma crack dentro da cadeia, toma uma surra que nunca mais esquece. E, se você trafica, eles te matam”, diz Drauzio Varella.
RESISTÊNCIA
Uma usuária de crack na Favela do Jacarezinho, no Rio. Aparentando estar grávida, ela se recusava a ser internada
Fora dos presídios, nem o Estado nem as famílias conseguiram exercer um controle sobre o uso do crack tão estrito como o imposto pelas facções criminosas. Nenhuma das tentativas feitas pela camareira Terezinha dos Santos, de 38 anos, do Rio de Janeiro, de amarrar os pés e as mãos da filha para mantê-la em casa funcionou. Viciada em crack, era comum que J. passasse temporadas fora de casa. “Ela saía de casa arrumada, com uma roupa bonita. Voltava dias depois, com outra roupa, fedendo, machucada, faminta e agressiva”, diz Terezinha. “A gente sabia que ela saía, mas não sabia se voltava.” Da última vez que fugiu para a cracolândia, J. não voltou. Foi encontrada pela equipe de assistência social do Rio dez dias depois de ter saído de casa. Ela resistiu à abordagem e não admitia estar grávida de oito meses. Como já tinha 22 anos, não poderia ficar internada compulsoriamente sem uma decisão judicial. Depois de capturada pela assistência social, ela teria direito a sair do abrigo.
A prefeitura do Rio e a mãe da garota recorreram ao Judiciário. “Foi uma luta para conseguir uma decisão judicial que obrigasse ela a ficar internada”, diz Terezinha. J. passou o fim da gravidez num quarto de hospital vigiado por policiais, que a impediram de fugir. Depois de nascer, o bebê teve de passar por uma desintoxicação durante dez dias. “Ela não tinha noção do que estava fazendo, não tinha como decidir nada, e isso era claro. Mas eu não conseguia interná-la à força porque o processo judicial é complicado”, diz a mãe. A depender do Legislativo, é possível que outras mães sejam poupadas do périplo de Terezinha. O deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS) propôs, em projeto de lei, extinguir a necessidade de uma decisão judicial para internar um dependente à força. A palavra de um médico bastaria como aval para que a família ou o Estado ponham, na marra, crianças ou adultos em hospitais. A proposta já foi aprovada na Comissão de Seguridade Social da Câmara dos Deputados e deverá ser encaminhada ao plenário nos próximos meses. Se aprovada, permitiria uma onda de internações compulsórias.
A aprovação da lei pode gerar uma grande discussão judicial, já que alguns juristas interpretam-na como inconstitucional, por ferir o direito de ir e vir garantido aos cidadãos pela Carta Magna de 1988. A Ordem dos Advogados do Brasil manifestou-se publicamente contra a medida da prefeitura do Rio. “As pessoas maiores de idade, salvo se interditadas, podem praticar todos os atos da vida civil: podem votar, podem casar, ir aonde quiserem. Em hipótese alguma, podem ser compulsoriamente internadas. Vou até mais longe: se o Kassab e os outros governantes insistirem nisso, correrão o risco até de parar num tribunal penal internacional por praticar crime contra a humanidade”, afirma o jurista Wálter Maierovitch. Os defensores da medida lembram que a mesma Constituição garante o direito à vida aos cidadãos. “Vamos botar na balança: o que é mais importante? O direito à vida e à saúde ou o direito de ir e vir?”, diz o promotor Marcelo Luiz Barone, de São Paulo. Barone faz parte do grupo do Ministério Público paulista que se dedica a estudar formas de pôr em prática uma interdição judicial coletiva aos crackeiros da cidade. “O bem maior garantido pela Constituição é a vida do ser humano”, afirma.
