Nós


O Globo 30.04.2013
Catherine Zeta-Jones volta a se submeter a tratamento para transtorno bipolar
Em 2011, a atriz já havia frequentado um centro de saúde mental
Ela vive uma psiquiatra no próximo filme de Steven Soderbergh, 'Terapia de risco'
RIO - Catherine Zeta-Jones está fazendo um tratamento para transtorno bipolar. A atriz deu entrada na noite desta segunda em um programa de 30 dias como medida "pró-ativa" para ajudar sua condição, que pode causar oscilações de humor e até depressão.
Não é a primeira incursão da senhora Michael Douglas em um tratamento do tipo. Em 2011, quando tinha 41 anos, ela já havia passado um período em um centro de saúde mental, em Connecticut. No período, uma das razões para o problema foi o período em que o marido enfrentou um câncer.
Ela já havia falado abertamente da doença no passado, e não vê problema em se tornar um modelo para mulheres com problemas do tipo: "Se minha revelação ajudar alguém a buscar ajuda ao apresentar sintomas de transtorno bipolar, então já valeu a pena", relembra o site "ContactMusic". "Não há necessidade de sofrer silenciosamente nem de ter vergonha de buscar ajuda".
Curiosamente, ela vai viver uma psiquiatra no próximo filme de Steven Soderbergh, "Terapia de risco". Na trama, cuja previsão de estreia é 31 de maio no Brasil, a vida de uma jovem vira pelo avesso quando um remédio prescrito pela médica causa inesperados efeitos colaterais.
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O Dia 22.04.2013
Drogas afetam 25% dos policiais que usam álcool
Grupo associa bebidas a tranquilizantes, maconha ou cocaína, segundo a Fiocruz
Flavio Araújo
Rio - Quinta-feira passada, 14h. Dois policiais civis explicavam para a reportagem do DIA, na porta de uma delegacia da Zona Norte, que não usam bebidas alcoólicas e não conhecem colegas com problemas de dependência química.
Outro agente sai da delegacia, vira para os colegas e convida: “Vamos ali tomar uma catuaba?”. Os dois caem na gargalhada pela gafe. Os três estavam armados.
A situação, cômica, pode se tornar trágica. Segundo pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fiocruz, cerca de 25% dos policiais civis e militares do Rio que bebem álcool apresentam problemas graves de dependência de drogas lícitas e ilícitas.
O estudo — feito em 17 unidades da PM e 36 da Polícia Civil, um universo estimado em 11,7 mil policiais — apontou que pouco mais de 80% dos policiais civis e 73% dos PMs consomem bebidas alcoólicas.
Deste total (cerca de 16 mil civis e 33 mil militares, se a estatística for aplicada a todo o efetivo), aproximadamente a metade bebe mais de uma vez por semana e cerca de 25% associam o álcool ao tabaco, a tranquilizantes e admitiram ter usado ainda maconha ou cocaína nos últimos 12 meses.
Corporação doente
A Fiocruz traduziu em números o diagnóstico que o psiquiatra e diretor do Hospital Central da PM (HCPM), coronel Sérgio Sardinha, fez em palestra na Acadepol, há três semanas: “A corporação (PM) está doente”.
Doente e sem tratamento. No mesmo HCPM, a unidade para dependentes químicos, batizada de Renascer, tem só 17 leitos e o serviço não segue ordens hierárquicas ou o pedido de familiares.
A internação só é feita se o doente quiser.  Na Polícia Civil, o hospital está fechado. Segundo o coronel Sardinha, a falta de tratamento adequado tende a aumentar esse problema.
Falta de hospital fere dignidade
A falta de um hospital próprio na Polícia Civil fere a dignidade dos doentes. “A mistura da bebida com os calmantes me causou uma convulsão e caí da escada de casa. Quebrei a clavícula e a bacia, estou nessas condições que você está vendo”, relatou Y, 42, policial civil internado em uma enfermaria de hospital público.
 “Meu filho sempre bebeu, mas suspeito que agora ele está usando outras drogas. Já fiz de tudo para levá-lo para o Hospital da PM, mas não me obedece mais. Fico pensando o que pode acontecer com ele, que já tem uma profissão tão perigosa e tem se tornado cada vez mais violento”, desabafou o aposentado X, 65, pai de W, soldado de um batalhão da Zona Oeste.
Em nota, a Chefia de Polícia informou que a policlínica tem Programa de Saúde Mental, que abrange dependência química. Quanto ao hospital, a Polícia Civil não soube informar a data para a nova unidade.
As promessas não cumpridas
Há quatro anos, a Secretaria de Segurança prometeu criar um centro de tratamento psiquiátrico para policiais civis, militares e bombeiros.
Segundo o secretário José Mariano Beltrame, em declaração ao DIA na ocasião, os recursos seriam provenientes de convênio com a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp).
O centro psiquiátrico não saiu do papel, segundo a assessoria de Beltrame. A Senasp, questionada sobre o projeto, detalhou em nota a formação de profissionais de saúde e uma lista de convênios semelhantes, mas assinados com outros estados que não o Rio.
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Rede Brasil Atual 11.04.2013
MP: governo paulista leva viciados para Pinel e deixa psicóticos sem tratamento
Promotores ajuizaram ação mostrando que gestão Alckmin enviou dependentes químicos da cracolândia para hospital especializado em tratamento de transtornos mentais. Após mudança, ambiente é de 'campo de batalha'
Gisele Brito

Segundo MP, governo de SP fez a pior opção para o tratamento de transtornos mentais e dependência química: derrubou o que funcionava e criou o que não funciona (©Jorge Araújo / Folhapress)
São Paulo – Apuração realizada pelo Ministério Público (MP) de São Paulo mostra que pessoas com transtornos mentais deixaram de ser atendidas no Centro de Atenção Integrada em Saúde Mental Philippe Pinel, na zona oeste da capital, para abrir espaço a dependentes químicos encaminhados pelo Centro de Referência em Álcool e Tabaco e Outros Drogas, o Cratod.
A medida passou a vigorar depois que o governador Geraldo Alckmin (PSDB) anunciou no início do ano que o estado iria criar programa de atendimento a viciados com foco na chamada "cracolândia" paulistana, incluindo a utilização de internações compulsórias. Na época, a Secretária de Saúde afirmou ter 700 vagas disponíveis para os dependentes químicos. Agora, os promotores afirmam que houve farsa e criação artificial de vagas.
Uma ação civil foi ajuizada hoje (11) para garantir que os psicóticos voltem ao Pinel. O MP não sabe para onde estão indo as pessoas com transtorno mental, mas desconfia de que elas têm permanecido em prontos socorros não especializados. “Essas pessoas foram levadas para lá para preencher uma planilha de estatística da Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania. Também para preencher uma planilha da Secretaria de Saúde do estado de São Paulo”, afirmou o promotor de Habitação e Urbanismo, Maurício Ribeiro Lopes, durante entrevista coletiva na sede do Ministério Público, no central da capital. “Ali estavam para simplesmente tomar um banho, passar 30 dias e depois retornar à rua de onde vieram nas mesmíssimas condições. Tudo que era possível oferecer era abstinência, mais ou menos, já que droga entrava no estabelecimento, e televisão”, lamentou.
Funcionários do Pinel relataram a permanência de vagas ociosas no início de janeiro, algo incomum. Na tarde do dia 24 do mesmo mês os primeiros dependentes químicos começaram a chegar ao local, sem que os funcionários recebessem qualquer tipo de qualificação para o tipo de atendimento demandado por eles.
Durante um período, viciados e psicóticos dividiram o mesmo espaço. Houve agressões físicas entre os dois grupos de pacientes e contra profissionais. A Força Tática da Polícia Militar chegou a ser acionada em um dos episódios de conflito. Depois de algumas semanas, os pacientes com transtornos mentais receberam alta e todas as 63 vagas do Pinel passaram a ser destinadas ao atendimento de viciados.
Sem infraestrutura ou treinamento para atendê-los, os profissionais passaram a fazer denúncias. Segundo eles, a situação está fora de controle. Há uso de drogas nas dependências da unidade de saúde e furtos. Alguns dos pacientes passaram a se organizar em facções e dominar setores do equipamento público, à semelhança do que se faz em presídio.
Pacientes com comorbidades, que é o uso de drogas em conjunto com outras doenças como HIV , não foram previamente diagnosticados e não têm recebido atendimento adequado. “O objetivo da ação civil é fazer com que o Pinel, que foi sempre um hospital que atendia psicóticos em surto e foi sempre um excelente hospital, retorne a sua inicial função, para a qual ele está capacitado.
Os profissionais e a própria estrutura do hospital não têm condição de continuar atendendo dependentes químicos em crack”, afirmou o promotor da área de Direitos Humanos da capital, Arthur Pinto Filho. Segundo ele, os dependentes químicos não têm tratamento individualizado e permanecem apenas 30 dias no local, tempo considerado insuficiente por médicos consultados. “Essa forma de atendimento de dependentes químicos é péssima. E essa forma de não-tratamento de psicóticos é pior ainda.”
O MP acredita que a situação possa se repetir em outros hospitais. “Na nossa visão, o que está sendo feito pelo governo do estado demonstra, em primeiro lugar, a inexistência desses 700 leitos. Esses leitos não estão vazios. Não há vagas. Em segundo lugar, nós constatamos que, diante daquela procura, talvez não tenha sido corretamente dimensionado o afluxo ao Cratod, gerou talvez uma situação de pânico no governo para resolver aquela situação aflitiva, porque os jornais já davam aquelas filas de esperas”, avalia Pinto Filho. “Diante disso, houve a opção pelo pior mundo: derrubar aquilo que funcionava para criar aquilo que não funciona.”
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O Globo 16.02.2013
Brasil mantém doentes mentais presos ilegalmente
Ao menos 800 detentos com alguma deficiência deveriam estar em clínicas ou hospitais de custódia
Retratos da vida insana no cárcere: ‘terapia’ tem choque, mas não remédio.
Vinicius Sassine
SÃO LUÍS - Num buraco ao lado de uma criação de porcos, da tubulação de esgoto e do resto da comida servida na Casa de Detenção (Cadet), Cola na Cola passa as noites e cumpre sua pena. José Antônio dos Santos não admite mais ser chamado pelo nome, refuta pai e mãe, veste-se com roupas femininas e se considera mulher. Só atende pela alcunha Cola na Cola, uma expressão que ninguém sabe explicar de onde surgiu.
— Fui eu que mandei fazer essa cadeia. E não estou preso. Fico aqui pelo chamado para acabar com a corrupção — diz ele.
O Estado nunca diagnosticou seu transtorno mental. Nos últimos dois anos, ele não aderiu a qualquer tratamento psiquiátrico, não tomou uma única medicação nem esteve numa consulta médica. O buraco onde mora está na entrada do presídio, na parte de dentro, onde ficam os porcos, as galinhas e o lixo.
No pátio de uma pequena igreja improvisada numa das celas da Cadet, o maior presídio de regime fechado de São Luís, um jovem de 24 anos estende um colchão para passar as noites. Paulo Ricardo Machado tem os olhos esbugalhados, frases aceleradas, uma postura impassível. Há dois meses, foi diagnosticado com esquizofrenia paranoide e dependência ao crack. A loucura de Paulo Ricardo explodiu na Cadet depois que um preso introduziu um cabo de vassoura no ânus do jovem. Para conter os surtos, técnicos de saúde da unidade pediram a aplicação de oito sessões de eletrochoque no rapaz. Eles dizem ter sido atendidos.
Num cubículo de cela, sem nada, Francisco Carvalhal, 50 anos, tenta domar a agressividade. Ele já foi absolvido uma vez pela Justiça, em razão de a esquizofrenia paranoide ter impedido a compreensão de um ato ilícito. O juiz determinou que Francisco fosse internado no Hospital Psiquiátrico Nina Rodrigues, o único existente na rede pública em São Luís, para o cumprimento de uma medida de segurança. O hospital rejeitou o paciente. Dias depois, sem medicação e em surto, ele matou a mãe. Para escapar de um linchamento, foi levado para o Centro de Detenção Provisória (CDP) Olho D'Água, onde permanece há dois meses.
800 absolvidos ainda detidos
Cola na Cola, Paulo Ricardo e Francisco somam-se a outros presos portadores de doença mental que vivem à margem das estatísticas oficiais e da lei. Na teoria, a existência do transtorno mental e a consequente aplicação de uma medida de segurança a partir da absolvição pelo juiz impedem a permanência de loucos infratores nos presídios.
Levantamento inédito do GLOBO revela a extensão do universo de loucos nos presídios brasileiros — um grupo cuja existência parte da sociedade brasileira prefere ignorar. Pelo menos 800 pessoas absolvidas pela Justiça em razão de transtornos mentais e em cumprimento de medida de segurança estão detidas em presídios e cadeias públicas país afora.
A medida tem um prazo mínimo de um a três anos, é determinada pelo juiz responsável pelo processo — logo após a absolvição do acusado — e deve ser cumprida em hospitais de custódia, clínicas ou ambulatórios. Essas pessoas são consideradas inimputáveis ou semi-imputáveis, uma vez que a manifestação dos problemas psiquiátricos impediu a compreensão dos crimes, e deveriam estar em tratamento médico. Na prática, cumprem pena no cárcere.
A quantidade pode ser até três vezes maior: outros 1,7 mil brasileiros acusados de diferentes crimes já receberam indicação da Justiça de que podem ter transtornos mentais e aguardam, além de um laudo psiquiátrico, tratamento médico dentro de presídios, em casa ou nas ruas. Em alguns estados, como São Paulo, a espera numa fila dura mais de um ano. Em outros, o laudo nunca é elaborado.
O levantamento do GLOBO foi feito junto às secretarias de administração penitenciária, defensorias públicas e varas de execução penal nos estados, além de consultas a fontes nos Ministérios da Saúde e da Justiça. O Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen), alimentado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, registra a existência de 3,9 mil pessoas em cumprimento de medida de segurança, seja em internação ou em tratamento ambulatorial. Os doentes mentais nos presídios identificados pelo jornal não entram na conta.
Os números oficiais tratam dos 26 manicômios judiciários e alas de tratamento psiquiátrico — anexadas a presídios — ainda em funcionamento em 20 unidades da federação. Cabe a esses hospitais de custódia receber os loucos infratores submetidos a medidas de segurança de internação. O Infopen ignora as pessoas que cumprem a medida em prisões e até mesmo os inscritos em dois programas em Goiás e Minas Gerais que pregam a desinternação, como preconiza a Lei Antimanicomial de 2001. Somados os três universos — manicômios, presídios e programas de desinternação —, a quantidade de loucos infratores é de 8,1 mil, mais do que o dobro do que consta no Infopen.
— A situação mais grave envolvendo medidas de segurança é a dos detidos em presídios. A responsabilidade pela integridade física do preso é do Executivo e, pelo andamento do processo, da Justiça. A Lei de Tortura prevê responsabilização por ação e omissão. Não há qualquer justificativa para as prisões — afirma o juiz Luciano Losekann, auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário.
Para a produção de uma série de reportagens sobre o assunto, O GLOBO esteve em sete presídios, uma ala de tratamento psiquiátrico e um manicômio judiciário em São Luís, Teresina, Goiânia e Brasília. Nas três primeiras cidades, a equipe conseguiu entrar nas unidades prisionais na companhia de juízes e de um promotor de Justiça. Em Brasília, uma autorização judicial permitiu ter acesso às prisões.
A reportagem flagrou uma realidade de uso contumaz do crack, hipermedicação e inexistência de prontuários em Brasília; a existência de uma ala específica para presos com transtornos mentais num presídio de regime fechado em Goiânia, além de pessoas em cumprimento de medida de segurança misturadas com detentos comuns; e doentes mentais nos mesmos espaços de pacientes com hanseníase e aids no manicômio em Teresina. Em São Luís, pessoas com transtornos mentais estão presas sem qualquer perspectiva de decretação da medida de segurança. Não há laudos, exames ou psiquiatra: a única que atendia no complexo prisional deixou de ir ao trabalho porque está sem pagamento desde dezembro. Um rol de irregularidades que combinam com o “sistema medieval” descrito pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, no final do ano passado.
Segurança não garante tratamento
Pelo menos 25 pessoas cumprem medida de segurança nos presídios em São Luís. Não é o caso de Cola na Cola, o detento que vive num buraco na Cadet há três anos. Condenado a 19 anos de prisão pela suposta prática de dois estupros, é a terceira vez que ele passa pelo presídio. Mesmo com um evidente quadro de loucura, nunca houve um exame de insanidade mental.
A medida de segurança não garante tratamento psiquiátrico. Francisco Carvalhal, absolvido num processo por homicídio em razão da esquizofrenia, deveria permanecer internado “pelo tempo necessário à sua recuperação”, como decidiu a Justiça em São Luís. O Hospital Nina Rodrigues deu alta a ele mesmo com a “falta de clareza” sobre a possibilidade de convívio imediato. No mesmo mês, Francisco matou a mãe. Ela relatava desde 2001 ameaças e pedia a internação do filho.
Após a reportagem do GLOBO flagrar as três situações no Maranhão, a Defensoria Pública pediu aplicação de medida de segurança a Cola na Cola e a Paulo Ricardo, e o juiz Douglas de Melo Martins decidiu reencaminhar Francisco ao Hospital Nina Rodrigues. A Secretaria da Administração Penitenciária do estado não respondeu aos questionamentos da reportagem.
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O Globo 16.03.2013
O perfil de uma população que tem nas ruas o seu endereço
Maioria é homem, do Rio, tem de 25 a 59 anos e usa drogas
Paula Autran, Waleska Borges
RIO — Quem passa pela esquina das ruas Riachuelo e Silvio Romero, no Centro, não distingue Romeo Humberto de Medeiros, de 51 anos, entre outros moradores de rua. Com cerca de 1,70m, olhos esverdeados, ele, que já morou na Barra, fala inglês e arranha francês, espanhol e italiano. Chamado de “professor” pelos colegas de rua, quando abordado Romeo cita o poeta e escritor alemão Charles Bukowski e o renascentista italiano Nicolau Maquiavel, autor de “O príncipe”. Conta que trabalhou por anos em cursos de inglês conhecidos da cidade, antes de ir viver nas ruas, em 2003, por causa de problemas familiares e álcool.
A população que cresce a olhos vistos nas ruas da cidade — são 6.300 pessoas, segundo estimativas da Secretaria municipal de Desenvolvimento Social: um aumento de 31,25% em dois anos — tem rostos que não se fazem notar nos corpos maltrapilhos e sujos estirados sobre pedaços de jornal e papelão pelas calçadas. O que a pressa dos pedestres não deixa enxergar, uma pesquisa feita pela secretaria revela: das 22.321 abordagens feitas de janeiro a dezembro do ano passado, a imensa maioria delas são homens, entre 25 e 59 anos, sem ocupação, sem documentos e usuários de algum tipo de droga.
— São histórias que se repetem, mas cada pessoa tem um drama. Afinal, ninguém vai morar na rua do dia para a noite. O que faz uma pessoa trocar uma cama por pedaços de papelão? Organizamos os dados e, agora, entramos na particularidade dos casos. As pessoas não são iguais para serem tratadas de forma genérica. Se ela foi para a rua por falta de emprego, precisa ter acesso a programas de requalificação, fazer cursos. Se foi por drogas, a solução está em tratamento específico e desintoxicação — explica o secretário municipal de Desenvolvimento Social, Adilson Pires, que em abril pretende ter pronto um plano de políticas públicas para atender essas pessoas.
Do total das pessoas abordadas (como vão e voltam para as ruas, elas são abordadas mais de uma vez), a grande maioria é do Rio mesmo. Mas quase um terço do total vem de outros municípios, incluindo quem morava em outros estados. E há até quem tenha vindo de outros países. Entre os principais motivos apontados como causa da troca da casa pela rua, os moradores citam conflitos familiares e uso de drogas.
Segundo o secretário, o número de moradores de rua aumentou não só porque a população do Rio como um todo ficou maior, mas também porque as chances de melhora de rendimentos na cidade cresceu de forma expressiva com os investimentos feitos por conta dos grandes eventos que serão sediados aqui, o que atrai pessoas de outros municípios e até de outros estados a vir para cá em busca de oportunidades. Para levá-los de volta às suas cidades existe o projeto "De volta à terra natal", que só entre 23 de janeiro e 25 de fevereiro devolveu 36 pessoas às suas famílias, com direito a passagens, em alguns casos até de avião. São principalmente adultos entre 30 e 59 anos (a maioria homens), mas houve dois casos de crianças de até 6 anos. Todos tiveram parentes localizados pelos funcionários da prefeitura e quiseram voltar para casa, a grande maioria na própria região Sudeste. Com as passagens foram gastos R$ 7.928,86, sendo R$ 6.913 em transporte rodoviário.
— Vamos ter no Rio eventos internacionais que podem inspirar a lógica da higienização. Não faremos esta prática de tirar todo mundo da rua por tirar. O que vamos fazer com este monte de gente, não só na Copa, nas Olimpíadas? Precisamos dar alternativas para elas — diz Adilson. — As abordagens são diárias, em pontos diferentes da cidade. Boa parte deles aceita ir para os abrigos, mas esses lugares não podem ser um espaço permanente para uma pessoa.
Mas a prefeitura ainda tem um grande desafio a cumprir, segundo quem trabalha com população de rua. De acordo com o assistente social Marcelo Jaccoud, do Conselho Estadual de Assistência Social, os abrigos deveriam contar com 3.500 vagas. Ainda conforme ele, a Lei Federal 12.435/11 prevê a implantação de centros de convivência para pessoas em situação de rua e abrigos com no máximo 50 vagas:
— Essas medidas garantem o atendimento individualizado que essas pessoas precisam. Não adianta levar essas pessoas dez vezes para o mesmo lugar sem que se encaminhe a solução dos problemas de cada um.
De acordo com Jaccoud, não é verdade o mito de que essas pessoas não querem sair das ruas:
— Quase diariamente atendo pessoas pedindo abrigo e, em muitos casos, sou obrigado a dizer que não existem vagas. É comum que as pessoas sejam levadas pela prefeitura para abrigos, especialmente o de Paciência, e sejam impedidas de entrar por falta de vagas. Todas as pessoas que moram nas ruas chegaram ali em razão de um ou vários problemas. Ninguém escolheu ir para a rua do nada. Elas precisam ter perspectiva de que sua vida possa ser melhor .
De acordo com a coordenadora do Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos da População de Rua, Glória Miranda, que atende denúncias de moradores de rua e fica localizado no Centro, há casos em que o morador de rua vai para Central de Recepção, órgão da prefeitura na Ilha do Governador, e espera dias até conseguir uma vaga num abrigo. Segundo ela, o horário de permanência no abrigo é entre 18h e 7h. Depois o morador de rua é obrigado passar o dia na rua.
— Muitas pessoas acabam desistindo do abrigamento. Além disso, temos denúncias de que, no abrigo de Paciência, os traficantes invadem o lugar quando querem fugir de confrontos com a polícia. Temos informações, também, de que os traficantes dividem até as refeições com os abrigados — diz Glória.
Sobre a falta de vagas em abrigos, a Secretaria municipal de Desenvolvimento Social informa que a oferta é compatível com as ações de acolhimento realizadas pela prefeitura, no âmbito de uma política de reinserção social da população de rua. Quanto à Central de Recepção da Ilha, segundo a prefeitura, a unidade tem por finalidade realizar o Plano de Atendimento Individual do acolhido. O trabalho inclui reinserção familiar, emissão de documentos, atendimento médico e cuidados de uma equipe multidisciplinar. Por causa desses serviços, o abrigado deixa a unidade durante o dia e retorna para o pernoite. A secretaria informa, ainda, que não tem relatos de tráfico de drogas nas dependências do Rio Acolhedor, em Paciência.
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Os Órfãos do Estado:
os filhos de mães usuárias de drogas!
Jornal da Band 07.03.2013
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FSP 25.01.2013
Sem conseguir internação, jovem volta à cracolândia
Médicos recusaram pedido de Thomás, 20, que pediu para ser internado
Para coordenadora do Cratod, há casos em que tratamento pode ser ambulatorial; 16 foram internados só ontem
Talita Bedinelli, Apu Gomes, Giba Bergamim Jr.
"Falaram que eu tô ótimo. Não querem me dar uma chance. Então, tá. Tô indo pro fluxo." A afirmação é do agitado Thomás Navar Watanabe Fantini, 20, roupas sujas, olhos vermelhos e pontas dos dedos queimadas pelo crack.
Na tarde de ontem, ele deixava o Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e outras Drogas), no centro de São Paulo, sem conseguir o que queria: ser internado.
"Eu tô pedindo. Estou desde os nove anos nesta vida. O que tenho que fazer para que eles entendam que eu preciso de ajuda? Trazer um cachimbo de crack e fumar aqui, na frente deles?"
Ao deixar o Cratod, Thomás seguiu para a cracolândia, para o "fluxo" de uso da droga. Sentou na calçada, sacou o cachimbo e fumou sua pedra.
Ontem era o segundo dia seguido que o rapaz procurava tratamento no Cratod. Desde segunda, o centro virou uma espécie de pronto-socorro de dependentes de drogas em busca de ajuda e de familiares que querem internar à força seus filhos, irmãos, pais e mães com algum vício.
Rosangela Elias, coordenadora de Saúde Mental, Álcool e Drogas do Governo, afirmou ontem que os médicos avaliaram Thomás e que, como a situação dele não foi considerada grave, ficou decidido que ele deveria procurar um Caps, que oferece atendimento ambulatorial -as pessoas frequentam grupos de ajuda, passam por psicólogos e, se preciso, são medicadas.
SEM SUCESSO
O Caps mais próximo fica na mesma rua do Cratod, distante cerca de 2 quilômetros.
"O que eu vou fazer lá? Passar o dia, tomar remédio e depois voltar para a rua e usar crack?", diz Thomás, morador fixo da cracolândia há dois meses. O rapaz disse que já havia tentado esse tratamento, sem sucesso.
Agora, procurava ajuda "em homenagem" à mãe.
"Se ele pediu ajuda, está mesmo precisando", lamentou Sheyla Fantini, 44, a mãe de Thomás, por telefone, após ser avisada pela Folha de que o filho buscara tratamento. Ela afirma que tentará novamente uma internação.
Desde segunda-feira, o governo Alckmin (PSDB) montou um plantão jurídico (com juiz, promotor e advogados) no Cratod para agilizar as internações à força.
O local, no entanto, atraiu muita gente em busca de ajuda e algumas internações foram feitas de forma voluntária. Tanto que, de segunda a quarta-feira, só 4 das 18 internações foram à força. Ontem, mais 16 pessoas foram internadas - o governo não informou quantas foram feitas contra a vontade do dependente.
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G1 15/02/2013
Mãe acorrenta filho para impedi-lo de usar crack em Linhares, ES

Ela pede ajuda para internar o filho em uma clínica de reabilitação.
Ministério Público orientou mão a procurar Defensoria Pública.

(clik na imagem para ver o vídeo)

Uma mãe acorrentou o filho para impedir que ele faça uso de crack em Linhares, norte do Espírito Santo. Deivson dos Anjos, 20 anos, é viciado em crack e passa os dias dentro do quarto. Ele está acorrentado há quase uma semana, segundo a mãe, Marialva dos Anjos.
Para evitar vê-lo roubando e fazendo uso da droga, a mãe decidiu acorrentar o filho. “Ele estava usando droga 24 horas. Não tinha hora, não tinha dia, não tinha noite, não tinha nada mais. Aí, já foi ao ponto de pegar as coisas dentro de casa. As dele, ele já tinha acabado com tudo. E foi pegando as da rua também”, disse.
O jovem conta que começou a fazer uso de drogas aos 11 anos e já experimentou muitas dessas substâncias. “Primeiro o cigarro, depois foi maconha, cocaína, fristo (cigarro de maconha misturado com crack), cheguei no crack”; conta Deivson. Ele ainda afirma que precisa de internação. “Às vezes eu fico aqui pensando: a que ponto cheguei?”, disse o jovem.
A mãe de Deivson procurou o Ministério Público de Linhares e pediu ajuda para que o filho recebesse tratamento médico. De acordo com o Ministério Público, Marialva deve procurar a Defensoria Pública, a Secretaria de Saúde ou a de Serviço Social do município. A Secretaria de Saúde informou que o processo de Deivson ainda não chegou no departamento.
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O Globo 16.02.2013
Trancado num cubículo escuro, preso combina remédios e crack
Sem tratamento psiquiátrico prescrito há seis anos, jovem vive em ala comum da prisão; equipe médica não suportou surtos
Vinicius Sassine
GOIÂNIA - As fotos de André Wender Gomes Ribeiro sumiram da espaçosa sala da casa da mãe, no Centro de Goiânia. Nas paredes estão apenas as imagens da irmã mais nova, retratada como filha única nos quadros. André tem 24 anos, olhos verdes e um corpo franzino, marcado por furúnculos, feridas, uma queimadura no ombro e sangue nos dedos. Passa as 24 horas do dia numa pequena cela da Casa de Prisão Provisória (CPP), no complexo prisional da capital goiana. Não há um único equipamento dentro da cela, nem mesmo uma escova de dente: tudo é destruído pelo jovem ou convertido em crack e maconha, combustíveis da loucura de André.
A mãe, Marilda Gomes Ribeiro, de 45 anos, afirma textualmente: não quer o filho em casa, pelo menos no atual nível de loucura atingido pelo jovem.
— Daquela forma, não quero ele na minha casa. Sempre digo a ele: “Você não é meu filho. Meu filho era outro” — diz a cabeleireira.
André reclama das baratas na cela, mostra os ferimentos no corpo provocados por pauladas desferidas por outros presos. Os surtos incomodam colegas de ala no presídio. A queimadura no ombro foi causada por água fervente, jogada por um detento. Quando O GLOBO descobriu André numa das celas da CPP, isolado e agitado, ele tentava ajeitar uma fiação para a instalação de uma lâmpada.
No cubículo escuro, o rapaz dorme numa cama de cimento e toma banho com a água que escorre de um furo na parede. Um papelão — o único objeto presente na cela, até a chegada da lâmpada — cobre a cama.
O Estado atestou a loucura de André em 2007. Um laudo da Junta Médica do Poder Judiciário em Goiás apontou um quadro de doença mental — “transtorno bipolar de humor, em episódio maníaco com sintomas psicóticos” — e de dependência química. Quase seis anos atrás, os psiquiatras que assinam o laudo já faziam um alerta: a doença se tornaria crônica, caso André “não receba o tratamento psiquiátrico e psicológico adequado, com remédios e terapia para a vida toda”. A internação num hospital psiquiátrico deveria ocorrer com urgência. “Há periculosidade atrelada ao tratamento e aos períodos de crise.”
Na cela onde está preso há oito meses, sem direito a banho de sol e com uso contumaz do crack e da maconha, André é dopado pelos agentes penitenciários. O rapaz toma medicamentos com efeitos sedativo, anticonvulsivo e antipsicótico. Mesmo assim, vive em surto no cubículo do presídio. Alterna euforia durante o dia com choros prolongados à noite. Nas celas, onde a direção da penitenciária segrega detentos provisórios com problemas psiquiátricos, a equipe médica não suportou os surtos de André e o mandou para uma ala comum do presídio.
— Eu gosto só de fumar pedra. E cocaína e maconha. Fiz pacto com o demônio — diz André. — Todos os psiquiatras me disseram que tenho transtorno bipolar, seguido de psicopatia — repete o jovem.
André não deveria estar preso, tanto do ponto de vista legal quanto médico. A Justiça já determinou por quatro vezes a absolvição do jovem em processos que o acusavam de furto, agressão e tráfico de pequenas porções de droga. O transtorno mental o impedia de ter ciência completa dos atos, conforme laudos médicos corroborados por juízes. Inimputável, André foi absolvido e submetido a medidas de segurança. Deveria estar numa clínica psiquiátrica. Voltou ao presídio por um flagrante de furto.
O rapaz está incluído no Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator (Paili), que acompanha 240 pessoas em cumprimento de medida de segurança em Goiás. A filosofia do programa da Secretaria de Saúde, considerado modelo no país, é a da não reclusão e do acompanhamento psiquiátrico contínuo. O projeto falhou e falha com André. Ele fugiu na maioria das sete vezes em que esteve numa clínica psiquiátrica. Enclausurar o jovem numa cela, dopá-lo e permitir o consumo do crack e da maconha foram as soluções encontradas para a psicose do rapaz.
“Fósforo riscado na língua”
Quando criança, André começou a arrancar todo o cabelo da cabeça para comê-lo. Desenvolveu mania de limpeza: a mãe conta que, uma vez, ele se esfregou por duas horas com uma escova de lavar roupas. André tem “megalomania notória”, segundo laudos psiquiátricos. Aos três anos de idade, foi atropelado por um carro.
— Ele parou de arrancar e comer o cabelo quando começou a fumar maconha, aos 12 anos — conta Marilda.
Num dos inúmeros depoimentos à polícia, André fez um relato sobre o uso de drogas: “A primeira droga que usei foi um fósforo riscado na língua.” Na adolescência, passou por centros de internação para infratores. Já adulto, cumpriu quatro anos de prisão, em regimes provisório e fechado, em diferentes passagens por presídios. Na maior parte do tempo, já estava absolvido pela Justiça.
A mãe desistiu de levar escova de dente, roupas, toalhas e comida ao filho, sempre trocados por crack. Marilda não entra mais na cela, desde o dia em que foi agredida dentro do cárcere. Em 2007, ela denunciou André à polícia por agressão: levou uma violenta cabeçada do filho. Naquele mesmo ano, o jovem foi acusado de extrair uma tira de lençol da cama de uma clínica, laçá-la por duas vezes no pescoço de um paciente e estrangulá-lo até a morte. Em razão dos transtornos mentais, foi absolvido pela Justiça.
Há muito tempo André não aparece no salão de beleza e na ampla casa da mãe, que fica no andar de cima. A mente do jovem produz um emaranhado de frases desconexas e sem sentido, com poucas exceções, entre elas o endereço e os telefones da mãe. Foi a partir das informações fornecidas por André que a reportagem do GLOBO chegou até Marilda. Ela quer a internação compulsória do filho.
Marilda diz que visita André na prisão todo domingo e que o estado do filho é deplorável. Segundo ela, não falta droga dentro do presídio.
— O André troca a comida que eu levo por crack. Já observei um menino puxando a droga com um rodo. Eles misturam maconha com crack, o chamado “jambrado”. Ali tudo entra. Uma vez, uma marmita cheia de “pedra” caiu nos pés de um juiz — conta Marilda, que se sente de pés e mãos atados: 
— Meu filho briga muito. Peço a Deus para protegê-lo.
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Leiam esse lindo desabafo de uma ex-usuária de crack.
Um desabafo...
Esmeralda Ortiz
A vontade de usar drogas esta tamanha, pensei que após 15 anos sem ela isso iria amenizar, mas só aumenta, já tentei de tudo para não usar, mas ela persiste em se transformar em meu inimigo invisível e me levar.
A luta é diária, contra essa maldita doença da obsessão, compulsão e impulsividade. 
Veja só; mesmo dormindo sonho que estou fumando crack, acordo numa fissura da porra, se cochilo depois do almoço sonho com a maldita, e o sonho é tão real que parece mesmo que usei.
A fé, esperança e humildade é um dos elementos que está me ajudando a ficar em pé.
Às vezes penso que não vou consegui, choro, peço ajuda, oro, e logo ela passa.
Mas parece que essa maldita vontade insiste em ficar e medir forças comigo, sou resiliente, mas às vezes me sinto fraca de mais, depois percebo que minha fraqueza é a minha força, e vou até o fim, pois sei que logo tudo isso passará parece algo demoníaco, por isso que eu entendo porque é tão difícil as pessoas pararem de usar, e as que pararam permanecer limpa.
Hj estou lutando contra meus inimigos invisíveis que insiste em me levar para o buraco de novo.
Peço a deus um dia se sobriedade, e se um dia for tempo de mais uma hora, um minuto ou até mesmo alguns segundos.
Preciso muito de ajuda, pois tem vez que penso que não vou conseguir.
Conto com a compreensão de vocês amigos, e de muita oração...
Ta doendo, tá difícil, mas vou conseguir.
Somente um desabafo....
Bom dia a todos!
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O Dia 03.02.2013

Premiado mestre-sala vive no submundo do crack
CAIO BARBOSA
Rio - Ele foi estrela da Avenida do início dos anos 1970 até 2004. Aos 64 anos, o premiado mestre-sala de Salgueiro, Vila Isabel e Estácio, Pedro Paulo Lopes dos Santos, o Peninha, assiste hoje aos desfiles de forma degradante: na cracolândia que, por ironia do destino, fica ao lado da Cidade do Samba.
Usuário de cocaína, Peninha se afundou nas drogas há quatro anos, após a morte da mãe, com quem tinha profunda relação de amor. Passou a morar na rua, catando o que houvesse pela frente. Em 2009, recebeu ajuda de Manoel Dionísio, presidente da Escola de Mestre-sala e Porta-bandeira. Aceitou, mas uma recaída o levou de volta às ruas, onde conheceu o crack.
Peninha atuou por escolas como Salgueiro, Vila Isabel e Estácio | Foto: Carlo Wrede / Agência O Dia
"Não sou viciado, só uso de vez em quando. É difícil de as pessoas entenderem, mas é mais difícil para mim. A noite na rua é um mundo sinistro, obscuro. Não sei o que fazer. Não tenho mais nada, nem sonho. Não quero nem uma casa, apenas um quarto para poder dormir. Ficar na rua é morrer todo dia”, lamenta Peninha, deixando escorrer algumas lágrimas, mas sem perder o sorriso.
Sem ter a quem recorrer, longe dos 12 filhos, e com duas irmãs que pouco podem fazer por ele, Peninha teve a sorte de reencontrar um discípulo: Rogerinho, um dos grandes mestre-salas da atualidade, e que nos últimos quatro carnavais não tirou sequer uma nota diferente de 10.
“Foi ele quem me ensinou tudo. É minha fonte de inspiração, que me fez ser um mestre-sala solto, que não fica em passinho de balé e gosta de dançar, de cortejar a porta-bandeira, da malandragem e do olho no olho”, elogia Rogerinho, que topou o desafio de trocar a Portela pela Inocentes de Belford Roxo neste Carnaval.
Emocionado com a solidariedade do aluno, de quem ganhou fantasia para posar para O DIA, Peninha desabafou: “Me ajuda a sair da rua. Não aguento mais”.
História dele vai virar filme
A vida no submundo do crack deixou marcas na alma e no corpo de Peninha. Na disputa por território, foram muitas brigas. Numa delas, atearam fogo em suas pernas. Noutra, ele levou facadas no rosto, pescoço, peito e barriga.
“A concorrência na rua é grande. A pior coisa que pode acontecer com alguém é dormir na rua”, define Peninha.
O drama do mestre-sala sensibilizou também a documentarista Ana Paula Nogueira (“As Últimas Putas de Paris” e “Estranho Amor”), que, norteada pela história de Peninha e Rogerinho, está concluindo o longa-metragem chamado “Enquanto Ela Gira, Eu Bailo”, sobre os mestre-salas do Carnaval brasileiro. “Tenho mais de 300 horas de gravação, com cenas lindas. Passei quatro meses, 24 horas por dia, ao lado de Peninha e Rogério”, conta Ana. 
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FSP 04.02.2013
Fazendeiro vendia gado de dia e fumava crack à noite.
Dependente conta que foi internado contra a vontade, mas superou vício.
Empresário conta que nunca foi a uma biqueira e diz que pegava droga com garotas de programa
GIBA BERGAMIM JR.
De dia, Fábio*, 38, passava horas sozinho na frente do notebook, num escritório no Itaim Bibi (zona oeste paulistana), administrando fazendas de gado da família no Centro-Oeste do país.
À noite, ligava para uma prostituta. Queria prazer, mas não só sexual. Na bolsa dela sempre havia uma encomenda: cocaína ou crack para ele.
"Escravo" da droga há dez anos, Fábio saiu de sua segunda internação no fim do ano passado, após nove meses dentro da clínica Greenwood, na Grande São Paulo. Um mês lá sai por R$ 30 mil (leia texto ao lado).
Fábio não é só um exemplo de dependente químico que já foi internado involuntariamente, mas também a prova de que o crack não é exclusividade da multidão que se acotovela na chamada boca do lixo do centro da cidade em busca da pedra. O crack está na elite paulistana.
Para definir o destino de pessoas tão viciadas quanto ele, o governo estadual tem, há duas semanas, um programa para facilitar a internação à força -médicos, juízes, promotores, advogados e defensores públicos fazem plantão num posto de atendimento a dependentes, no centro.
Os atendidos, são, na maioria, famílias do extremo da pobreza. Exemplo da outra ponta, de família abastada e aluno de escolas renomadas da cidade, Fábio usa cocaína desde os 28 anos.
O abuso de drogas pesadas foi precedido por despretensiosas bebericadas em destilados, na adolescência.
"Meu começo foi com o álcool, que levou ao cigarro. Juntos, abriram as portas para a maconha. Fiquei assim até os meus 28. Aí apareceu a cocaína e, depois, o crack. Daí para frente, todas juntas", disse à Folha, um mês após sair do isolamento.
O vício nunca o obrigou a frequentar as biqueiras ou cracolândias da vida.
"Em qualquer lugar do mundo, se você quer comprar droga, é só abrir o jornal e ligar para o número de uma garota de programa."
SOLIDÃO
Comprar e vender gado em suas fazendas é a principal atividade de Fábio, que também é escravo da solidão. "Sou assim desde os 19 anos, quando assumi as fazendas. Sempre tive um grau de responsabilidade muito grande. Por outro lado, uma vida pessoal muito solitária."
Esse "desajuste" o levou às drogas. "Estou vivo porque meu lado profissional ajudou. Mas não me impediu de usar drogas e recair várias vezes a ponto de quase morrer."
Até o uso era solitário. "Quase sempre me droguei só, em casa, no hotel. Mas nunca no trabalho. Os negócios nunca foram afetados."
Dois motivos, no mesmo ano de 2002, foram o que ele chama de desculpas para se enterrar no vício.
"Ficou crônico quando meu pai morreu e eu me separei do meu primeiro casamento. A vontade sempre vinha a cada quatro meses, de forma mortal."
"Magro, quase morto", foi internado pela família em 2007 pela primeira vez. Após oito meses na clínica, pediu para sair. Desde então, as recaídas não cessaram. Na última delas, no ano passado, terminou na UTI de um hospital, após uma overdose. "Tive alta e, na mesma semana, estava usando cocaína."
Ele acredita que a genética é responsável pelo seu vício. "Tenho casos de alcoolismo nos dois lados da família."
Diz que procurou a morte nos últimos dez anos. "O uso é suicida. Um dia os dentes vão cair, ou vou acabar preso, morto, não há saída."
Fábio se orgulha de estar limpo. "Se entro num lugar em que tenha acesso a bebida e drogas, consigo aguentar. Na segunda vez, vou recair. Tenho que sofrer para não recair." A entrevista à Folha aconteceu no escritório dele. Fábio estava sozinho.
*Os nomes que constam na reportagem são fictícios, a pedido dos entrevistados.
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O Estado de S. Paulo 26.01.2013
Em blogs, viciados em drogas relatam histórias e medos
Dependentes em recuperação e parentes usam internet para dividir experiências
Artur Rodrigues
SÃO PAULO - "Hoje passei o dia meio eufórico, vi o passarinho verde e, como aprendi na clínica, isso não é bom. Tenho de me concentrar para manter o meu humor controlado, pois qualquer alteração brusca pode desencadear a vontade de usar drogas. Lembro-me que na ativa a alegria, a tristeza, a euforia, o estresse, o medo e qualquer outra alteração de humor me levavam a usar drogas. Eu não sei lidar com minhas emoções."
foto Nilton Fukuda/AE
Estudante de Direito, ex-usuário de cacaína e craque conta sobre suas tentações
As tentações, o medo, a alegria que vem com cada dia sem recaída inspiram os cada vez mais numerosos blogs mantidos por viciados em drogas ou parentes de dependentes químicos. O trecho acima foi escrito pelo autor do blog Diário de um Adicto, um estudante de Direito de 30 anos, morador de Diadema e ex-usuário de cocaína e crack.
"Tinha acabado de sair de uma internação, era um momento em que eu estava perdido. A coisa que eu mais gostava - que era usar drogas - me havia sido tirada e eu sentia um enorme vazio, que não tinha coragem de relatar a qualquer pessoa por medo da reação", contou, em entrevista por e-mail ao Estado. "Então, eu criei um perfil e, protegido pelo anonimato proporcionado pela internet, me senti mais à vontade para extravasar meus medos e aflições."
O histórico dos blogs mostra a evolução de alguns e o desespero de outros. Uma súbita interrupção nos textos acaba levando o leitor a se perguntar se, depois de tanto esforço, o autor sucumbiu às drogas novamente.
Dono da página Limpo, só por hoje, o consultor Junior Souza, de 39 anos, já está há sete anos longe das drogas. Sua vida parece um roteiro de filme. Ele fumou maconha dos 9 aos 11 anos e daí para a frente injetou cocaína, provou LSD e passou a usar crack. Ainda menino, virou cobrador do tráfico de drogas e respondeu por nove assassinatos na prisão. Era um criminoso temido em Pernambuco. Agora morando no Maranhão, continua famoso. Mas como exemplo de recuperação. "Como eu trabalho com grupos de mútua ajuda, a interação que o blog proporciona ajuda muito na minha recuperação", diz ele, que também dá palestras.
Segundo especialistas, dividir experiências, na web ou não, segue a lógica de tratamento de grupos como Narcóticos Anônimos (NA) e Alcoólicos Anônimos (AA). "Fui a uma sessão do AA a troco de uma garrafa de cachaça e, ao contrário de todo lugar que eu ia, não me disseram que tinha de parar. Eu era contra me mandarem fazer as coisas. Não obedecia nem a lei e ia obedecer psicólogo?" Aos poucos, porém, Souza foi largando a bebida, a cocaína, o crack e, por último, a maconha.
Os blogs também ajudam os chamados codependentes, termo usado para designar parentes e familiares que passam a viver em função dos viciados.
A assistente contábil Giuliana Fisher Fatigati, de 28 anos, faz parte de uma rede de cerca de 30 blogueiras que escrevem sobre o assunto. O relacionamento dela com um usuário de crack acabou sem final feliz, com ele de volta às drogas. Além do blog Valeu a Pena, escreveu um livro sobre o assunto. "A codependência é uma doença também. Dá a impressão de que você vai suportar, que você é a mais forte, uma heroína", diz. "No final, está arrasada, com a autoestima baixa."
Vivendo há quase metade da sua vida com um viciado em crack, a representante comercial Luciana Laura, de 35 anos, criou no ano passado o blog 14 anos lutando por um dependente químico. "Por meio do blog, conheci inúmeras pessoas que passam pelo mesmo problema. Encontrei amigos que amo incondicionalmente e me ajudam a passar pelos traumas que a dependência química traz aos familiares.
 
WEB AJUDA PACIENTE QUE TEM VERGONHA DE FALAR EM GRUPO
O psiquiatra Marcelo Niel, do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo, diz que os blogs podem ajudar dependentes químicos que não conseguem dividir experiências em público.
"Muitos têm fobia social. Pode ser muito difícil para um paciente ansioso falar em grupo. Esse é o maior fator de não adesão a tratamentos", diz o médico.
No caso dos familiares, afirma Niel, publicar relatos em blogs pode ajudá-los a descobrir que não são os únicos passando por esse tipo de problema. "Há uma carga muito grande sobre a família, que sente vergonha. É importante que eles saibam que outras pessoas passam por problema parecido", afirma.
TRECHOS
"Há 69 dias, minha sogra faleceu. Pedi dinheiro emprestado para minha mãe para ajudar no sepultamento. O dinheiro virou droga que usei antes do enterro. Para disfarçar, tomei seis comprimidos de Diazepam que me deixaram grogue."
"Minha doença age de forma traiçoeira, comendo pelas beiradas, aproveitando qualquer falha na minha armadura e esta semana não foi diferente." waladicto.blogspot.com.br
 
"Ontem, ele saiu para trabalhar e até agora nada, não voltou... E o pior de tudo é que eu mais uma vez emprestei meu carro para ele, o que será que tenho na cabeça?
As vezes, não consigo entender como a codependência nos engana tanto, nos fazendo acreditar nas palavras do adicto. Em duas semanas, ele teve 3 recaídas. Estamos passando por momentos difíceis em casa, pois ele praticamente parou de trabalhar... Estou cansada de carregar tudo nas costas. Sem perceber, fui facilitando o vício dele nas drogas, pois aqui em casa eu pago aluguel, água, luz e telefone... Deixei para meu esposo apenas as despesas com a compra e infelizmente nem isso ele está fazendo...lucianalpsm.blogspot.com.br
 
"Tudo começou na parte da manhã, quando uma nota de R$ 50 que minha mãe havia deixado por descuido na mesa da sala sumiu.
Naquela época, ele já estava morando na minha casa, mas ainda pouco sabíamos a respeito da dependência dele, pouco sabíamos sobre o crack. Logo que minha mãe deu falta, eu ‘saquei’ o que estava acontecendo, eu tive a certeza dentro de mim de que havia sido ele, o rapaz por quem eu havia me apaixonado, o rapaz a quem eu sempre chamava de anjo, e eu travei uma batalha interna dentro de mim para aceitar que aquele anjo fosse capaz de fazer algo do tipo.
E então o jogo começou! O jogo de manipulações, de chantagem emocional, de apelos e tudo mais o que vocês possam imaginar, mas quem estava jogando esse jogo era eu, não ele." livrovaleuapena.blogspot.com.br
 
"Ainda bem que tenho um ‘piloto automático’ que logo me diz que estou no caminho errado.
Ainda bem que, mesmo recaído espiritualmente, emocionalmente e psicologicamente, e com todas as insanidades, eu não consumei a recaída no sentido de voltar ao uso de drogas. Mas eu preciso admitir que a minha vida está sem controle em alguns (ou vários) aspectos; tenho de admitir que preciso de ajuda.
Ontem, encontrei um brother das antigas, que estava em reclusão por tráfico e saiu há dois meses. Ele estava com o uniforme da empresa onde está trabalhando e isso me alegrou muito. Disse estar sendo crente e que está dormindo no albergue. Disse que não tem mais nem vontade de usar, que já recebeu várias propostas para comercializar novamente, mas não pretende mais voltar ao crime." limposporhoje.blogspot.com.br
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Jovem usuária de crack conta sua vida.
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Depoimento emocionante. 
É essa realidade que querem esconder.

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Hoje em Dia 18/01/2013
Clínica particular é acusada de torturar viciados em droga.
Girleno Alencar
MONTES CLAROS – Uma clínica particular especializada no tratamento de pessoas viciadas em drogas foi denunciada ao Ministério Público Estadual (MPE), em Montes Claros, acusada de maus-tratos, tortura e de entorpecer os pacientes com medicamentos pesados.
O documento, de autoria do servidor público e ex-interno Pedro Ruas Neto, fala até na morte de um dos internos por overdose.
A Comunidade Terapêutica Resgatando Vidas, localizada no Anel Rodoviário, no bairro Grande Independência, é apelidada de “casa dos horrores” pelos internos. O diretor da instituição, Toney Tomaz da Silva, nega as acusações e afirma que os pacientes querem “fugir do rigor do tratamento”.
O analista de crédito Adriano Rocha Abreu, de 33 anos, ficou em tratamento no local entre novembro de 2010 e maio de 2011. “Tenho uma costela quebrada até hoje. Como me recusava a seguir as normas fixadas pela clínica, apanhei durante dois meses seguidos”, conta.
As sessões de maus-tratos e tortura seriam aplicadas, segundo a denúncia, tanto por Toney Silva quanto pelo coordenador Valério Ferreira. “Eu não queria tomar o coquetel de medicamentos conhecido como Caveirão, que deixava a gente dormindo por três dias. Abriam a minha boca, me agrediam e me amarravam”, acusa Adriano Rocha.
DINHEIRO
A família do analista de crédito pagava R$ 900 por mês pelo tratamento, além de fornecer verdura, arroz, feijão e outros produtos alimentícios. Ele relata que dividia o quarto com outros dez internos e era obrigado a limpar as fezes de outros pacientes. “Era uma situação humilhante. Alguns dormiam em colchões no chão. Se alguém conversasse alto, era levado para um quarto destinado às sessões de agressão e apanhava”, lembra Adriano.
O homem abandonou o tratamento antes dos seis meses previstos e passou por tratamento psicológico.
Caixa d’água
Responsável por fazer a denúncia ao MPE, Pedro Ruas também ficou internado na Resgatando Vidas, entre janeiro e julho de 2011. Na clínica, ele fez um diário sobre todas as irregularidades. “Os internos ‘rebeldes’ eram dopados e jogados dentro de uma caixa d’água cheia, no fundo da casa, quando também passavam a ser agredidos”.
SUPOSTA MORTE
Pedro conta como um dos internos teria morrido na clínica. Segundo ele, um homem de Sete Lagoas (região Central) foi internado na clínica em junho de 2011. “Um dia, ele estava muito agitado e recebeu uma alta dosagem de medicamentos e morreu”, conta o servidor público.
Ainda de acordo com Pedro Ruas, todos internos foram colocados no pátio, de costas, enquanto o corpo da vítima era retirado do local. A Polícia Civil em Montes Claros foi acionada e ficou de contactar as autoridades em Sete Lagoas para saber se há alguma denúncia sobre o desaparecimento do interno.

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O Dia 15.01.2013

Usuário de crack é baleado na Avenida Brasil
Rio -  Ocupantes de um veículo atiraram contra usuários de crack na Avenida Brasil, na altura da Favela Parque União, na Maré, no fim da noite desta segunda-feira. Luiz Ricardo Costa Monte, de 23 anos, foi operado no Hospital Geral de Bonsucesso, na Zona Norte. Segundo a assessoria de imprensa da unidade, ele está na emergência, em observação.
As balas atingiram o fígado e o intestino da vítima. Não há informações sobre a autoria dos disparos. O caso foi registrado na 21ª DP (Bonsucesso).
O local onde a vítima foi baleada tem sido alvo de operações frequentes da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS). Semana passada, um menino de 10 anos foi atropelado e morreu quando fugia de agentes da Prefeitura.

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JN 05/01/2013
Lugar conhecido como Cristolândia ajuda na recuperação de dependentes de crack em SP
(veja a matéria clicando na imagem)
O trabalho de voluntários de uma igreja protestante de São Paulo está ajudando na recuperação de dependentes de crack. Veja na reportagem de Graziela Azevedo.
Em meio a Cracolândia a porta que se abre pode ser o começo de uma nova vida. Foi assim com Clodemir.
“Um dia eu entrei por essas portas sem roupa, sem nada, eu tava ha 3 meses com a mesma roupa, 3 meses sem tomar banho”, conta Clodemir José, funcionário da igreja.
Primeiro o convite: “querido, você já tomou banho, ja?”
Depois o chuveiro quente, roupas limpas, comida, um abraço.
É assim, com o básico e o muito importante que começa o trabalho dos fiéis da Igreja Batista no lugar que ficou conhecido como a Cristolândia. É preciso entrar com as próprias pernas e normalmente isso acontece quando o usuário chegou ao fundo do poço e quer ajuda.
“Sempre me senti um lixo. Na rua me sinto um lixo”, diz um dos dependentes. "Principalmente parar com o crack, porque o crack não é vida, é destruição”, afirma outro. 
A porta sempre aberta para quem quiser entrar é apenas o começo de um longo processo. A base do tratamento aqui na Cristolândia é a vontade do dependente de largar as drogas. Fazer com que esse desejo seja mais forte que a vontade de usar não é uma tarefa fácil.
A primeira etapa é a mais difícil, quem fica internado quase não usa medicamentos, apenas os que são absolutamente necessários e prescritos pelos médicos. A idéia é que o dependente tenha consciência e participe do tratamento.
“Fé um valor muito importante pra nós, mas nós cremos no desejo da pessoa deliberadamente ter a sua vida mudada radicalmente para uma outra direção, para um outro caminho”,  explica Pastor Paulo Eduardo, responsável pelo projeto.
Os desvios acontecem. “Eu recaí porque eu pensei que eu tava bom. Eu bati o pé, falei não, vou embora. Me deu uma loucura, abstinência”, conta Cristiano.
Mas segundo os responsáveis, 40% ficam e passam para as outras fases do processo que incluem a vida e o trabalho no campo, a reaproximação com a família. Em três anos a Cristolândia conta 400 dependentes recuperados.
Cristiano hoje veio para tentar novamente: “Eu vou ficar, pode haver o que haver, eu vou ficar. Eu quero me recuperar”. 
Clodemir está limpo há três anos e meio, mas a felicidade não está completa. “Falta a gente olhar pra aquela calçada do outro lado e não ver mais ninguém deitado do outro lado”.
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BBC 28.12.2012

Número de presos explode no Brasil e gera superlotação de presídios.
O número de pessoas presas no Brasil cresceu 6% somente nos seis primeiros meses deste ano, intensificando uma tendência que fez do Brasil um dos três países do mundo com maior aumento da população carcerária nas últimas duas décadas.
Rogerio Wassermann
Segundo dados recém-divulgados pelo Ministério da Justiça, o número total de presos em penitenciárias e delegacias brasileiras subiu de 514.582 em dezembro de 2011 para 549.577 em julho deste ano.
Uma das principais consequências desse aumento é a superlotação das prisões, já que novas vagas não são criadas na mesma velocidade que o aumento do número de presos. Em julho, havia um déficit de 250.504 vagas nas prisões do país, segundo os dados oficiais.
Em 1992, o Brasil tinha um total de 114.377 presos, o equivalente a 74 presos por 100 mil habitantes. Em julho de 2012, essa proporção chegou a 288 presos por 100 mil habitantes. No período, houve um aumento de 380,5% no número total de presos e de 289,2% na proporção por 100 mil habitantes, enquanto a população total do país cresceu 28%.
Segundo levantamento feito a pedido da BBC Brasil pelo especialista Roy Wamsley, diretor do anuário online World Prison Brief (WPB), nas últimas duas décadas o ritmo de crescimento da população carcerária brasileira só foi superado pelo do Cambodja (cujo número de presos passou de 1.981 em 1994 para 15.404 em 2011, um aumento de 678% em 17 anos) e está em nível ligeiramente inferior ao de El Salvador (de 5.348 presos em 1992 para 25.949 em 2011, um aumento de 385% em 19 anos).
Se a tendência de crescimento recente for mantida, em dois ou três anos a população carcerária brasileira tomará o posto de terceira maior do mundo em números absolutos da Rússia, que registrou recentemente uma redução no número de presos, de 864.197 ao final de 2010 para 708.300 em novembro dese ano, segundo o último dado disponível.
"Por mais esforço que o Estado faça, não dá conta de construir mais vagas no mesmo ritmo", admite o diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, Augusto Rossini.
Segundo ele, o crescimento acelerado no número de prisioneiros no país é consequência tão somente do aumento da criminalidade, mas também do endurecimento da legislação penal, da melhoria do trabalho da polícia e da maior rapidez da Justiça criminal.
Recompensa nas urnas'
Alguns críticos, porém, afirmam que falta ao Executivo e ao Legislativo no Brasil uma vontade política para encontrar saídas alternativas à prisão e evitar o aumento descontrolado no número de prisioneiros.
"A sociedade ainda não pode abrir mão da prisões, mas elas deveriam servir só para conter os criminosos de alto risco", defende José de Jesus Filho, assessor da Pastoral Carcerária Nacional. Para ele, "entre 70% e 80% dos presos" poderiam cumprir penas alternativas, como compensação às vítimas, prestação de serviços à comunidade, vigilância à distância e recolhimento noturno.
"Isso também reduziria a taxa de reincidência e o custo para o Estado de manter tantos presos", diz. "Mas as razões do Estado são políticas, não necessariamente de interesse público, então não há vontade para investir nisso", critica.
Um dos maiores especialistas do mundo no tema, o finlandês Matti Joutsen, faz coro ao argumento. Diretor do Instituto Europeu para Prevenção e Controle ao Crime (Heuni), órgão consultivo da ONUJoutsen diz que em vários países há "uma vontade em particular dos políticos em encontrar soluções fáceis para problemas vexatórios".
"Seus cidadãos estão preocupados com mais roubos ou assaltos? Aumente a punição. Há mais histórias sobre tráfico de drogas na mídia? Aumente a punição. Houve algum caso particularmente repulsante de estupro ou sequestro? Aumente a punição. Nunca se importam em tentar melhorar as políticas sociais, oferecer aos criminosos em potencial alternativas de vida ou investir em medidas de prevenção", observa.
Segundo ele, essas alternativas "não trazem as mesmas promessas de recompensa imediata nas urnas". "'Endurecer contra o crime' sempre cai bem com a sua base política e é certamente um chamariz de votos", afirma.
Penas alternativas
O diretor do Depen afirma que o interesse do governo é reduzir o número de presos e aumentar a aplicação de penas alternativas, além de oferecer programas de ressocialização que permitam a remissão das penas dos condenados e evitem a reincidência após a soltura.
Mas ele observa que grande parte desse esforço depende da Justiça e dos legisladores. "Se os eleitores clamam por mais Justiça, os deputados e senadores não podem ficar alheios a isso. Dar uma resposta à sociedade também é importante para que ela não saia fazendo Justiça com as próprias mãos", observa.
Segundo ele, a prisão também tem um importante aspecto de prevenção ao crime. "O povo teme a prisão, e muitos deixam de cometer crimes porque temem ir para a cadeia", afirma. Entretanto alguns críticos contestam esse argumento e afirmam que, ao invés de prevenir crimes, o aprisionamento em massa pode ter o efeito de elevar a criminalidade.
Um estudo publicado em 2007 por Don Stemen, diretor de pesquisas do Center on Sentencing and Corrections, dos Estados Unidos, argumenta que não existe uma relação direta entre prisões e criminalidade.
Ao analisar dados de diversas pesquisas que tentaram estabelecer essa relação com base em dados americanos, ele aponta que diferentes metodologias e períodos analisados indicaram desde uma redução de 22% no crime com um aumento de 10% nas taxas de encarceramento até um aumento pequeno na criminalidade.
No Brasil, vários indicadores de criminalidade também continuaram aumentando nas últimas duas décadas, apesar das taxas recorde de aprisionamento. De acordo com dados do Ministério da Saúde, o número total de homicídios no país passou de 31.989 em 1990 para 52.260 em 2010 (aumento de 63%). Na proporção por 100 mil habitantes, houve um aumento de 23% (de 22,2 homicídios por 100 mil habitantes para 27,3 por 100 mil).
'Mentalidade criminosa'
Para Matti Joutsen, do Heuni, é possível que o aumento no número de prisioneiros provoque um aumento na violência. "Os prisioneiros são geralmente soltos na sociedade após alguns anos, e se não há tentativas efetivas de reabilitá-los e de prepará-los para a soltura, eles estarão em sua maioria mais propensos a cometer novos crimes", afirma.
"Afinal de contas, por cortesia do governo, eles acabaram de passar os últimos anos entre um grande número de criminosos, formando novas alianças, aprendendo novas técnicas criminosas, conhecendo novas oportunidades criminais e formando sua 'mentalidade criminosa'", argumenta.
Para ele, "quando os criminosos são soltos de volta para as favelas de São Paulo, do Rio de Janeiro ou de qualquer outro lugar sem um trabalho, sem uma casa e com perspectivas muito ruins, é muito provável que adotem novamente um estilo de vida criminoso", diz.
Joutsen observa que a superlotação e as condições precárias do sistema prisional brasileiro tornam "praticamente impossível" a implementação de qualquer programa de larga escala para promover a ressocialização dos presos.
"Como você ensina uma profissão a uma pessoa, provê educação básica, promove valores básicos e prepara ela para voltar à comunidade em liberdade, pronta para encontrar um emprego, estabelecer uma família, encontrar uma casa e se adequar à sociedade quando o governo já tem restrições em seus gastos e não há aparentemente vontade política de gastar os recursos limitados com os prisioneiros?", questiona.
Para José de Jesus Filho, da Pastoral Carcerária, falta ao governo um plano para reintegração social dos presos. "No final do ano passado, o governo anunciou um plano de US$ 1,1 bilhão para a construção de 42,5 mil novas vagas em presídios, mas não alocou nem um centavo para a ressocialização dos presos", critica.
"O que existem são apenas projetos-piloto, sem a dimensão necessária. Não é uma política universal do Estado", afirma. Para ele, a função do encarceramento em ressocializar o criminoso está sendo deixada de lado, e as prisões no país "são vistas mais como meio de vingança da sociedade e de isolamento das populações mais marginalizadas".
O diretor do Depen afirma que o governo brasileiro "reconhece seus problemas e vem se esforçando por uma política criminal correta, que gere segurança para as pessoas e ajude a ressocializar os presos". "Estamos constantemente em busca de soluções", afirma.
Maiores populações carcerárias
País        Nº total de presos    Presos por 100 mil habitantes    Taxa de ocupação nas prisões
1    EUA        2.266.832              730                                      106%
2    China       1.640.000             121                                       n/d
3    Rússia       708.300               495                                      91%
4    Brasil        514.582               288                                     184% 
5    Índia        372.296                30                                       112%
6    Irã           250.000               333                                     294%
7    Tailândia    244.715              349                                     195%
8    México        238.269            206                                     126%
9    África do Sul    156.659        307                                     132%
10    Ucrânia        151.137          334                                      97%
Fontes:      World Prison Brief / Ministério da Justiça do Brasil
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Globo 14.12.2012
Alesp: 79% dos municípios paulistas não têm leitos para dependentes químicos
Estudo mostra que 80% dos usuários de drogas atendidos em hospitais públicos tem entre 16 e 35 anos
Leonardo Guandeline
SÃO PAULO – Um levantamento realizado pela Frente Parlamentar de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) mostra que 79% dos municípios paulistas não dispõem de leitos públicos para tratar os dependentes químicos. O estudo mostra, ainda, que 80,73% dos usuários de drogas atendidos no sistema público de saúde têm idades entre 16 e 35 anos. Em relação ao crack, “a droga mais presente nos municípios paulistas, não importa o tamanho deles”, 67% dos usuários da droga atendidos em hospitais públicos têm menos de 30 anos.
Hoje, de acordo com a Secretaria de Estado da Saúde, são 68 Centros de Atenção Psicossocial - Álcool e Drogas (CAPs AD) no estado, 20 deles somente na capital. Na conclusão do levantamento, a frente parlamentar reivindica a implantação de novos CAPs AD no estado.
O estudo foi feito através de um questionário com 10 perguntas encaminhado a gestores públicos de 325 dos 645 municípios paulistas, que concentram 76% da população do estado de São Paulo. O levantamento mostra que o avanço do crack é mais acentuado em cidades com população entre 50 mil e 100 mil habitantes.
Diz o levantamento, ainda, que a pedra de crack pode ser comprada por até R$ 2 e que a droga “atinge todas as classes, indistintamente”. Em regiões do estado como Ribeirão Preto e São José dos Campos, o crack está tão presente quanto o álcool.
Ainda de acordo com o estudo, a reincidência no tratamento de dependentes químicos é superior a 50%, acentuada, principalmente, entre jovens de 16 a 30 anos.

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Jornal do Brasil 07/11/2012
Usuária de crack denuncia venda de drogas perto de abrigo da prefeitura
Em mais uma operação de acolhimento, depoimentos revelam o drama dos viciados
Henrique de Almeida
Durante nova operação da Secretaria Municipal de Assistência Social, realizada na manhã desta quarta-feira no canteiro central da Avenida Brigadeiro Trompowsky - entrada da Ilha do Governador - a reação e os depoimentos de usuários de crack deixaram claro que a estratégia adotada pela Prefeitura ainda está longe de atingir resultados concretos.
Enquanto dezenas deles saíram em disparada, se arriscando entre os carros em plena Avenida Brasil, outros admitiam que não conseguiam abandonar o vício.
Se é para eu ficar me drogando dentro do abrigo, eu prefiro ficar na rua
Uma das usuárias chegou a afirmar que ao lado do principal abrigo da Prefeitura, em Paciência, há um ponto de venda de drogas, com farta oferta aos usuários. "Se é para eu ficar me drogando dentro do abrigo, eu prefiro ficar na rua”, disse a mulher que se identificou apenas como Maristela e afirmou ter 19 anos.
Maristela, cujos dois filhos que atualmente vivem com a avó, chegou a aceitar ser levada pela Assistência Social.
Quero me livrar desse vício maldito. Quero poder ver meus filhos”, afirmava.
Mas, logo depois que o carro da secretaria deixou o local, ela retornou para a cracolândia. 
Quando voltou para o canteiro central da Avenida Brigadeiro Trompowski, Maristela acabou se desentendendo com outro dependente, chamado Serginho.  A briga teve direito a chutes e lançamento de latas de cerveja, pedras e pedaços de madeira, que só tiveram fim com a intervenção da polícia. Depois que a polícia deixou o local, os dois foram para o interior do parque e continuaram brigando.
Serginho, de 25 anos, também era a imagem de uma vida trágica e sem esperanças. Ele perdeu os braços ‘surfando’ em cima de um trem, e conta que já foi levado para vários abrigos da prefeitura, mas sempre volta para a avenida. “O abrigo funciona, mas só para quem quer se curar. Aqui é bem melhor. Tem as drogas e tal”, argumenta. Ele foi um dos que se recusaram a ser levado para um abrigo e, durante toda a operação da Secretaria, também era visto perambulando pelo Parque União.
Outra usuária, de 23 anos, que não quis se identificar, disse que foi parar na cracolândia recentemente. Segundo ela, mesmo sendo usuária de drogas, ela sempre teve a sua casa e suas posses. Perguntada sobre o motivo de estar na cracolândia atualmente, ela foi misteriosa: “Uma mente vai influenciando a outra e a gente vai se perdendo.”
"A assistência não faz o tratamento”
Sobre a denúncia de Maristela, de que haveria uma “boca de fumo” ao lado de um dos abrigos da prefeitura, a diretora do Serviço de Abordagem Social da Secretaria Municipal de Assistência Social, Daphne Braga, bateu na tecla da farta oferta nas ruas: 
“A gente precisa diferenciar uma coisa: a assistência não faz o tratamento. A gente oferece o abrigo. Na rua sempre vai ter a oferta da droga, independentemente se é em Paciência ou se é no Stella Maris (Centro de Acolhimento), na Ilha do Governador. Muitas vezes nós acolhemos esses usuários que não estão preparados para o tratamento”, comentou Daphne.
    Em nota, a secretaria diz que "em relação à proximidade de uma boca de fumo, não cabe à Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS) atuar em questões dirigidas aos órgãos de segurança pública, mas encaminhar e promover ações conjuntas a fim de tratar a dependência química dos usuários da rede de proteção social do município"
    A nota diz ainda que "no local, os usuários de drogas recebem atendimento social, por meio de assistentes sociais e psicólogos, além de serem avaliados e orientados para o atendimento contra a dependência química nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) da Secretaria Municipal de Saúde"
Daphne reconheceu que a Brigadeiro Trompowsky continua e continuará sendo um ponto de migração dos usuários de crack. A dificuldade de acolher os usuários também já foi reconhecida por ela em outras matérias publicadas no Jornal do Brasil:  
A gente busca o atendimento não só pela assistência social, mas é muito difícil. O que nós tentamos primeiro é oferecer o atendimento no local. Caso não seja possível, tentamos tirá-lo da área de conflito. Damos um banho, comida e aí oferecemos tratamento. Estamos buscando a solução”, finalizou a diretora.
    Já a subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Estado de Segurança informou que faz o monitoramento constante dos pontos de venda de drogas na cidade do Rio de Janeiro. Todas as denúncias recebidas são investigadas pelas autoridades que têm competência para agir. "Para uma operação policial, muitas vezes, necessitamos de tempo para investigar e planejar, sob pena de não se conseguir provar os delitos e frustrar nossos objetivos. Por este motivo, o detalhamento destas informações seguem sob sigilo", esclareceu a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança.
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O Globo 07/11/12
Moradores da Zona Sul observam aumento e perfil mais agressivo da população de rua.
Muitas pessoas teriam migrado de favelas ocupadas pela polícia, são viciadas em crack e cometem crimes
THAMINE LETA
RIO — Há algumas semanas, a aposentada Márcia Bruce Kohout, moradora da Rua Duvivier, em Copacabana, viu a calçada do seu prédio ser ocupada por mendigos, que desde então vêm usando o lugar como dormitório: chegam ao anoitecer e só saem de manhã. Alguns são agressivos e usam drogas. Assim como Márcia, outros moradores do bairro, de Ipanema e do Leblon têm notado o aumento da população de rua na Zona Sul. Além disso, está havendo uma mudança no perfil dessas pessoas que vivem ao desabrigo na região, como a própria Secretaria municipal de Assistência Social começa a descobrir. Muitas teriam migrado de favelas ocupadas pela polícia, são viciadas em crack e cometem crimes.
Na Rua Duvivier, Márcia Bruce Kohout diz que a presença de pedintes ali não é recente. No entanto, a aposentada garante que o número de famílias que vivem nas ruas tem aumentado.
— Eu moro aqui há 60 anos e tive que mudar a minha rotina. Deixei de acordar cedo para ir à padaria, pois teria que pular os mendigos para conseguir seguir meu caminho. E existem dois tipos: aqueles que trabalham nas ruas e usam a calçada para dormir, e os que são delinquentes. Muitos usam drogas, ficam agressivos. Eles ameaçam, muitas vezes jogam pedras. Fora o medo, existe o constrangimento também. Eles espalham lixo, urinam, defecam, fazem sexo debaixo da minha janela. É assustador — conta Márcia.
O presidente da Sociedade Amigos de Copacabana e do Conselho Comunitário de Segurança do bairro, Horácio Magalhães, diz que, nos últimos três meses, a população de rua na região aumentou consideravelmente. Ele especula que, com as recentes ocupações policiais de favelas, muitos usuários de crack migraram para a Zona Sul:
— É um problema crônico. Nós nos deparamos cada vez mais com moradores de rua. E dá para ver que muitos estão usando crack. Isso não afeta apenas a ordem social, há também um reflexo na segurança pública. A distância que separa a delinquência da indigência é bastante complicada.
O aumento do número de mendigos é percebido também em Ipanema e no Leblon. Numa ronda feita por repórteres do GLOBO na Avenida Ataulfo de Paiva, no Leblon, por volta das 19h30m do último domingo, foram contados nove moradores de rua em seis quadras.
— É horrível ver aquelas pessoas vivendo num abandono geral — diz Evelyn Rosenzweig, presidente da Associação de Moradores do Leblon. — E a população não contribui para que isso acabe. Muitas vezes dá esmolas, mas essa generosidade não é a postura ideal, já que estimula o crescimento do número de pedintes. E vemos três guardas municipais em cada esquina do Leblon (em outubro de 2011, o bairro ganhou uma Unidade de Ordem Pública). Por que eles não abordam os moradores de rua e dizem: “Aqui o senhor não pode dormir”? Claro, depois a assistência social precisa fazer o seu trabalho .
Antecedentes não podem mais ser checados
A Secretaria municipal de Assistência Social informou que, por causa das migrações de moradores de rua na cidade, começa a estudar um novo perfil desse grupo. Além dos que já dormiam nas calçadas, passaram a viver nas ruas da Zona Sul viciados em crack e criminosos.
— Com a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora, houve migração de moradores de favelas que usavam e vendiam drogas — diz Daphne Braga, assistente social e diretora de média complexidade dos Centros de Referência Especializada da secretaria. — Eles se misturaram aos antigos moradores de rua. Essas pessoas vendem drogas e cometem delitos. Elas procuram fazer isso na Zona Sul porque sabem que a renda dos moradores dessa região é maior. Antes, acolhíamos as pessoas e íamos à delegacia verificar se tinham fichas criminais. No ano passado, 280 ficaram presas após verificarmos seus históricos. Mas, por uma ação do Ministério Público, não podemos mais fazer isso. Assim, todas são encaminhadas aos centros de acolhimento, onde podem ter acompanhamento. Mas, se quiserem, podem deixar o local.
De acordo com a Secretaria Especial da Ordem Pública (Seop), os guardas municipais recebem duas orientações: além de pedir aos moradores de rua que deixem o local, por estarem perturbando quem passa pela área, devem alertar a Secretaria de Assistência Social. Este órgão, por sua vez, informou que faz abordagens diariamente, de manhã. Disse ainda que está se articulando com outros órgãos para intensificar as operações, pois nesta época, devido à proximidade das festas de fim de ano, o número de moradores de rua aumenta na Zona Sul.
Segundo a Secretaria de Assistência Social, Copacabana é o bairro da Zona Sul com maior número de queixas em relação à presença de população de rua. As praças Serzedelo Correia e do Lido são pontos identificados como tendo indícios de tráfico, assim como Corte do Cantagalo e Rua Tonelero (incluindo o Túnel Major Rubens Vaz). Em Ipanema, os pontos com maior número de mendigos são Jardim de Alah, Epitácio Pessoa, Visconde de Pirajá, Praça General Osório, Vinicius de Moraes e Nascimento Silva. Já no Leblon são Ataulfo de Paiva, Humberto de Campos, Bartolomeu Mitre, Borges de Medeiros, General Artigas, Almirante Pereira Guimarães, Dias Ferreira e Carlos Góes.
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Tribuna de Minas 20.11.2012
Holocausto brasileiro: 50 anos sem punição
 