O tema é especialmente sensível porque, há mais de 20 anos, o movimento mundial antimanicomial luta para pôr fim aos hospitais psiquiátricos, em que se encarceravam por décadas doentes mentais e dependentes químicos. “Nenhum país democrático do mundo tem instituições fechadas”, diz a vice-prefeita de São Paulo, Alda Marco Antonio (PMDB), que acumula a função de secretária de Assistência Social. A despeito de ser integrante da gestão Kassab, Alda se opõe à internação compulsória. A Europa descreveu o caminho oposto àquele ao qual o Brasil parece rumar na tentativa de combater a dependência química. Diante dos maus resultados dos parques de consumo, em países como Suíça e Holanda, os governos locais optaram por criar as “narcossalas”, espaço em que o uso da droga é liberado, mas controlado, e em que se aplicam técnicas de redução de danos. De acordo com o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT), nenhum país do continente adota medidas de internação compulsória.
Nos Estados Unidos, o Estado propôs outra maneira de levar viciados ao tratamento. Criou cerca de 1.400 tribunais exclusivos para os usuários de drogas, em todo o país. Dependentes químicos apanhados com drogas, em vez de prisão, são obrigados a ficar internados para combater o vício. No Brasil, desde 2006, os usuários de droga não podem ser punidos com prisão. Os críticos da adoção da internação compulsória como política pública veem na medida uma reversão da tendência mais humanizada no tratamento aos viciados em drogas. Segundo essa visão, seria aberto um perigoso precedente para a reedição, no mundo real, de enredos como o do filme Bicho de sete cabeças, em que um usuário de maconha é internado à força num manicômio. O assunto divide até mesmo o governo federal. Segundo ÉPOCA apurou, o Ministério da Justiça aceita discutir a ideia da internação forçada. No Ministério da Saúde, há resistência.
RECUPERAÇÃO
À esquerda, Terezinha dos Santos, mãe de uma jovem de 22 anos recolhida aos oito meses de gravidez de uma cracolândia do Rio. À direita, João Victor Melhado, de 29 anos. Dependente de crack por seis anos, ele foi internado nove vezes. Só se recuperou depois de se internar por vontade própria
Há ainda a discussão sobre a eficácia da internação compulsória. Os psiquiatras dizem que ela pode funcionar ou não – e que o sucesso da internação, voluntária ou involuntária, depende da reinserção social e do acompanhamento cuidadoso do paciente depois da alta. “Nos casos mais graves, a internação é a alternativa mais segura. O ideal seria que ninguém precisasse disso, mas a dependência química é uma doença que faz com que a pessoa perca o controle”, afirma o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, favorável à medida.
Baseado em sua própria experiência, João Victor Melhado, de 29 anos, coordenador de uma casa de tratamento de dependentes químicos, é taxativo ao discordar e dizer que internar à força não funciona. Durante seis anos, ele foi viciado em crack. Chegou a gastar R$ 1.200 por mês em drogas. O desespero da família de classe média, do interior paulista, levou-o a nove internações. Numa delas, foi carregado na marra. “Acordei com três caras em volta de mim. Eles me algemaram e me enfiaram num camburão. Eu nem sabia se estava sendo levado para a prisão. Só descobri depois de chegar lá que estava numa clínica particular de recuperação”, diz Melhado. Em dois meses, ele conseguiu fugir do lugar e voltou ao crack. Sua recuperação só aconteceu quando, em 2009, por vontade própria, ele se internou. Passou um ano em tratamento. Está há dois anos sem usar drogas e agora trabalha para recuperar outros jovens. “Não adianta chamar ambulância, forçar, enjaular. Eu já passei por isso e sei que não recupera ninguém”, afirma Melhado.
A garota A., do Rio, afirma que é somente graças à internação forçada que ela está viva. Faltava à menina discernimento e condições psíquicas de pedir ajuda. “Cheguei aqui pesando 23 quilos. Agora estou com 50 e poucos. Aqui é tudo bom, tem comida na hora certa, os educadores são bons”, diz. Ainda assim, o comportamento de A. não dissimula a dificuldade da jornada. Entre os sorrisos e as brincadeiras, ela implora a uma das educadoras um cigarro para saciar sua fissura.
Além da discussão legal, médica e filosófica, há problemas práticos. O Estado brasileiro dispõe de escassas vagas para internação – compulsória ou não – e tratamento de dependentes químicos. Em São Paulo, há 317 leitos para esse fim, entre parcerias com instituições privadas e o serviço da própria prefeitura, criado no ano passado nas instalações de um antigo motel. O problema se repete sistematicamente nos grandes e pequenos municípios do Brasil. E manter essa população internada sai caro. No Rio de Janeiro, cada criança abrigada compulsoriamente no serviço da prefeitura custa cerca de R$ 3 mil por mês. Em São Paulo, a manutenção de hospital com 80 leitos municipais exige R$ 1,3 milhão mensais.
SEM AUTONOMIA
Aglomeração de usuários de crack no bairro da Luz, em São Paulo, por onde circulam cerca de 2 mil pessoas por dia. A prefeitura estuda adotar a internação compulsória porque entende que os dependentes não são mais responsáveis por si mesmos
Uma alternativa tem sido encaminhar dependentes a comunidades terapêuticas, a maioria ligada a instituições religiosas. Uma das maiores em atividade no Brasil, a católica Fazenda da Esperança abriga quase 2 mil pessoas em 55 unidades espalhadas pelo país. O tratamento, que dura um ano, consiste em manter uma rotina de trabalho e convivência comunitária e exercitar a espiritualidade. Não há remédios ou acompanhamento médico. Só são aceitos dependentes que queiram se tratar. Desde janeiro, a Fazenda da Esperança firmou uma parceria com a prefeitura de São Paulo e tem tentado convencer os usuários da cracolândia paulistana a se internar. Até agora, apenas 12 aceitaram a ideia. “O prefeito Kassab veio aqui, demonstrou sua preocupação de não saber o que fazer, eu disse a ele que podia oferecer o nosso jeito”, afirma o idealizador do projeto, o frei alemão Hans Stapel. “Mas o alertei de que não aceito mudanças e não vou internar ninguém à força.”
Segundo Stapel, cerca de 80% dos pacientes tratados por seu método se mantêm distantes da droga, um porcentual de sucesso superior à taxa de recuperação média das clínicas, que recuperam entre 20% e 30% dos dependentes. O papel da religião na recuperação dos viciados provoca controvérsia. “A dependência química é uma doença complexa e requer um tratamento complexo. Não vai ser com oração que você vai tratar adolescente dependente de crack”, diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeira. Mas trabalhos realizados por psiquiatras têm demonstrado que a religião pode funcionar como um meio de reinserção social e afastar o risco da dependência. Em 2004, uma pesquisa feita pela Unifesp com jovens moradores de favelas de São Paulo em que havia prevalência de tráfico de drogas mostrou que aqueles que não se tornavam dependentes químicos atribuíam sua distância dos narcóticos ao respeito à mãe e, em segundo lugar, à religiosidade.
Não há respostas fáceis para o tratamento dos dependentes químicos, especialmente no caso de uma droga tão destrutiva como o crack. “A internação compulsória é um recurso extremo, e não podemos ser ingênuos e dizer que o cara fica internado três meses e vira um cidadão acima de qualquer suspeita. Muitos vão retornar ao crack. Mas, pelo menos, eles têm uma chance”, diz Drauzio Varella. Longe de ser uma solução ideal, a internação compulsória talvez seja a única resposta para os casos mórbidos criados pelo vício em crack.