Milhares sucumbiram de frio, fome, tortura e doenças curáveis; 50 anos depois, ninguém foi punido por este genocídio
DANIELA ARBEX
Não se morre de loucura. Pelo menos em Barbacena. Na cidade do Holocausto brasileiro, mais de 60 mil pessoas perderam a vida no Hospital Colônia, sendo 1.853 corpos vendidos para 17 faculdades de medicina até o início dos anos 1980, um comércio que incluía ainda a negociação de peças anatômicas, como fígado e coração, além de esqueletos. As milhares de vítimas travestidas de pacientes psiquiátricos, já que mais de 70% dos internados não sofria de doença mental, sucumbiram de fome, frio, diarréia, pneumonia, maus-tratos, abandono, tortura. Para revelar uma das tragédias brasileiras mais silenciosas, a Tribuna refez os passos de uma história de extermínio. Tendo como ponto de partida as imagens do então fotógrafo da revista "O Cruzeiro", Luiz Alfredo, publicadas em 1961 e resgatadas no livro "Colônia", o jornal empreendeu uma busca pela localização de testemunhas e sobreviventes dos porões da loucura 50 anos depois. A investigação, realizada durante 30 dias, identificou a rotina de um campo de concentração, embora nenhum governo tenha sido responsabilizado até hoje por esse genocídio. A reportagem descortinou, ainda, os bastidores da reforma psiquiátrica brasileira, cuja lei sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, editada em 2001, completa dez anos. As mudanças iniciadas em Minas alcançaram, mais tarde, outros estados, embora muitas transformações ainda estejam por fazer, conforme já apontava inspeção nacional realizada, em 2004, nos hospitais psiquiátricos do país. A série de matérias pretende mostrar a dívida histórica que a sociedade tem com os "loucos" de Barbacena, cujas ossadas encontram-se expostas em cemitério desativado da cidade.
Criado pelo governo estadual, em 1903, para oferecer "assistência aos alienados de Minas", até então atendidos nos porões da Santa Casa, o Hospital Colônia tinha, inicialmente, capacidade para 200 leitos, mas atingiu a marca de cinco mil pacientes em 1961, tornando-se endereço de um massacre. A instituição, transformada em um dos maiores hospícios do país, começou a inchar na década de 30, mas foi durante a ditadura militar que os conceitos médicos simplesmente desapareceram. Para lá eram enviados desafetos, homossexuais, militantes políticos, mães solteiras, alcoolistas, mendigos, pessoas sem documentos e todos os tipos de indesejados, inclusive, doentes mentais.
'Trem de doido'
Sem qualquer critério para internação, os deserdados sociais chegavam a Barbacena de trem, vindos de vários cantos do país. Eles abarrotavam os vagões de carga de maneira idêntica aos judeus levados, durante a Segunda Guerra, para os campo de concentração nazista de Auschwitz, na Polônia. Os considerados loucos desembarcavam nos fundos do hospital, onde o guarda-freios desconectava o último vagão, que ficou conhecido como "trem de doido". A expressão, incorporada ao vocabulário dos mineiros, hoje define algo positivo, mas, na época, marcava o início de uma viagem sem volta ao inferno. Wellerson Durães de Alkmim, 59 anos, membro da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise, jamais esqueceu o primeiro dia em que pisou no hospital em 1975. "Eu era estudante do Hospital de Neuropsiquiatria Infantil, em Belo Horizonte, quando fui fazer uma visita à Colônia 'Zoológica' de Barbacena. Tinha 23 anos e foi um grande choque encontrar, no meio daquelas pessoas, uma menina de 12 anos atendida no Hospital de Neuropsiquiatria Infantil. Ela estava lá numa cela, e o que me separava dela não eram somente grades. O frio daquele maio cortava sua pele sem agasalho. A metáfora que tenho sobre aquele dia é daqueles ônibus escolares que foram fazer uma visita ao zoológico, só que não era tão divertido, e nem a gente era tão criança assim. Fiquei muito impactado e, na volta, chorei diante do que vi."
Pavilhão onde internos dormiam no "leito único", nome oficial para substituição de camas por capim
Esgoto era fonte de água de internos
Entrar na Colônia era a decretação de uma sentença de morte. Sem remédios, comida, roupas e infraestrutura, os pacientes definhavam. Ficavam nus e descalços na maior parte do tempo. No local onde haviam guardas no lugar de enfermeiros, o sentido de dignidade era desconhecido. Os internos defecavam em público e se alimentavam das próprias fezes. Faziam do esgoto que cortava os pavilhões a principal fonte de água. "Muitas das doenças eram causadas por vermes das fezes que eles comiam. A coisa era muito pior do que parece. Cheguei a ver alimentos sendo jogados em cochos, e os doidos avançando para comer, como animais. Visitei o campo de Auschwitz e não vi diferença. O que acontece lá é a desumanidade, a crueldade planejada. No hospício, tira-se o caráter humano de uma pessoa, e ela deixa de ser gente. Havia um total desinteresse pela sorte. Basta dizer que os eletrochoques eram dados indiscriminadamente. Às vezes, a energia elétrica da cidade não era suficiente para aguentar a carga. Muitos morriam, outros sofriam fraturas graves", revela o psiquiatra e escritor Ronaldo Simões Coelho, 80 anos, que trabalhou na Colônia no início da década de 60 como secretário geral da recém-criada Fundação Estadual de Assistência Psiquiátrica, substituída, em 77, pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig). A Fhemig continua responsável pela instituição, reformulada a partir de 1980 e, recentemente, transformada em hospital regional. Hoje, o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB) atende um universo de 50 cidades e uma população estimada em 700 mil pessoas.
Capim como cama
Os pacientes da Colônia, em sua maioria, dormiam no "leito único", denominação para o capim seco espalhado sobre o chão de cimento, que substituía as camas. O modelo chegou a ser oficialmente sugerido para outros hospitais "para suprir a falta de espaço nos quartos."
Em meio a ratos, insetos e dejetos, até 300 pessoas por pavilhão deitavam sobre a forragem vegetal. "O frio de Barbacena era um agravante, os internos dormiam em cima uns dos outros, e os debaixo morriam. De manhã, tiravam-se os cadáveres", contou o psiquiatra Jairo Toledo, diretor do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB).
Marlene Laureano, 56 anos, funcionária do CHPB desde os 20, era uma espécie de faz-tudo. "Todas as manhãs, eu tirava o capim e colocava para secar. Também dava banho nos pacientes, mas não havia roupas para vestirem. Tinha um pavilhão com 300 pessoas para alimentar, mas só tinha o suficiente para 30. Imagine! Só permaneci aqui, porque tinha a certeza de que um dia tudo isso ia melhorar, sei que Deus existe."
Sobreviventes passaram a vida internados
"Esse faleceu. Era uma delícia de pessoa. Essa morreu. Ela benzia a gente. Lembra? Olha o Raul, que saudade. Essa era bem alegre. Esse homem era engraçado, gostava de tomar conta das portas." Os comentários de Marlene Laureano sobre os pacientes fotografados por Luiz Alfredo, em 1961, não deixam dúvida de que a história da Colônia tem na morte uma de suas principais heranças. Sobreviver à Colônia é quase como confrontar o improvável. José Machado, 80 anos, Sônia Maria da Costa, 61, Maria Aparecida de Jesus, 71, e Antônio Sabino, 70, são alguns dos que conseguiram. Institucionalizados há mais de meio século, resistiram a fome, ao frio e ao tratamento desumano, mas carregam graves sequelas.
O registro de José Machado, o Machadinho, é de número 1.530. A informação sobre ele que mais se aproxima da verdade, já que a maior parte dos pacientes não tem qualquer registro sobre o seu passado, é de que deu entrada na entidade em 1959, conduzido pela polícia, após ser acusado de colocar veneno na bebida de alguém. Inocente, passou a vida encarcerado. Hoje, aos 80 anos, precisa de uma cadeira de rodas para se locomover, mantendo-se reticente na presença de estranhos.
Sebastiana Marques está em um dos cinco módulos residenciais implantados no hospital para atender os pacientes com mais autonomia. Com diagnóstico de esquizofrenia, mantém o hábito de ficar isolada e não consegue se expressar. Já Sônia é uma exceção entre os sobreviventes. Apesar de ter chegado ao hospital ainda criança, vive hoje em uma das 28 residências terapêuticas de Barbacena. Mudou-se para lá em 2003, deixando para trás uma história de eletrochoques, agressões e medo. "Lá no hospital judiavam muito da gente. Já apanhei muito, mas bati em muita gente também. Como era agressiva, me deram muito choque. Agora tenho comida gostosa, talheres e o principal: liberdade."
Museu é tributo às vítimas
Atualmente 190 pacientes asilares estão sob a guarda do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB), mas sua sobrevida é estimada em, no máximo, mais uma década. "Acredito que, em dez anos, o ciclo dos porões da loucura se fecha", afirma o diretor Jairo Toledo, referindo-se às últimas testemunhas daqueles tempos de horror. Maria Cibele de Aquino, 68 anos, foi uma das baixas mais recentes. Clicada em 1961, aos 18 anos, por Luiz Alfredo, ela faleceu em 14 de setembro, na companhia das bonecas que ninou durante toda uma vida de internação. Chegou ao hospício aos 14 anos de idade e nunca saiu de lá.
Para que a memória não seja enterrada, o Museu da Loucura vai continuar lembrando o que, convenientemente, poderia ser esquecido. Idealizado por Jairo, o museu foi inaugurado, em 1996, no torreão do antigo Hospital Colônia, e pretende ser um tributo às dezenas de milhares de vítimas da lendária instituição. Dos cinco museus de Barbacena, o que se dedica a contar a história da loucura é o mais visitado por turistas.
Em 2008, a publicação do livro "Colônia", também organizado por Jairo, expôs as feridas de uma tragédia silenciosa abafada pelos muros do hospital. "Por mais duro que seja, há que se lembrar sempre, para nunca se esquecer - como se faz com o holocausto - as condições subumanas vividas naquele campo de concentração travestido de hospital. Trazer à tona a triste memória dessa travessia marcada pela iniquidade e pelo desrespeito aos direitos humanos é uma forma de consolidar a consciência social em torno de uma nova postura de atendimento, gerando uma nova página na história da saúde pública", afirmou o ex-secretário de estado da saúde de Minas, o deputado federal Marcus Pestana. (PSDB/MG). Foi ele quem viabilizou a tiragem de mil exemplares do livro "Colônia."
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O Dia 1.11.2012
Irmã de famoso advogado encontra filho viciado morto no IML
FRANCISCO EDSON ALVES
Rio -  Depois de esperar oito dias em casa pelo filho — o técnico em informática Rafael Soares Ribeiro, de 28 anos, viciado em crack —, a bacharel em Direito Olga Maria Soares de Andrade, 60, irmã do renomado advogado Nélio Andrade, teve que tomar a decisão mais difícil de sua vida domingo: ir procurá-lo no Instituto Médico-Legal. A medida tem virado rotina para pais de dependentes, desde que a droga virou epidemia no Rio. E foi no IML que ela o encontrou.
Depois de dez anos de vício, ela perdeu o filho para o crack, que atinge também as famílias de classe média.
Olga, abraçada a Rafael, diz ter feito de tudo para salvar o filho: 'Nunca o abandonei, mas o crack venceu'.
Além de destruir minha família, o crack me impôs a forma mais cruel de encontrar um filho: numa geladeira de IML, com uma bala cravada na cabeça. Seu corpo, de 1,75 m de altura, pesando 52 kg, sugado pela droga maldita, tinha sido encontrado dentro de um bueiro, em Madureira, no dia 24. Se não tivéssemos ido ao IML, ele teria sido enterrado no dia seguinte como indigente. Foi o fim da agonia da espera”, lamenta Olga.
Drogas na escola
Rafael começou a usar maconha aos 14 anos. A família o alertou, mas, na própria escola particular onde estudava, partiu para o uso de drogas mais pesadas, como cocaína, até chegar ao crack, aos 18 anos. “Ele passava dias fora de casa. Voltava sujo, sem roupa, com fome e sede, sempre irreconhecível”, conta Olga.
Ela acrescenta que objetos da casa e dinheiro sumiam e Rafael regressava às ruas. Ele chegou a se casar e ter um filho, mas sua mulher não aguentou o tormento e foi embora. “Meu marido se separou de mim, mas entendi. Não podia abandonar meu filho”, ressalta.
Na esperança de que o filho se curasse, Olga o acompanhou em três internações, ineficazes. “Ele dizia: ‘mãe, quando eu morrer, será um alívio para a senhora. Eu sei que te faço sofrer muito. Ele não está mais comigo, também não está com os traficantes”, desabafa Olga, com a voz embargada. Agora, ela quer saber quem matou o filho. “Não sabemos quem atirou nele. Nem as circunstâncias em que o crime ocorreu”.
Tio de vítima da droga apela às autoridades
Irmão de Olga Maria, o advogado Nélio Andrade — famoso por defender causas criminais de grande repercussão — fez um desabafo ontem. “As autoridades policiais e de saúde precisam agir mais rápido. O crack está dizimando famílias de todas as classes. O País está ganhando uma legião de zumbis”, alertou Nélio.
Olga apela: “A internação involuntária (como quer o prefeito Eduardo Paes) tem que ser realidade, mas é preciso tratamento mais digno e prolongado para os doentes”. Segundo ela, não é possível recuperar um viciado em 60 dias, tempo máximo em clínicas conveniadas com o estado. Ela diz que via sempre leitos vazios nos hospitais e ambulatórios onde levava o filho para se tratar.
Cracolândias
O DIA tem mostrado como novas cracolândias vêm se instalando na cidade, depois que a polícia ocupou o Complexo de Manguinhos e a Favela do Jacarezinho. Especialistas estimam em seis mil o número de usuários de crack que perambulam principalmente pelas ruas da Zona Norte e Centro.
 “Em várias cracolândias, notamos a presença de pessoas de classe média, bem vestidas”, detalhou o sociólogo da Uerj, Dario Sousa, que coordenou pesquisa sobre o perfil dos usuários para a Igreja Católica.

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O Globo 14.10.2012
Consumo de drogas mais caras cresce com a renda brasileira
‘Mula’. A boliviana Elizabeth cruzou a fronteira e entrou no Brasil com 4,3 Kg de pasta base escondidos na bagagem. Foi flagrada e presa Foto: Fotos de André Coelho
 “Cadê o padê?”, pergunta Adauto Ramos (nome fictício), ao chegar em uma das festas mais famosas da capital federal. O código é conhecido. Ele está em busca de cocaína, facilmente encontrada no banheiro da noitada. Adauto é mais um usuário da droga que tem o Brasil como o segundo maior mercado do mundo, só atrás dos Estados Unidos. Com mais dinheiro no bolso, o brasileiro aumentou o consumo de entorpecentes caros e considerados de elite. Do ano de 2003 até 2011, as apreensões de cocaína cresceram 144%: 24 toneladas só no ano passado. A droga que abastece a noite brasiliense vem da Bolívia, e deixa pelo caminho vidas devastadas. A principal entrada é o Mato Grosso.
Foi a cocaína que separou a boliviana Elizabeth Catema da família. Depois de deixar o marido que a espancava, e no anseio de dar uma vida melhor para os quatro filhos, virou “mula” do tráfico. Com 4,3 quilos de pasta base escondidos na bagagem, ela e duas amigas cruzaram a fronteira de ônibus. Mas, logo na primeira viagem, foi flagrada e presa. Não viu o dinheiro prometido e, nos últimos dois anos, foi privada de acompanhar a infância das crianças.
"Ai, Deus, isso é muito doloroso para mim. Eu não me perdoo por haver escolhido esse caminho. Foi um erro que custou muito", desabafou a presidiária, que em breve ganhará liberdade condicional por bom comportamento.
Para tentar refazer a vida, quer trabalhar fazendo salgadinhos, atividade que aprendeu na cadeia. Mas quando atravessar o portão da penitenciária, deixará para trás várias presas pelo mesmo crime: 90% das 259 mulheres do presídio de Cuiabá estão ali por tráfico.
O uso das “mulas”, grande parte delas oriunda do povoado de San Matías, vem caindo, pois o tráfico está mais sofisticado. A moda é usar pequenos aviões para arremessar a droga em fazendas no Mato Grosso. Às vezes, os traficantes até abandonam aeronave — a carga vale mais. Aproveitam que o estado não tem uma base aérea, o que fortaleceria a fiscalização.
"Falar em segurança na fronteira do Mato Grosso não é falar em segurança só para nós, mas principalmente para São Paulo, Rio, para todo o Brasil, porque é por aqui que entra o problema", diz o juiz criminal de Cáceres Geraldo Fidelis.
Sobre sua mesa, histórias se repetem: processos de mulheres que se arriscam ao engolir as cápsulas de cocaína. Para acostumar o estômago, usam cenouras embaladas em preservativos. Passam pela fronteira para abastecer, sobretudo, os grandes centros. O juiz critica a guerra desleal: o tráfico tem equipamentos de última geração, a polícia não tem nem cão farejador. Cada um custaria apenas R$ 3,6 mil por ano para o estado. Na fronteira com a Bolívia, a comunicação policial é precária. A internet chegou lá há menos de dois meses.
O Ministério da Justiça quer reforçar a segurança de olho nos eventos que o Brasil sediará nos próximos anos. Comprou scanners de veículos para impedir o que acontece na Ponte da Amizade, fronteira com o Paraguai: a cocaína é escondida em pneus, radiadores e peças dos veículos. O ministro José Eduardo Cardozo alerta para o crescimento das drogas sintéticas entre jovens das classes média e alta. As apreensões de ecstasy no Brasil subiram de 68 mil para 259 mil comprimidos desde 2003:
"Quando muda o perfil econômico de um país, o crime se adequa. Com o Brasil se desenvolvendo economicamente, o perfil de delitos se adapta a essa realidade".
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Terra 23.07.2012
Esquizofrênico em filme, ator cobra atenção para saúde mental no País.
Magro e abatido, Felipe Kannenberg em cena do filme 'Menos Que Nada', durante internação em manicômio
MARIANA GHORAYEB
Magro e abatido. É assim que Felipe Kannenberg aparece no começo do filme Menos Que Nada, do diretor Carlos Gerbase, que estreou na última sexta-feira (20) em quatro tipos de mídia - na internet com exclusividade do Sundaytv, plataforma de vídeos online do Terra. Além da dieta pesada que enfrentou para atingir a imagem ideal do personagem Dante, internado há 10 anos em um hospital psiquiátrico, o ator fez diversas visitas a manicômios e constatou o que muitos sabem e parecem esquecer: as condições precárias da saúde mental no Brasil.
"O que mais me surpreende é que nós, humanidade, apesar de estarmos desbravando as estrelas, temos condições de atendimento ainda muito precárias no que diz respeito às questões psiquiátricas. O estado de abandono é terrível em pleno ano 2012", criticou ele, que garantiu que seu maior aprendizado com o filme está ligado justamente a essa questão.
Menos Que Nada conta a história de Dante (Felipe Kannenberg), um arqueólogo que trabalha com a parte burocrática de obras. Internado em um manicômio, onde foi esquecido por amigos e pela família, desperta a curiosidade de Paula (Branca Messina), uma médica que decide ajudar o paciente e encontrar o motivo que o levou à internação. Seus surtos envolvem um banco, simulação de atos sexuais, gritos, um buraco e uma encenação de morte.
Em entrevista exclusiva ao Terra, Felipe Kannenberg falou sobre a preparação para o personagem, as visitas a hospitais psiquiátricos e o cinema no Brasil. Confira na íntegra:
Terra - Como foi sua preparação para o papel?
Felipe Kannenberg - Gerbase me passou material vasto de leitura e vídeos (documentários, longas-metragens).Sabine, um documentário francês que retrata uma personagem com um tipo peculiar de autismo, inspirou muito a forma de apresentação do personagem, apesar de a questão de Dante ser a esquizofrenia catatônica. A direção presente em todas as etapas de Gerbase foi a melhor das "bases".
Terra - Visitou hospitais psiquiátricos?
Felipe Kannenberg - Sim. Antes do início das filmagens fiz visitas constantes ao Hospital Psiquiátrico São Pedro, em Porto Alegre, observando pacientes esquizofrênicos e suas rotinas. E o que mais me surpreendeu é que nós, humanidade, apesar de estarmos desbravando as estrelas, temos condições de atendimento ainda muito precárias no que diz respeito às questões psiquiátricas. O estado de abandono, não apenas do paciente, mas de todo contexto que o cerca, são terríveis em pleno ano 2012.
Terra - Alguém específico serviu de inspiração? 
Felipe Kannenberg - Sabine foi uma grande inspiração. Todos os pacientes que conheci no São Pedro influenciaram - uns mais, outros menos. Lá, conheci um rapaz que tinha, entre outras coisas, o tipo de esquizofrenia catatônica.
Terra - Qual seu maior aprendizado com o personagem? 
Felipe Kannenberg - Creio que justamente esse, de que atentamos pouco para a situação da saúde mental. E isso precisa ser revisto.
Terra - Cada uma de suas fases no filme mostra uma mudança física muito grande. Como aconteceu? 
Felipe Kannenberg - Começamos a rodar pela fase mais velha, quando ele já está há anos no hospital psiquiátrico. Fiz uma dieta de restrição alimentar, que me manteve saudável enquanto passava uma sensação de debilidade. Na segunda fase, voltei a minha alimentação regular, recuperando o ar saudável.
Terra - Você teve algum problema de saúde por emagrecer e engordar em um espaço curto de tempo? 
Felipe Kannenberg - Nenhum, nem perto disso. Durante todo o tempo eu tive orientação de nutricionista.
Terra - Em uma entrevista, você comentou que o Dante foi um grande presente. O que mais gostou nesse trabalho?
Felipe Kannenberg - Da oportunidade de interpretar um personagem tão bonito, complexo, simples e especial. De poder encarar o desafio de fazer um personagem assim. Uma oportunidade de crescimento pessoal, profissional e social.
Terra - Mergulhar tão profundamente no universo de um esquizofrênico te afetou de alguma forma? 
Felipe Kannenberg - Claro. É uma experiência transformadora conhecer esse universo: os valores se reorganizam, os olhos são abertos mais um pouco e passamos a ser mais gratos pelo que de bom temos. Triste isso, mas verdadeiro; comparamos essa tristeza com nossas próprias vidas. Isso por si só é transformador e espero que o público se sinta movido também assim e, com sorte, alguém queira, possa e tente ajudar na melhora do sistema manicomial.
Terra - Acredita que o filme chegar à TV e internet pode "afetar" de alguma forma a arrecadação das bilheterias? 
Felipe Kannenberg - Na verdade, não. Creio que as pessoas que vão ao cinema, principalmente ver filmes nacionais, sempre irão preferir o escurinho das salas de projeção. O que acredito é que o número de público atingido é que aumentará.
Terra - No Brasil, normalmente as comédias ou dramas ligados a personalidades conseguem boas bilheterias. O que falta para outros tipos de filmes atingirem as mesmas marcas?
Felipe Kannenberg - Um público que aprecie esse filmes e que acredite na qualidade da produção nacional a ponto de valorizá-la assistindo a filmes brasileiros. Ainda estamos criando o nosso público, descobrindo sua cara, dando opções de filmes diferenciados aos poucos.
Terra - Você acha que o modo como funciona o mercado de salas de cinema no País é o que atrapalha a bilheteria de filmes que ficam em circuito fechado ou por pouco tempo em cartaz?
Felipe Kannenberg - Enxergo como um negócio, como é próprio de um mercado. Para se ter um filme em cartaz, ele deve trazer retorno financeiro - com a vinda do público. Pouco público, pouco tempo. Por isso mesmo, acredito ainda mais acertada a decisão da Prana Filmes de lançar Menos Que Nada em diversas plataformas.
Terra - Agora que o Menos Que Nada já está em cartaz, quais são seus próximos planos?
Felipe Kannenberg - Como ator, aguardo lançamento de mais três filmes (Amores Imperfeitos, de Marcio de Lemos, Os Senhores da Guerra Parte I, de Tabajara Ruas, e Nove Crônicas Para Um Coração Aos Berros, de Gustavo Galvão); e estou em dois outros na fase de pré-produção (1 x 0, de Charles Miranda, e Casa da Mãe Joana 2, de Hugo Carvana). Estou terminando de escrever o roteiro de meu primeiro longa-metragem, Mein Opa - O Prisioneiro nº 24 da Cela 6.
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iG 02/07/2012
Dependentes de crack de classe média: roupa de grife na clínica de reabilitação
Reportagem passa um dia em um dos mais exclusivos centros de recuperação de dependentes químicos do Rio.
O doutor Jorge Jaber orienta os pacientes. 
O rapaz da foto já burlou a segurança diversas vezes para fugir
Valmir Moratelli
Arquiteto, 31 anos, morador da Barra da Tijuca, internado há dois meses. Tem duas passagens pela polícia. Responde por porte de drogas, tentativa de homicídio e formação de quadrilha. Viciado em crack. Professor de jiu-jitsu em academias da zona sul do Rio, 29 anos. Começou com maconha, depois cocaína e, há 45 dias, tenta largar o crack.
Assim como estes dois (todos os nomes de pacientes nesta reportagem não são mencionados para preservar suas identidades), outras 63 pessoas estão internadas na Clínica Jorge Jaber, em Vargem Pequena, zona oeste do Rio. A maioria é de classe média, visto que a mensalidade não sai por menos de R$ 7 mil, sem incluir boa parte da medicação necessária. Chama a atenção dos médicos a procura cada vez maior de tratamento de crack, uma droga que até pouco tempo era oriunda das classes menos favorecidas.
“O viciado em crack teve sua capacidade cognitiva e social deteriorada, está propenso à irritação extrema, tem comprometimento físico e sem laços familiares. É um ser humano à beira da destruição, um fracassado total, insano. No primeiro diálogo, ele vai te falar que nunca mais vai se viciar, que não quer mais usar drogas. Mas está escondendo a vontade louca de voltar a se drogar”, define o psiquiatra Jorge Jaber, dono do local. Segundo ele, do ponto de vista físico, a lesão provocada pela dependência é apagada em meses. Mas do ponto de vista psicológico quem utiliza o crack seis ou no máximo oito vezes já se torna um dependente que precisa de auxílio médico constante. Alguns, para a vida toda.
Na clínica havia, no dia da visita da reportagem do iG, 65 pacientes. A capacidade é para atender 78. A maioria é de classe média. Alguns chegaram ali à força, por decisão judicial. “Quando o dependente não quer ser internado, a família tem que entrar com uma medida judicial para obrigar a internação. Como muitos são maiores de idade, nestes casos, a pessoa só pode ser obrigada se o juiz assim determinar”, conta Jaber.
Poder de persuasão
Na clínica, há também alguns pacientes de famílias pobres. “Eles estão aqui porque o Estado paga a internação obrigado pela Justiça. Isso ocorre quando não há outro tipo de tratamento médico semelhante na rede pública”, explica Jaber.
Um jovem de 17 anos, menos de 1,70m, é o primeiro a puxar papo com o repórter. Vem mostrar seu diário, escrito ao final de cada dia que passa internado. Todos os pacientes fazem um diário pessoal. Os médicos explicam que as melhorias no formato da letra são indícios de evolução da coordenação motora, abalada com o uso constante de entorpecentes. O paciente exibe a última página, recentemente escrita. A letra é redonda, impecavelmente legível. Da primeira página, repleta de garranchos incompreensíveis, à última, são mais de três meses de internação. Um dos médicos avisa em seguida, já a sós com a reportagem que o menor mente. É analfabeto. Ele pegou aquele diário de algum outro paciente.
O poder de persuasão surpreende. Os pacientes tentam, diversas vezes, passar uma imagem que não corresponde à realidade. Alguns se mostram felizes, recuperados, satisfeitos com o tratamento. Outros não. Vários choram, se mostram perdidos, fragilizados.
Este mesmo menor, por exemplo, foi protagonista de várias escapadas cinematográficas, nos seus pouco mais de cem dias de internação. Passou 14 meses trancado no Instituto Padre Severino (para menores infratores), por tráfico de drogas. Diz que já experimentou de tudo, menos ácido. Ao chegar na clínica Jorge Jaber, teve que passar pela “contenção”, como os médicos chamam o período em que alguns pacientes, no estágio de abstinência, são amarrados na cama, para evitar que fujam ou que agridam os demais. Ele instiga os enfermeiros. É o único que conseguia se desamarrar, tirar o miolo das fechaduras apenas com os dedos e burlar a segurança escapando de madrugada pelo telhado. Em uma das fugas, encontrou uma enfermeira no caminho. Não titubeou. Virou uma mesa contra ela e a enforcou. Até hoje ela está afastada do trabalho pelo INSS, se recuperando do trauma.
Por causa de sua astúcia em fugas, a clínica teve que rever todo o sistema de segurança. Agora as portas também têm grades, contam com cadeados e seguranças de porte físico avantajado.
Adrenalina na veia
Como regra interna, os internos só podem fazer uma ligação por semana, de dois a três minutos de duração. A maioria opta por ligar para a família. Eles mesmos monitoram o tempo de chamada dos companheiros, com auxílio de um cronômetro. Um jovem – 21 anos, morador da Barra da Tijuca – chora ao ouvir a voz do pai do outro lado da linha. Diz que está bem, que tem comido direito e que sente avanço no seu tratamento. Quer saber como anda a mãe e os dois irmãos. Ouve calado o que o pai lhe diz. Manda beijo para todos. Conta que uma equipe de reportagem está ao seu lado. Acaba seu tempo. É a vez de outro usar o telefone.
Na clínica Jorge Jaber, o ritmo de atividades é intenso. Acorda-se às 7h. O café da manhã é servido até às 8h. Depois, atividades esportivas, como futebol, ginástica, vôlei e hidroginástica. Almoço de 12h às 13h, no refeitório. A parte da tarde é destinada a diversas terapias ocupacionais – de conversas em grupo a jogos em duplas. Há intervalos para consultas médicas, seja de clínico geral ou de psicólogo. Lanche é servido das 16h30 às 17h. O jantar é às 20h. No máximo até 22h todos já estão em suas camas. Os horários são seguidos à risca, com pontualidade. Para quem, antes, vivia sem regras e limites fora daqueles muros, este é um grande avanço no tratamento. Até para fumar cigarros há horários. Às 9h, 13h, 16h e 19h. O interno pode escolher a marca – a opção já é feita no momento da internação –, mas deve optar por um destes horários e fumar apenas um cigarro por dia.
Há quatro casas na clínica, que se assemelha a um sítio – toda arborizada, de aspecto bucólico. A “casa 3”, mais afastada, é a temida por quem passa por ali. É o local de segurança máxima, sem janelas. Só há camas de ferro reforçado. Um enfermeiro cuida da porta, com as chaves no bolso. Geralmente ficam na casa 3 os que sofrem de abstinência. “Não é bom você ficar muito tempo aqui dentro. Nunca se sabe como eles podem reagir”, sugere o enfermeiro ao repórter. Um interno está sentado na beira da cama de um dos cinco quartos do local. Está chorando. “Por favor, me ajuda. Não aguento mais ficar aqui. Não quero ficar trancado. Fala com o médico, por favor”, implora o jovem que aparenta não mais do que 20 anos. É mais um que, com a roupa de grife que veste, entrega que vem da classe média.
José Veríssimo, clínico geral, conta que o paciente dependente em crack tem muito mais problemas de saúde do que outros tipos de dependente. “A maior parte não se cuida em relações sexuais. A incidência de DSTs é imensa. Estamos passando por uma epidemia de saúde pública com relação às drogas”, relata o médico, que faz uma análise comparativa. “Por que é baixíssimo o número de usuários de drogas entre atletas? Porque o corpo produz adrenalina o tempo todo, ele está sempre em atividade”, diz.
Nos jogos que os pacientes praticam entre si, como damas e dominó, psicólogos verificam a existência de instabilidade emocional, arrogância, projeção e negação de capacidades dos dependentes. Em casos de irritabilidade, o médico nunca entra em choque com o paciente. “Nós os ouvimos. Não dizemos logo de cara que ele está errado. Ele tem que se sentir cuidado”, diz Jaber.
Há três estágios de tratamento. O primeiro, mais doloroso, é o da abstinência. Seguido da mudança de estilo de vida, quando o paciente passa a cumprir horários, regras e metas impostas pelas atividades internas. O terceiro estágio é o da agregação, quando ele se sente parte de um grupo que enfrenta problemas semelhantes e tem noção de que precisa de ajuda mútua. Jorge Jaber explica que a média de 60 dias de tratamento, tempo médio de internação, nem sempre é suficiente para curar um dependente químico. “Muitos acabam voltando. Tem paciente que está em sua 14ª internação. Isso porque, ao regressar ao convívio externo, cai na tentação, volta a não ter regras para cumprir, tem os antigos amigos com outros hábitos... Tudo isso faz com que ele recorra novamente a drogas”, diz o médico.
 “Só por hoje”
Nas reuniões com os psicólogos, grupos de 14 pessoas sentadas em cadeiras, em círculo, falam de sua rotina com o tratamento. Todos ouvem compenetrados, em silêncio. “Meu nome é..., mais um dia em recuperação”, é assim que todos se apresentam. “Não sei quantas internações já tive, mas quero que esta seja a última. Honestidade é o que temos que ter com nós mesmos. Deus fez a parte dele, agora preciso fazer a minha”, continua ele. Depois do depoimento, a psicóloga pergunta se alguém quer comentar. “Não basta falar, tem que colocar em prática. Continue no seu caminho”, sugere uma mulher.
A psicóloga estimula os pacientes. “Qual é o primeiro passo para procurar ajuda?”. Um responde: “Percebi que as drogas me ‘dominou’”, diz. A profissional não aceita a resposta. “Quero algo de concreto. Por que você procurou ajuda? Como era sua vida?”. Ele demora a responder. “Não conseguia dormir sem fumar maconha, muita maconha. Não conseguia levantar da cama sem fumar mais maconha. Precisava ficar adormecido o dia todo. Sou um fraco perante as drogas”. A psicóloga se satisfaz em partes. “Você não é um fraco, você é impotente. Melhor dizer assim”.
Um outro se anima também a falar. “Me drogava sempre que o Flamengo perdia. Era uma angústia que eu não entendia da onde vinha”. Uma menina de não mais do que 25 anos também se apresenta e faz seu relato. “Não sei lidar com perdas. Entro em desespero achando que minha família vai morrer. Isso me deixa agitada demais”. Após cada relato, todos repetem sempre a mesma frase: “só por hoje”.
Depoimentos de internos da Clínica do Jorge Jaber
Professor de jiu-jitsu em academias da zona sul do Rio, 29 anos
Primeira internação. Até o dia 13 de junho, 45 dias internado. Começou com maconha, depois cocaína e, há 45 dias, tenta largar o crack. “Era um marginal, vivia para usar drogas. Minha meta era arrumar ao menos uma confusão por dia. Era agressivo com todo mundo”.
Estudante de Desenho Industrial, internado pela família, 20 anos
Segunda internação. Até o dia 13 de junho, 21 dias internado. O pai é médico, morador de bairro nobre da zona sul do Rio. A família teve que entrar com uma medida judicial para ele ser internado. “Fumava maconha com os amigos da praia. Até que me deram o crack para experimentar. Em uma semana não tinha mais ideia da minha vida”, diz ele, que deixou para trás a faculdade e a namorada.
Menor infrator, internado por ordem judicial, 17 anos
Até o dia 13 de junho, 99 dias internado. Passagem pelo Instituto Padre Severino (para menores infratores). Folha policial: tráfico de drogas. “Aos 13 anos, comecei cheirando gasolina. Depois fui para a cola, maconha, cocaína e cheguei ao crack. Frequentava raves e tomava muito ecstasy. Larguei a escola na terceira série”, conta.
Arquiteto, morador da Barra da Tijuca, 31 anos
Primeira internação. Está internado há dois meses. Folha policial: Responde por porte de drogas, tentativa de homicídio e formação de quadrilha. “Comecei a usar drogas porque matei minha cachorrinha yorkshire sem querer. Estava fazendo obra na cozinha de casa e o armário despencou da minha mão. Até hoje fecho os olhos e ouço ela gritando debaixo do armário. Comecei com cocaína naquela noite mesmo. Acabei chegando ao crack”.
Cantora e compositora, 28 anos
Já não lembra quantas internações. Até o dia 13 de junho, 90 dias internada. “Não sei lidar com perdas. Entro em desespero achando que minha família vai morrer. Isso me deixa agitada demais. Já experimentei tudo que você possa imaginar. O crack foi a pior coisa que apareceu na minha vida. Quero sair daqui para voltar a compor”.
Desempregado, pai de um menino, 38 anos
14ª internação. Folha policial: indiciado por roubo. “Houve um intervalo de 1 ano e 4 meses sem usar drogas até a última entrada na clínica. Prefiro a dor de não usar do que cometer isso de novo, não posso mais ter recaídas. A última vez que usei crack, usei chorando. Sabia que não podia usar, mas mesmo assim fui fraco, fui impotente”.
Engenheiro civil, divorciado, pai de dois filhos, 35 anos
Até o dia 13 de junho, 22 dias internado. Folha policial: enquadrado na Lei Maria da Penha. “Sempre gostei de beber. A bebida é a pior droga porque vende em qualquer bar. Não preciso ir num lugar perigoso comprar minha droga. Fico violento, não consigo fazer mais nada a não ser beber. Já cheguei a bater na minha ex-namorada, bêbado. Ela gostava de mim, mas sóbrio”.