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O crack: como lidar com este grave problema
15.dezembro.2009 
Coordenação Nacional de Saúde Mental, Álcool & Outras Drogas
Breve panorama do crack
O panorama mundial da difusão do uso do cloridrato de cocaína (pó) por aspiração intranasal esteve associado, a partir da década de 60, à falta de algumas drogas no mercado, como a anfetamina e a maconha, devido às ações repressivas. Contudo, o alto preço do produto levou usuários de drogas à descoberta de outras formas de uso com efeitos mais intensos, apesar de menor duração. Desse cenário, no início de 1980, aparecem novas drogas obtidas a partir da mistura de cloridrato de cocaína com ingredientes cada vez mais incertos e tóxicos. Tempos depois, surge o uso do crack, outra forma fumável de cocaína, disseminando-se no Brasil, oficialmente a partir de 1989, alastrando-se atualmente, em vários segmentos sociais de gênero, sexo, idade e classe social.  
Na produção de crack não há o processo de purificação final. O cloridrato de cocaína é dissolvido em água e adicionado em bicarbonato de sódio. Essa mistura é aquecida e, quando seca, adquire a forma de pedras duras e fumáveis. Além dos alcalóides de cocaína e bicarbonato de sódio, essas pedras contêm as sobras de todos os ingredientes que já haviam sido adicionados anteriormente durante o refino da cocaína. As pedras de crack são vendidas já prontas para serem fumadas. Sua composição conta com uma quantidade imprecisa de cocaína, suficiente para que possa produzir efeitos fortes e intensos. Além disso, para obter a produção final do crack são misturadas à cocaína diversas substâncias tóxicas como gasolina, querosene e até água de bateria.
O uso disseminado do crack no mundo das drogas está relacionado a vários fatores que levaram a uma grave transformação, tanto na oferta quanto na procura. De um lado, o controle mundial repressivo sobre os insumos químicos necessários a sua produção – como éter e acetona – leva os produtores a baratear cada vez mais sua fabricação, com a utilização indiscriminada de outros ingredientes altamente impuros. Quanto mais barata sua produção, mais rentável é sua venda. Por outro lado, o crack representa para a população usuária de drogas um tipo de cocaína acessível, pois vendido em pequenas unidades baratas, oferece efeitos rápidos e intensos. Entretanto, a desejada intoxicação cocaínica proporcionada pelo crack provoca efeitos de pouca duração, o que leva o usuário a fumar imediatamente outra pedra. Esse ciclo ininterrupto de uso potencializa os prejuízos à saúde física, as possibilidades de dependência e os danos sociais. A inovação no mercado das drogas com a entrada do crack atraiu pequenos traficantes, agravou ainda mais a situação, com o aumento incontrolável de produções caseiras, se diferenciando conforme a região do país.
À cocaína é misturada uma variedade incerta de reagentes químicos em sua preparação. O desconhecimento quanto a sua composição pode dificultar, muitas vezes, as intervenções emergenciais de cuidados à saúde nos casos de intoxicação aguda sofrida por alguns usuários. Tais condições, porém, não impossibilitam o desenvolvimento de ações voltadas à saúde e ao bem-estar social da referida população
Formas de uso e seus efeitos  
O crack é fumado por ser uma forma mais rápida (e barata) de a droga chegar ao cérebro e produzir seus efeitos. A pedra é quebrada e fumada de diversas maneiras e em diferentes recipientes: enrolada no cigarro de tabaco ou misturada na maconha – forma que parece amenizar psiquicamente os efeitos maléficos da droga, como o sentimento de perseguição, a agitação motora e posteriormente a depressão. É também fumado em cachimbos improvisados feitos em tubos de PVC ou em latas de alumínio muitas vezes coletados na rua ou no lixo, apresentando possibilidades de contaminação infecciosa. O uso de latas favorece a aspiração de grande quantidade de fumaça pelo bocal, promovendo intoxicação pulmonar muito intensa.   
            São vários os tipos de danos causados pelo uso de crack. Além dos problemas respiratórios pela inspiração de partículas sólidas, sua ação estimulante leva à perda de apetite, falta de sono e agitação motora e, a dificuldade de ingestão de alimentos pode levar à desnutrição, desidratação e gastrite. Podem ser ainda observados sintomas físicos como rachadura nos lábios pela falta de ingestão de água e de salivação, cortes e queimaduras nos dedos das mãos e às vezes no nariz, provocados pelo ato de quebrar e acender a pedra, além de ficar o usuário mais exposto ao risco social e de doenças.
Dados epidemiológicos  
O cenário epidemiológico do crack no Brasil, segundo o CEBRID, aponta:  
1.      População geral, cidades com mais de 200.000 habitantes (2001 e 2005) 


2001
2005

homens
mulheres
total
homens 
mulheres
total 
Crack: uso na vida (%)
0,7 
0,2
0,4  
1,5
0,2  
0,7
                  
2.      Estudantes de 10 a 19 anos, ensino fundamental e médio da rede pública de ensino, (2004) – padrão de consumo de crack  
Padrão de uso  
%
Uso na vida
0,7
Uso no ano
0,7
Uso no mês  
0,5  
Uso freqüente* 6 ou mais vezes nos últimos 30 dias
0,1  
Uso pesado** 20 ou mais vezes nos últimos 30 dias
0,1
                                      
3.      Crianças e adolescentes, de 9 a 18 anos, em situação de rua (27 capitais brasileiras - 2003)  
Uso no ano  
8,6%
Uso no mês
5,5%  

          Gestores de saúde mental relatam aumento no consumo de crack em regiões que não apresentavam consumo significativo da droga, em especial no nordeste e nas cidades fora dos grandes centros urbanos. O aumento parece estar relacionado com o baixo custo e as características dos efeitos procurados, embora sejam necessários estudos e pesquisa sobre a influência desses ou outros fatores.
            Atenção integral em saúde e saúde mental aos usuários de crack  
Como todo uso de drogas está associado a fatores biopsicossociais, o consumo de crack não é diferente. Além dos problemas físicos já descritos, há os de ordem psicológica, social e legal. Ocorrem graves perdas nos vínculos familiares, nos espaços relacionais, nos estudos e no trabalho, bem como a troca de sexo por drogas e, ainda, podendo chegar à realização de pequenos delitos para a aquisição da droga. Há controvérsia se tais condutas socialmente desaprovadas têm relação com o estado de “fissura” para usar ou se resulta da própria intoxicação. A unanimidade é que o usuário desemboca numa grave e complexa exclusão social.  
As abordagens ao usuário de crack exigem criatividade, paciência e respeito aos seus direitos, enquanto cidadão, para superar seu estado de vulnerabilidade, riscos, estigma e marginalização. Estratégias preventivas podem ser levantadas não somente entre esse novo grupo, como também dirigidas àqueles usuários que, por algum motivo, ainda não se aventuraram nesse tipo de droga. O atendimento ao dependente de crack deve considerar alguns importantes critérios: 
      1.            O usuário que não procura tratamento: a ele devem ser dirigidas estratégias de cuidados à saúde, de redução de danos e de riscos sociais e à saúde. As ações devem ser oferecidas e articuladas por uma rede pública de serviços de saúde e de ações sociais e devem ser feitas por equipes itinerantes, como os consultórios de rua,  que busquem ativamente ampliar o acesso aos cuidados em saúde e em saúde mental destes usuários. A perspectiva dessa abordagem objetiva os cuidados da saúde como também as possibilidades de inserção social. 

      2.            A porta de entrada na rede de atenção em saúde deve ser a Estratégia de Saúde Família e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Estes serviços especializados devem ser os organizadores das demandas de saúde mental no território. Os CAPS devem dar apoio especializado às ESF, fazer articulações intersetoriais (educação, assistência social, justiça, cultura, entre outros) e encaminhar e acompanhar os usuários à internação em hospitais gerais, quando necessário.  

      3.            Quando o usuário acessa as equipes de saúde e de saúde mental,  é necessária uma avaliação clínica das suas condições de saúde física e mental, para a definição das intervenções terapêuticas que devem ser desenvolvidas. É importante que se faça uma avaliação de risco pelas equipes de saúde para se definir se é necessária ou não a internação. 