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Agência Brasil 26/06/2012
Brasileiros entram cada vez mais cedo no mundo das drogas.
Alana Gandra
Rio de Janeiro - No Dia Mundial de Combate às Drogas um dado preocupa autoridades e especialistas no Brasil: o uso de drogas está acontecendo cada vez mais cedo na vida dos brasileiros.
Esta é a grande preocupação nossa devido à precocidade do acesso ao álcool e às demais drogas, sendo que o que fica mais notório é o abuso, o uso excessivo do álcool, entre menores de 18 anos”, disse à Agência Brasil a psicóloga Leandra Iglesias, diretora da unidade serrana da Associação Brasileira de Alcoolismo e Outras Drogas (Abrad). Ela participou da 14ª Semana Nacional de Prevenção ao Álcool e Outras Drogas, que ocorre na cidade de Petrópolis, na região serrana fluminense.
De acordo com a Abrad, o uso do álcool e do tabaco começa em torno de 12 anos de idade, em média. “Nós costumamos dizer que o álcool e o cigarro, que são as drogas legais, são a porta de entrada para as drogas ilegais”, destacou Leandra Iglesias. “Esta é a nossa preocupação, porque ninguém começa com uma droga pesada”, completou.
Cerca de 12,5% da população brasileira são dependentes de álcool. E o consumo entre as mulheres aumentou 55% nos últimos dez anos, “de forma abusiva”, informou a psicóloga.
A Semana Nacional de Prevenção ao Álcool e Outras Drogas promoveu palestras nas escolas sobre os danos do álcool ao cérebro e sobre o uso de esteroides e anabolizantes, considerados drogas sintéticas que causam dependência psicológica, entre outros temas.
Leandra Iglesias alertou que da mesma forma que as drogas ilícitas, os esteroides e anabolizantes causam danos em diversas áreas do organismo humano e do cérebro, inclusive com diferenciação entre malefícios no organismo feminino e masculino. “É bastante preocupante, porque o jovem não sabe disso e, em busca do corpo sarado, usa essas substâncias de forma não criteriosa”.
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Medida cautelar solicitada pela família pode levar usuários de drogas maiores de idade a serem internados sob orientação médica.
Valmir Moratelli
Conversando com usuários de drogas internados em clínicas, seja as públicas ou particulares, se percebe que, raramente, eles têm noção de que precisavam de ajuda. Os médicos dizem que a internação psiquiátrica deve ser, de preferência, por livre vontade do usuário. O que nem sempre é possível. Em casos extremos, quando a pessoa está bastante debilitada e tem sua saúde física e mental em risco, os pais ou familiares podem entrar na Justiça para obter uma liminar de medida cautelar.
Wanderley Rebello de Oliveira, presidente da Comissão de Políticas sobre Drogas da OAB-RJ, explica ao iG que o processo é simples e rápido, visto que precisa de urgência. “A pessoa deve procurar o fórum de sua cidade. Se não puder pagar pelo advogado, como em muitos casos, deve recorrer à defensoria pública. O juiz emite uma ordem para a internação compulsória em, no máximo, 48 horas”, explica.
O presidente da Comissão de Políticas sobre Drogas explica que os viciados em crack, nas situações mais extremas, são enquadrados na lei de proteção aos portadores de doenças mentais. “Muitos estão tão debilitados que a internação é mesmo a única solução. Assim como os doentes mentais, nestes casos, o viciado precisa de internação compulsória”, continua Wanderley.
Ainda segundo ele, o ideal é que o parente já tenha um laudo médico informando a situação de risco em que se encontra o dependente. Caso não haja condição financeira de a família custear um tratamento, e não havendo tratamento específico na rede pública, o representante legal do dependente pode recorrer à Justiça que o Estado custeie o tratamento na rede particular. “O Estado tem o dever de promover políticas públicas de saúde. Tem que arcar com as despesas daquele cidadão”, diz o advogado.
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BBC 23/06/2011
ONU alerta para alto consumo de drogas prescritas no Brasil
Relatório mundial aponta que drogas lícitas estão substituindo as ilícitas no País
Há um aumento de drogas lícitas, mas uma redução nas drogas ilícitas
O Relatório Mundial sobre Drogas, lançado nesta quinta-feira pela agência da ONU sobre Drogas e Crime (UNODC), revela que, embora tenha havido uma estabilização no consumo mundial de drogas tradicionais como heroína e cocaína, há uma tendência de aumento no uso não-medicinal de drogas prescritas, inclusive no Brasil.
"O uso não-medicinal de drogas de prescrição, como tipos de opioides sintéticos, tranquilizantes e sedativos, ou de estimulantes prescritos, é um crescente problema de saúde em vários países", afirma o relatório.
Na América do Sul, o documento aponta alto uso de opioides prescritos no Brasil e no Chile. Ambos os países, além da Argentina, também registraram altos índices de consumo de ATS (estimulantes sintéticos do grupo das anfetaminas), em sua maior parte prescritos legalmente como anorexígenos ou para o tratamento de transtorno de deficit de atenção, mas desviados para o uso não-medicinal.
Conheça os problemas causados pelo abuso de drogas, na Enciclopédia da Saúde
O relatório diz que drogas prescritas substituem outras drogas ilícitas por serem consideradas menos nocivas, já que são indicadas por médicos, por serem mais baratas que drogas proibidas e por serem mais aceitas socialmente.
Outro fator para a crescente popularidade dessas drogas, segundo a UNODC, é que pacientes as compartilham ou as vendem para parentes e amigos. O órgão diz que seu uso é especialmente comum entre jovens adultos, mulheres, idosos e profissionais da saúde.
Internações
O documento aponta que os efeitos nocivos do maior consumo dessas drogas já é notado: nos Estados Unidos, onde há dados mais detalhados sobre o tema, o número de internações relacionadas a opioides prescritos cresceu 460% entre 1998 e 2008 e já supera o de casos ligados a drogas ilícitas. Entre as pessoas que começaram a usar drogas nos EUA em 2009, 2,2 milhões iniciaram o consumo com analgésicos, número próximo dos que iniciaram o uso com maconha.
O relatório revela ainda um aumento acentuado nas overdoses causadas por opioides prescritos no país: de 4 mil em 2001 para 11 mil em 2006. Segundo o documento, tendências similares são verificadas em outros países. Outra preocupação apontada pelo documento é a crescente combinação entre drogas lícitas e ilícitas, para acentuar o efeito da droga principal.
Heroína
Além do aumento no uso de drogas prescritas, o Relatório Mundial sobre Drogas aponta estabilização no consumo de heroína na Europa e declínio no uso de cocaína na América do Norte - os principais mercados para essas drogas. No entanto, houve aumento no uso de cocaína na Europa e na América do Sul na última década e expansão do uso de heroína na África.
O relatório aponta ainda que o plantio de ópio (matéria-prima da heroína) e coca hoje está limitado a poucos países, mas que os índices de produção de heroína e cocaína continuam altos. Embora 2010 tenha registrado uma queda substancial na produção de ópio, o documento atribui a queda a uma praga que atingiu áreas rurais do Afeganistão, um dos maiores produtores da droga.
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Correio Braziliense
As drogas no mundo dos homens de farda.
Mesmo com o rigor da disciplina e uma legislação penal mais dura, os entorpecentes, principalmente o crack, invadem cada vez mais a realidade dos militares brasileiros
Com fardas imponentes e armas na cintura, eles são treinados para combater o crime, lutar em guerras, salvar gente em perigo. A missão nobre, o regime rigoroso de disciplina e uma legislação penal própria extremamente dura, porém, não têm livrado os militares do flagelo das drogas. É crescente o uso de bebida, maconha, pó e pedra na caserna e nos quartéis. No ano passado, 161 denúncias contra integrantes das Forças Armadas chegaram à Justiça Militar — uma média de 14 por mês. De janeiro a primeira quinzena de junho passado, foram 56.
O serviço de saúde do Exército encaminhou, de 2010 para cá, 42 usuários graves de crack para internação prolongada. Na Marinha, seis receberam tratamento. A Aeronáutica se recusou a passar informações sobre o assunto. Na Polícia Militar e no Corpo de Bombeiros do DF, o tema também é tratado com sigilo. Mas Paulo*, que é PM, e José*, bombeiro, aceitaram conversar com o Correio. Eles relataram o drama das drogas no mundo militar, as dificuldades e facilidades que a carteira diferenciada traz para um usuário e como estão tentando abandonar o vício.

Prestes a completar 20 anos de Justiça Militar, o ministro Olympio Pereira da Silva Junior, vice-presidente do Superior Tribunal Militar, é taxativo: "Os casos estão aumentando, principalmente com o crack. O que aparece no meio civil, aparece aqui dentro também, não tem jeito". Ele lembra que, embora praticamente todos os processos sejam de militares com pequenas quantidades de drogas, no Código Penal Militar não existe a figura do usuário. "0,01 grama ou 30 quilos é tudo crime, com reclusão de até cinco anos, podendo haver desligamento da instituição", explica.

A rigidez da legislação é criticada por Caroline Piloni, defensora pública da União que advoga em favor dos réus nos processos. "Enquanto o civil pego pela primeira vez com pequena quantidade de drogas recebe uma advertência, em virtude da nossa lei que traz uma dimensão de saúde pública, a legislação penal militar, de 1969, portanto da época da ditadura, não entende isso", lamenta. "Esses meninos, que estão cumprindo o serviço militar, carentes, de famílias desestruturadas, são tratados como criminosos, punidos e ainda expulsos em muitos casos."
Segundo a defensora, os casos de crack ganham contornos ainda mais graves. "Muitas vezes o militar simplesmente não tem condição física de trabalhar ou leva a droga para o quartel porque não dá conta de ficar sem ela", diz. Caroline não discorda, entretanto, de expulsão quando o usuário desempenha atividades que envolvam manuseio de armas ou segurança coletiva. "Mas sou contra a punição criminal. Até porque esses jovens processados, em geral, são os que lavam banheiro, cuidam de cavalos, fazem comida. A punição administrativa já seria suficiente."
*Nomes fictícios a pedido dos entrevistados
"Já deixei minha arma por droga na boca"Da cerveja socialmente aos porres com bebida destilada, ainda nos primeiros tempos de bombeiro, passaram-se não mais que cinco anos. "Quando vi tinha me tornado um alcoólatra. Levava vodca para o quartel. Faltava serviço, os colegas iam me buscar em casa bêbado porque senão era deserção", conta José. A vontade de parar levou o brasiliense, hoje com 40 anos, a procurar ajuda. Mas, entre uma e outra recaída, ele conheceu a cocaína. Com ela, vieram as piores sensações. "Mania de perseguição, ciúme em excesso, alucinação, paranoia mesmo", conta.
O medo que ainda havia de perder o emprego foi se dissipando. "Eu usava cocaína dentro do quartel. Chegou uma hora em que eu pensei: "Se quiserem me reformar, dane-se. Vou usar droga até morrer"", lembra. Enquanto as perdas de José aumentavam — sem mulher, longe do filho, quebrado financeiramente —, sua noção de limite diminuía. "Já deixei minha arma por droga na boca. Vendi uma TV também. Guardava cocaína no carro, fui parado em blitz bêbado. Era só mostrar minha identificação militar que estava liberado", lembra.
A condição de militar, especialmente de uma instituição admirada por 87,7% dos brasileiros, segundo pesquisa recente da Universidade de São Paulo, também trazia dificuldades. "As pessoas veem a gente como um herói, como o que salva. Então, para os vizinhos, para os conhecidos, eu nunca fui o José, eu sempre era o bombeiro. Passei a ser o bombeiro que chegava doidão, o bombeiro drogado, bêbado. É difícil pedir ajuda", diz. Desde março sóbrio, o militar de músculos bem torneados e rosto bonito se mantém firme no tratamento. "Sou um bom profissional, sei que posso chegar a major", aposta José, com 23 anos na corporação. (RM)

"Passei cinco, oito dias usando crack direto"Aos 18 anos, quando vestiu a farda da Polícia Militar do DF pela primeira vez, Paulo combatia a droga por convicção. Somente aos 30, para acompanhar a então mulher, passou para o outro lado. "Foram 10 anos usando cocaína, sem grandes prejuízos. Quando experimentei o crack, vi o fundo do poço. Em cinco meses, estava acabado", conta Paulo. Com faltas excessivas e sem condições de trabalhar, ele pediu ajuda ao comandante do quartel, que o encaminhou para o Centro de Assistência Social da PM do DF, chamado pela sigla Caso.

Hoje existem cerca de 70 policiais militares sendo tratados no Caso. A PM, por meio da assessoria de imprensa, afirmou que 12% da corporação são dependentes de álcool, segundo estudo feito em 2008. "Entretanto, novos levantamentos, ainda não concluídos, apontam para um percentual maior. Quanto ao uso de drogas ilícitas, tem sido cada vez mais diagnosticado, porém não há levantamento de sua prevalência na PMDF", completa a nota. Paulo não arrisca levantamentos, mas a experiência o leva uma conclusão grave: "A PM e o (Corpo de) Bombeiros estão doentes".
Pai de cinco filhos, o maranhense de 45 anos lembra com tristeza a época em que fumava a pedra. "Passei cinco, oito dias usando crack direto, sem querer saber de nada. É uma droga miserável. Foi preciso um baque grande, uma traição conjugal, para eu acordar", afirma. Mais de cinco meses sem consumir, participando de terapia individual e em grupo, além de sessões de musculação para combater a ansiedade, Paulo não se importa com os cochichos e olhares atravessados dos colegas. "Comentam: esse aí foi internado por causa de crack. Eu não ligo, o que importa é que estou limpo." (RM)
Três perguntas paraOlympio Pereira da Silva Junior, vice-presidente do Superior Tribunal Militar
Por que no ambiente militar a punição para envolvimento com drogas é mais rigorosa?

São 11 verbos no imperativo, todos no mesmo artigo do Código Penal Militar. Então, não importa se o militar estava usando, vendendo ou dando gratuitamente a droga, o crime é o mesmo. Porque estamos falando de um crime de perigo iminente. Imagine um camarada com uma pistola .9mm ou um fuzil .762 e um bocado de droga na cabeça. Para o civil que for pego fumando ou vendendo em ambiente militar, aplica-se também o Código Militar, mas claro que isso é mais difícil de acontecer.

Colocar o militar na atividade de segurança pública, como os soldados que estão há mais de um ano e meio no Complexo do Alemão, pode piorar a situação?A situação do soldado, em contato forte ali no ambiente, pode acabar favorecendo esse envolvimento com as drogas. Tanto é verdade que os militares que atuam naquela área são mandados de Juiz de Fora e de outros batalhões, porque, se você pega um militar do Rio, o risco é muito grande, tem droga de montão por lá. O problema é que esses soldados estão há muito tempo nessa atividade, não deveria ser assim.
Qual é o perfil dos militares que fazem uso de drogas?Geralmente, é o militar de baixa patente. Costuma ser a meninada que muitas vezes já chega às Forças Armadas com os vícios de fora. Veja bem, não estou dizendo que não há oficiais, coronéis, gente de alta patente usuária de substâncias ilícitas. Provavelmente há. A diferença é que esses não são pegos, não são processados. São os mais jovens que levam a droga para dentro do quartel. E aí, nas revistas rotineiras em armários, nas roupas deles, sempre acontece de encontrarem. E cada vez com mais frequência.
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Agência Brasil 27.08.2012
Saúde diz não haver risco de retrocesso em questão de drogas
O número de leitos psiquiátricos ocupados por motivo de saúde mental e envolvimento com drogas caiu de 51,3 mil, em 2002, para 32,6 mil em julho deste ano
Carolina Gonçalves
Viciados em crack: o temor dos profissionais que lidam com a recuperação de dependentes de drogas é que esteja ocorrendo um retorno aos antigos manicômios
Brasília - O Ministério da Saúde informou, por meio da assessoria, que o número de pessoas internadas no país por motivo de saúde mental e envolvimento com drogas vêm caindo ao longo dos anos. Pelos dados oficiais, o número de leitos psiquiátricos ocupados caiu de 51,3 mil, em 2002, para 32,6 mil em julho deste ano. Dessa forma, o órgão contesta a preocupação de profissionais de saúde e dos organismos em defesa de direitos humanos com o retorno dos antigos manicômios.
De acordo com a pasta, o governo não considera que a situação do Rio de Janeiro aponte um regresso à lógica dos manicômios. “O caso do Rio de Janeiro não tem a ver com a situação de manicômios já que os tratamentos são oferecidos em centros especializados e comunidades terapêuticas”, informou o Ministério da Saúde.
O temor dos profissionais que lidam com a recuperação de dependentes de drogas é que esteja ocorrendo um retorno aos antigos manicômios, proibidos pela Lei de Saúde Mental (10.216), sancionada em 2001. Segundo profissionais da área, o “retrocesso”, acabou ganhando respaldo com o financiamento das chamadas comunidades terapêuticas, anunciado no ano passado pelo governo federal.
Para poder fazer o repasse de dinheiro público para um amplo leque de comunidades terapêuticas, o governo decidiu revogar a Resolução 101/2001 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que estabelecia regras mínimas a serem seguidas pelas unidades de tratamento.
A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, ligada ao Ministério da Justiça, foi procurada pela Agência Brasil para falar sobre o assunto, mas não se manifestou até a publicação do texto.
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27/08/2012 - Agência Brasil
Modelo adotado em comunidades terapêuticas pode significar volta aos manicômios, alertam especialistas
Carolina Gonçalves
Brasília – A assistência prestada a crianças e adolescentes usuários de drogas tem sido alvo de preocupação entre especialistas em saúde mental. O temor é que esteja ocorrendo um retorno aos antigos manicômios, proibidos pela Lei de Saúde Mental (10.216), sancionada em 2001. Para profissionais da área, o “retrocesso” acabou por ganhar respaldo com o anúncio, no ano passado, do financiamento governamental das chamadas comunidades terapêuticas.
A pesquisadora da organização não governamental Justiça Global, Isabel Lima, alerta que o modelo adotado pelo governo vai contra as diretrizes consolidadas para o tratamento da saúde mental. “O financiamento público para comunidades é o financiamento da lógica manicomial, porque as comunidades funcionam com o isolamento. Isto é contrário às diretrizes do SUS [Sistema Único de Saúde], da Reforma Psiquiátrica e da Política de Atenção Integral ao Usuário de Drogas. Estas unidades especializadas são criadas para prestar cuidados aos dependentes de drogas, com internação, eliminando o contato da pessoa com o meio onde vivia antes de ser abrigada.”
Para repassar dinheiro público para um amplo leque de comunidades terapêuticas, o governo decidiu, no ano passado, revogar a Resolução 101/2001 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que estabelecia regras mínimas a serem seguidas pelas unidades de tratamento. Na época, a secretária nacional de Políticas sobre Drogas, Paulina Duarte, disse que a decisão de cassar a resolução, anunciada em reunião pela presidenta Dilma Rousseff, visava “atender à nova perspectiva de acolhimento das comunidades” e incluir no rol de entidades financiadas com recursos do governo aquelas que tinham “dificuldades” de infraestrutura e de equipe técnica.
Dias depois, a Anvisa publicou uma nova norma na qual impõe a presença de um profissional de nível superior como responsável técnico, sem que ele seja necessariamente da área de saúde. O órgão explicou, na época, que a medida tinha por objetivo ajudar na organização das comunidades terapêuticas, grande parte delas mantida por voluntários.
O movimento da Reforma Psiquiátrica, iniciado no final dos anos de 1970, resultou na aprovação da Lei de Saúde Mental, que há dez anos prevê o tratamento aberto, com convívio comunitário, sem o isolamento.
Recentemente, resultado de fiscalização em abrigos reacendeu o debate sobre o tratamento de usuários de drogas.  O relatório Visitas aos Abrigos Especializados para Crianças e Adolescentes denunciou que crianças e adolescentes estariam sendo dopados em abrigos inadequados situados no Rio de Janeiro.
O relatório foi elaborado pelos conselhos regionais de Psicologia e Serviço Social, o Núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica), o Grupo Tortura Nunca Mais e a ONG Projeto Legal, além da Comissão de Direitos Humanos e de organismos de prevenção e combate à tortura da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
O grupo multidisciplinar, formado por 27 profissionais, visitou quatro abrigos especializados, em Campo Grande e Guaratiba, na zona oeste do Rio de Janeiro, em maio deste ano. As quatro unidades são geridas pela ONG Casa Espírita Tesloo, que é presidida por um policial militar reformado, conforme o relatório.
Com as visitas, os integrantes do grupo identificaram inúmeros problemas, como isolamento e encarceramento dos internos, medicalização descontrolada, falta de informação sobre os efeitos do tratamento e alto número de reincidências no tratamento, relatado pelos atendentes dessas instituições. O relatório também alerta para o retorno aos manicômios.
Desde maio do ano passado, a internação compulsória de crianças e adolescentes que vivem nas ruas, fazem uso de drogas ou não, está autorizada pela prefeitura da capital fluminense. Além do Rio de Janeiro, capitais como São Paulo e Belo Horizonte também adotam a mesma política.
Para Alice De Marchi, psicóloga do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro e que participou das fiscalizações e da elaboração do relatório, a concentração desses diferentes aspectos em um único local representa um retrocesso nas políticas de assistência social e de saúde mental.
“Essa é a própria lógica da instituição total, encontrada em manicômios, na antiga Febem [Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor], em presídios”, afirmou a psicóloga, em nota divulgada pelo Conselho Federal de Psicologia por ocasião da divulgação do relatório.
A psicóloga destacou o caráter de privação de liberdade encontrado nos estabelecimentos fiscalizados. “A política de recolhimento compulsório flerta perigosamente com o modelo manicomial de institucionalização e exclusão do convívio social”, disse.
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Estudante viciado em drogas mata a mulher e a mãe em São Paulo
São Paulo -  O estudante de Educação Física André Vasconcelos da Silva, de 25 anos, matou a mãe e a mulher a facadas e deixou o pai  gravemente ferido dentro da casa da família, na Vila Brasilândia, zona norte de São Paulo. A filha de André, uma criança de 5 anos, presenciou o surto do pai.
A mãe do suspeito, Luciene Vasconcelos da Silva, de 55 anos, e a mulher, a ajudante geral Marília Fernandes da Silva, de 23, morreram no local. O pai de André, José Cardoso da Silva, de 61, foi socorrido no Hospital das Clínicas, onde passou por uma cirurgia. Ele permanecia internado em estado grave até a noite do último domingo.
Antes do crime
Momentos antes do crime, André foi visto na rua de touca, com uma garrafa de bebida. "Por volta das 4 horas, ouvimos uma gritaria. Vi ele saindo de casa e trancando o portão. A filha dele é quem chamou ajuda. Ela dizia que a mãe e a avó estavam mortas e precisávamos ajudar seu avô, pois ele estava muito ferido. Ela não chorou em nenhum momento, mas estava em estado de choque", disse uma vizinha da família.
De acordo com relatos de testemunhas à polícia, a filha do casal implorou para que ele não matasse sua mãe e os avós. A PM levou cerca de 40 minutos para chegar ao local. Até o início da noite de ontem, domingo, o estudante não havia sido localizado. "Ele estava passando por um tratamento. Mas teve uma recaída. A droga foi responsável por essa tragédia. Espero que ele seja preso e pague pelo que fez. Se é que ainda terá tempo para isso", disse Vasconcelos.
O rapaz era aluno do curso de Educação Física da Universidade Paulista (Unip), no campus da Barra Funda, na zona oeste. A mãe do jovem era quem pagava os estudos. O pai de Marília, Cícero da Silva, de 48 anos, disse que a filha também já havia sido agredida pelo marido. "Pedi para ela voltar para minha casa diversas vezes, mas não quis, pois tentava salvar o casamento", afirmou. O rapaz já tinha passagens pela polícia por furto.
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01/08/2012 FSP
Maioria dos usuários da cracolândia nunca recebeu tratamento, diz pesquisa.
CLÁUDIA COLLUCCI
O acesso e o consumo de drogas na "nova" cracolândia continuam iguais seis meses após o início da ação policial no centro de São Paulo, segundo os próprios usuários que frequentam o local.
Apenas um terço deles relata ter recebido oferta de tratamento para abandonar o vício. Os dados são de uma pesquisa inédita da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), obtida com exclusividade pela Folha, feita dois meses após o início da ação.
Foram entrevistados 151 usuários de crack, que frequentam agora as imediações do Minhocão, a Baixada do Glicério e rua Pedroso (regiões centrais de São Paulo).
Antes da operação da PM, cerca de 400 usuários de drogas viviam pela cracolândia e 2.000 circulavam por ali.
Entre os 151 entrevistados, 70% dizem que já frequentavam a "velha" cracolândia, na rua Helvétia, e 55,6% dizem que o consumo de drogas continua o mesmo. Para 25%, o uso está ainda maior.
"Nesses novos locais, há menos policiamento e eles se sentem mais à vontade para consumir", diz Lígia Duailibi, pesquisadora da Uniad (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas), da Unifesp.
Questionado ontem sobre os resultados, o coronel Roberval Ferreira França, comandante-geral da PM, disse que prefere não comentar sem antes ter acesso à integra da pesquisa.
Outro dado que chama a atenção: 70% dos entrevistados afirmam que nunca receberam oferta de tratamento. Entre os que receberam, 26% foram convidados a frequentar o AA (Alcoólicos Anônimos) e o NA (Narcóticos Anônimos).
"Ninguém acessou essa população para ver se ela queria tratamento. Sem uma ação integrada, que envolva a saúde, não há chance de bons resultados ", diz Lígia.
A pesquisa apontou ainda que 23% dos entrevistados afirmaram ter sofrido violência da polícia e 45% disseram que presenciaram ações violentas da Polícia Militar.
INTERNAÇÕES
Rosangela Elias, coordenadora de Saúde Mental, Álcool e Drogas da prefeitura, questiona esses resultados.
"Há equipes atuando na região desde 2008. Além dos agentes comunitários, temos um Caps-AD [Centro de Atenção Psicossocial - Álcool e Drogas] a meia quadra da Baixada do Glicério. Acho muito estranho, muito alto esse índice [de 70%]."
Segundo a prefeitura, 745 usuários de drogas da região central passaram por internações de janeiro a junho em seis comunidades terapêuticas e no Said (Serviço de Atenção Integral ao Dependente).
A grande maioria (76% nas comunidades e 66% no Said) desistiu do tratamento.
"Não podemos obrigar ninguém a ficar. Se a gente pegar um usuário da cracolândia que acabou de chegar, é mais fácil fazê-lo aderir. Se for um morador de rua crônico, de 10, 20 anos, a aderência ao tratamento será infinitamente menor", explica.
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O Dia 21.07.2012
Crack já é a principal causa responsável pela perda da guarda de crianças no Rio
PAMELA OLIVEIRA
Rio -  Eles nunca compraram uma pedra de crack, mas já sofrem sua ação devastadora: mulheres aprisionadas pela droga têm abandonado recém-nascidos na maternidade.
O vício dos que deveriam proteger os pequenos motiva a maioria dos pedidos de perda da guarda de crianças feitos pelo Ministério Público, no Rio. Entre bebês que são afastados de suas famílias, o índice de pais afundados nesse entorpecente chega a 90%.
A situação é muito grave. Há usuárias de crack que tiveram bebês, mas que tinham outras filhas que já foram abusadas ou porque a mãe explorou-a sexualmente para comprar a droga ou fez vista grossa para a violência. Você vai permitir que esse bebê também corra esse risco? Claro que não”, afirma a promotora de Justiça da Infância e Juventude Ana Cristina Macedo.

Educadora Ana Carolina segurou o choro ao tirar o filho de pai viciado de casa imunda durante ação na Pavuna, quarta-feira
Foto: Severino Silva / Agência O Dia
Segundo ela, antes do crack, as ações de destituição do poder familiar eram motivadas por maus-tratos, violência física e sexual: “Agora, isso tudo vem acoplado ao crack. A pessoa passa a ser agressiva e negligente por causa da droga. Antigamente, era negligente porque era. Ou porque bebia ou usava cocaína. Não tenho mais nada disso. Agora é crack”.
A chegada de gestantes que muitas vezes veem direto de cracolândias para dar à luz alterou a rotina das maternidades. As unidades estão em alerta para identificar usuárias de crack e comunicar ao Conselho Tutelar e ao Juizado.
Não somos monstros querendo tirar o filho da mãe. Há o direito da mulher de ser mãe. Mas existem os direitos da criança. E se eles se mostram inconciliáveis, a gente não tem dúvida, entra com a ação”, explica a promotora.
A Casa de Passagem Ana Carolina, em Bonsucesso, concentra esse drama. Nesse abrigo municipal destinado a crianças de 0 a 4 anos, 8 dos 12 bebês são filhos do crack.

 As crianças estavam em situação precária, sujas e muito gripadas”, relata a educadora Ana Carolina, que levou um dos pequenos em seus braços e comoveu até PMs que participavam da ação 
Foto: Severino Silva / Agência O Dia
Sempre tivemos mais crianças de 2 a 4 anos e menos bebês. De um ano e meio para cá, inverteu. Eles chegam com dias de vida, direto do hospital, prematuros. A maioria vem sem nome e nós é que escolhemos”, conta Aline Peçanha Oliveira, diretora da Casa de Passagem.
Até quem está acostumado com o drama das ruas se emociona ao resgatar crianças. Como a educadora Ana Carolina da Silva Freitas, 25 anos, que segurou o choro ao tirar o filho de pai viciado de casa imunda durante ação de combate ao crack da Secretaria Municipal de Assistência Social, na Pavuna, quarta-feira.
Quando saio de casa para essas operações, tento deixar meu coração na estante, mas tem hora que não dá”, desabafa. Lá, quatro irmãos entre 2 e 6 anos foram levados pelos agentes.
Vício leva à geração de doenças graves nos pequenos
O consumo do crack na gravidez e todas as consequências da droga, como a desnutrição das mães, deixa herança ingrata para bebês: problemas respiratórios, sífilis congênita e HIV (vírus da Aids).
Nossa rotina hoje é quase hospitalar com esses bebês. Todos chegam com problemas respiratórios e indicação de nebulização várias vezes ao dia. Metade teve sífilis congênita porque a mãe, além de se prostituir para conseguir a pedra, não faz pré-natal. No abrigo, temos dois usando medicação profilática contra o HIV”, informa a diretora Aline.

Na Casa de Passagem Ana Carolina, em Bonsucesso, oito dos 12 bebês acolhidos são filhos do crack  Foto: Severino Silva / Agência O Dia
O problema já preocupa o Departamento de DST e Aids do Ministério da Saúde, pois aumenta o risco de a criança nascer com o vírus.
Uma mulher com HIV que faz pré-natal e tratamento profilático reduz o risco de transmissão do vírus para o bebê para 1%. Mas as dependentes do crack não fazem pré-natal e não tomam a medicação porque perdem o controle para a droga”, afirma Marcelo Araújo, assessor-técnico do Ministério.
Ele lembra que a sífilis é curável com penicilina e que a forma congênita da doença é grave: “Em bebês, a sífilis pode causar alterações ósseas, neurológicas, nos órgãos, surdez, cegueira e morte”.
Reintegração X desprezo
Tios, avós, pais e outros parentes têm a prioridade da guarda dos pequenos que são tirados de mães e pais usuários de crack.
A gente procura um tio, um pai, uma avó e pergunta se não quer ficar com a criança”, explica a promotora Ana Cristina Macedo. Mas às vezes ninguém quer se responsabilizar. “A gente vê famílias cansadas do vício da filha. Esta semana uma avó nos disse que já cuida de três netos”.
As histórias das famílias afetadas pelo crack são parecidas: as 4 crianças apreendidas na Pavuna têm 5 irmãos. “A mais nova é uma menina de 20 e poucos dias de vida, que está com a avó materna”, relatou a educadora Ana Carolina.

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18/05/2012 Brail de Fato
Saúde não se vende! 
Loucura não se prende! 
Quem ta doente é o sistema social!
A política pública de saúde mental, construída pelos esforços dos movimentos de usuários, trabalhadores e gestores, está sendo atacada por setores que lucram com o direito à saúde da população
O Sistema Único de Saúde (SUS) e as conquistas da Reforma Sanitária e da Reforma Psiquiátrica Antimanicomial estão ameaçadas!
O SUS não pode funcionar sem dinheiro e por isso, desde sua criação, a garantia de financiamento adequado é uma reivindicação da sociedade brasileira. Não podemos aceitar que as diversas esferas de governo (federal, estadual e municipal) destinem tão poucos recursos à saúde. O governo federal cortou 5,4 bilhões do orçamento da saúde em 2012.
A política pública de saúde mental, construída pelos esforços dos movimentos de usuários, trabalhadores e gestores, está sendo atacada por setores que lucram com o direito à saúde da população.
Não podemos permitir que o governo do Estado de São Paulo continue investindo e financiando sistematicamente em serviços e políticas públicas de saúde mental que geram exclusão, segregação, dor e sofrimento à população que deles necessitam. E entrega a gestão e a oferta de cuidados em saúde para entidades privadas que estão preocupadas somente com seu lucro e não com a saúde integral da população.
Essas empresas pressionam seus trabalhadores para garantir lucro. Na saúde mental esta relação impossibilita o cuidado de forma integral e a garantia da realização de ações de inclusão social. O maior exemplo disso é o primeiro Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) do Brasil, o CAPS “Luis da Rocha Cerqueira” – o CAPS Itapeva que, depois de ser entregue a uma empresa de saúde em 2007 começou a expulsar e/ou suspender seus usuários por julgar que estes estavam se “comportando mal”.
O mesmo governo que entrega a rede de atenção psicossocial a essas empresas de saúde se reveste de atitudes autoritárias, repressoras e violentas contra a população, promovendo a criminalização da pobreza e dos movimentos sociais através de um grande projeto de higienização social e encarceramento em massa do povo oprimido, tudo isso em nome dos interesses como os da especulação imobiliária e dos grandes eventos como a Copa do Mundo. Episódios como os ataques covardes aos alunos da USP, expulsão de mais de 3000 famílias do Pinheirinho em São José dos Campos, a realização de ações truculentas com pessoas no bairro da Luz, conhecido hoje como “cracolândia” com o objetivo de garantir o projeto higienista da “NOVA LUZ” em São Paulo, tentativas de privatizar e fechar o Centro de Atenção Integral em Saúde Mental (CAISM) Água Funda e a pretensão de reabrir leitos em Hospitais Psiquiátricos em diversos localidades, são as marcas desse governo repressor e violento contra o cidadão do estado de São Paulo.
Compactuando da logica excludente, o governo Federal aprovou o financiamento das comunidades terapêuticas que lucram com a internação –sem preocuparem-se de fato com o usuário em que muitas vezes são forçados e levados para internação, não revendo as relações sociais e a omissão do Estado nas politicas sociais que provocam na população dor e sofrimento e abandona a muitos em condições de alta vulnerabilidade.
Nós, loucos usuários, loucos trabalhadores, loucos estudantes, loucos gestores e loucos movimentos sociais lutamos e reivindicamos o fim da exclusão social, segregação e preconceito!
Defendemos uma sociedade que tenha como valor a liberdade, a igualdade e a justiça social e promova o cuidado das pessoas em sofrimento psíquico em meio aberto – no seu território, na sua comunidade. Isso só se constrói investindo em serviços e políticas públicas inclusivas e comunitárias e que respeitem a autonomia do sujeito, o direito a liberdade e as diferenças regionais e individuais.
Queremos uma sociedade onde o direito a humanidade é de todos!

Frente Estadual Antimanicomial de São Paulo, assinam:
  • Associação Brasileira de Psicologia Social Núcleo Campinas – ABRAPSO Campinas
  • Associação Brasileira de Psicologia Social Núcleo Cuesta – ABRAPSO Cuesta
  • Associação Brasileira de Psicologia Social Núcleo São Paulo – ABRAPSO São Paulo
  • Associação Brasileira de Psicologia Social Regional São Paulo – ABRAPSO Regional São Paulo
  • Associação Brasileira de Psicologia Social Núcleo Bauru – ABRAPSO Bauru
  • Associação Brasileira de Saúde Mental – ABRASME
  • Associação De Volta para Casa
  • Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais (ASUSSAM)
  • Associação Fazendo Diferente – Associação de Usuários e Familiares de Saúde Mental de Mauá
  • Associação José Martins de Araújo Júnior
  • Associação Loucos Por Você – Ipatinga (MG)
  • Associação Paulista de Saúde Pública – APSP
  • Cadeira das Centrais Sindicais do Segmento Usuários do Conselho Municipal de Saúde da Cidade de São Paulo – Oldimar S.A. Dos Santos
  • CANUT, Centro Acadêmico de Nutrição ” Benedita Ribeiro Lopes
  • Centro de Defesa da Criança e do Adolescente CEDECA INTERLAGOS
  • Coletivo DAR
  • Coletivo de Organização do 18 de Maio – Rio de Janeiro
  • Conselho Federal de Psicologia – CFP
  • Conselho Gestor da Saúde do Trabalhador – CRST-Sé
  • Conselho Regional de Psicologia de São Paulo – CRP-SP
  • Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro -CRP RJ
  • Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo – CRESS-SP
  • COREP-SP (Conselho Regional dos Estudantes de Psicologia do Estado de São Paulo)
  • Cure o Mundo
  • Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da PUC-SP
  • Federação dos Radialistas
  • Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba – FLAMAS
  • Fórum Mineiro de Saúde Mental
  • Fórum Permanente de Saúde do Sistema Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro (FPSSP-RJ)
  • Fórum Permanente Intersetorial de Saúde Mental da Região de Ourinhos
  • Fórum Popular de Saúde da Baixada Santista
  • Fórum Popular de Saúde da Baixada Santista
  • Fórum Popular de Saúde de São Paulo
  • Fórum Popular de Saúde Mental do ABCDMRR
  • Grupo de Estudos e Pesquisas Saúde Pública e Saúde Mental na Atenção Primária, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, UNESP-Botucatu.
  • Liga de Saúde Mental da USP-RP
  • Mandato Do Deputado Estadual Carlos Giannazi
  • Mandato do Vereador Carlos Neder
  • Mandato do Dep. Adriano Diogo
  • Mandato do Dep. Carlos Grana
  • Mandato do Dep. Federal Newton Lima
  • Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
  • Movimento Nacional da Luta Antimanicomial
  • Movimento Nacional da População De Rua (MNPR)
  • Centro Brasileiro de Estudos de Saúde Núcleo da Região de Ribeirão Preto – Cebes RP
  • Núcleo de Estudos e Pesquisas “Psicologia Social E Educação: Contribuições Do Marxismo” – NEPPEM, UNESP Bauru-Botucatu- Presidente Prudente.
  • Plenária Estadual de Saúde de São Paulo
  • Plenária Municipal de Saúde de São Paulo
  • Rede de Saúde Mental e Economia Solidaria
  • Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial
  • Secretaria de Saúde de Embu das Artes
  • Secretaria Municipal de Saúde de Várzea Paulista
  • Sindicato dos Guardas Civis de São Paulo – Sindguardas-Sp
  • Sindicato dos Psicólogos do Estado de São Paulo
  • Suricato – Associação de Trabalho e Produção Solidária (MG)
  • Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisao no Estado São Paulo 
  • União de Movimentos Populares de Saúde do Município de São Paulo –UMPS
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G1 26/04/2012

Homem consegue na Justiça direito de permanecer na Cracolândia

Homem procurou ajuda da Defensoria Pública para conseguir benefício.
Ele é usuário de drogas e não tem antecedentes criminais.

A 1ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu um habeas corpus para que um usuário de drogas de 41 anos possa circular na região da Cracolândia, no Centro da capital paulista, sem ser revistado pela Polícia Militar. A região, que ficou conhecida pela elevada concentração de consumidores de drogas, é alvo de uma operação policial desde o início deste ano.
O habeas corpus garante ao homem o direito de “circular e permanecer em locais públicos de uso comum do povo a qualquer hora do dia, não podendo ser removido contra a sua vontade salvo se em flagrante delito ou por ordem judicial, estendendo-se os efeitos da ordem aos cidadãos que se encontrem na mesma direção”, diz a decisão.
O pedido foi feito pela Defensoria Pública depois que o usuário procurou ajuda do órgão, que realiza atendimento jurídico e multidisciplinar itinerante para pessoas que não têm condições de pagar advogado.
O homem, que não tem antecedentes criminais, contou aos defensores que, em sete dias da operação, foi abordado em três ocasiões diferentes e que os PMs não apresentaram qualquer justificativa para as averiguações. Segundo os defensores, não havia suspeita de que ele estivesse praticando qualquer tipo de delito, como tráfico de drogas.
Ele é uma pessoa instruída e extremamente lúcida. Ele nos procurou e declarou: ‘Eu estou tendo o meu direito constitucional de ir e vir violado pela polícia. Não é porque eu sou pobre que não posso ter o meu direito assegurado’ ”, conta a defensora Daniela Skromov de Albuquerque. Segundo ela, o usuário nasceu no Rio de Janeiro e mora na região central há cerca de um ano.
De acordo com os dois defensores, durante o período de 4 a 26 de janeiro, foram coletados mais de 70 relatos de abusos durante as abordagens policiais. “A polícia tem que fundamentar a abordagem. Não é por que uma pessoa pobre está circulando que ela está em atitude suspeita”, disse Daniela.
A defensora elogiou a decisão do Tribunal de Justiça. “A sociedade é repleta de diferenças e a rua tem que refletir isso. A questão é que o espaço público não pode ser de uso exclusivo de quem usa a Sala São Paulo”, disse. “Vivemos um momento de retrocesso em que é preciso uma ordem judicial para assegurar direitos básicos.”
De acordo com a defensora, a instituição não defende que o morador fique nas ruas e atua em várias frentes para evitar que isso aconteça. “O que a Defensoria quer é que os moradores de rua sejam tratados com dignidade, caso eles estejam nessas condições por falta de opção ou por escolha própria”, afirma.
Abordagens
O novo comandante da Polícia Militar de São Paulo, o coronel Roberval Ferreira França, que tomou posse na quarta-feira (25), no ano passado, a PM fez 12 milhões de abordagens, sendo que apenas em 2% dos casos as suspeitas de que a pessoa possuía armas ou drogas foram confirmadas, o que evidencia a necessidade de repensar novas formas de escolher os suspeitos.
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FSP 26.03.2012
Um em cada 262 adultos brasileiros está na prisão
   Uma pessoa em cada grupo de 262 adultos está presa no Brasil. Em 1995, essa proporção era de 1 para 627. Em São Paulo, com um quinto da população brasileira e um terço dos presos, um em 171 está na cadeia.
    Entre 1995 e junho de 2011, a taxa de encarceramento (número de presos para cada cem mil habitantes) brasileira quase triplicou. É a terceira maior entre os dez países mais populosos e põe em questão custos e benefícios de ter tantos presidiários.
    A polêmica é semelhante à travada nos EUA, recordista em presos e onde a tese dominante de que só a prisão de todos os infratores habituais leva à redução de crimes é cada vez mais questionada.
    O início da onda de encarceramento no Brasil foi uma reação ao aumento da violência urbana. A taxa de homicídios passou de menos de 15 por 100 mil pessoas em 1980 para quase 25 em 1990, chegando a 30 em 2003.
    Hoje, estudiosos como Julita Lemgruber, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, e Pedro Abramovay, da FGV-RJ, apontam a contribuição desproporcional de acusados de tráfico para o crescimento da população carcerária. Segundo eles, é uma consequência da aplicação equivocada da Lei de Drogas de 2006. A lei livrou usuários de prisão e estabeleceu pena mínima de cinco anos para traficantes, sem direito à liberdade provisória.
     O resultado foi oposto ao esperado, e "uma massa que fica na fronteira entre o tráfico e o uso" lota as cadeias, diz Abramovay. Os presos por tráfico quadruplicaram em seis anos, para 117 mil, 40% deles em São Paulo.
    "A polícia tem recursos finitos, e os usa para prender pessoas não violentas que serão violentas quando saírem da prisão", afirma ele.
    O ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp, presidente da comissão de reforma do Código Penal do Senado, diz que há uma combinação de "cultura da prisão" com deficiência das defensorias públicas estaduais.
    Com um presidiário típico jovem e pobre, isso resulta em muitos detentos sem julgamento (cerca de 40%, contra 21% nos EUA) e acusados de furto, estes em número maior do que os que respondem por assassinato.
   Em mutirão recém-realizado pelo Conselho Nacional de Justiça em 25 Estados, só a revisão administrativa de processos, sem mudar sentenças, beneficiou 72,6 mil presos -36,8 mil libertados. "Furto não é caso de prisão", diz Dipp, para quem só crimes "gravíssimos" ou violentos merecem cadeia.
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Marie e Claire 03.05.2012
Escravas do crack: elas mantêm o seu vício usando o próprio corpo como moeda
4 programas é o que cada usuária de crack faz por dia, em média. 
Mariana Sanches. 
Fotos Christian Tragni

Na fissura, eu fazia de tudo. O cara pagava R$5 pelo sexo”, Daniela
    "Fazia três dias que eu estava na rua, só fumando crack. Não sentia fome, então não comia.    Carregava uma barriga de nove meses. A filha era do meu marido, com quem eu terminava e reatava na tentativa de retomar minha vida.
    Uma hora percebi que ela ia nascer. Voltei para casa da minha mãe. Pedia para entrar, mas ela não abria a porta. Não acreditava no que eu dizia, achava que eu estava louca de crack, que queria enganá-la, dar escândalo. E as dores aumentando. E ela se recusando a abrir a porta. Quando finalmente se convenceu a abrir, a cabeça da minha filha estava quase para fora. A menina nasceu no chão da cozinha, sem ajuda de ninguém. Minha mãe a aparou e chamou a polícia, que nos levou a um hospital. Isso faz dois anos e agora estou passando por tudo isso de novo. É um filme de terror.” Daniela, 27 anos, enuncia os fatos com objetividade, quase frieza.
    É como se a narrativa não pertencesse à vida dela. Enquanto encaixa uma frase em outra, com português perfeito, deixa entrever sua instrução. Completou o ensino médio, fez cursos de informática, culinária, cabeleireira, sonhou em fazer faculdade de moda. Casou-se, teve três filhos, uma loja de materiais de informática, casa própria, carro do ano, renda familiar de mais de R$5 mil por mês. No rosto bonito, emoldurado pelo cabelo cuidadosamente despenteado, ao estilo black power, ela exibe a marca da sua história. Um buraco do tamanho de uma moe­da de dez centavos no meio da testa, consequência de um tombo de moto sofrido quando estava drogada, e alguns dentes quebrados no sorriso branco e largo, por surra ou falta de higiene adequada, fazem com que se lembre todos os dias que ela abandonou tudo para ficar com o crack.
    A relação de Daniela com o crack começou há quatro anos, quando uma amiga ofereceu a ela uma pedra, numa festa. Até então, seu contato com drogas era meramente recreativo e controlado. Ela fumava maconha de vez em quando, sempre escondida, porque o marido não gostava. Um mês depois de provar crack, Daniela já estava compulsiva. Ficou agressiva com os filhos (o mais velho não chegava aos 10 anos de idade), distante do marido. Planejava desviar os R$80 semanais da feira para comprar pedra. Acabou saindo de casa. Foi perambular pelas ruas. Perdeu o controle sobre sua história. “A droga deforma o caráter”, afirma. Sem nunca ter tido passagem pela polícia, começou a roubar. “Mas eu era muito ruim nisso, ia acabar morrendo. Me prostituir foi a saída pra não depender de ninguém e conseguir a droga.” Ela, que tinha tido apenas quatro parceiros sexuais, contabiliza agora pelo menos 250 homens para quem vendeu o corpo nos últimos três anos. “Eu fazia de tudo, dependendo do cara e da minha fissura. Era dentro do carro, num canto escuro da rua, na casa do cara, no motel. Eu tinha um preço, mas no fim, o cara pagava R$5, R$10, ou pagava em pedra mesmo.” Grávida de cinco meses, de um menino, ela está há pouco mais de um mês abrigada no Amparo Maternal, um alojamento para mulheres em situação vulnerável conveniado à Prefeitura de São Paulo. Ali, ela fica longe da droga. “Mas ainda sinto o gosto da pedra na boca”, diz. Não existe qualquer remédio capaz de ajudá-la a se livrar do vício. Não é a primeira vez que Daniela tenta. Ela já esteve internada em clínicas particulares, custeadas pela família, em duas ocasiões. Mas a cada nova recaída sua situação fica pior. A mãe não fala mais com ela, o marido, que hoje cuida da filha que nasceu na cozinha, a abandonou, as irmãs sentem vergonha dela, os filhos têm medo e saudade — o mais velho dorme abraçado à foto dela. Daniela chora ao rememorar almocinhos de domingo na casa da mãe, ou as festas de aniversário que ganhava na adolescência. É nesses momentos que parece se lembrar de quem é. “Quero jogar fora o rótulo de prostituta e noia. Eu sei que é difícil acreditar, é difícil as pessoas me perdoarem, mas agora quero fazer isso por mim mesma. Estou decidida que o próximo Natal vai ser diferente, longe da biqueira (boca de fumo).
    "Ao se prostituir, a mulher passou a ser a melhor cliente do tráfico. Com o corpo, ela sustenta o seu vício e o do companheiro", Solange Nappo, toxicologista
O ENCONTRO COM A DROGA 
    O destino de Daniela é um desafio não só para ela. A sociedade e o poder público não sabem como resolver o problema dela e de outras mulheres viciadas em crack. Ninguém consegue precisar quantas são dependentes da droga hoje. Mas sabe-se que o problema aumenta pela disparada do número de mulheres grávidas e doentes que apelam à rede pública de serviços. Quando a droga desembarcou no Brasil, na década de 90, os dependentes costumavam ser jovens, negros e pobres. Os usuários não sobreviviam ao uso por mais de um ano. Morriam pelo efeito da droga ou do entorno violento. O tráfico era bastante limitado, a produção, artesanal. “Mas sabíamos que, tendo efeito mais poderoso do que o da cocaína, o crack não ficaria restrito a uma classe social mais baixa”, afirma a toxicologista Solange Nappo, que há 20 anos estuda a dinâmica do uso de crack no Brasil e publicou seus estudos no recém­-lançado O Tratamento do Usuá­rio de Crack (Artmed). “Para o usuá­rio, não existe ‘droga de rico’ e ‘droga de pobre’. Existe a droga que dá mais ou menos prazer.” O consumo da pedra se expandiu nos anos 2000. Os traficantes temiam vender em larga escala uma droga que matava os clientes em pouco tempo. Além de perderem a clientela, as bocas de fumo ainda tinham que arcar com as dívidas que esses homens deixavam. O crime organizado percebeu que a lucratividade do crack aumentaria se os traficantes conseguissem alongar a sobrevida do usuário. A mulher se mostrou um bom negócio. “Incluí-las na cultura do crack foi uma estratégia genial para eles”, afirma Solange. “Ela passou a ser a melhor cliente do tráfico, porque criou sua própria estratégia de obter dinheiro e de sustentar o vício dos homens, que agora vivem mais. Foi a pior coisa que poderia ter acontecido para a sociedade.”
6 a 10 pedras por dia costumam satisfazer uma usuária

A PROSTITUIÇÃO
    Assim como Daniela, outras mulheres perceberam rápido sua falta de destreza para o roubo. Elas não assustavam ninguém, não tinham força para machucar, não sabiam atirar. Quando faziam parte de uma quadrilha, invariavelmente, recebiam menos do que os homens. Nunca conseguiam comprar droga fiado. “Com a ajuda do traficante, que quase sempre é o primeiro cliente, elas descobriram uma carreira solo: se prostituir”, diz Solange.    Nos últimos anos, ela acompanhou a trajetória de 76 usuárias — de analfabetas àquelas com curso superior, de miseráveis a abastadas. Descobriu que quase 90% delas vendiam o corpo para comprar­ crack­. “Não importa a classe social, a religião, a origem, todas agem da mesma maneira. Ao se prostituir, sempre têm dinheiro para pagar o traficante. Se ela precisar de 30 homens num dia para pagar a dívida na boca, vai transar com todos.” Daniela confirma: “Lá na boca onde eu comprava, uma vez, me chamaram de vagabunda. Pedi para falar com o dono da boca. Ele veio e deu uma dura nos funcionários, disse que as mulheres são as melhores clientes, boas pagadoras e que eu nunca ficava devendo nada ali.
   A provedora O dinheiro dos programas feitos pelas mulheres resolveu também o problema dos homens. O sorriso largo, o corpo esguio, os seios empinados sustentaram não só a fome de pedra de Amanda*, 22 anos, como a do namorado dela, que a apresentou ao crack quando ela ainda era adolescente. Ele percebeu que na rua ela trazia muito mais dinheiro do que ele podia conseguir com os roubos que praticava. Passou a explorá-la sexualmente. Comprava roupas, eletrodomésticos com o dinheiro que Amanda ganhava dos clientes. Ela trocou de namorado, mas todos os demais companheiros se comportavam de maneira semelhante ao primeiro. Em sete anos de vício, o crack a levou a Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. “Eu ia aonde me pagavam mais pelo programa e a droga era melhor. Cheguei a transar com mais de mil homens”, diz Amanda. “Podia ter ganhado muito dinheiro, mas gastei tudo com droga para mim e para os outros.” Solange Nappo afirma que por trás de uma mulher usuária de crack quase sempre há um homem, um companheiro. “Esse sujeito deixa de se expor, se resguarda, e a mulher passa à linha de frente no crack. É ela a provedora do casal”, diz.
"Desde que me viciei em crack, transei com mais de mil homens. Nunca usei camisinha" Amanda

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iG São Paulo
“Tive que aprender a amar meus filhos”
Meninas que moraram – e engravidaram – nas ruas contam a experiência da maternidade
Fernanda Aranda e Heloisa Ferreira,
    Bia usa anticoncepcional injetável. Marina prefere camisinhas e, em situação de deslize, recorre à pílula do dia seguinte. Tati quando descobriu o sexo era tão jovem que nem desconfiou ser gravidez o ventre estar mais saliente. Luara primeiro encontrou o crack, depois veio a maternidade. Por isso, só após a quarta gestação, se reconhece mãe. 
    “Tive que aprender a amar meus filhos”, define a moça, hoje com 28 anos e há sete meses longe das ruas de Santos (litoral paulista) e das drogas, respectivamente sua moradia e companhia por 16 anos. “Aprendo aos poucos, mas ainda enlouqueço quando eles choram e eu não entendo o que querem”, diz ela sobre o primogênito de 11 anos, a do meio de 8, o terceiro de 2 e a caçula de só de um mês, todos gerados em situação de risco.
    Nos últimos 40 dias, o iG acompanhou histórias de 14 “meninas do asfalto” e, desde ontem, publica uma série de reportagens especiais sobre o assunto. Na matéria de hoje, o vídeo retrata como elas conciliam vaidade, vulnerabilidade e maternidade. “Eu só encontrei um motivo para viver depois que a minha primeira filha nasceu. Foi a minha salvação”, resume Tati, hoje com 21, que coloca um ponto final feliz na sua história que começou aos 11 anos na rua e recomeçou aos 15 quando ela engravidou.
    As mães que experimentaram a gravidez após a vivência nas ruas foram entrevistadas na Ong Lua Nova, com sede em Sorocaba (interior de SP), que tenta resgatar o espírito materno destas meninas, promover a reinserção social e ajudá-las a terminar (ou começar) os estudos. Algumas conseguem profissões e empregos, constroem casas, recuperam filhos já deixados em abrigos. Uma parte volta para as ruas ou tem recaídas nas drogas. "Mas o nosso papel é aumentar o leque de possibilidades de futuro para estas garotas", afirma Aline França, educadora do Lua Nova.
    No centro paulistano, as meninas e meninos recebem apoio da Fundação Projeto Travessia, uma organização social que, desde 1995, trabalha com adolescentes e crianças em situação de risco. Em visitas diárias, eles oferecem a cada menino e menina, uma auto-reflexão sobre os riscos constantes a que estão sujeitos, para reconstruir coletivamente o sonho de um futuro melhor e a capacidade de transformar suas histórias pessoais.
Assuntos femininos
    Segundo o último censo de meninos de rua, feito pelo Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), hoje estão espalhadas pelas calçadas e esquinas de 75 cidades brasileiras 6.800 garotas com menos de 18 anos. Elas são 25% da população de rua que não completou a maioridade. Apesar de minoria, as questões sobre a sexualidade embutem desafios complexos no grupo feminino.
    São elas que experimentam a primeira menstruação longe das explicações e conselhos dos adultos. Também convivem com as alterações de humor – e curiosidade pelo sexo – por causa dos hormônios à flor da pele. Porém, vulneráveis à falta de proteção familiar e afetiva, também dificilmente escapam do abuso sexual e da gravidez precoce.
    São enredos recorrentes entre as meninas em situação de rua mesmo para aquelas que, nos últimos anos, chegaram a uma posição de liderança dos grupos de meninos e meninas. Algumas, por conta própria, aprendem o que é sexo seguro (como é o caso de Marina, 17, e Bia, 19) e mensalmente buscam auxílio nas unidades básicas de saúde. A intimidade se dá a céu aberto e, sem constrangimento, vão para debaixo dos cobertores ter relações com os namorados, que não raro chamam de marido. Outras só visitam os médicos na hora de parir, sozinhas e sem amparo dos pais das crianças.
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iG São Paulo 
Quase 24 mil crianças e adolescentes estão em situação de rua
Pesquisa realizada pelo Conanda aponta que 23,2% delas dormem em locais público
    Uma pesquisa realizada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) aponta que 23.973 crianças e adolescentes em situação de rua no País. Dessas, 59,1% dormem na casa de sua família e trabalham na rua; 23,2% dormem em locais de rua; 2,9% dormem temporariamente em instituições de acolhimento e 14,8% circulam entre esses espaços.
     Segundo o estudo, a maior parte das crianças e dos adolescentes em situação de rua dorme em residências com suas respectivas famílias e, mesmo entre aqueles que pernoitam nas ruas, 60,5% mantém vínculos familiares. Relação que no caso de meninos e meninas que moram com suas famílias é melhor. Daqueles que costumam dormir na rua, 22,4% consideraram bom ou muito bom o relacionamento com seus pais.
    O levantamento também mostra que 71,8% desses jovens são do sexo masculino. Entre os mais de 300 mil habitantes do País que foram entrevistados, quase metade das crianças e dos adolescentes em situação de rua (49,2%) se declarou parda ou morena e se declararam negros.
    Entre os principais motivos declarados pelas crianças e adolescentes que dormem na rua para explicar a saída de casa se destacou a violência no ambiente doméstico, com cerca de 70%: brigas verbais com pais e irmãos (32,2%); violência física (30,6%); violência e abuso sexual (8,8%).
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O Globo 23/03/2012
Ministro da Justiça afirma que há preconceito do Judiciário com o usuário de drogas
BRASÍLIA – O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou na manhã desta quarta-feira, que o Poder Judiciário precisa deixar de lado a postura de ser o “dono absoluto da verdade” e entrar em contatos com outros agentes e profissionais de outras áreas para entender como, de fato, se dá a realidade. O ministro referia-se ao entendimento dos juízes sobre usuários de drogas. Para, ele há um preconceito do Judiciário com esses jovens que consomem drogas.
- É preciso não confundir as coisas. O preconceito é óbice para que a legislação (Lei Antidroga, que distingue usuário de traficante) seja cumprida. Não pode ser o dono absoluto da verdade. O tráfico exige o tratamento duro, mas o usuário para não pode ser tratado como traficante e precisa ser entendido como um problema de saúde pública – disse José Eduardo Cardozo, na abertura do seminário “Integração de competências no Desempenho da Atividade Judiciária com Usuários e Dependentes de Drogas, que acontece no auditório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no STF”.
O vice-presidente do STF, ministro Ayres Britto, também participou e sua posição nesse tema foi na mesma linha do ministro da Justiça.
- O juiz tem dificuldade em fazer a distinção. O universo do traficante ele conhece muito bem, é fácil. Mas o do usuário exige certa psicologia, é mais subjetivo. Por isso, é preciso ouvir os profissionais de outras áreas, é preciso haver essa abertura do Judiciário – disse Ayres Britto.
A corregedora Nacional de Justiça, Eliana Calmon, criticou o Judiciário e afirmou que a nova concepção desse Poder envolve interpretação do direito segundo as necessidades da sociedade.
O magistrado é sempre a dar a última palavra. Mas não pode ser assim. Tem que compartilhar o debate com outros setores, principalmente nessa questão de drogas. O juiz não é mero aplicador da lei. Isso está sendo abolido na magistratura…A droga é uma questão social complexa. O magistrado não pode ser mero interpretador de texto. Precisa ser mais que isso – disse Eliana Calmon.
O seminário apresentou como vai se dar a integração entre setores do governo, mais o CNJ, a USP e outros setores do Judiciário, envolvendo também o Ministério Público sobre como agir em relação aos usuários de drogas. Serão capacitados cerca de 15 mil profissionais para lidar com esse problema.
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G1 12/03/2012
Para usuários de drogas, a lei é a do traficante, diz delegado do Paraná
Mais de 40% das vítimas de homicídios em Curitiba eram usuárias de drogas.
(clique na fig para ver filme)
     Dependente em recuperação diz que, para quem usa crack, só resta a morte.
    Dentre as 685 vítimas vítimas de homicídios em Curitiba, em 2011, 293 eram usuárias de drogas, de acordo com dados da Secretaria de Segurança do Paraná, disponíveis no Mapa do Crime, da RPC TV. Além dessas, outras 130 tinham envolvimento direto com o tráfico.
    Para o Delegado de Homicídios de Curitiba, Rubens Recalcatti, os números denunciam o que é a realidade nas ruas não só da capital, mas também nas cidades do interior. Para os usuários de drogas, a lei que vale é a dos traficantes. “Mata-se não pelo que se deve, mas para mostrar o seu poder [do traficante] e a sua autoridade dessa forma. Porque se um indivíduo dever para ele e não pagar, outro vai ficar devendo também e o outro também”, diz.
    Um dependente de crack em recuperação, que não quis se identificar conta como era a vida que levava antes de entrar para uma clínica. Segundo ele, os usuários não têm limites. “Se você tiver R$ 5 mil, você gasta. Enquanto não acabar, você não para” revela. Para ele o destino de um usuário é matar e roubar para manter o vício. “É morte, é morte”, afirma.
    Nas ruas do Centro de Curitiba, imagens mostram alguns usuários utilizando a droga em plena luz do dia. Em certo momento, chegam a discutir com o fornecedor. Outro dependente explica a sensação que a droga traz. “É um prazer momentâneo, você usa e cada vez quer usar mais. Não tem fim”, revela.
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Usuários de Crack
Blog Inspiração Coletiva 19.04.2012
Muito além da caixinha de surpresas
Hélio de La Pena
     Nem tudo no futebol tem a ver com a bola. Vitórias e derrotas podem acontecer fora de campo. E um desses aspectos me chamou a atenção. Um jogador do elenco do Botafogo se envolveu em um sério problema com drogas. Jobson foi flagrado num exame antidoping e confessou ser usuário de crack. Ao expor sua fraqueza, passou a ser visto com desconfiança por muita gente. Foi alvo de piadas, de preconceito e de pouca solidariedade. Na contramão dos fatos, um profissional da saúde resolveu se aproximar do jogador para tentar ajudá-lo a sair dessa.
    O psiquiatra Roberto Curi Hallal se impôs um desafio: recuperar o jogador Jobson com um tratamento que não prevê internações ou punições exageradas. Roberto parte do princípio de que todos temos problemas e que podemos superá-los. Achei sua atitude corajosa e seu exemplo inspirador. Vamos ver o que ele tem a nos dizer
- Dr. Roberto, afinal, qual o problema do Jobson?
Não se pode resumir uma vida inteira a um problema. Como qualquer ser humano, ele pode melhorar se dedicar-se a isto. Pode crescer como pessoa, incorporando uma cultura que lhe permita viver esta difícil posição que é ter uma vida privada, sendo uma figura pública.
- O que o levou a querer ajudar o jogador?
Minha paixão pelo Botafogo e por acreditar que não haviam sido realizados alguns cuidados que permitiriam ao Jobson pensar e agir de um modo diferente. Entendi que deveria me oferecer para ajudar. Assim que me ofereci ao Botafogo para ajudar, fui aceito.
- Como sua atitude tem sido vista?
Tenho tido o maior apoio nesta minha dedicação por parte da imprensa e do Botafogo. A decisão de não internar o atleta ganhou a simpatia de muitos. A inclusão social através de um convívio com reflexões sobre a vida é algo que dimensiona a realidade para vivermos dentro dela. Até aqui estamos todos os envolvidos, nos enriquecendo como pessoas e como instituição, tanto o Botafogo, seus representantes e, mais diretamente, Jobson e eu. Construir oportunidades enaltece e enriquece aos envolvidos, humanizar cuidados incentiva e devolve alegria à vida.
- O senhor está tentando ajudá-lo. E ele, está disposto a se ajudar?
Nada é definitivo na vida, em cada momento deveremos atualizar isto. Nos cinco meses que o acompanho, tem dado evidências de uma mudança significativa em sua vida, então acredito que desta forma o atleta acaba beneficiado. A conquista é uma etapa, a manutenção será outra etapa. Como se pode ver, as metas mudam e os cuidados também.
- O senhor pode afirmar que Jobson está livre das drogas?
Alguém poderia afirmar que ele foi prisioneiro delas? Eu nunca acreditei nisto e foi exatamente por isso que nunca indiquei internação. Somente se deve usar uma internação quando o ser humano põe em risco sua vida ou a vida daqueles que o cercam. Então estaríamos falando de medidas protetoras. Quando se fala em drogas, se negligencia tantas outras coisas, quase sempre mais importantes e mais negativas para as pessoas.
- Por que algumas pessoas com as mesmas origens sociais que ele não incorrem nos mesmos erros?
Porque as razões que levam as pessoas a viver são multideterminadas, desta forma não é uma causa promovendo um efeito. Algumas marcas mais fortes acompanham a vida com mais presença que outras. Isto não significa que o destino não possa ser mudado em qualquer momento, desde que a pessoa deseje esta mudança. Não será pelo desejo dos outros ou pelo interesse dos demais que alguém encontra razões para mudar seu modo de viver.
- O senhor acha que o Jobson pode superar essa fase e  render em campo o que a torcida espera dele?
Nunca vi questionado o atleta, todos sabem que ele é um jogador excepcional. Estamos investindo no homem Jobson para que ele se aproxime o mais que puder do atleta que alcançou ser. Se o crescimento do homem acompanhar o desempenho do atleta, estaremos diante de uma pessoa especial.
- Que outros trabalhos o senhor desenvolve nesta área?
Sou Professor Emérito da Universidade de Cuba, colaboro com universidades da Venezuela, do Equador e da Argentina. Aqui no Brasil sou o idealizador e diretor-geral do Centro de Referência à Vida do Instituto Oziris Pontes, na caatinga cearense, e também participo como diretor do Instituto Ler É Abraçar no Rio de Janeiro. Sou membro permanente de um grupos de pensadores sobre Humanidades em Catanzaro na Itália, onde definimos políticas públicas de 22 países do Mediterrâneo e quatro latino-americanos. Sou membro da Academia Brasileira de Médicos Escritores e assessor permanente de Cultura e Saúde Mental da Associação Latino-americana de Pediatria – Sessão de Adolescência.
- Recentemente a imprensa deu a entender que, sem internação ou punições, o senhor trataria o Jobson na base do humor. Posso usar no meu carro o adesivo: “Só o humor salva”?
O humor salva ou fere. Use-o com adequação.
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rev Poli 09.03.2012
Usuários de crack no centro das atenções
Programa do governo federal aposta no incremento de estruturas para tratamento aos usuários da droga e mantém possibilidade de convênio com as polêmicas comunidades terapêuticas. Mas quais devem ser as bases para o cuidado aos usuários de drogas?
Cátia Guimarães e Raquel Júnia
Nos últimos meses, o crack ocupou as páginas dos principais jornais do país, assim como as notícias das ações, algumas bastante polêmicas, realizadas pelos governantes para combater o uso da droga, como a internação compulsória de usuários do crack e as ações policiais nas chamadas ‘cracolândias’. Com os holofotes da imprensa sobre o assunto, no final de 2011, o Ministério da Saúde lançou o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas, com o slogan ‘Crack, é Possível Vencer’. Bem antes do lançamento do plano, já no discurso de posse, a presidente Dilma prometeu que esta seria uma das prioridades de sua gestão. O ‘Crack, é Possível Vencer’ prevê medidas em três eixos de atuação – cuidado, autoridade e prevenção – e mantém a possibilidade de convênio com as chamadas comunidades terapêuticas, um dos pontos mais criticados do programa.
Segundo o Ministério da Saúde (MS), o plano investirá R$ 4 bilhões no “enfrentamento” à droga. No eixo cuidado, está prevista a reformulação da ‘Rede Conte com a Gente’, que inclui estruturas já existentes e outras novas para atender aos usuários, como as enfermarias especializadas dentro de hospitais públicos. Também serão criadas Unidades de Acolhimento, que, segundo o MS, funcionarão como moradias temporárias nas quais os usuários de crack receberão cuidados clínicos. Além disso, serão potencializados os já existentes ‘consultórios de rua’ – equipes multiprofissionais que abordam usuários de drogas nos locais de consumo – e os Centros de Atenção Psicossocial especializados em usuários de Álcool e Drogas (Caps AD). De acordo com o Ministério da Saúde, as comunidades terapêuticas, coordenadas por entidades sem fins lucrativos, também poderão fazer parte da ‘Rede Conte com a Gente’.
O reconhecimento dessas instituições como possíveis espaços de tratamento aos usuários de crack foi o que gerou mais críticas ao plano. O papel de recuperação e cuidado que as chamadas comunidades terapêuticas e outras instituições de internação cumprem para os usuários não apenas de crack, mas também de outras drogas, é bastante controverso. Pouco antes do lançamento oficial do programa, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) entregou ao Ministério da Saúde o Relatório da 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos: locais de internação para usuários de drogas contendo várias denúncias de irregularidades encontradas pelo Conselho em alguns desses espaços, como utilização de mão de obra não remunerada, preconceito por orientação sexual e religiosa, violação de privacidade, torturas psicológicas, falta de acesso a atendimento médico e à rede de educação. A Comissão de Direitos Humanos do CFP inspecionou 68 unidades em 24 estados e no Distrito Federal. O relatório foi entregue ao Ministério da Saúde e ao Ministério Público, e também apresentado na 14ª Conferência Nacional de Saúde, que aprovou uma moção de repúdio ao financiamento do governo federal às comunidades terapêuticas. Por meio de sua assessoria de imprensa, o Ministério da Saúde confirmou que o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, recebeu o relatório em audiência com representantes do CFP. Questionado sobre que providências foram tomadas em relação às denúncias, o Ministério reforçou que as instituições denunciadas no relatório não recebem recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) e respondeu apenas que “quem fiscaliza [as comunidades terapêuticas] são as unidades das vigilâncias sanitárias locais, de acordo com os critérios estabelecidos pela Anvisa”. Sobre os critérios para que instituições desse tipo sejam conveniadas ao SUS, a assessoria disse que “a partir do novo programa ‘Crack, é Possível Vencer’, elas terão que aderir ao plano por meio de projetos que precisam atender às exigências técnicas necessárias”.
O professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio / Fiocruz, Marco Aurélio Soares, explica que as chamadas comunidades terapêuticas que existem atualmente, a maior parte delas criadas por entidades religiosas, não têm nenhuma relação com o conceito original. “O que existe no Brasil nem se aproxima da ideia verdadeira de comunidades terapêuticas, que foram pensadas pelo psiquiatra inglês Maxwell Jones como espaços democráticos, onde as pessoas ficam se quiserem, participam de assembléias, etc”, observa Marco Aurélio, que também coordena na EPSJV/Fiocruz o Curso de Atualização Profissional em Atenção ao uso prejudicial de Álcool e outras Drogas, destinado a profissionais de saúde.
Drogas como uma questão de saúde pública
O coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Roberto Tykanori, explica a partir de quais diretrizes a política de enfrentamento ao crack do governo federal está sendo criada. “Como se trata hoje de um tema bastante polêmico, é fundamental, do ponto de vista ético-político, nos atermos àquilo que a Constituição nos garante. O artigo 5º é uma referência fundamental no que tange a qualquer ação na área da educação, da saúde, da justiça ou da polícia. Em situações polêmicas ou extremadas, há uma tendência a querer suprimir ou fazer vista grossa em relação à garantia dos direitos individuais”, diz. Tykanori acrescenta que do ponto de vista técnico, o Ministério fez uma projeção do tamanho do problema com o crack, embora existam poucas informações já disponíveis. “As informações que temos não são muito consistentes, então, trabalhamos com números projetados, estatísticas de outros países e dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). O princípio orientador da política de crack é que as pessoas vão depender de vários tipos de abordagem dependendo da situação como se encontram, então, adequaremos a oferta à variedade de necessidades. Esse principio é o que organiza hoje a rede de atenção aos usuários de crack e outras drogas”, complementa.
O consumo de drogas no país e as conseqüências que essa prática pode trazer não são novidades, mas então, porque o crack virou o assunto do momento? “O crack de fato tem algumas características diferentes das outras drogas. É muito barato, muito portável e acessível, tem uma absorção extremamente rápida, mais rápida até do que as drogas injetáveis. É possível sentir os efeitos do crack em 7 a 10 segundos, enquanto as drogas injetáveis demoram 30 segundos para provocar algum efeito”, explica o pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz  (Icict/Fiocruz), Francisco Inácio Bastos, que também é médico e há vários anos trabalha pesquisando o tema e atendendo usuários de drogas. “E tem outro aspecto que não tem nada a ver com a substância em si: pela primeira vez na história do país não há mais uma coincidência quase total entre cenas de uso abertas em locais públicos e as comunidades faveladas. O consumo se dá hoje em outros locais públicos que não são favelas. Isso despertou na mídia, na sociedade em geral, nos políticos, uma perplexidade que antes não existia”, analisa o pesquisador.
O médico coordena uma pesquisa sobre o perfil dos usuários e o consumo de crack em todo o país, desenvolvida pela Fiocruz e pelo Ministério da Saúde em parceria com a Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad). “Visitamos há pouco tempo uma cena de uso de crack e pela primeira vez nós encontramos pessoas que acamparam nesse local. Aqui pertinho da Fiocruz, encontramos barracas, refresco, refrigerente, é como se esses usuários tivessem montado uma ocupação semi-permanente. Não existia isso antes, havia cenas de droga, mas não com essas características”, fala, sobre a atual visibilidade do consumo de crack.
Francisco Inácio acredita que as políticas sobre drogas devem apostar na criação de pontes entre as comunidades e os locais de tratamento, já que uma grande dificuldade é a procura espontânea pelos serviços de saúde. “As melhores políticas no mundo inteiro, e isso não é nenhuma novidade, são as que estabelecem essa ponte, porque muito dificilmente conseguimos que uma pessoa que está numa cena [de consumo de drogas] saia espontaneamente para frequentar um serviço regular. Obviamente, a pessoa que usa crack de uma forma contínua se vê as voltas com vários problemas de saúde, então, acaba indo mais para as UPAS [Unidades de Pronto-Atendimento], para buscar um tratamento emergencial para problemas respiratórios, odontológicos, do que para um Caps, quando deveria ser o contrário”, observa. O pesquisador explica que, com isso, os serviços de emergência ficam sobrecarregados. “Isso não é um problema exclusivo do crack, essa distorção de demandas de saúde no Brasil é histórica. A pessoa está com gripe e não consegue marcar consulta, então vai para uma emergência. A emergência no Brasil é tampão, ela atende praticamente tudo, e o crack só veio trazer mais gente, mais demandas e mais distorção”, comenta.
Para Francisco, propostas como a dos consultórios de rua podem ser uma boa solução para estabelecer a ponte entre os usuários e os serviços de saúde adequados. De acordo com ele, um exemplo dessa ponte é a experiência do Centro de Saúde – Escola Germano Sinval Faria da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (CSEGSF/ENSP/Fiocruz), cujo fluxo de usuários de crack melhorou após a implementação de um consultório de rua e de outra unidade trabalhando em sintonia – a Clínica da Família Victor Valla (localizada no bairro de Manguinhos, no entorno da Fiocruz) – ambos com atuação nas proximidades das cenas de consumo de drogas. “Esse exemplo está mostrando que o trabalho pode funcionar bem se contarmos com equipes motivadas e bem treinadas. O que não pode acontecer é o que vinha sendo proposto antes. O cara é um agente de saúde que passou a vida toda trabalhando com saúde materno-infantil e agora passa a ter que lidar com o crack. É uma população e um recorte demográfico totalmente diferentes. Dessa forma não funciona”, alerta.
Crack e exclusão
O professor do Departamento de Saúde da Família da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Tarcísio Andrade, considera que é um equívoco abordar o uso do crack como uma questão específica, sob o risco de desvincular o problema do contexto em que está inserido. “Pensando na perspectiva sócio-econômica, nós temos inevitavelmente uma melhora das condições de vida e da renda do povo brasileiro, mas nós temos um segmento populacional, na faixa de 15 a 25 anos, ainda fora do mercado de trabalho e sem nível educacional para assumir qualquer posição nesse mercado, porque não tínhamos até então nenhuma programa voltado para essa população. O erro da política atual é não enxergar esse aspecto”, avalia.
Segundo Tarcísio, o grande contingente de usuários de crack, sobretudo homens jovens, vive uma vida sem perspectivas concretas, o que não pode ser desconsiderado. “Embora a mídia e a própria estrutura capitalista o tempo inteiro digam que tudo é possível, isso não é verdade. É como se fossem chamados para a festa e acabassem barrados no baile. Há essa falsa ideia de igualdade e essa população está excluída. É essa mesma população que constitui o maior contingente de pessoas que recorrem a práticas ilícitas para tocar a vida adiante, seja do ponto de vista subjetivo para ter visibilidade, para ser visto de alguma forma socialmente, seja do ponto de vista concreto da própria sobrevivência”, pontua.
Para o professor, outro equívoco é considerar que todos os usuários de crack têm o perfil de moradores de rua. Tarcísio trabalha há mais de 15 anos com usuários de drogas e foi um dos pioneiros no país na implementação de políticas de redução de danos. O professor coordena hoje o programa de extensão da UFBA, Aliança de Redução de Danos Fátima Cavalcanti. “A população de rua constitui a ponta do iceberg. O grande contingente que usa crack e que mais sofre com as consequências do uso de crack, não pelo viés da droga em si, mas pelo viés de ser uma prática ilícita, socialmente inaceitável, é de jovens negros, que morrem com 25 anos de idade. Essas pessoas têm casa, familiares, e vivem com um cerceamento de liberdade enorme, porque alguns bairros nas grandes cidades brasileiras são bairros divididos, sequer podem cruzar de um lado pra outro”, define. O professor conta que participou recentemente de um estudo sobre os usuários de crack no Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA) e Macaé (RJ), cujos dados ainda estão sendo analisados. “Na realização dos grupos focais, quando perguntávamos aos usuários moradores de rua o que eles pensam da vida para daqui um ano, eles respondiam: ‘eu espero que eu possa ter uma casa, é muito ruim viver na rua’. Quando fizemos essa pergunta para as pessoas de bairro, vários deles disseram: ‘eu não sei o que vai acontecer comigo daqui um ano porque muitos dos meus colegas já morreram’. Então, as perspectivas são piores e eu não tenho visto políticas mais consistentes dirigidas a essa população. Precisamos de uma política pública imediata para dar suporte social a essas pessoas”, afirma.
O coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde concorda que o problema do crack é muito mais complexo. Para ele, a discussão polêmica sobre para onde devem ir os usuários de crack deve ser um debate sobre o papel dessas pessoas na sociedade. “O desenvolvimento econômico está deixando para trás uma parcela significativa de brasileiros. Então, trata-se de um problema sobre que lugar na sociedade essas pessoas estão ocupando. Esse é um enfrentamento real que nós precisamos fazer, tornar nossas ações mais amplas, e, nesse sentido, ações intersetoriais se tornarão cada vez mais importantes para viabilizar lugares melhores para esses cidadãos que estão nessa condição de muita fragilidade e vulnerabilidade. Estamos tendo isso como aprendizado nesse período de construção da política”, declara.
Além do estereótipo dos usuários de crack como moradores de rua, Francisco Inácio acrescenta que é preciso ampliar a visão sobre o perfil dos consumidores da droga. “Nem todos os usuários fazem uso continuado de crack especificamente. Eu tenho pacientes que fazem uso de crack, interrompem e passam um período usando cocaína cheirada e álcool, por exemplo. Normalmente, a imensa maioria é de poliusuários, como eles próprios se definem, X-tudo, total-flex, eles mesmos inventam essas palavras. Então, igualar não é correto”, afirma. Segundo Francisco, atualmente, há também usuários de crack de classe média, embora sejam minoria. “Obviamente, existe uma concentração de pessoas que vêm de comunidades pobres, que já têm toda uma vida complicada por várias razões, e o crack veio a ser mais um problema na vida delas. Os ricos nunca chegaram até o ambulatório e provavelmente não vão chegar, mas atendemos pessoas de classe média que falam bem, são articuladas, tiveram acesso à educação e mesmo assim estão usando crack”, descreve.
Para Marco Aurélio, outro erro é associar o crack a uma série de mazelas, como a vida na rua e a gravidez na adolescência. “Esses fatores são causa do uso do crack, não consequência. Essa população marginalizada de rua cheirava cola e agora usa crack, que diminui a fome e a depressão e mantém as pessoas acordadas, e elas muitas vezes precisam ficar acordadas porque estão expostas a perigos. No Canadá, por exemplo, existem usuários eventuais de crack, como existem de cocaína no Brasil. Aqui, os usuários de crack foram associados à criminalidade”, critica.
Consistência das políticas
Tarcísio alerta sobre a necessidade de controle dos recursos públicos e padronização dos serviços de atenção aos usuários de drogas. Segundo ele, há boas políticas, mas existe também muito desperdício de recursos. O professor concluiu recentemente um projeto de supervisão de 30 consultórios de rua em municípios de todos os estados do país. “Às vezes colocam todo o recurso para comprar o veículo, aí falta recurso para contratar equipe. Por outro lado, há a desconexão entre a fonte financiadora, que é o governo federal, e a utilização do recurso. Temos uma política de consultórios de rua, mas quantos estão efetivamente funcionando? Essas boas políticas precisam de um acompanhamento melhor”, destaca. De acordo com o MS, serão criados 216 novos consultórios de rua, que juntamente com os consultórios já existentes contabilizarão 308 serviços desse tipo.
Os Caps AD também serão incrementados com a nova política do Ministério da Saúde. Serão criados 41 novos Caps AD e outros 134 serão qualificados. Para Tarcísio, esse também é um serviço fundamental, embora seja necessária uma melhor definição do seu papel na rede de atenção à saúde. “É um dispositivo extremamente importante sem a menor sombra de dúvidas, mas é preciso que funcionem dentro da filosofia pela qual foram criados, como um dispositivo da atenção básica. É impossível que funcionem descontextualizados do programa de saúde da família, por exemplo. Se o Caps não está vinculado a um território, ele vira uma unidade de saúde em si mesma e ele não foi concebido dessa maneira”, alerta. Segundo Tarcísio, novamente a questão gira em torno da estruturação da atenção básica no país, da qual o bom funcionamento dos Caps e de outros serviços depende inteiramente. “E a atenção básica no país é extremamente falha, cidades como Salvador tem 15% de cobertura da atenção básica. No Rio e São Paulo, a cobertura é de menos de 25%. E outro aspecto é que originalmente a atenção básica não inclui atenção ao uso de drogas. Se tivéssemos isso dentro da atenção básica e uma atenção básica abrangente, não precisaríamos de políticas específicas. As políticas específicas escondem esse aspecto”, lamenta.
De acordo com Tykanori, todas as estruturas previstas no novo plano de enfrentamento ao crack estarão interligadas aos outros programas e ações do MS. Ele defende a existência de políticas específicas para a organização do sistema de saúde, mas garante que, na realidade, trata-se de uma única política. “A rigor é uma única rede, mas estamos chamando as dimensões específicas da rede também de redes – rede de Saúde Mental, rede Cegonha, rede de Urgência e Emergência. Se supõe, a partir disso, que o trabalho articulado e sinérgico entre diversos órgãos dá uma maior eficácia no cuidado com as pessoas. As redes não são separadas, ao contrário, é só por uma questão de lógica organizativa é que se pode olhar a rede Cegonha separada da rede de Saúde Mental, por exemplo, mas na prática elas são interligadas. Uma mulher grávida que usa crack é parte de ambas”, diz.
A secretária nacional de Políticas Sobre Drogas, Paulina Duarte, reafirma a necessidade de uma articulação maior entre os ministérios que devem tratar a questão das drogas. “Cada Ministério tem competências regimentais específicas, que limitam seu campo de atuação. Como questões relacionadas às drogas envolvem diferentes aspectos e contextos – como saúde, assistência social, educação, direitos humanos e segurança pública – todos os ministérios envolvidos com o tema precisam estar engajados para que o programa cumpra suas metas satisfatoriamente”, disse, em entrevista realizada por e-mail.
Redução de danos
A atenção ao uso de drogas no país foi lentamente mudando de perspectiva. Francisco lembra que a truculência do período da ditadura no tratamento da questão foi abrindo caminho para a saúde pública. “Na ditadura não tínhamos abordagem democrática para nada e as drogas não seriam a única coisa que abordaríamos democraticamente, justamente o contrário. Essa legislação de droga extremamente repressiva foi parcialmente reformada pelo governo Fernando Henrique e depois mais profundamente no governo Lula. O Brasil hoje tem uma legislação mais ou menos moderna, embora com problemas. E nas décadas de 1980 e 1990 tivemos uma fortíssima influência das políticas para aids nas políticas de drogas. O que foi extremamente importante porque a aids ajudou as políticas de drogas a fazer uma interface maior com a saúde pública”, conta. O professor comenta que o programa de redução de danos na Bahia, coordenado por Tarcisio, na década de 1990, foi o primeiro que conseguiu se manter e impedir que os seus membros não fossem presos.
Marco Aurélio explica que pela perspectiva da redução de danos, a abstinência da droga é um fim e não o ponto de partida. Para o professor, esse deve ser o caminho perseguido pelas políticas sobre drogas, a partir de instrumentos que já vinham sendo utilizados, como os consultórios de rua. “Na perspectiva da redução de danos, a equipe do consultório de rua aborda a população tentando criar vínculo e estabelecer uma relação de confiança. Aborda primeiro a partir de outros problemas de saúde, cuidado de um ferimento, por exemplo, fornecendo alimentos. Ensina-se a pessoa a passar protetor labial e a não usar lata para não se queimar, distribui-se cachimbos e sugere-se que se substitua o crack por maconha, por exemplo. E, uma vez chegando ao problema da droga, se o usuário aceitar um acompanhamento, a equipe o encaminha para um Caps AD”. Tarcísio acrescenta que os programas de redução de danos conseguem avanços significativos na saúde dos usuários de drogas. “Dentro do uso de drogas, há um espectro imenso de pessoas, desde aquelas que fazem um uso compatível com outras atividades, até outras com um uso muito comprometido. Então, se uma pessoa com um uso intenso de drogas, às vezes sob grande risco, passa a ter um consumo mais protegido, ou muda para uma droga menos desfuncional do ponto de vista social, é um avanço fantástico. Se esse indivíduo dá esse passo, ele pode dar passos mais adiante, e pode, inclusive, deixar de usar drogas. Isso é diferente de se dirigir ao indivíduo exigindo abstinência, porque seguramente a maioria deles não conseguirá cumprir”, explica.
Para Tarcísio, qualquer programa sobre drogas que funcione verticalmente, na base da imposição, como uma internação compulsória, está fadado ao fracasso. “Se alguém respeita a limitação do usuário de droga e começa a construir com ele uma outra possibilidade, a chance desse indivíduo reduzir o consumo ou mesmo parar de usar a droga é muito maior do que quando se impõe. A imposição destitui o outro da capacidade de decidir sobre si mesmo. E o que nos constitui sujeitos é a capacidade de decidir minimamente sobre nossa própria vida”, ressalta.
O pesquisador lamenta que dos 250 programas de redução de danos que já existiram no Brasil, a maior parte deles, coordenados por universidades, ONGs e por alguns municípios, tenha sido desarticulada por falta de financiamento. Ele conta que o programa existente na Bahia é um dos poucos que se manteve no país e já chegou a fazer 35 mil atendimentos por ano. Tarcísio diz que o Ministério da Saúde, principal fonte financiadora dos projetos de redução de danos, começou em 2003 a transferir a responsabilidade dos programas para os estados e municípios. Na opinião dele, a decisão de transferir foi acertada, o problema estava em quem mantinha a tecnologia da redução de danos, que eram justamente as universidades, as ONGs e o governo federal, o que ocasionou a desestruturação dos programas quando eles passaram para as esferas estaduais e municipais. “Eu digo que perdemos o trem da história quando deixamos de investir maciçamente nos programas de redução de danos como vínhamos fazendo. Há publicações mostrando a economia significativa de vidas humanas e de recursos públicos que uma política de redução de danos é capaz de causar”, diz Tarcísio. No caso de Salvador, a Secretaria Municipal de Saúde financia o programa desde 2006 e, atualmente, o governo estadual da Bahia está financiando um Caps ad em um território completamente constituído, ou seja, com todos os serviços básicos. O Caps ad funciona dentro da universidade e, além de atender a população, também será um espaço de aprendizado para profissionais que trabalham com álcool e drogas.
Para Francisco Inácio, é preciso incrementar as políticas de redução de danos de forma que atendam a realidade atual. Ele aposta nas novas tecnologias como ferramentas que podem ser eficazes na prevenção. “Para essa nova geração que é ligada à internet, não dá para fazer só a prevenção tradicional de conversa um a um, claro que essa conversa também é importante, mas eu visito as comunidades e vejo que todo mundo tem celular. Porque não fazer como foi feito na época da vacinação de influenza quando enviaram um SMS dizendo que as pessoas precisavam se vacinar de acordo com a faixa etária? Provavelmente eles vão atender muito mais facilmente a uma mensagem dessas do que uma mensagem por papel”, sugere.
Embora boa parte dos programas de redução de danos tenha sido desmantelada, conforme informa Tarcísio, o coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde concorda que o conceito da redução de danos deve guiar todas as políticas de saúde no campo de álcool e drogas. “Culturalmente, o ser humano está sempre buscando interagir com substâncias que possam de alguma forma ocasionar mudanças em suas vivências. Essas tendências sempre trazem junto benefícios e malefícios. Então, não será abolida a relação do ser humano com essas substâncias. Por isso, a redução de danos é básica para lidar nesse campo. Talvez seja equivalente a um dos aforismas mais básicos da medicina – primum non nocere (em latim) -, que significa ‘antes de tudo não fazer o mal’, ou seja, antes de tudo preservar a vida e fazer com que a pessoa viva”, reforça.
Formação em álcool e drogas
“Eu sou médico, e durante meus seis anos de faculdade, não tive uma única aula que falasse sobre manejo e abuso de drogas. Como eu segui essa carreira, só fui estudar esse tema durante a residência em psiquiatria. Estou falando de médicos, mas a situação é a mesma para qualquer profissional de saúde. E o problema das drogas existe, então ele irá aparecer nas UPAS [Unidades de Pronto-Atendimento], nas emergências. Não é à toa que volta e meia morrem pessoas, inclusive artistas. E isso não ocorre apenas no Brasil”, diz Francisco Inácio. Para ele, a formação é um dos principais gargalos na atenção em álcool e drogas no país.
A Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad) reconhece que muitos cursos não têm a temática em seus currículos. Segundo a secretária Paulina Duarte, desde 2003, a Senad realiza cursos de capacitação para profissionais de diversas áreas. “Em 2011, a Secretaria promoveu 13 cursos, sendo sete a distância e seis presenciais, somando quase 88 mil profissionais capacitados. Entre eles, destaca-se o curso ‘Supera- Sistema para Detecção do Uso Abusivo e Dependência de Substâncias Psicoativas: encaminhamento, intervenção breve, reinserção social e acompanhamento’. Também em 2011, foram implantados em instituições públicas de ensino superior 49 pólos de formação permanente para capacitação presencial contínua de profissionais efetivamente atuantes nas áreas da saúde, assistência social, justiça e segurança pública, chamados Centros Regionais de Referência (CRR)”, informa
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JN 24/02/2012
SP: Crack é responsável por 2 internações compulsórias por dia
(clik na fig e veja o vídeo)
De acordo com o MP, em oito anos, foram registradas, na Grande São Paulo, mais de 5 mil internações de adultos sem o consentimento deles. Internação contra a vontade do paciente está prevista em lei de 2001.
Na Grande São Paulo, o consumo de crack é responsável por quase duas internações compulsórias por dia para tratamento de adultos. O repórter Alan Severiano mostra como isso funciona e os cuidados necessários para que o dependente da droga seja recuperado.
Alucinações, ansiedade e confusão mental são sintomas comuns aos dependentes de crack no início do tratamento. Dos 61 internados em uma clínica municipal em São Paulo, 14 foram para o local contra a vontade.
Um taxista foi levado pelos pais depois de morar um ano na rua. “Achava que ia ser preso, estava sendo preso. Mas, aos poucos, fui vendo que estava sendo libertado das drogas”, ela conta.
De acordo com um levantamento do Ministério Público, nos últimos oito anos, foram registradas, na Grande São Paulo, mais de 5 mil internações de adultos sem o consentimento deles.
A internação contra a vontade do paciente está prevista em uma lei de 2001, que fala dos direitos das pessoas com transtornos mentais. Ela pode ser pedida por parentes ou determinada pela Justiça. Nos dois casos, é obrigatório um laudo médico indicando a internação.
Quando o pedido parte da família, a clínica tem 72 horas para informar a internação ao Ministério Público, uma forma de evitar abusos. “O marido que esteja em litígio com a esposa e quer mostrar que ela está com problemas. Familiares que querem ficar livres de pacientes”, explica o promotor Mário Coimbra.
Segundo o promotor, nem sempre o poder público é avisado das internações, porque as clínicas clandestinas se multiplicam. O taxista já passou por uma delas. “Era clínica de contenção. Eu só apanhava”, ele lembra.
O juiz Marco Antonio Marques da Silva diz que é preciso fiscalizar a qualidade dos serviços de recuperação. Mesmo assim, defende a internação compulsória, quando o dependente de drogas põe em risco a vida dele ou a de outras pessoas. “Seria uma irresponsabilidade do Estado, da sociedade, deixá-lo ao léu, deixá-lo na rua, literalmente para quase que um suicídio assistido”, afirma.
Parte da memória dos seis anos em que Fabian conviveu com o crack está em anotações, feitas nas ruas. “Comecei a andar pelas vielas de esgoto e andar por debaixo das ruas mesmo, o tempo todo, como se fosse um rato. Por causa da paranoia que eu sentia, do desespero que eu achava que todo mundo estava me perseguindo”, ele lembra.
Ele foi internado 25 vezes, 5 contra a vontade, entre elas a última. “Se não tivesse ficado contra a minha vontade esses 30, 40 dias, eu não teria engatado essa primeira para ter entrado nesse tratamento de um ano e meio a que precisei me submeter. Hoje, a sensação é muito boa. Há oito anos que estou limpo, me casei e tem sido tudo cada vez melhor”, Fabian comemora.
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R7 03/02/2012
“Comi lixo e cheguei a pesar 38 kg”, diz ex-usuário de crack
Com trabalho e família, Carlos Alberto Gonzaga conta que está "limpo" desde 2009
Julia Carolina, Eduardo Enomoto
    No meio de uma concentração de usuários de drogas na região da Cracolândia, no centro de São Paulo, Carlos Alberto Gonzaga, de 56 anos, passava com sua bicicleta e observava o movimento. Ao ver a reportagem do R7, ele fez questão de parar, puxou conversa e contou sua história: havia abandonado o crack desde 2009. 
- Vivi 16 anos nas ruas, não sei quantos anos na Cracolândia, comendo comida de bicho.     Comi lixo, comi comida podre. 
    Gonzaga disse que, quando usuário, chegou a pesar 38 kg e ficou anos sem falar com a família.
- Eles não aguentavam me olhar. Mas, graças a Deus, um dia resolvi que precisava de ajuda. Deus me ajudou na hora que eu precisava.
    Hoje, Gonzaga vive com os parentes no bairro do Limão, na zona norte da capital paulista, e possui um trabalho fixo. Orgulhoso, faz questão de abrir a carteira e mostrar o crachá do emprego.
Um mês
    Nesta sexta-feira (3), completa um mês da ação da Polícia Militar na Cracolândia. De acordo com o último balanço da Operação Centro Legal, 200 pessoas foram presas e 186, internadas.