      4.            A internação deve ser de curta duração, em hospital geral da rede pública, com vistas à desintoxicação associada aos cuidados emergenciais das complicações orgânicas e/ou à presença de algum tipo de co-morbidade desenvolvida com o uso. É concebível e muito comum que usuários de crack, ainda que num padrão de uso preocupante, resistam à internação e optem pela desintoxicação e cuidados clínicos em regime aberto, acompanhado nos CAPSad por uma equipe interdisciplinar, nos níveis de atendimento intensivo, semi-intensivo e até o não intensivo. Nesse caso, a boa evolução clínica, psíquica e social dependerá da articulação inter e intrasetorial das redes de apoio, inclusive e se possível, com mobilização familiar. 
      5.            A decisão pela internação deve ser compreendida como parte do tratamento, atrelada a um projeto terapêutico individual e, assim como a alta hospitalar e o pós-alta, deve ser de natureza interdisciplinar. Intervenções e procedimentos isolados mostram-se ineficazes, com pouca adesão e curta duração, além de favorecer o descrédito e desalento da  família e mais estigma ao usuário.  
  • Estratégias de intervenção e cuidados da rede de saúde:   
  •  Avaliação interdisciplinar para cuidados clínicos (e psiquiátricos, se necessário)
  • Construção de Projeto Terapêutico Individual, articulado inter e intrasetorialmente 
  • Atenção básica (via ESF e NASF, com participação de profissionais de AD) 
  • CAPSad – acolhimento nos níveis intensivo, semi-intensivo até não intensivo 
  •  Leitos em hospital geral 
  • Consultórios de rua, casas de passagem 
  •  Estratégias de redução de danos 
  • Articulação com outras Políticas Públicas: Ação Social, Educação, Trabalho, Justiça, Esporte, Direitos Humanos, Moradia.           
 Referências bibliográficas de consulta: 
1. Domanico, A. & MacRae, E. Estratégias de Redução de Danos entre Usuários de Crack. In: Silveira, D. X. & Moreira, F. G. Panorama Atual de Drogas e Dependências. São Paulo: Ed. Atheneu, 2006.  
2. Silveira, DX, Labigalini E. e Rodrigues, LR Redução de danos no uso de maconha por dependentes de crack. In: SOS crack prevenção e tratamento. Governo do Estado de São Paulo, 1998.  
3. Andrade, AG, Leite, MC e col. Cocaína e crack: dos fundamentos ao tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.  
4. Governo de São Paulo. SOS crack: prevenção e tratamento, diretrizes e resumos de trabalhos, 1999.  
5. Silva, SL. Mulheres da luz: uma etnografia dos usos e da preservação no uso do crack. 2000.
                                                                                                                                       15.dezembro.2009 
Coordenação Nacional de Saúde Mental, Álcool & Outras Drogas
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CAMPANHA CRACK NEM PENSAR.


O que você acha desse tipo de campanha?
Manifeste-se, sua opinião é muito importante para nós.
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Os desafios para o tratamento do usuário de crack 
É fácil tornar-se um dependente químico, mas é difícil fazer o caminho inverso, especialmente quando se depende do Sistema Único de Saúde

Natalia Cuminale / Rev Veja

Especialistas que conhecem a fundo os efeitos do crack no organismo dizem que não basta uma tragada para que o usuário fique viciado, mas tornar-se um dependente químico é um processo rápido. Fazer o caminho contrário, contudo, é difícil. Estima-se que a taxa de sucesso dos tratamentos de desintoxicação gira em torno de 25% a 30%.
Ana Cecília Marques, coordenadora do departamento de dependência química da Associação Brasileira de Psiquiatria, explica que o tratamento anticrack é dividido em três fases: desintoxicação, diagnóstico dos fatores que levaram o indivíduo à dependência e controle dessa mesma dependência, que pode incluir uso de medicação. "Na última fase, o usuário precisa fazer essa manutenção, porque a dependência é uma doença crônica", diz. "Ele não vai ter alta: precisa fazer retornos periódicos. Além disso, é necessário avaliar seu processo de reinserção na sociedade."
O caminho para livrar-se da droga pode ser mais tortuoso se depender do Sistema Único de Saúde (SUS). "Infelizmente, no Brasil, não temos um tratamento público para a maior parte dos dependentes químicos", diz Ana Cecilia. Atualmente, para atender esses doentes, o governo federal mantém 8.800 vagas em hospitais psiquiátricos, 243 centros de atenção psicossocial álcool e drogas (Caps-AD), Núcleo de Saúde da Família e 35 Consultórios de Rua. É pouco se considerada a estimativa do Ministério da Saúde de 600.000 usuários somente de crack no país. A rede de saúde mental faz parte do SUS, que tem ações do âmbito federal, estados e municípios - é sempre este que responde pelo atendimento.
Em maio, o governo prometeu, por meio do Plano Integrado para Enfrentamento do Crack e outras drogas, repassar 140 milhões de reais aos municípios brasileiros para o tratamento dos dependentes. No pacote, está o financiamento de  6.120 leitos, que englobam vagas em hospitais gerais, nas comunidades terapêuticas (iniciativas do terceiro setor e de entidades religiosas), nos Caps AD 24 horas e em casas de acolhimento transitório. Os editais para tornar concretas as promessas foram publicados somente no fim de outubro. Ou seja, nada disso está de pé até o momento. Outra promessa: elevar, até o fim deste ano, de 35 para 70 o número de Consultórios de Rua, que levam equipes multiprofissionais até os locais onde estão os usuários. Outro objetivo do projeto é capacitar profissionais de saúde e de assistência social na prevenção e tratamento de usuários de crack e demais drogas - um ponto nevrálgico da questão, segundo Ronaldo Laranjeira, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp): "Capacitar essas equipes é um desafio", diz.
Promessas ambiciosas à parte, os especialistas criticam a qualidade do atual serviço de tratamento nos Caps: faltam médicos especializados, leitos e acompanhamento da evolução dos pacientes. No total, são 1.671 Caps no país, sendo 243 especializados em álcool e drogas. Um estudo publicado neste ano pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) revelou falhas importantes no funcionamento de todos as unidades: de 85 Caps avaliados, 69,4% apresentaram carência de profissionais e em dez deles, dedicados a álcool e drogas, havia um único psiquiatra disponível.
Simultaneamente às ações anunciadas pelo governo, a Secretaria Nacional Antidrogas realiza treze estudos clínicos, com um total de 1.200 pacientes, em parceria com seis universidades brasileiras. O objetivo é acompanhar os pacientes durante a jornada de busca por tratamento, reinserção social e diagnóstico de doenças mentais. "Esses estudos vão nos dar as direções em relação às melhores formas de abordar os pacientes", explica Paulina Duarte, secretária adjunta da Senad e responsável técnica pelo estudo.
As autoridades de saúde terão de responder à urgência do tema e também à demanda crescente por tratamentos. Segundo dados preliminares de um levantamento realizado pelo grupo de pesquisa de Ana Cecília, cresce a procura de usuários de crack por terapias de desintoxicação. A pesquisa acompanha anualmente um grupo de dependentes químicos: há dois anos, o percentual dos viciados em crack que procuravam a ajuda era de 30%; este ano, essa parcela saltou para 70%.
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Crack avança na classe média e entra na agenda política 

Devastador como nenhuma outra droga no Brasil, ele se espalha pelo país e demanda ações mais contundentes das autoridades 