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O Estado de S. Paulo 03.06.2012
Cracolândia: 72% dos moradores de rua dizem que vida não mudou com operação
Pesquisa mostra que, passados cinco meses da investida da PM no centro, 17% acham que situação piorou e o restante vê progressos
ARTUR RODRIGUES
Boa parte dos moradores de rua da região central de São Paulo acha que de nada adiantou a operação da Polícia Militar na cracolândia. Pesquisa inédita da Secretaria Municipal de Assistência Social, obtida com exclusividade pelo Estado, revela que 72,3% deles afirmam que a intervenção policial - que completa cinco meses hoje - não mudou suas vidas. Outros 17,2% acreditam que a situação piorou - sobretudo por causa da violência dos agentes de segurança - e o restante vê progresso ou não respondeu.
A pesquisa foi feita com uma amostra de 380 pessoas, retirada do grupo de 6.675 pessoas que moram nas ruas e não são atendidos pelos albergues da Prefeitura. O estudo foi realizado de janeiro a março por pesquisadores da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Entre os moradores de rua que presenciaram a ação, 14,2% disseram ter sofrido alguma agressão policial. E 23,5% criticaram a investida da PM porque, segundo eles, a cracolândia apenas mudou de endereço.
Novo mapa. Em rondas pelo centro, o Estado confirmou que, em vez de lotarem as Ruas Helvétia e Dino Bueno, onde em dezembro censo da Prefeitura contou 743 pessoas, usuários de drogas agora se concentram na Rua dos Gusmões. Na nova geografia da cracolândia, moradores de rua e viciados não se misturam mais, como acontecia até o fim de 2011. Catadores de papelão que costumavam dormir na área agora tomada pelo crack migraram para os quarteirões perto do Elevado Costa e Silva, o Minhocão. Eles relatam que os policiais militares os confundiam com os chamados "noias".
Essa segregação é apontada como a principal consequência positiva da operação para os 10,5% dos entrevistados que aprovaram a ação. Eles destacaram também a diminuição da oferta de crack. "Como tem menos droga, fumo menos", confirmou Robson da Silva, de 29 anos.
Fora do centro, a operação continua a causar discussão. Para a defensora pública Daniela Skromov, é uma ação "apenas de limpeza, que não deu certo". O prefeito Gilberto Kassab (PSD) afirmou que "se avançou muito", mas reconhece que há muito por fazer. O Ministério Público ameaça ir à Justiça para contestar a operação, sob o argumento de que tráfico e consumo persistem na região mesmo com a PM.
Enquanto isso, o Complexo Prates - espaço de 11 mil m² construído pela Prefeitura para tratar os viciados - atende uma média de 180 pessoas por dia, 15% de sua capacidade.
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Veja 07.05.2012
A vida no abrigo da Cracolândia
Complexo Prates, no Bom Retiro, é o primeiro centro de tratamento a viciados que reúne albergue e clínica no mesmo espaço
Mauricio Xavier
Fotos Mario Rodrigues
V.A. e seu navio: cinco dias de construção e um mês sem drogas
O carroceiro Felipe Mendes passou metade de seus 45 anos preso ao crack. Natural de Jacarezinho, no Paraná, ele é usuário desde 1992 e conheceu parte do Brasil por meio de centros de tratamento: já ficou internado em Curitiba (PR), Vitória (ES), Joinville (SC) e Cuiabá (MT). Há dois anos e meio em São Paulo, era um dos frequentadores mais assíduos da Cracolândia. V.A., de 29 anos, chegou a São Paulo no fim do ano passado e instalou-se em uma pensão na Mooca, Zona Leste, enquanto procurava trabalho. Acabou seduzido pela droga e, nos últimos três meses, chegou a gastar cerca de 150 reais por dia para sustentar o vício. Nascido em Batatais, no interior do estado, Ednilton Costa de Oliveira fugiu da casa dos pais aos 14 anos e passou a viver de esmolas na Praça da Sé. Em meio ao abuso de álcool e substâncias ilícitas, tornou-se uma espécie de “líder comunitário” da região. Começou a ajudar na organização de filas para a distribuição de comida na porta de igrejas e a aconselhar outros moradores de rua a não ceder à tentação das drogas, batendo na tecla “não faça o que eu faço”. Os três estão hoje entre os 82 moradores do Complexo Prates, o centro para tratamento de dependentes inaugurado há pouco mais de um mês na rua homônima, no Bom Retiro.
Instalado em um terreno de 11.000 metros quadrados, o local representa a primeira iniciativa da prefeitura a reunir, numa mesma área, os dois serviços mais úteis a pessoas nessa situação: abrigo e atendimento médico. Para isso, duas secretarias passaram a atuar juntas. A de Assistência Social administra o centro de convivência e o alojamento, com 120 leitos. Sua capacidade ainda não foi plenamente atingida — existem 38 camas livres —, mas a procura é considerada boa. “O primeiro mês foi ótimo e o movimento deve crescer mais com a divulgação”, diz Alda Marco Antonio, vice-prefeita e secretária de Assistência Social. Já a de Saúde controla um espaço com atendimento clínico e psicológico. “Antes um usuário era recolhido na rua e medicado, mas depois sumia da nossa vista, porque o acolhimento ficava a cargo de outra área”, conta a coordenadora de Saúde Mental, Álcool e Drogas da Secretaria da Saúde, Rosangela Elias.
Além dos residentes fixos, o complexo tem atraído uma média de 130 visitantes diários em busca das atividades oferecidas das 8 às 22 horas no centro de convivência, um galpão com 3.200 metros quadrados e praticamente nenhuma parede, onde estão à disposição computadores, materiais para artes plásticas, uma biblioteca e uma quadra de esportes. Ali, o carroceiro Mendes dedica a maior parte de seu dia à confecção de esculturas de papel, geralmente cisnes. Também joga futebol e vôlei. O mendigo Oliveira prefere se ocupar com a leitura de livros de assistência social, ramo que o “interessa muito”. Já o desempregado V.A. passou uma semana construindo uma réplica de um galeão espanhol. “É inspirado no filme “Piratas do Caribe”, explica. Do lado de fora há ainda uma horta —onde os pacientes se apressam em plantar pimenta, para espantar o “mau-olhado”.
Oliveira: busca por livros de assistência social
Há um plano para a construção de outro espaço semelhante num prédio das redondezas, na Rua Helvétia, com atendimento psicológico, abrigo e uma unidade de desintoxicação. “Seria algo nos moldes do que é feito em Nova York e Londres, mas até hoje não tem prazo para sair do papel”, diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, um dos maiores especialistas do assunto no país e idealizador do projeto. Um dos serviços pioneiros na cidade, o Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), da Secretaria de Estado da Saúde, verificou um grande crescimento de atendimentos neste ano.
A horta: pimenta para combater o “mau-olhado”
O centro da Prates tem ainda muitos desafios pela frente. Uma pesquisa realizada com 268 frequentadores mostrou que 51% deles foram até lá só para passar uma parte do tempo ou buscar uma refeição. O desejo de deixar o crack foi mencionado por apenas 6% dos entrevistados. Cerca de 200 agentes da Secretaria da Saúde atuam na Cracolândia nesse trabalho de convencimento dos dependentes. Desde a ocupação policial na região, o ritmo de abordagens ficou mais intenso. De janeiro para cá, a média diária foi de 298, 50% maior que a do período anterior à operação. O que ainda não resolve o problema, pois os usuários, antes concentrados nos mesmos pontos, espalharam-se para outras áreas da cidade. “Sabemos o nome de vários e eles também reconhecem a gente”, afirma a agente Fabiana de Oliveira dos Reis.
O carroceiro Felipe Mendes, usuário há vinte anos: esculturas de cisne de papel
A aproximação entre profissionais e dependentes não é tarefa simples e envolve regras bem específicas, como a de nunca ser realizada no momento em que o viciado estiver usando a droga, dormindo ou em locais de muita aglomeração. Em um turno de doze horas, cada agente conversa, em média, com cinquenta pessoas. “Já convenci seis a procurarem o Prates no último mês”, garante Katia Cristina Rodrigues dos Santos. 
Fabiana e Katia: cada uma realiza uma média de cinquenta abordagens por dia
Terapia à base de aquarelas
Após o início da ocupação policial na Cracolândia, houve aumento de 196% na procura por atendimento
Um dos serviços mais antigos da cidade, disponibilizado há dez anos pela Secretaria de Estado da Saúde na mesma Rua Prates, o Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod) teve um aumento de 196% na procura por atendimento após o início da ocupação policial na Cracolândia, em janeiro. Em 2011, cerca de 160 usuários eram recebidos por trimestre; neste ano, o número saltou para 474. “Depois da ação, vários pacientes antigos assumiram o problema de verdade”, diz a diretora Marta Ana Jezierski. Entre eles está o usuário P.F., de 50 anos. “Interrompi o tratamento sete vezes, mas agora a polícia me expulsou da rua e preciso levar a terapia a sério”, afirma ele, que pratica pintura (foto) e participa de reuniões do grupo Alcoólicos Anônimos. O Cratod tem computadores, jogos, livros, uma quadra e, desde 1º de março, funciona 24 horas por dia, com nove leitos. Vinte pessoas já pernoitaram ali.
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iG São Paulo | 17/01/2012
Juntos, eles se livraram do crack
Conheça a história do casal que se desintoxicou junto com a filha, nascida em meio à dependência química
Fernanda Aranda, 
Foto: Carlos Eduardo de Quadros
Janaina e Gelson usaram crack por 10 anos e tiveram dois filhos em meio a dependência
Iasmim acaba de completar o segundo aniversário mas sua história com o crack começa há dez anos, quando Janaína e Gelson, seus pais, se encontram pela primeira vez em uma boca de fumo na região central de Porto Alegre (RS).
Desesperados por uma pedra – e com apenas algumas moedas no bolso – os jovens de 18 anos recém-completos nunca tinham se visto, mas resolveram juntar o escasso dinheiro que tinham para abastecer o cachimbo e "calibrar" o cérebro até o raiar do sol naquele dia de 2001.
Era o início de uma parceria que duraria uma década de pitadas frenéticas e diárias, intercaladas por episódios de violência e também por dois filhos.
Felipe, hoje com 6 anos de idade, e Iasmim – que estica os dedos indicador e médio para mostrar a idade que tem – foram concebidos, gestados e paridos em meio ao uso compulsivo da droga dos pais. Eles representam o novo calcanhar-de-Aquiles dos médicos que tratam a dependência química.
Segundo os especialistas, a epidemia do crack espalhou pelo Brasil inteiro crianças que, ainda na barriga materna, recebem via placenta todas as substâncias químicas que compõem o entorpecente, um "primo pobre” da cocaína.
“O tratamento para eles ainda é incerto e os prejuízos pouco conhecidos”, afirma o psiquiatra da Associação Brasileira do Estudo de Álcool e Drogas, Sérgio de Paula Ramos.
“Estes bebês já nascem com sinais de abstinência. Não dormem, não têm fome, são irritados, transpiram muito”, completa Fábio Barbirato – psiquiatra da Associação Brasileira de Psiquiatra, especializado em filhos de dependentes e que atua com recém-nascidos do Rio de Janeiro.
“A longo prazo, não sabemos os efeitos nestas crianças, mas é certo que o acompanhamento minucioso para amenizar os danos – com medicações e terapia – precisa ser feito por no mínimo cinco anos. Algo que hoje é utópico dentro de um contexto de uso de crack.”
Regra e exceção
O mesmo pessimismo de Barbirato ao traçar o acompanhamento ideal para as mães e filhos do crack está nas casas de parto que recebem estas crianças. Na maternidade de São Paulo Leonor Mendes de Barros – referência para gestantes de alto risco da região central (que engloba o perímetro chamado Cracolândia) – as grávidas usuárias de crack muitas vezes nem se dão conta que entram em trabalho de parto. Elas trazem ao mundo prematuros com complicações cardíacas e neurológicas sérias e, não raro, desaparecem horas depois de parir – deixando para trás seus bebês ainda na incubadora – conta a chefe da Assistência Social da unidade, Regina Dias de Barros.
Ocorrências como essa aumentaram de forma avassaladora no Leonor. Há quatro anos, um bebê nascido no hospital foi afastado da mãe devido a dependência química. Esse número subiu para 15 registros em 2008, 30 em 2009 e 43 em 2010. Somente no ano passado, foram 52 casos. A mesma realidade é atestada na maternidade do Hospital Universitário do Paraná – 7 casos em 2008 e 61 em 2010.
Iasmim, ao nascer em Porto Alegre pesando pouco menos de um quilo, irritadiça e sem força para chorar, não fugiu à regra do quadro clínico das crianças desenvolvidas em úteros dependentes químicos. Mas foi a saúde frágil da menina – "beirando a morte", nas palavras das enfermeiras – que despertou em Janaína a vontade de virar exceção. Ela, que fumou mais de dez pedras de crack algumas horas antes de chegar à maternidade, conta que não quis mais conviver com o perigo letal da droga.
"Decidi que faria tratamento e voltaria para buscar minha caçula não importasse o tempo que passasse. Peguei Iasmim no colo e procurei algum sinal de nascença nela que eu pudesse reconhecer meses e meses depois. Precisava de alguma marca para reconhecê-la”, lembra.
“O Gelson também já queria se tratar e a menina tocou o coração dele. Por conta própria, buscamos uma clínica dois dias depois do parto.”
Foram embora com aquela manchinha no joelho esquerdo de Iasmim na memória. Era o início da família Venâncio sem drogas. Não só isso: eles também viraram referência no protocolo de acolhimento dos núcleos familiares que são devastados pelo crack, atendidos na Fundação de Proteção Especial (FPE) do RS.
Camburão, não ambulância
Gelson foi bom aluno. Adorava Português e História, mas tinha desempenho ainda melhor no futebol. Gremista "roxo", aos 15 anos, ele se preparava para vestir a camisa de titular do time da cidade. Porém, as roupas de marca e as correntes de ouro que estranhamente enfeitavam seus vizinhos chamaram mais atenção do que o uniforme esportivo.
“Quis saber como meus colegas conseguiam dinheiro e descobri que eles vendiam droga. Passei a vender e a usar crack. Abandonei todos os meus sonhos. Nunca mais bati uma bola”, lembra.
No mesmo bairro, Janaína – fanática pelo Inter – acreditou que aquela pedra branca e barata poderia fazer companhia nas noites solitárias em que a mãe passava fora de casa, jogando bingo.
“Tinha 16 anos. Duas pitadas depois, estava viciada.”
Gelson e Janaína então se conheceram na boca de fumo e, na mesma noite, decidiram morar juntos. Não por amor à primeira vista, dizem, mas pela facilidade de acumular, em dupla, trocados para comprar a droga.
Embaixo da ponte, atrás do lixão, na calçada. Estes foram os endereços do casal, apesar de ambos terem casa.
“Minha família desistiu, com razão, de mim. Uma vez por semana me dava um prato de comida, passado pelas grades do portão”, lembra Gelson.
Janaína diz que “esqueceu o que era sentimento”. Tanto, que após a primeira gravidez, decidiu imediatamente entregar o menino para a mãe de Gelson.
“Com vergonha, eu digo: o crack falou mais alto do que a vontade de ser mãe.”
O repasse da tutela para outros integrantes da família – tios e avós – é o destino mais comum dos recém-nascidos de viciados em crack que chegam à FPE.
Foto: Carlos Eduardo de Quadros
A família Venâncio se recuperou e ajudou as assistentes sociais a criar uma nova estratégia de tratamento
“As gestantes, em geral, vão para a maternidade de viatura policial e não de ambulância. Não querem mais contato com os filhos e a reinserção familiar é quase sempre feita por meio de um parente próximo ou elas são encaminhadas à adoção”, conta a chefe da assistencial social da FPE, Maria do Carmo Fay.
“Há dois anos, quando a Iasmim chegou até nós, pensamos que ela, como tantas outras crianças, iria repetir o mesmo enredo. Mas, na maternidade, as enfermeiras nos contaram que a mãe tinha prometido buscar tratamento por causa da filha. Resolvemos então fazer uma abordagem diferente. Uma recuperação simultânea que, sempre que possível, gostaríamos de implantar com outras famílias.”
V de vitória
Ainda com dores do parto natural de Iasmim, Janaína foi para uma comunidade terapêutica evangélica. Os primeiros três meses foram só para se desintoxicar do crack. Gelson conseguiu vaga na unidade masculina na mesma instituição e viu o relógio andar em câmera lenta nestes mesmos 90 dias iniciais de internação.
“Sem a pedra na cabeça, descobri que amava minha mulher e queria minha família de volta. Chorava toda vez que lembrava do Felipe. Quando o garoto me encontrava na rua, eu estava sujo e maltrapilho. Ele gritava ‘papai’ e esticava os bracinhos. Eu simplesmente o ignorava porque queria fumar mais uma pedra.”
Neste primeiro trimestre de tratamento, as assistentes sociais Maria do Carmo e Isabel Cristina Dias, descobriram onde Gelson e Janaína estavam internados e criaram uma estratégia de ação: assim que os médicos liberassem, iriam levar Iasmim - que estava em um abrigo - ao encontro dos pais e tentar fazer uma recuperação simultânea da família.
“Acreditamos que a criança seria beneficiada se recebesse carinhos materno e paterno. E os pais também seriam estimulados à continuidade do tratamento se tivessem contato com a menina.”
Nove meses depois, com as devidas autorizações, Iasmim foi levada à clínica, ao encontro de Gelson e Janaína. A mancha do joelho foi prontamente reconhecida pelo casal.
Os dois ficaram mais um tempo internados. No entanto, semanalmente recebiam a visita de Iasmim, que no colo das assistentes sociais, deixava o abrigo provisório para “cuidar dos pais”. De imediato, a menina não reconhecia a mãe e não queria ficar em seu colo. "Mas a Janaína teve uma postura exemplar. Olhava para a criança, insistia nos chamegos, trocava a fralda, dava banho. No terceiro encontro, Iasmim já sorria quando olhava para a mãe", conta Isabel.
Foto: Carlos Eduardo de Quadros
Depois de um ano e meio de tratamento, a família Venâncio está completa e sem o crack
Após um ano e dois meses internados, Gelson e Janaína tiveram alta e conseguiram alugar uma casa de dois cômodos em São Leopoldo, região metropolitana de Porto Alegre, graças ao bico de “faz tudo” que os pastores ajudaram ele a conseguir. "A religião nos salvou. Hoje sou voluntário e ajudo outros dependentes químicos no projeto Café Convívio da Igreja", diz Gelson.
Com supervisão judicial, Iasmim foi voltando para os pais, em visitas monitoradas pelas assistentes Isabel e Maria do Carmo. Há quatro meses, a pequena foi autorizada a morar em definitivo com eles. Mensalmente, a família toda passa pelo médico e até com psicólogos. "Foi um modelo que deu certo, mas nem sempre é possível colocá-lo em prática. Mas a ideia é: sempre que recebermos uma criança no abrigo que os pais tiverem em recuperação, promover estes encontros supervisionados", diz Maria Do Carmo que, mensalmente na FPE, recebe entre 10 e 12 "filhos do crack".
Felipe também deixou a casa da avó paterna e, feliz da vida, mostra seu quarto montado pelo pai. Aprendeu a torcer para o Grêmio e, quem sabe, um dia será jogador de futebol "ou lixeiro, talvez bombeiro", pontua o menino.
Foi Janaína quem ensinou Iasmim a indicar com os dedos a própria idade. Tudo para fazer bonito na festa do segundo aniversário.
“Além do número dois, também pode ser o V de vitória, né? A minha, do Gelson, do Felipe e da Iasmim, a nova família Venâncio”, comemora ela, aos 29 anos, e livre do crack.
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Maioria dos usuários da Cracolândia se submeteriam a tratamento
Pesquisa Uniad / Unifesp
Pesquisadores entrevistaram 170 usuários em dezembro de 2011 para traçar o perfil do usuário de crack. 34% defende a internação involuntária em determinadas ocasiões
Pesquisa realizada pela Uniad/Unifesp (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo) procurou compor um perfil do usuário de crack e ouviu 170 dependentes da região em dezembro de 2011.
Apesar do retrato desolador, 47% dos entrevistados se submeteriam a um tratamento e 62,3% expressaram o desejo de parar de usar drogas. Uma parte menor (18,8%) afirmou que gostaria de se submeter a um tratamento que permitisse apenas diminuir o consumo, sendo que uma parte similar (18,9%) não deseja interromper ou diminuir o consumo da droga.
Segundo a pesquisa, 51% dos usuários acreditam conseguir parar sem internação, enquanto 46% acham que só com tratamento é possível interromper o uso da droga. Segundo o relatório, 34% dos entrevistados aceitam que o tratamento da dependência do crack envolva, ocasionalmente, uma internação involuntária.
A maioria dos usuários (61%) já se submeteu a tratamento alguma vez na vida. Entre as organizações que ofereceram tratamento estão Igreja (53%), ONGs (22%), projetos sociais (10%), família ou amigos (5%), casas de recuperação (2%) e não informaram quem ofereceu (8%).
“Esse dado é muito relevante, pois aponta que existe uma vontade do usuário de interromper o uso”, explica o psiquiatra Marcelo Ribeiro que, ao lado de Ronaldo Laranjeira e Lígia Duailibi, coordenou a pesquisa.
Entre os 170 usuários ouvidos pela equipe da Uniad/Unifesp, 102 são homens e 68 mulheres, sendo que entre elas 10% são gestantes.
Em relação aos recursos para obter drogas, 59% afirmam ter dinheiro próprio para a compra do produto, 13% reconhecem apelar ao roubo, outros 13% recorrem à troca de objetos pessoais, 12% obtêm os recursos de esmolas, 9% de furtos, outros 9% de dinheiro obtido de venda de objetos de família, 11% trocam droga por sexo e 13% prestam serviços ao traficante.
Quase um terço dos que responderam à pesquisa afirmaram ter sofrido algum tipo de violência da Cracolândia em dezembro. Seis mulheres afirmaram ter sido vítimas de abusos sexuais na região, provocados por outros usuários. Mais da metade dos usuários ouvidos presenciaram mortes na Cracolândia
Mais da metade dos usuários (54%) já foram detidos ou presos. Entre eles, 46% informaram que o motivo da detenção eram relacionados ao consumo de crack.   
Tratamento
Marcelo Ribeiro e Ronaldo Laranjeira são autores do primeiro tratado escrito no Brasil sobre usuários de crack, lançado pela editora Artmedia: “O Tratamento do Usuário do Crack” (Artmed).
A obra reúne os estudos mais recentes sobre o tema, abordado sob três frentes: 1) os subsídios teóricos para o tratamento da dependência do crack, com epidemiologia; a história natural do consumo e sua relação com a violência; e a neurociência aplicada ao tratamento do consumo de crack. 2) Os componentes do tratamento da dependência da droga, incluindo planejamento, avaliação, técnicas e manejo, reabilitação, ambientes ideal, avaliação e conduta em situações específicas. 3) As políticas públicas relacionadas ao consumo do crack, incluindo políticas de prevenção, tratamento, reabilitação e reinserção social.
Entre os pontos polêmicos abordados, “O Tratamento do Usuário de Crack” fala sobre o uso do esporte como apoio ao tratamento, considerado por alguns um modo de trocar um vício “ruim” por outro “positivo”. Os bons resultados obtidos ao se adotar a abordagem espiritual em conjunto com o tratamento clínico e psicológico também são abordados. Além disso, os autores fazem uma proposta que vai contra o que se acreditava antes: combater, também, o tabagismo, como forma reforçar e consolidar o sucesso de um tratamento que não objetiva a simples abstinência, mas propõe um percurso de reintegração do indivíduo na sociedade.
O livro termina com um capítulo sobre as políticas públicas para a prevenção, pauta importante, inclusive se pensarmos nas polêmicas sobre as recentes propostas de combate ao consumo no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde foram levantadas as possibilidades de internação compulsória dos usuários ou a proposta de devolver os usuários para os seus estados de origem. O livro traz propostas e modelos de atenção descritos de forma pragmática, por meio de protocolos e recomendações úteis para os interessados na organização de serviços de atendimento e para os encarregados de implementar redes de atendimento e políticas de saúde mais amplas.