Natalia Cuminale / Rev. Veja

A tragédia do crack não é nova para o Brasil. Há anos, o país convive com o drama de violência e morte. Novo e oportuno, contudo, é o fato de a elite política do país, enfim, reconhecer a emergência do problema. No último dia 31, em seu primeiro discurso como presidente eleita, Dilma Rousseff disse que o governo não deveria descansar enquanto "reinar o crack e as cracolândias". Poderia ter falado genericamente "drogas", mas referiu-se especificamente ao "crack". Não foi à toa. Estima-se que no mínimo 600.000 pessoas sejam dependentes da droga no país - variante devastadora da cocaína que, como nenhuma outra, mata 30% de seus usuários no prazo máximo de cinco anos.
A praga do crack nasceu e grassou entre os miseráveis, a tal ponto que "cracolândia" virou sinônimo de "local onde pobres consomem sua droga". É mais do que tempo de rever esse conceito. Pesquisa da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo divulgada em 2009 constatou que o crack avança rapidamente entre os mais abastados: o crescimento entre pessoas com renda superior a vinte salários mínimos foi de 139,5%. Além dos números, os dramas pessoais confirmam que a química do crack corrói toda a sociedade. Nas clínicas particulares, que custam aos viciados que tentam se livrar da cruz alucinógena milhares de reais ao mês, multiplicam-se universitários, empresários, professores, militares. Todos estão reunidos pelo mesmo mal e almejam idêntico objetivo: tirar a pedra do meio do caminho de suas vidas. Confira os depoimentos.
O crack se espraia pelas classes sociais e pelas paragens brasileiras. "Antes, São Paulo era o reduto. Falava-se do assunto como um fenômeno paulistano. Agora, ele chega com força em outras cidades e estados", diz Dartiu Xavier, coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Embora não haja números precisos sobre consumo, os dados sobre apreensão da droga permitem concluir que cada vez mais gente é ferida pela pedra. Segundo dados da Polícia Federal, em 2009, foram apreendidos 513 quilos da droga - volume 43 vezes superior ao registrado no início da década.
Embora tardias, duas pesquisas em andamento na esfera do governo federal explicitam a preocupação das autoridades com a questão. Uma, a cargo do Ministério da Saúde, vai traçar o perfil do usuário de crack. Outra, nas mãos da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), pretende determinar padrões de consumo, barreiras para o tratamento e histórico social e médico de 22.000 usuários - que farão testes de HIV, hepatites (B e C) e tuberculose. Paulina Duarte, secretária adjunta da Senad e responsável técnica pelo estudo, acredita que será a maior pesquisa já realizada no mundo sobre o crack. "Um estudo dessa magnitude vai produzir um banco de dados gigantesco", diz.
O levantamento pode ser um esforço hercúleo, mas não escapa das críticas dos especialistas. Ronaldo Laranjeira, psiquiatra da Associação Brasileira de Psiquiatria, diz que o governo deveria substituir pesquisas por ações. "Há doze anos, a comunidade científica aponta que o crack é uma droga diferente. Para que gastar dinheiro com um grande levantamento quando o que precisamos é de ação e de propostas?", questiona. O governo contra-ataca. Lembra que, em maio, lançou o Plano Integrado para Enfrentamento do Crack e outras drogas, com investimento estimado em 410 milhões de reais em pesquisa, prevenção, combate e tratamento.
Droga nefasta - "Comparado a outras drogas, o crack é sem dúvida a mais nefasta, porque produz rapidamente a dependência: sob a compulsão pela substância, o usuário desenvolve comportamentos de risco, que podem chegar à atividade criminosa e à prostituição", diz Solange Nappo, da Unifesp. Pablo Roig, psiquiatra e dono de uma clínica de tratamento de dependentes químicos, acrescenta que a dependência chega a tal ponto que "o usuário perde a capacidade de decidir se usará ou não a droga".
A mancha do crack se espalha entre usuários de drogas devido a uma combinação de acesso econômico e potência química. Jairo Werner, psiquiatra da Universidade Federal Fluminense e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, chama a atenção para a relação "custo-efeito" da droga. "A relação entre preço e efeito faz do crack uma droga muito popular, de fácil acesso", diz. Ele explica ainda que os traficantes desenvolveram uma verdadeira estratégia para ampliar o mercado da droga: a "venda casada", de maconha mais crack. "No primeiro momento, a maconha dá um relaxamento e o efeito do crack é mitigado. Depois, o usuário resolve experimentar o crack puro e sente um efeito muito mais poderoso."
Começam, então, as mudanças de comportamento. Além de graves consequências para a saúde, a droga provoca no dependente atitudes violentas. "Ele fica alterado, inquieto, irritado e, em geral, passa a se envolver com a criminalidade como nenhum outro usuário de drogas", diz Laranjeira, da Associação Brasileira de Psiquiatria. "A única prioridade é a droga: a saúde, a família, o trabalho e os amigos ficam de lado. É uma mudança total no esquema de vida e estrutura de valores", acrescenta Roig.
Estimativas americanas apontam que, a cada dólar gasto no combate às drogas, a sociedade economiza até sete dólares em despesas com hospitais, segurança pública e acidentes de carros, entre outros. No caso devastador do crack, fica evidente que a cruzada antidroga pode economizar ainda mais vidas.
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