Sobre os organizadores
Marcelo Ribeiro é psiquiatra, Doutor em Ciência pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Membro do Instituto Nacional de Políticas Públicas do Álcool e Drogas (INPAD/UNIFESP), além de Diretor de Ensino da Unidade de Pesquisas em Álcool e Drogas (UNIAD) da UNIFESP.
Ronaldo Laranjeira é PhD em Psiquiatria pela Universidade de Londres, Professor Titular do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (UNIAD) da UNIFESP e Investigador Principal do Instituto Nacional de Políticas do Álcool e Drogas (INPAD) do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq).

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Folha de S.Paulo 15/01/2012
Viciados da Cracolância são os excluídos dos excluídos
Pesquisa Datafolha revela quem são e como vivem os usuários de crack
Maioria apresenta dados socioeconômicos abaixo dos da média da população paulistana; 77% deles vivem na rua
VAGUINALDO MARINHEIRO
O viciado em crack tem uma vida desestruturada porque consome a droga ou consome a droga porque tem uma vida desestruturada?
A resposta pode variar de pessoa para pessoa, mas uma pesquisa Datafolha feita com frequentadores da cracolândia, no centro de São Paulo, não deixa dúvidas: a grande maioria apresenta dados socioeconômicos bem abaixo dos da média da população.
Podem ser chamados de os excluídos entre os excluídos.
Na questão do emprego, 27% não têm trabalho e nem procura um. Na população em geral, a taxa é de 3%.
Quem diz trabalhar faz bico (45% contra 17% na média em São Paulo): recolhe material na rua para revender, guarda carros ou é prostituta.
Os craqueiros da rua têm menor escolaridade: 64% concluíram no máximo o ensino fundamental e apenas 6% têm nível superior.
A média entre moradores de São Paulo é diferente: 17% concluíram uma graduação.
“Aquela imagem do engenheiro que perdeu tudo e foi morar na cracolândia é a raridade da raridade. A droga é efeito, não causa da exclusão. A pessoa já vive excluída socialmente, e sua miserabilidade faz a droga florescer. Há uma grande diferença entre o usuário ocasional e o dependente. Para o segundo, a droga, seja álcool, seja crack, não é recreacional, é fuga”, afirma o psiquiatra Dartiu Xavier, do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Unifesp.
É o mesmo que acredita Maria Stela Graciani, cientista social que coordena o Núcleo de Trabalhos Comunitários da PUC-SP.
Ela desenvolve trabalhos educativos na cracolândia e afirma que a grande maioria está lá por não ter opção.
“Eles não têm família ou estavam em famílias com muitos problemas”, diz.
Segundo Maria Stela, muitos são os meninos abandonados que há anos cheiravam cola nas ruas do centro.
Números do Datafolha ajudam a corroborar a tese: 77% dos frequentadores da cracolândia moram nas ruas e 20% estão nesta situação há mais de dez anos.
Não que todo viciado em crack seja indigente, como a maioria da cracolândia.
A droga chegou também às classes média e alta, afirma a psicóloga Cristina Greco, que trabalha com dependentes e familiares há 24 anos.
“Essas pessoas não estão nas ruas porque têm condições de pagar um tratamento ou famílias que as amparam. Tenho uma paciente que passou por 29 internações. Foi um processo doloroso de recaídas, mas está agora há cinco anos sem usar nada.”
Maioria diz que pretende procurar tratamento
Mais da metade já se tratou, sem sucesso
O viciado da cracolândia paulistana é em sua maioria homem (84%), tem entre 16 e 34 anos (63%), mora sozinho (71%), nasceu no Estado de São Paulo (61%, sendo 36% na capital), é solteiro (62%), mas tem filhos (70%).
O percentual de mães é ainda maior: 90% das mulheres entrevistadas pelo Datafolha.
Uma das explicações pode ser a prostituição, e a falta do uso de preservativos, que é muito comum entre elas.
Um número é alentador: a maioria (69%) afirma que pretende procurar tratamento para se livrar da droga. Outro, frustrante: 54% já se trataram, sem sucesso.
Segundo médicos, a recaída é muito comum e ocorre por vários motivos.
Um deles é que os tratamentos médicos só conseguem ter algum resultado quando já passou a fase da “lua de mel” do viciado com a droga, quando ela deixa de dar prazer e provoca mais sofrimento e fissura que a sensação de plenitude, afirma o psiquiatra Dartiu Xavier, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Outro questão é a existência dos chamados transtornos psíquicos associados: cerca de 70% dos viciados apresentam também depressão, ansiedade ou pânico.
Isso os afasta dos tratamentos.
Para a psicóloga Cristina Greco, os dependentes têm em comum o que chama de “os 3 Ds”. Desistem de tudo com muita facilidade; são altamente destrutivos e descontínuos -não conseguem construir suas próprias histórias.
Alto Consumo
Segundo os dados da Datafolha, 63% dos entrevistados na cracolândia dizem já usar o crack há mais de cinco anos. Para 5%, o vício teve início há mais de 20.
No total, 52% começaram a fumar antes dos 20 anos; 6% com menos de 10 anos.
O consumo é alto: 48% dizem fumar mais de cinco pedras de crack por dia.
É que a droga dá efeito rápido, mas efêmero, o que faz o usuário querer logo outra; 38% dizem gastar mais de R$ 60 por dia com o vício.
Também utilizam outras drogas (65% do total dos entrevistados pelo Datafolha).
Entre as ilícitas, a mais comum é a maconha (43%), seguida da cocaína (30%).
A bebida também entra no coquetel: a maioria dos que a consomem dizem fazer isso diariamente.
Segundo Cristina Greco, é raro o usuário de crack não ter passado por outras drogas.

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G1 07/12/2011
Programa de combate ao crack prevê internação involuntária de usuários
Segundo ministro da Saúde, internação será decidida por equipe médica.
Ações de combate ao crack terão investimento de R$ 4 bilhões.
Nathalia Passarinho
O programa do governo federal contra o crack, lançando nesta quarta-feira (7) pela presidente Dilma Rousseff, prevê a internação involuntária de usuários. Segundo o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, serão criados 308 “Consultórios de Rua”, com médicos, psicólogos e enfermeiros, que farão busca ativa de dependentes e avaliarão se a internação pode ser voluntária (com o aval do usuário) ou involuntária (contra a vontade do paciente).
De acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria, no país há três tipos de internação: a voluntária, com consentimento do paciente; a involuntária, no caso de menores de idade ou pacientes em crise; e a compulsória, quando a Justiça determina a internação. No caso de internação involuntária, o hospital deve comunicar o Ministério Público estadual em até 72 horas.
Padilha explicou que a Organização Mundial da Saúde e o Estatuto da Criança e do Adolescente já prevêem a internação involuntária. “A própria lei autoriza esse tipo de internação por medida de proteção à vida. Os Consultórios de Rua farão uma avaliação sobre o risco à vida da liberação do dependente químico”, afirmou.
Atualmente a internação involuntária é realizada, mas não como política pública de combate às drogas, disse o ministro. De acordo com o ministro da Saúde, 20% das mortes de usuários de crack são em decorrência de “situações de violência.”
(observação: inicialmente, esta reportagem utilizou o termo internação compulsória como sinônimo de internação involuntária. A informação foi corrigida)
O programa
O conjunto de ações integradas para o combate ao crack anunciadas por Dilma terá orçamento de R$ 4 bilhões do governo federal. Com o lema “Crack, é possível vencer”, o programa possui três eixos: cuidado, autoridade e prevenção.
O primeiro é voltado ao tratamento dos usuários, com a ampliação e qualificação da rede de atenção e criação de uma rede de atendimento especializada chamada “Conte com a gente”.
O programa prevê enfermarias especializadas em dependência química no Sistema Único de Saúde (SUS), com investimento de R$ 670,6 milhões. A previsão é de que sejam criados 2.462 leitos destinados ao tratamento de usuários de drogas.
“As pessoas usam tráfico às vezes para evitar a exclusão ou como forma de inclusão, para trabalhar mais, como na zona rural. Por isso, temos que ter atendimentos diferentes, individualizados. É preciso reconstruir um projeto de vida e um sentido da vida para essas pessoas”, disse o ministro da Saúde, Alexandre Padilha.
O governo federal fará parcerias com entidades privadas voltadas à recuperação de dependentes químicos. As entidades que serão beneficiadas com financiamento público serão escolhidas através de seleção pública de projetos.
Em meio a uma série de denúncias de irregularidades em convênios com Organizações Não Governamentais (ONGs), principalmente nos Ministérios do Esporte e do Trabalho, Padilha enfatizou que o governo vai, segundo ele, “separar o joio do trigo” na seleção das entidades.
Atendimento no SUS
O ministro Alexandre Padilha afirmou ainda que, entre 2003 e 2011, passou de 25 mil para 250 mil a média mensal de atendimentos do Sistema Único de Saúde (SUS) a usuários de álcool e drogas em todo país.
O número de atendimento dos Centros de Atenção Psicossociais (Caps), segundo assessoria do ministério da Saúde, passou de 25 mil - média mensal de atendimentos no ano - em 2003 para 250 mil atendimentos mensais em 2011, considerando dados até outubro deste ano.
Para o ministro, o país vive uma epidemia de crack, o qual classificou como “ferida social”. “Temos que reconhecer que estamos sim tecnicamente diante de uma epidemia de crack em nosso país”.
Capacitação
Como parte do programa lançado por Dilma, o Ministério da Saúde vai habilitar para o atendimento específico a usuários de drogas 350 auxiliares de enfermagem, 11 mil profissionais de saúde, 100 mil alunos de graduação na área de saúde, 15 mil gestores e profissionais das Comunidades Terapêuticas.
As vagas de residência em psiquiatria nos hospitais públicos aumentarão em 82% e serão criadas 304 novas vagas especificamente para residência multifuncional em saúde mental. Além disso, serão habilitados 1.650 profissionais para atuarem como teleconsultores.
Autoridade
No eixo “autoridade”, o objetivo é intensificar as ações de inteligência e investigação para identificar e prender traficantes de drogas, assim como desarticular organizações criminosas que atuam no comércio de substâncias ilícitas.
Para isso, o programa prevê maior integração das ações de inteligência da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e polícias estaduais. De acordo com o Palácio do Planalto, será realizado policiamento ostensivo nos pontos de uso de drogas em cidades de todo o país, além de projetos de revitalização desses locais.
"Não se combate o crime organizado sem ações de inteligência, estaremos integrando informações para que possamos desenvolver nossas atividades", afirmou o ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, também presente no evento.
Segundo Cardozo, primeiro será feito um serviço de levantamento de dados para definir número de usuários e o funcionamento do consumo em locais de concentração do comércio de crack. A partir disso, agentes de saúde e policiais atuarão no local para orientar os usuários. Em seguida, haverá ocupação dos locais de consumo por policiais capacitados.
“Haverá policiamento ostensivo no local. Os policiais serão capacitados e treinados para enfrentar situações", disse Cardozo. O ministro afirmou ainda que serão ampliadas as operações em conjunto dos Ministérios da Saúde e Defesa para o combate ao crime organizado e tráfico de drogas nas fronteiras do Brasil com países vizinhos.
Prevenção
No eixo “prevenção”, o programa prevê ações que visam levar informações a escolas e comunidades com a finalidade de evitar o surgimento de novos usuários. A previsão do governo é capacitar, em quatro anos, 210 mil educadores através do Programa de Prevenção do Uso de Drogas na Escola, e 3,3 mil policiais militares do Programa Educacional de Resistência às Drogas.
O objetivo é que os profissionais e policiais atuem na prevenção do uso de drogas em 42 mil escolas públicas. Serão beneficiados 2,8 milhões de alunos por ano.
Outra ação do governo é facilitar o acesso por telefone a informações sobre drogas. O atendimento telefônico VivaVoz, que auxilia e orienta usuários e familiares de dependentes, passará de 0800 para o número de três dígitos 132.
Psiquiatria
O Ministério da Saúde também planeja aumentar em 82% até 2014 o número de vagas ofertadas para a residência médica em psiquiatria. A medida tem como objetivo garantir a ampliação do atendimento aos dependentes químicos.
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rev Época 18/11/2011
"Tchau, drogado, volta amanhã"
Até a presidente Dilma parece insatisfeita com o atendimento pífio que o Brasil dá aos dependentes de álcool e drogas. Por que insistir no fracasso?
CRISTIANE SEGATTO
cristianes@edglobo.com.br
Afirmar isso ou aquilo sobre o comportamento e a personalidade da presidente Dilma é arriscado. Até os iniciados no mundo da política (o que não é, absolutamente, o meu caso) sofrem para detectar quais são os traços autênticos de Dilma. Dizem que ela é austera. Dizem que tem pavio curto. Dizem que não economiza nas broncas.
Uma amostra das descomposturas que a presidente estaria passando nos ministros e nos colaboradores foi relatada pela jornalista Vera Magalhães na interessante reportagem publicada no domingo (13/11) pelo jornal Folha de S. Paulo. O que mais chamou minha atenção foi o seguinte trecho:
“A presidente comandava uma reunião com representantes de vários ministérios para discutir o lançamento de uma política de saúde para pessoas com deficiências. Quando um funcionário do Ministério da Saúde sugeriu uma sigla para identificar a nova política, Dilma cortou:
-- O quê? Você está me sugerindo mais uma sigla? Você sabe quantas siglas tem no Ministério da Saúde? – e se pôs a enumerar várias delas. Ao citar os CAPs-AD (Centros de Atenção Psicossocial Antidrogas), voltou-se para um ministro ao seu lado:
-- Você sabia que os CAPs-AD fecham às 18h? Você chega para o drogado e fala: “Drogado, são 18h. Tchau, drogado, volta amanhã!”
Finalmente alguém no governo federal parece ter percebido o absurdo que é a estrutura de atendimento aos dependentes de álcool e drogas no Brasil. Eles e suas famílias não são os únicos afetados. Toda a sociedade sofre. A política de saúde mental do Ministério da Saúde tem sérios problemas. O principal é estar baseada muito mais em ideologia e preconceito do que em medicina.
Se quem percebeu que o serviço está mal feito foi justamente quem manda na casa, a notícia é ótima. Pode ser um sinal de que as coisas finalmente podem começar a mudar. Para melhor.
Quem tem na família um dependente químico (de drogas ou álcool) ou um doente com depressão, transtorno bipolar, esquizofrenia, transtorno obsessivo-compulsivo e outros problemas psiquiátricos sabe que essa estrutura de atendimento baseada nos CAPS não dá conta do problema. Por mais bem intencionados que os defensores desse modelo sejam.
A história é antiga. No final dos anos 80 ganhou força no Brasil um movimento chamado de luta antimanicomial ou de reforma psiquiátrica. Pregava a extinção dos manicômios, nos quais os pacientes eram abandonados, maltratados e submetidos a situações degradantes.
Ninguém pretende que esses horríveis depósitos de gente renasçam no Brasil. Mas é preciso reconhecer que dependentes de álcool e drogas e doentes psiquiátricos em estado grave podem precisar de internação. Os doentes (independentemente de sua condição social) merecem uma internação em hospital adequado, com atendimento psiquiátrico eficaz e a dignidade que todo sofredor merece.
As famílias dos pacientes enfrentam hoje uma enorme dificuldade para internar quem precisa. O poeta Ferreira Gullar, que teve dois filhos esquizofrênicos, denunciou a situação numa reportagem que foi capa de ÉPOCA (veja aqui no blog a seguir).
Desde 1989, cerca de 70% dos leitos psiquiátricos do país foram fechados. O Ministério da Saúde investiu nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Nesses locais, o paciente recebe medicação e acompanhamento semanal. A ideia é atendê-lo sem retirá-lo do convívio da família e da comunidade. Quando a situação do paciente complica, no entanto, os familiares não conseguem vaga num leito psiquiátrico em hospitais comuns.
Vários municípios discutem a internação compulsória de dependentes de crack, uma polêmica muito bem retratada pelos colegas Mariana Sanches, Matheus Paggi e Eduardo Zanelato nesta outra reportagem de capa (ver aqui no blog em "crack"). A pergunta que não quer calar é “internar onde?” 
Em meio a uma verdadeira epidemia de crack, o Brasil dispõe de apenas 268 centros de atendimento de casos de álcool e drogas (CAPS-Ad). Eles funcionam apenas até as 18 horas. Só de segunda a sexta-feira.
O país inteiro tem apenas três (!!!) centros 24 horas, segundo o Ministério da Saúde. Um em Petrópolis (RJ) e dois em São Bernardo do Campo (SP). Pelo sistema de atendimento vigente no Brasil é preciso surtar em horário comercial. Não sei se a bronca de Dilma foi dirigida à pessoa certa, mas foi merecida.
O mais estranho nessa história toda é que o Ministério da Saúde parece não estar interessado em ouvir os psiquiatras. Procurei vários deles, a maioria especialista no tratamento de dependentes de álcool e drogas, para saber como receberam o comentário da presidente.
“A Dilma é muito inteligente. Se o problema chega até a presidente, ela consegue dar resolução”, afirma Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria. “O problema é que ela está muito mal assessorada na área de saúde mental. Nos colocamos à disposição do Ministério da Saúde para ajudar a repensar o sistema e não fomos ouvidos”, diz.
CAPS são úteis, mas não podem ser o único recurso disponível. Sozinhos, esses centros não têm competência para prestar assistência adequada aos doentes. Fechar leitos psiquiátricos e abrir mais CAPS não resolve o problema. Sem nenhum demérito às equipes multiprofissionais que trabalham neles, esses centros deveriam ser recursos complementares. Por que o governo insiste no erro?
“Por um infantil viés ideológico, quem defende o modelo atual acredita que as dependências químicas são uma construção social e os dependentes são vítimas da injustiça social”, diz Marco Antonio Bessa, presidente da Sociedade Paranaense de Psiquiatra.
Na prática, a atual orientação da política de saúde mental brasileira sataniza a psiquiatria. Parte do pressuposto de que todos os psiquiatras estão mancomunados com a indústria farmacêutica e nega os avanços que essa área da medicina trouxe para a compreensão e tratamento de tantos males e aflições.
É claro que existem maus profissionais na psiquiatra -- como em qualquer outra área do conhecimento e do mercado de trabalho. É claro que a indústria tem interesses comerciais e seduz os médicos, a imprensa e o público. É claro que há exagero no diagnóstico e na medicação de “doenças” que, muitas vezes, são apenas a expressão de comportamentos fora do padrão esperado pela sociedade. Tudo isso existe e é grave.
O problema é o radicalismo. Negar os benefícios que a psiquiatria trouxe nas últimas décadas é tão grave quanto medicar e internar quem não precisa.
Diante da crise aberta pela dependência de drogas, o governo e a sociedade precisam ouvir os psiquiatras – mesmo que seja para discordar deles.
“Às vezes fico pensando que em breve as internações em UTIs, os choques para ressuscitação e as radioterapias também serão vistos como ações arbitrárias e violentas dos médicos – esses lacaios do biopoder a serviço da opressão e da exploração da humanidade”, diz Bessa.
O professor Ronaldo Laranjeira, da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), acha que a presidente precisa se informar melhor. “Se ela soubesse da missa a metade, ficaria ainda mais preocupada”, diz. “Até hoje o Ministério da Saúde não tem uma política assistencial em relação ao tratamento do crack. Nem mesmo para o alcoolismo existe um mínimo de padronização do que se deveria fazer”.
Segundo Laranjeira, os CAPS-Ad são caros e ineficientes. Cada centro custa, em média, R$ 200 mil. “Nunca conheci um CAPS que faça mais de mil atendimentos por mês. Portanto, cada consulta custa ao redor de R$ 200. A adesão ao tratamento é muito baixa e a eficácia do tratamento é absurda”, afirma.
Não se tem notícia de que algum dia o Ministério da Saúde tenha realizado uma avaliação de custo-benefício nesses locais. “Se fizesse, 90% deles teriam de ser fechados”.
Há quem acredite que na gestão Dilma a política vigente sobre drogas finalmente começa a ser questionada. Essa é a opinião de Analice Gigliotti, vice-presidente da Associação Psiquiátrica do Estado do Rio de Janeiro. “O comentário da presidente é absolutamente pertinente. Um dependente de drogas não escolhe a hora de querer se tratar. Não escolhe a hora de precisar de tratamento. Se pudesse escolher, não seria um dependente de drogas”.
Em vez de promover a abstinência de drogas, o objetivo dos CAPS-Ad é reduzir o consumo. É a ideia da redução de danos. “Isso é inadequado porque são muito poucos os dependentes que conseguem reduzir o uso. Eles voltam a usar drogas na mesma quantidade que usavam antes. Basta ver o que acontece com os fumantes que tentam reduzir a quantidade de cigarros. Não funciona”, diz Analice.
Durante três dias, tentei entrevistar um representante do Ministério da Saúde. Ninguém me atendeu. O governo sabe que a coisa vai mal. É bom saber que a presidenta também tomou consciência disso. Talvez esse seja o momento de reformar o que precisa ser reformado. Estou convencida de que não é a psiquiatria.
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IG 16.12.2011
Sobreviventes do crack
Elas contam como é enfrentar a droga devastadora para o sexo feminino
Fernanda Aranda
Maria Eugenia agora é Mel e saboreia a maternidade
Uma pedra que escraviza, destrói a vaidade e leva embora até mesmo o instinto materno tem cruzado a vida das mulheres brasileiras.
O crack, droga que saiu da marginalidade das ruas paulistanas e bateu à porta da classe média de todo Brasil, consegue ser ainda mais devastador no sexo feminino. Quem atesta são as raras sobreviventes da combustão do cachimbo. O Delas foi ouvi-las e encontrou jovens, ainda com sonhos de meninas, que diariamente brigam com a sedução do vício.
“Foi o meu primeiro amor”, confirma Maria Eugênia Lara, 31 anos, usuária por 16, mãe de três filhos, todos gerados na “fissura”.
A pedra foi a primeira mas, com muito esforço e tratamento, não foi a última paixão da vida de Maria Eugênia. Neste domingo, dia 18, ela completa “um ano limpa”, sem dar uma única pitada no crack. O hábito já foi tão enraizado em sua rotina que intercalava o café da manhã, almoço, jantar, banho, sono. Ela não estudou, não trabalhou, não sonhou. Pariu, é fato. Mas só agora consegue sentir de forma plena o amor de mãe.
“O vazio que a droga deixou dentro de mim nunca será preenchido. Mas é uma felicidade imensa ter todas as outras áreas do meu coração agora ocupadas pelo amor próprio, pelo amor da minha família, dos meus filhos e pela vontade de ter uma carreira”, conta ela que, não faz muito tempo, ouviu o caçula dos três a chamar de mãe pela primeira vez.
Ela o rejeitou durante meses. Dizia querer entregar o mais novo para alguma vizinha, por encará-lo como “a representação da destruição do crack”. O menino nasceu quando Maria Eugênia estava no fundo do poço. “Chorei por horas quando ele me olhou limpa e me reconheceu como mãe”.
Ao mesmo tempo em que descobre a maternidade (as crianças têm 8, 3 e 1 ano), ela aprende o que é ser filha. Dos 14 aos 30, Maria Eugênia foi um borrão confuso para a família Lara. Era a razão da insônia e a prova da impotência dos seus pais, vivenciadas nos dias que ela deixava o conforto da casa de classe média para fumar ao relento, na rua.
Metamorfose rara
Neste último ano de resgate da lucidez, Maria Eugênia viu as feridas que cobriam a boca – sequela das inúmeras tragadas, violentas e diárias – darem lugar a vontade de passar batom novamente. No aniversário de 365 dias de sobriedade completados este domingo, ela renasce chamada de Mel (letras iniciais de seu nome e sobrenome), uma tática para celebrar a nova vida.
Apesar de feliz, ela sabe que é exceção. A maioria das Marias Eugênias brasileiras não consegue a metamorfose para Mel, já atestou pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O estudo tentou acompanhar 131 usuários de crack, 12 anos após a passagem por um hospital nos anos 90. No total, 67% deles não venceram: 17% continuavam dependentes, 20% desapareceram, 10% estavam presos e 20% mortos (metade assassinados).
O corpo por uma pedra
Os médicos contam que desfecho da dependência do crack é mais lento na ala feminina. “As pacientes mulheres ainda chegam em menor número, mas sempre mais arrasadas fisicamente e psicologicamente do que os homens”, afirma Daniel Cordeiro, psiquiatra da única unidade pública de tratamento de dependência de drogas o Estado de São Paulo – mantida pelo governo e pela Unifesp – em São Bernardo do Campo (no ABC).
Isso porque eles, para sustentar o vício do crack, roubam, traficam, brigam. A violência contra o outro pode ser um resgate forçado da dependência, já que a cadeia e a prisão – vez ou outra – convocam a uma tentativa de recuperação. Já elas recorrem à prostituição. “O corpo por uma pedra”, propôs uma que vagava (com talvez 19 anos), de short e camiseta rasgada em uma tarde fria paulistana, ao taxista que percorria a área central da capital chamada de cracolândia. “Se não tem dinheiro então sai andando”.
Se não se prostituem propriamente, se vendem de outras formas. As dependentes topam apanhar cotidianamente de companheiros violentos, desde que as surras rendam pedra, como já contaram tantas meninas e mulheres que passaram pelo “oásis do tratamento químico” existente em São Bernardo do Campo.
O empréstimo do corpo feminino para conseguir droga as torna “merecedoras do castigo, que é a dependência”, avalia o psiquiatra Daniel Cordeiro. “As mulheres chegam à clínica em um ciclo difícil de romper. São culpadas por fumar crack e fumam para aliviar a culpa”, completa.
Epidemia nacional
No clínica de São Bernardo, mostrou levantamento divulgado semana passada, 73% das internações são por crack (homens e mulheres). Há 10 anos, a pedra não chegava a 5% dos atendimentos clínicos. Em Minas Gerais, o centro de toxicologia contabilizou escalda de mulheres dependentes da pedra. Em nove anos, o aumento foi de 76%.
O fenômeno é nacional. A droga – que é uma variação mais barata da cocaína – conquistou primeiro os moradores de rua paulistanos há 20 anos e hoje representam 39% das internações de todo País, segundo a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad). “Informações preliminares que obtivemos este ano, com base em dados dos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas, mostram que o crack, depois do álcool, é a droga que mais leva as pessoas para o tratamento”, descreve o cenário o Ministério da Saúde.
Olhos no espelho
Para se manter nas estatísticas de usuários de crack, Elaine, 21 anos destruiu os joelhos. “Troquei o emprego de vendedora para ser traficante. Corri tanto da polícia que, uma hora, não conseguia mais andar.”
Ela vendia para usar, usava para vender, dormia na rua, fugia dos pais. O que o pó não tinha feito em sete anos de uso contínuo, a pedra conseguiu em seis meses. “A cocaína não me convenceu a buscar ajuda. O crack exigiu isso de mim.”
Ela chegou à clínica da Unifesp sem identidade, 12 quilos mais magra e, a convite da psicóloga Juliana de Almeida Castro Marinho, olhou-se no espelho. Por causa do aumento de mulheres que buscam tratamento no local, a especialista criou uma oficina da beleza. “As mulheres precisam resgatar o cuidado próprio. É isso que propomos com o espelho.”
Semana passada, após 44 dias internada na clínica, Elaine já havia entendido que espelho é retrovisor do passado, reflexo de presente e projetor de futuro. O Delas acompanhou os “últimos retoques” na nova imagem – um rímel nos olhos – antes dela encontrar o abraço dos pais e encarar a vida sem crack fora do portão. O primeiro desafio pode parecer trivial, mas provocava um frio na espinha da jovem: beijar o namorado. “Ele ainda é usuário, sabe. Tenho medo de sentir o gosto da droga”, falou.
Se Elaine temia o carinho de sempre ao virar sobrevivente, o receio de Felipe, 20 anos, era esbarrar com o primeiro amor. Ele enfrentou uma década de uso de crack (sim, começou aos 10) e, por causa da pedra, nunca namorou, não sabe o que é se apaixonar por alguém.
“Tenho muita curiosidade de saber como é, e um pouco de medo também. Vou cuidar de mim primeiro, mas acho que agora consigo saber o que é namorar”, disse, ele momentos antes da alta e de correr para os braços de uma senhora de 50 e poucos que sempre o esperou. “Minha mãe sofreu comigo cada dia da minha dependência. Acho que ela está mais feliz do que eu.”
"I fell good"
Aos novatos na turma de sobreviventes do crack, Mel – antiga Maria Eugênia – diz que o caminho será longo, a lembrança da droga vai voltar com frequencia e algumas noites vão parecer eternas. Mas antes de qualquer hipótese de arrependimento ameaçar manchar a história de sobrevivência da droga, o telefone da Mel toca, com o toque que ela elegeu para ser a trilha sonora da sua nova vida. “I fell good”, dança e cantarola os versos de James Brown, vindos do telefone celular.
“Não troco o meu pior dia sóbria, pelo meu melhor dia louca”, diz, embalada pelo som. O telefonema era para avisar o horário, 17h30. Estava na hora de buscar os filhos na escola.

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Agência Brasil 9/12/2011

Internação involuntária de usuário de crack divide especialistas.
Prevista em lei desde 2001, a internação ocorre sem o consentimento do paciente e a pedido dele.
Defendida pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, para usuários de crack com risco de morte, a internação involuntária não é novidade, mas ainda divide especialistas da área de saúde. Prevista em lei desde 2001, a internação ocorre sem o consentimento do paciente e a pedido de uma terceira pessoa - um parente, por exemplo.
Conforme a legislação, a internação involuntária precisa ser autorizada por um médico e informada, dentro de 72 horas, ao Ministério Público do estado. É diferente da compulsória, que depende de determinação da Justiça – e foi adotada pela prefeitura do Rio de Janeiro para menores de idade viciados em crack. O terceiro tipo de internação é a voluntária, com desejo do próprio paciente.
Durante o lançamento nacional do plano contra o crack, Padilha explicou que as equipes dos consultórios de rua -  integradas por médico, enfermeiro e técnico de enfermagem –  serão responsáveis por avaliar se o dependente químico precisa ser internado contra a própria vontade. A proposta do governo é passar dos atuais 92 consultórios para 308 nos próximos quatro anos, com foco nas cidades com população superior a 100 mil habitantes.
O diretor regional da Associação Brasileira de Psiquiatria no Centro-Oeste, Salomão Rodrigues, avalia como correta a manifestação de Padilha a favor da internação involuntária. Segundo ele, é a  garantia de vida para quem perdeu a razão por causa do vício. “O paciente dependente de crack e comprometido precisa que alguém decida por ele. Ele está em um tratamento temporário. Não está sendo tirada a liberdade dele, mas garantido o direito à vida”, disse.
Depois do período de desintoxicação, que dura de dez a 15 dias, a maioria dos usuários de drogas passa a concordar com a internação, conta Rodrigues.
O presidente do Conselho Federal de Psicologia, Humberto Verona, teme uma banalização da internação involuntária pelos médicos. O psicólogo defende a linha de tratamento que leve o usuário a “entrar em um processo de cuidado com ele mesmo”, sem privá-lo da convivência familiar e dos amigos.
“Tenta-se convencer a sociedade que a melhor forma é a internação. Parece que o usuário de drogas perde todo o seu direito e a razão”, argumentou. “Se ele quiser sair, a gente não pode ser autoritário e dizer não. Não vamos abandonar essa pessoa e nem prendê-la”.
Apesar de prevista em lei, o professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Mauro Arjona, questiona se a internação involuntária pode ferir o direito de escolha do cidadão. “Há um princípio constitucional que diz que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. Se a pessoa não quer ser internada, ela não pode ser. É um assunto delicado”, ponderou.
Não há dados exatos sobre o número de viciados em drogas, como o crack, no país. O Ministério da Saúde estima que existam 600 mil usuários de drogas. Em 2011, a rede pública prestou 2,5 milhões de atendimentos a dependentes de drogas e álcool, dez vezes mais do que há oito anos.
O plano do governo federal prevê ainda a criação de 2.462 leitos de enfermarias nos hospitais públicos para atender a usuários com crises de abstinência ou intoxicação grave e o funcionamento 24 horas, durante os sete dias da semana, dos centros de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas (CAPSad).
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Veja 05.11.2011
Pesquisas definem perfil do usuário de crack.
Resultados de estudos encomendados pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria Nacional Antidrogas vão orientar ações para combater a droga
Natalia Cuminale
O usuário típico de crack é pobre, tem baixa escolaridade e possui entre 20 e 40 anos de idade. Ele gasta todo o dinheiro que tem para consumir a droga, não tem acesso a tratamento e não costuma abandonar o vício por problemas de saúde. Sabe-se ainda que a droga não se concentra apenas nas grandes metrópoles – ela está se espalhando por áreas em que não aparecia antes, como cidades do interior do Nordeste. É o que mostram os dados preliminares de três pesquisas diferentes em fase de conclusão, apresentados durante o Congresso de Psiquiatria, no Rio de Janeiro.
Os levantamentos foram encomendados pelo Ministério da Saúde e pela Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), como parte do Plano Integrado para Enfrentamento do Crack e outras drogas. O objetivo é orientar ações e políticas públicas de prevenção a partir da criação de um grande banco de dado com um mapeamento da situação atual droga no país e do perfil dos usuários. A princípio, a divulgação dos resultados oficiais e completos estava prevista para o início deste ano. Ainda não há previsão de divulgação.
O primeiro estudo traça um perfil do usuário de crack que busca tratamento nos Centros de Atenção Psicossociais – Álcool e Drogas (CAPS-AD). O levantamento foi realizado em seis capitais brasileiras. Dados preliminares de 182 usuários de crack de Porto Alegre mostraram que quem busca ajuda para largar a droga tem entre 20 e 40 anos, tem baixa renda e baixa escolaridade. A maioria deles teve problemas com a família e sofreu abuso ou negligência. Além disso, 42% continuam usando a droga apesar dos problemas de saúde que ocorrem em decorrência dela.
A segunda pesquisa refere-se a um levantamento nacional com cerca de 1.000 mapas que apontam onde estão localizados os usuários da droga. Parte deles consome a droga em ‘cracolândias móveis’, ou seja, mudam de ambiente por influência de confronto entre gangues ou ação pontual da polícia. Segundo Francisco Inácio Barros, autor da pesquisa realizada pela FrioCruz, os mapas vão ser utilizados para nortear as políticas públicas para as áreas mais críticas. “O estudo vai desagradar os dois extremos. Por um lado, mostramos que houve um avanço do crack em algumas regiões onde ele não estava. Por outro, não podemos afirmar que o Brasil é um conjunto de cracolândias”, diz Barros.
Descobriu-se também que o comportamento de cada um deles pode variar de acordo com a região. É o que sugere a terceira pesquisa, realizada a partir de uma parceria entre a Universidade Federal da Bahia e a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Por exemplo, os dependentes químicos do Rio de Janeiro moram na rua, não trabalham e consomem o crack em um copo de plástico. Já os usuários de crack de Salvador moram em uma casa, trabalham e misturam a droga com maconha.
No total, foram estudados 80 usuários de crack de Salvador e 80 do Rio de Janeiro. O município de Macaé também faria parte da pesquisa, mas foi excluído devido às dificuldades enfrentadas pelos pesquisadores em entrevistar os usuários de drogas.
O objetivo da pesquisa é descobrir qual o perfil do usuário, como ele chega aos serviços públicos, quais são as barreiras e o que poderia facilitar o acesso”, explica Marcelo Santos Cruz, coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas (Projad) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Além disso, a pesquisa busca saber padrões de consumo, histórico social e médico - foram colhidos exames para diagnóstico de HIV e de hepatite C. “O que podemos antecipar é que é baixíssimo o acesso dessas pessoas aos serviços disponibilizados”, diz Cruz.
Outra pesquisa será iniciada para ajudar a formar esse amplo material sobre o usuário de crack no Brasil. Segundo Marcelo Ribeiro de Araújo, da Unidade de Pesquisas em Álcool e Drogas, o objetivo é conhecer o perfil de quem frequenta os centros que recebem viciados em drogas, também conhecidos como comunidades terapêuticas. No total, 1000 pessoas participarão do estudo, que será realizado em 7 estados e no Distrito Federal. Os resultados devem ser publicados no fim de março de 2013. “Queremos fazer um perfil sócio-demográfico. Precisamos entender como é o comportamento dos usuários de crack para construirmos serviços que correspondam às necessidade deles. Assim será possível agir preventivamente”, diz Araújo.
Opinião do especialista
Ronaldo Laranjeira
Diretor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e outras Drogas (Inpad), coordenador do Unidade de Pesquisas em Álcool e Drogas(Uniad) e autor de uma das poucas pesquisas sobre o crack no Brasil
"O crack é uma epidemia. Mas a Senad e o Ministério da Saúde dizem que não é. Ou eles não sabem o que é epidemia, ou não sabem o que está acontecendo no Brasil.
A pesquisa da FioCruz só observou o surgimento das cracolândias e não buscou comparar para saber se houve um aumento no número de casos no país. Infelizmente, acredito que se gastou muito dinheiro com pesquisa e investiu-se pouco em ação. Esses estudos não serão a revolução para a política de crack no Brasil.
Minha pesquisa mostrou que um terço dos jovens morre após cinco anos de uso de crack. Eles precisam de assistência. A pesquisa pode até direcionar ações políticas. Mas o que é mais urgente?
Enquanto  isso, há uma semana, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, anunciou uma 'caravana do crack', que vai mobilizar e alertar a população sobre os perigos da droga. Medidas políticas são tomadas. Ninguém anuncia, contudo, nenhum novo investimento para aumentar a capacidade assistencial."
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G1 PR 19/07/2011
Usuários de crack relatam como é o dia a dia após a dependência da droga
Usuários moram em Foz do Iguaçu, na região Oeste do Paraná.
"A gente manipula e mente descaradamente", contou um deles.
Dependentes de crack de Foz do Iguaçu, na região Oste do Paraná, que não querem ser identificados, relatam fatos do dia-a-dia com relação ao organismo e ao convívio com a família e com a vida social após o uso da droga. Um deles afirmou que "quanto mais usa, mais quer usar".
" A gente manipula e mente descaradamente", contou um outro usuário.
De acordo com o Dr. Nelson Mendes, que trata de dependentes químicos há mais de 25 anos, o uso do crack ameaça principalmente a mente. "A droga cria uma sensação de 'euforia' e 'satisfação'. Essas substâncias que causam essas sensações criam lesões nos neurônios, que de alguma maneira é a parte mais nobre do ser humano, ou seja precisamos deles para pensar...decidir", explica o médico.
Um usuário que está em uma clínica de tratamento desabafa e diz que se arrepende de ter prejudicado principalmente a mãe. "Me arrependo de torturar minha mãe por causa do crack. Eu mandava ela pro 'inferno' e fazia coisas horríveis que um filho jamais deveria falar para uma mãe", relata.
Um menino de 12 anos foi apreendido em uma operação realizada pela Guarda Municipal na semana passada em um bairro da cidade com 35 pedras de crack. Ele surpreendeu os policias pela idade e foi encaminhado a Delegacia do Adolescente.
"Meu desafio é parar radicalmente mesmo. Porque eu quero recuperar minha família, tenho uma profissão e quero voltar para o mercado de trabalho", finalizou um dependente de 46 anos, que está em tratamento.

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iG 08/05/2010
Já gastei R$ 1.000 em um dia, diz ex-dependente
Daniel Torres
Após passar por tratamento em Belo Horizonte, Erik trabalha como voluntário na mesma instituição que o tirou do consumo do crack
Erik, durante o seminário sobre drogas em Belo Horizonte
Erik Moitinho de Almeida, nasceu há 32 anos em Itamaraju, na Bahia. A família tinha fazenda de cacau e ele diz que nunca passou por necessidades. Também afirma que sempre teve oportunidade de estudar e casou aos 22 anos. Hoje, 10 anos depois, e separado, mora em um centro de tratamento de dependentes de drogas em Belo Horizonte. Está feliz porque conseguiu escapar das estatísticas que apontam para o altíssimo índice de mortes para usuários crônicos de crack, mas lamenta pelo que passou e por tudo que perdeu, principalmente a mulher.
“Fiquei casado sete anos. Ela sabia, me ajudava a tentar sair, até que me deu a última chance. Mas a droga é mais forte que a nossa vontade de parar. Ele não aguentou”, lamenta o jovem que hoje em dia é voluntário de uma rede de clínicas em Belo Horizonte.
Erik passou por um programa de 180 dias de internação no Credeq, em Minas Gerais. Há um ano, mesmo após o fim do tratamento, ainda vive na instituição, onde trabalha de domingo a domingo no auxílio à recuperação de outros dependentes químicos.
Além da mulher, o crack levou todo o dinheiro do ex-vendedor de carros da Bahia. "Já cheguei a gastar R$ 1.000 em um dia. O crack é uma droga barata, só que quando você começa, não para mais. Só quando o dinheiro acaba”.
Veja abaixo a entrevista com Erick realizada durante o “1º Simpósio Sul-Americano de Política sobre Drogas: Crack e Cenários Urbanos”, que acontece em Belo Horizonte.
IG – Como você chegou até aqui hoje, em Belo Horizonte e em um seminário sobre crack?
Erik  - Eu sou da Bahia. Eu vim para o Credeq através de uma pessoa que se recuperou aqui e está há 10 anos sóbrio. Eu estava em busca de uma comunidade urgente. Eu precisava me internar porque estava numa situação muito precária por causa do crack. Eu tinha a intenção de me internar por 90 dias, mas o programa mínimo é para se internar por 180 dias. Mas aqui eu me entreguei ao programa. E foi quando eu me converti e conheci Deus, o que até então eu não conhecia.
IG – E o que mudou na sua vida?
Erik - Tudo. Eu acabei cumprindo os 180 dias de internação. Mas houve uma mudança tão grande na minha vida, que mesmo depois do programa eu fiquei como voluntário. Não porque eu não tenha família ou aonde ir, mas porque eu vi que tem pessoas que dão a vida para nos tratar. Isso me despertou para tentar ajudar outras pessoas também. Aí eu vesti a camisa do Credeq e trabalho aqui de domingo a domingo. Quem passa pela droga e perde a esposa, o emprego e tudo o que tem, quando sai, sente a necessidade de ajudar. Eu cheguei ao fundo do poço.
iG – Por quanto tempo você consumiu drogas?
Erik - Fique em torno de 10 anos nas drogas, mas com algumas paradas. Às vezes parava seis meses, às vezes, oito meses. Mas isso era para não acabar o meu casamento. Fiquei casado sete anos. Ela sabia do que passava, me ajudava a tentar sair, até que me deu a última chance. Mas a droga é mais forte que a nossa vontade de parar. Se a gente não pedir ajuda a gente não consegue sair.
IG – Quando foi que começou a usar drogas?
Erik - Eu já usava maconha antes de casar. Aí comecei a cheirar cocaína bem devagar. Quando eu casei, eu fui morar na região de Porto Seguro e Arraial d’Ajuda, onde é muito fácil conseguir a droga. AÍ a situação foi piorando. Quando eu decidi pedir ajuda eu já estava no fundo do poço. Quando eu não tinha mais o que fazer.
IG – Quanto você gastava com a droga?
Erik - Eu gastei tudo o que eu podia e ainda contrai dívidas. Não cheguei a roubar, mas gastei tudo. Eu já cheguei a gastar R$ 1.000 em uma noite em um dia. O crack é uma droga barata. Na Bahia, eu comprava uma pedra por R$ 10. Só que é uma droga que quando você começa, você não para mais. Só quando o dinheiro acaba. E sem dinheiro você ainda tem a cara de pau de ir falar com o traficante para te vender fiado. Aí pede dinheiro emprestado, mente, perde a vergonha. Eu nunca roubei, mas usei todos os artifícios que eu tinha para não chegar a isso.
IG – De onde vinha o dinheiro para comprar a droga?
Erik - Eu fazia de tudo para ganhar dinheiro. Todo tipo de correria. Eu vendia carro, celular, consertava celular e mais um monte de coisas. Todo o dinheiro que eu pegava era para o crack. Eu podia ter um trabalho daqui a meia hora, mas se eu já tivesse dinheiro para fumar eu ia comprar o crack. O dinheiro não esquentava no bolso. Não conseguia dormir sabendo que eu tinha mais droga e podia usar.
IG – Porque resolveu pedir ajuda para deixar a dependência?
Erik - Se eu continuasse na droga, ou morreria, ou estaria preso ou viraria mendigo. Não fui morar na rua por pouco. Porque eu tinha a minha mãe. Mas é tudo uma questão de tempo. Chegaria a hora que a minha mãe não suportaria mais e eu mudaria para a rua. Como a minha esposa não suportou e acabou o casamento. Depois eu fui para a casa da minha mãe e já pedi ajuda. Em menos de um mês eu já estava internado. É complicado porque ninguém suporta. Ter um dependente químico em casa é muito complicado. Usuário de crack, então, é mais complicado.
IG – E como reage hoje a sua família?
Erik - Minha família ficou muito feliz só de eu ter vencido os seis meses de tratamento. Porque isso já é muito difícil. Já estou há um ano e meio dentro do Credeq, mesmo tempo que eu estou sóbrio. Seis meses como interno e 1 ano como voluntário. É uma vitória.
IG – O que a pessoa mais precisa para deixar as drogas?
Erik - Força de vontade é o principal. Sem isso não adianta. Tem realmente que querer. Internar gente que não quer se tratar é jogar tempo fora. E não dá para jogar tempo fora. Temos tratar quem está querendo se curar.
IG – Qual a maior satisfação de trabalhar com a recuperação de dependentes?
Erik - A nossa felicidade é realmente ver as pessoas bem. Quando elas saem e ligam falando que estão bem ou quando voltam para nos visitar. É isso que nos fortalece para realmente acreditar no trabalho e nos dá força.
iG - Você tem alguma outra atividade atualmente?
Erik - Não. Só fico no Credeq. Me dedico somente a isso. Eu sempre fui vendedor de carros novos. Mas estou afastado porque eu perdi o emprego depois das drogas. Caiu o rendimento, chegava atrasado, faltava. Aquelas coisas que sempre acontece. Hoje eu estou aqui e me dedico à só isso.
iG - Com que dinheiro você vive?
Erik - Quando eu preciso, a minha família me ajuda, mas no Credeq eu recebo um oferta, que é uma ajuda para eu comprar alguma coisa, uma roupa, algo para a higiene pessoal. Porque eu vivo no Credeq, me alimento lá. Então só recebo essa oferta simbólica.
IG – O que você espera para a sua vida daqui para frente?
Erik - Quero realmente uma nova vida. Já tem um tempo que ela começou. Já mudei pra seguir esse novo caminho. Um caminho para ajudar outras pessoas. Eu não penso só em mim, mas penso também no próximo. E eu quero continuar com isso, porque, a partir do momento que eu saí com a ajuda de outras pessoas, eu sei que outras podem sair com a minha ajuda.
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IG 08.05.2010
Eu sei o gosto do inferno, diz ex-viciado em crack
Marcelo não se lembra como foi parar em uma clínica de recuperação. Demorou 2 semanas para recobrar a consciência e lembrar o nome
Daniel Torres
Hoje, com 34 anos, Marcelo Derussi, fala pausadamente e com clareza. Expõe ideias e opiniões de alguém que já foi viciado em droga. Atualmente trabalhando como agente de prevenção às drogas do programa Papo Legal, parceria do governo de Minas Gerais com a associação de prevenção, recuperação e reinserção de dependente químico, Terra da Sobriedade, Marcelo fala novamento sobre o tempo em que era um dependente químico: “Foram 17 anos de bagunça”.
Vindo de uma das áreas mais carentes de Belo Horizonte, Marcelo passou a infância no bairro de Santo André, na região da Pedreira Prado Lopes. “Ali foi a minha adolescência. Um dos lugares mais problemáticos da cidade”.
Antes de afundar de vez nas drogas, Marcelo cursou até o ensino médio. A retomada dos estudos só veio agora, após os anos de 'bagunça', para tentar entender um pouco melhor tudo aquilo que passou. “Depois da recuperação fiz um curso técnico em reabilitação de dependentes químicos e fui entender melhor a loucura que é essa doença. E os 17 anos de droga me credencia. Porque eu sei qual é o gosto do inferno. O crack traz o ápice da insanidade”.
Longe do consumo das drogas desde 31 de outubro de 2006, o músico e funcionário público quer deixar o passado para trás e focar o futuro. “Eu estar aqui conversando já uma coisa incrível. Só quem conheceu o fim do poço sabe que isso aqui é um milagre. Agora eu não me prejudico mais e deixo que a vida se reconstrua e faça a parte dela”.
Marcelo falou com a reportagem do iG durante o “1º Simpósio Sul-Americano de Política sobre Drogas: Crack e Cenários Urbanos”, em Belo Horizonte.
iG - Por quanto tempo você consumiu drogas?
Marcelo - Foram 17 anos de bagunça. Com todo tipo de drogas. E o caminho normalmente é sempre o mesmo. O caminho da droga tem três finais: cadeia, cemitério ou a instituição psiquiátrica. Você passa por diversos tipos de uso. O uso nocivo, o uso abusivo, e quando chega no transtorno de dependência química, a única alternativa é a abstinência.
iG - Como você conseguiu deixar o vício?
Marcelo - Eu não consegui buscar ajuda sozinho. No nível de dependência que eu cheguei, tive que ser auxiliado. No meu caso, me levaram para a Terra da Sobriedade para poder fazer o período de desintoxicação até recobrar a lucidez. Não me lembro quando e como cheguei. Sei que foi no dia 31 de outubro, meu aniversário, em 2006. E essa foi a dose final.
iG - Como foi a recuperação?
Marcelo - Só duas semanas depois fui recobrar a consciência. Só fui lembrar o meu nome dentro de uma instituição psiquiátrica, para onde fui encaminhado depois da consulta na Terra da Sobriedade. Uns 10 dias depois, após vários medicamentos, voltei para a comunidade. Fui muito bem acolhido e fiquei quase um ano morando lá. Esse foi o meu processo. No nível que fiquei não tinha condição física de procurar uma instituição. Fui levado até ela.
iG - O que a droga fez de pior para a sua saúde física e psicológica?
Marcelo - Eu sou músico, funcionário público e também tive outras profissões. O que eu posso te falar, com absoluta certeza, é que eu poderia ter tido mais, conquistado mais, ter evoluído mais como pessoa, mas a droga tirou tudo isso. Isso tudo é imensurável. Mas uma das coisas que é claramente calculável é a perda da família. Fiquei 10 anos afastados da minha família e morando sozinho. Meu lema era ‘sozinho já tinha gente demais’. O usuário de droga é assim. A droga vai virando o centro e mais nada importa. Eu poderia ter tido uma carreira. Participei de alguns festivais e ganhei alguns. Agora estou tentando retomar essa carreira.
iG - Qual foi o primeiro contato que teve com a droga?
Marcelo - Comecei na droga muito cedo. Com 12 ou 13 anos já estava experimentando alguma coisa. Isso a gente tem que alertar. O início normalmente é muito cedo e eu não sou exceção. E a porta de entrada normalmente é o álcool. Começa tomando espuminha de cerveja na festa da família. Começa no cigarro na escola com os amigos. O crack é o ápice, mas precisamos insistir na prevenção das outras drogas pra não chegar ao crack.
iG - O que é preciso para tirar os jovens das drogas?
Marcelo - É preciso só de mais apoio. A gente só precisa se unir. A dependência química é uma doença de egoísmo. A pessoa se fecha pra dentro de si e o umbigo vira o centro do universo. A recuperação é o caminho contrário. É o encontro com o próximo, a busca da solidariedade, é o bem
iG - No que ter convivido com a droga te faz mais experiente para trabalhar com dependentes?
Marcelo - É verdade aquela frase que diz que 'o que não te mata, te fortalece'. Eu não posso dizer que fico feliz quando eu olho dados que dizem que 3% dos dependentes sobrevivem a essa loucura. Isso quer dizer que grande parte dos meus amigos morreu. Isso é uma coisa que me entristece muito e me motiva a sair do lugar e auxiliar essas pessoas. Eu sei o que é virar a noite atrás de droga, o que é acordar sem querer levantar porque você sabe que aquele dia será mais um dia de uso. Sei o inferno que é tanto na vida do dependente quanto na vida de um familiar do dependente. Essas coisas, só outro dependente entende.
iG - Você tinha a consciência do mal que fazia para a sua família?
Marcelo - A gente sabe que a visão que a droga traz de tudo é distorcida. Mas o prejuízo é claro pra gente. Mesmo assim, por maior o prejuízo que o sujeito tenha, ele não para de usar. Ele sabe que a vida está indo para o buraco e ele vai entristecendo mais ainda. Eu, por exemplo, lembro que eu não queria acordar. Hoje isso me faz dar valor a cada dia e até pessoas que nunca usaram drogas precisam ter a dimensão que cada dia é especial. Na droga, eu sabia muito bem como seria o meu dia: boca, casa, boca, casa. Fora da droga tudo pode acontecer. Coisas boas e coisas ruins.
iG - O que sua experiência com as drogas pode trazer de lição?
Marcelo - Eu sei do sofrimento, eu sei como é difícil, eu sei que precisa de uma mão amiga. Eu sei também que o poder público precisa investir nessa matéria, pois investe-se muito pouco. O investimento é pequeno em comparação com o tamanho do problema. Hoje eu dou um pouquinho da minha vida porque eu fui restituído. Independentemente da religião, Deus é muito importante pra mim e inclusive importante neste processo. A espiritualidade é fundamental na recuperação.
iG - E como está o contato com a sua família?
Marcelo - Em moro com a minha mãe. Hoje posso falar que eu sou um filhinho da mamãe. E eu passei 10 anos longe dela. É uma experiência de retomada. Existem coisas que eu não vou conseguir retomar e peço a Deus todos os dias para ter paciência quanto a isso. Eu estar aqui conversando com você já uma coisa incrível. Só quem conheceu o fundo do poço, sabe que isso aqui é um milagre.
iG - E que coisas são essas que você acha que não vai mais retomar na vida?
Marcelo - As possibilidades que perdi. Acho que a fala ‘tenho saudade até do que não vivi’ é certa no meu caso. Daquilo que não aconteceu. Mas eu tento não pensar muito nisso não. Não viajo muito nessa história não. Dou muito mais valor para o tempo. Quando me drogava, como era trabalhador, eu não precisei furtar e roubar, mas isso não me diferencia daquele dependente que fica enquadrando alguém no sinal. Porque eu roubei muito de mim. Na droga é insanidade pura. Os valores não existem. Eu me roubei muito tempo, muitas possibilidades e muito dinheiro. Fui um assaltante de mim mesmo. Agora eu não me prejudico mais e deixo que a vida se reconstrua e faça a parte dela. E vem fazendo.
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Diversos
FSP 27.02.2012
Auxílio-doença a drogados já preocupa a Previdência
Afastamento por uso de drogas gerou prejuízo de R$ 107, 5 milhões em 2011
Em 2 anos, Previdência liberou mais de 350 mil benefícios; as drogas ilícitas afastam mais do que álcool e cigarro
ANDREZA MATAIS e SIMONE IGLESIAS
Problemas decorrentes do uso de drogas já bateram às portas do INSS e começam a preocupar o governo. No ano passado, a Previdência concedeu 124.947 auxílios-doença a dependentes químicos.
O afastamento pelo uso de drogas proibidas, como crack, cocaína, anfetaminas e maconha chega a ser oito vezes maior do que pelo consumo de álcool e cigarro. Os dados foram levantados pelo Ministério da Previdência a pedido da Folha.
A conta para o governo com essa despesa foi de, no mínimo, R$ 107,5 milhões em 2011. A Previdência tem dificuldades para calcular o valor exato devido à complexidade desses pagamentos.
O auxílio-doença varia de um salário mínimo a R$ 3.916. O valor médio pago aos dependentes é de R$ 861.
O número é crescente. De 2009 para cá, a Previdência concedeu mais de 350 mil auxílios a pessoas que precisaram se afastar do trabalho por uso de drogas.
"Essa conta já está chegando para a Previdência e está hoje entre os grandes desafios que temos pela frente porque tende a aumentar. São pessoas em idade produtiva consumidas pelas drogas. Ao invés de estarem contribuindo para a Previdência, as estamos perdendo", disse o ministro Garibaldi Alves.
SEM CONTROLE
O auxílio-doença é pago a pedido do segurado, mediante laudo médico. Não há exigência de que comprove o uso do dinheiro para tratamento. "Há o risco de o usuário ir receber [o dinheiro] e continuar [a usar droga], inclusive, com o dinheiro do governo. Mas como vamos fiscalizar? A Previdência não pode isoladamente fazer alguma coisa se não contar com a mobilização do governo e da sociedade", afirmou.
O uso de drogas psicoativas -como crack e cocaína- respondeu por mais de 70 mil pedidos de afastamento do trabalho nos últimos três anos de um total de 350 mil. Só em 2011, foram concedidos 27.714 benefícios especificamente por causa disso.
São Paulo é o Estado que teve o maior número de contribuintes afastados.
EXPLOSÃO
O número de atendimentos aos usuários de drogas explodiu na rede pública. Nos últimos oito anos, o SUS (Sistema Único de Saúde) registrou um aumento de 900% nesse tipo de procedimento.
Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2003, foram realizados 299.786 atendimentos a dependentes químicos no SUS. No ano passado, mais de 3 milhões.
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El País 28.02.2012
El consumo de drogas amenaza la cohesión social en algunos países
Un informe de la ONU asegura que la drogadicción es casi "endémica" en grupos que, ante la falta de oportunidades, se sienten "cada vez más ajenos a la sociedad"
La drogadicción llega a convertirse en un fenómeno “prácticamente endémico” en aquellos estratos de población que se ven “ante un futuro con escasas oportunidades y pueden sentirse cada vez más ajenos a la sociedad”, convirtiéndose en causa de violencia y de “una espiral nefasta de daño individual y colectivo”. Así se desprende del informe anual de la Junta Internacional de Fiscalización de Estupefacientes (JIFE), dependiente de la ONU, publicado hoy en Viena.
Si bien se señala que “el problema está presente en todas las regiones” del planeta, la JIFE menciona especialmente a Brasil, México, EE UU, Gran Bretaña, Irlanda del Norte y Sudáfrica, donde a veces “la capacidad de las fuerzas del orden puede parecer insuficiente para responder al nivel de delincuencia organizada”. El documento resalta los avances que se han producido gracias a "iniciativas combinadas”  en países como Colombia, El Salvador y Brasil, enfocadas a la inclusión y participación de los habitantes marginados mediante innovaciones urbanísticas, educacionales y policiales. También se destaca como experiencia “única en su género” la transformación en Cataluña de una banda delictiva de inmigrantes latinoamericanos en una organización cultural. No se citan nombres, pero se trata de los Latin Kings, convertidos en Asociación Cultural de Reyes y Reinas Latinos de Cataluña.
El informe alerta asimismo del aumento de las agresiones sexuales y la inducción a la prostitución mediante drogas suministradas a las víctimas sin su consentimiento. Señala que es un fenómeno de mayores dimensiones de lo que se suponía, aunque pocos países le prestan la atención necesaria.
Tal es el caso del psicotrópico Rohypnol o flunitrazepam -de la familia de la benzodiazepina-, un agente químico que actúa sobre el sistema nervioso central originando cambios temporales en la percepción, ánimo, estado de conciencia y comportamiento. Su comercialización ha sido prohibida en EE UU. No obstante, los delincuentes están empleando otros alternativos que no están sujetos a control internacional o al menos a una vigilancia estrecha, con lo que se adquieren más fácilmente.
En Europa, un millón de personas se sometieron a tratamientos por consumo de drogas en 2010. El 20% de los pacientes era mayor de 40 años, promedio de edad que, según el documento de la ONU, está aumentando. El cannabis, seguido de la cocaína, son los estupefacientes de mayor consumo en Europa. España e Italia siguen figurando entre los países de mayor demanda de cocaína. Asimismo, se está reduciendo el consumo de éxtasis, pero al mismo tiempo aumenta la diversificación de sustancias psicotrópicas aún no fiscalizadas en el mercado clandestino. La comisión de expertos de Naciones Unidas habla de “una cantidad sin precedentes“ al referirse a 41 nuevas sustancias. Pone como ejemplo que “en Alemania fue descubierto por primera vez en 2010 un laboratorio dedicado a la fabricación ilícita de cannabinoides sintéticos”.
El 23 de enero de 2012 se cumplió el centenario de la aprobación de la Convención Internacional del Opio, el primer tratado de fiscalización internacional de drogas. La JIFE lo considera “piedra angular” en la lucha contra estas sustancias y recuerda que, a principios del siglo XX, solo China consumía 3.000 toneladas de opiáceos, mucho más que el consumo mundial actual. Aunque empiezan a escucharse desde altas esferas políticas voces que abogan por una revisión de las estrategias prohibicionistas, la JIFE mantiene su firme rechazo a cualquier tipo de legalización de las drogas.
El informe dedica un capítulo entero a Bolivia, y rechaza ”la legislación boliviana que permite cultivar y consumir la hoja de coca para fines no médicos, en particular para la masticación de hoja de coca y para la producción de té de coca”, dado que “va más allá de lo permitido en la Convención de 1961”. El presidente de Bolivia, Evo Morales , exsindicalista cocalero, dio un paso “sin precedentes” el año pasado al denunciar dicha Convención, la cual, a su juicio, atenta contra una tradición arraigada en los pueblos andinos basándose en “un estudio ni serio ni científico”. El mandatario boliviano ha anunciado que viajará el 12 de marzo a Viena para defender una vez más el derecho al cultivo de coca.
La JIFE no solo teme que la liberalización del cultivo lleve a un aumento del comercio mundial de cocaína, sino también que este precedente inspire a otros países a revocar las convenciones vigentes y debilite la estrategia establecida a nivel mundial contra las drogas.
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Correio Braziliense - 06/03/2012
Internação compulsória e direito à vida
Antônio Geraldo da Silva
No quinto artigo, a Constituição Federal traz o direito à vida e à liberdade como garantias invioláveis do povo brasileiro. Por vezes, dois direitos tão fundamentais são confrontados. E aí surge a dúvida: entre a liberdade e a vida, com qual você fica? A capciosa dúvida, claro, não precisa ser levada ao extremo, mas o fato é que, sem vida, não há como reivindicar liberdade.
Ou seja, a liberdade possui limites. O que não tem limites e é inquestionável é o direito à vida. Nem que, para exercer esse direito em plenitude, o cidadão precise abrir mão da liberdade por algum período. O direito à vida deve ser compreendido ainda de acordo com uma visão global, incluindo na interpretação outros valores, entre os quais se destaca a dignidade humana, presente na curta relação de fundamentos da democracia brasileira.
E exatamente apoiada nos fundamentos da democracia, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado está analisando o PLS 111/10, de autoria do senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que altera o artigo 28, da Lei 11.343, a chamada Lei de Drogas, para estabelecer pena de detenção de seis meses a um ano para o usuário de drogas, bem como a possibilidade da substituição da pena privativa de liberdade por tratamento especializado.
Parlamentares já introduziram alterações ao texto original. Uma delas é a troca da prisão pela "internação compulsória". Para a senadora Ana Amélia (PP-RS), relatora do PLS, a dependência química é questão de saúde e não de segurança já que 98% dos municípios brasileiros relatam problemas decorrentes do uso de álcool e drogas.
A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) cerra fileiras com a senadora e com os parlamentares que têm o mesmo posicionamento. Para a ABP, o dependente químico não é criminoso que precise de cadeia, é doente que necessita de atenção e atendimento especializado porque já está sentenciado à prisão sem grades determinada pelo uso das drogas.
Para o dependente químico e sua família, a internação compulsória, muitas vezes, se torna a única garantia de vida ou qualidade de vida. A ABP deixa claro, no entanto, que a internação compulsória deve ser acompanhada e indicada por psiquiatra.
Os críticos à medida argumentam que a internação compulsória expõe o caráter repressivo do recolhimento, afinal, a aversão a qualquer período de internação psiquiátrica é forte ainda nos dias atuais e baseia-se, principalmente, na legislação do direito à liberdade.
Acontece que a ação humana não é absolutamente livre, já diziam os filósofos. Todo agir está condicionado a escolhas e só está em condições de fazer escolhas e agir com liberdade quem melhor compreende as alternativas que lhe são oferecidas.
Sim, o direito à liberdade é muito importante, mas não é possível ser livre se se está preso a doenças mentais ou dependência química que, em última instância, levam o cidadão a ter comportamentos obsessivos, repetitivos, compulsivos, impulsivos, disfuncionais, autolesivos, suicidas de tal modo avassalador que ele perde a capacidade de amar e de trabalhar. Está preso a um automatismo mental que ele próprio reconhece ser tirânico e do qual não consegue se libertar.
Como afirma o filósofo-psiquiatra Henri Ey, o indivíduo perde a liberdade de decidir o que é bom e mau para si mesmo, perde até a liberdade de "pecar" por conta própria, dado o determinismo biológico e psíquico doentio a que está submetido. Espero nunca ser necessário fazer uma escolha que coloque em oposição o direito à vida e o direito à liberdade, mas se, para ter vida em plenitude, precisar abdicar de algum período de liberdade em local adequado, que assim seja
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iG 28/01/2012
Overdose por drogas bate recorde no País
Em 10 anos, casos crescem 2,5 vezes. Mais notificações e misturas de múltiplos tóxicos estão por trás do aumento
Fernanda Aranda

Os casos de intoxicação por drogas bateram recorde no País. Levantamento feito pelo iG Saúde no sistema de notificação da FioCruz mostra que, em 10 anos, o aumento foi de 2,5 vezes.
Em 1999, primeiro ano de análise do Sistema de Informações Tóxico Farmacológicas (Sinitox), foram notificados por médicos e atendentes de saúde de todo o Brasil 2.654 registros de overdose. Já em 2009, último ano disponível e mapeado recentemente, o número subiu para 6.944 casos, um recorde na série histórica de acompanhamento.
Casos de overdose notificados
No ano de 2009, as notificações bateram recorde histórico
O Sinitox é abastecido pelos centros de toxicologia nacionais, acionados sempre que os especialistas têm alguma dúvida em como tratar o paciente que dá entrada em uma unidade de saúde – públicas e privadas – com suspeitas de envenenamento ou intoxicação.
A população em geral também pode fazer a consulta nestes estabelecimentos antes do primeiro atendimento médico, para saber como agir.
Por isso, ao mesmo tempo em que o crescimento de registro pode espelhar uma melhora da comunicação de atendimento por parte dos profissionais, o aumento também detecta um fenômeno já descrito pelas unidades que tratam de dependentes químicos.
Segundo os especialistas em álcool e outras drogas, é crescente o número de viciados de múltiplas substâncias. Quando procuram atendimento para desintoxicação, os pacientes relatam ser usuários, de forma simultânea, de cocaína, álcool, maconha e crack.
A mistura de entorpecentes deixa o organismo mais vulnerável à overdose, já alertou o psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo, Ronaldo Laranjeira. Outro prejuízo é que o tratamento para o coquetel de drogas viciantes também é mais complexo, já que são necessárias várias abordagens terapêuticas diferentes.
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Carta Capital 27.01.2012
Buracos para tratar usuários de drogas
Relatório do Conselho Federal de Psicologia registra desrespeito reiterado aos direitos humanos nas comunidades terapêuticas que internam usuários de drogas. É a reedição dos manicômios, mas para "tratar" dependentes, inclusive crianças e adolescentes. "Há claros indícios de violação dos direitos humanos em todos os relatos. De forma acintosa ou sutil, esta prática tem como pilar a banalização dos direitos dos internos", diz o relatório.
Maria Inês Nassif
As comunidades terapêuticas destinadas ao tratamento (por internação) de usuários de drogas, em geral, não passam pelo crivo do artigo 5° da Constituição, que enumera exaustivamente os direitos fundamentais da pessoa humana. A começar pelo direito de credo. Das 68 instituições visitadas em inspeção realizada em setembro do ano passado pelo Conselho Nacional de Psicologia, 29 de declararam evangélicas, 9 católicas, 1 espírita e 13 se declararam religiosas, sem especificar, contudo, qual a religião abraçada. No total, 35 assumiram que a religião é a base do tratamento para usuários de álcool e outras drogas. "A maioria adota a opção pelo credo, pela fé religiosa como recurso de tratamento", conclui o Conselho.
Segundo o Relatório da 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos - locais para internação dos usuários de drogas -, a violação dos direitos humanos nessas instituições é uma regra. "Há claros indícios de violação dos direitos humanos em todos os relatos. De forma acintosa ou sutil, esta prática tem como pilar a banalização dos direitos dos internos", diz o relatório. A lista é extensa: "interceptação e violação de correspondências, violência física, castigos, torturas, exposição a situações de humilhação, imposição de credo, exigência de exames clínicos, como o anti-HIV, intimidações, desrespeito à orientação sexual, revista vexatória dos familiares, violação da privacidade, entre outros, são ocorrências registradas em todos os lugares".
No caso das instituições com vínculos religiosos, existe constrangimento para que os internos participem das atividades religiosas. Existem, em regra, poucos profissionais de Saúde; nas instituições declaradamente religiosas, os internos ficam aos cuidados de religiosos, "obreiros" ou ex-usuários convertidos.
Segundo relato colhido nas instituições visitadas, há um vasto histórico de maus-tratos físicos e humilhações. "Encontra-se registrada a adoção de métodos de tortura como, por exemplo: internos enterrados até o pescoço; o castigo de beber água de vaso sanitário por haver desobedecido uma regra ou, ainda, receber refeições preparadas com alimentos estragados, além do registro de internos que apresentavam, no momento da inspeção, ferimentos e sinais de violência física?.
Um dos relatos mais impressionantes é sobre a instituição católica Comunidade Terapêutica Marta e Maria, no Rio Grande do Sul. Lá, no caso de uma interna, com filho, resolver interrromper a internação, é simplesmente suprimido o direito de guarda da mãe e a criança é dada em adoção. Outro relato contundente é sobre a técnica terapêutica da Clínica La Ravardiere: há o uso de eletrochoques em pacientes com crises de abstinência.
Aliás, o descaso com a abstinência do usuário de droga é outro problema generalizado. "A regra" é "esperar passar" ou "convocar a família para buscar socorro", diz o relatório. "Tal posição deixa os internos expostos ao risco de morte, pois a situação exige, nos casos mais graves, intervenção e cuidados rápidos".
A "laborterapia", parte do tratamento de usuários declarado por essas instituições, na interpretação do CFP, "assume caráter análogo ao trabalho escravo". "A suposta laborterapia resurge como conceito que justifica a utilização de mão de obra não remunerada, tornando mais lucrativa a atividade institucional". No entendimento do Conselho, "trabalho é direito e, como tal, deve ser respeitado. Caso contrário, é violação de direito, não tratamento".
A outra restrição do relatório ao tratamento dado pelas instituições aos usuários de drogas é a prática de afastamento de crianças e adolescentes de suas famílias, em função da internação. "Ao afastá-los de seus vínculos, a sociedade contribui para a fragilização dos laços afetivos e, consequentemente, reforça a institucionalização como saída".
Por fim, o CFP chega à conclusão de que a única vantagem para os ricos submetidos a esse tipo de tratamento, em relação aos pobres, é a hotelaria. "Mas, para ambos, pobres e ricos, o pressuposto da exclusão e do banimento da vida coletiva como regra, além, é claro, da reificação da saúde, já que tais práticas se propõem a ser cuidado de saúde, em objeto mercantil".
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rev Fórum 24.11.2011
O vício punido com castigo corporal
Mais de 40 países contemplam penas de golpes, surras e açoites, baseados em seu suposto poder de dissuadir o consumo de drogas.
Pavol Stracansky
Milhares de pessoas em dezenas de países carregam sequelas permanentes causadas por castigos corporais empregados para combater o vício em drogas. Mais de 40 países contemplam penas de golpes, surras e açoites, baseados em seu suposto poder de dissuadir o consumo de drogas, segundo um estudo da organização Harm Reduction International (HRI), que trabalha em políticas de redução de danos derivados do uso de drogas.
Estes castigos, além de violarem o direito internacional, carecem de todo poder de dissuasão, segundo especialistas. As condenações à morte por narcotráfico costumam ocupar manchetes nos jornais, mas os castigos corporais pela justiça estão mais generalizados e são igualmente graves, afirmam defensores dos direitos humanos.
A autora do estudo “Inflicting Harm: Corporal Punishment for Drug and Alcohol Offences in Selected Countries” (Infligindo um Dano: Castigo Corporal por Crimes de Uso de Álcool e Drogas em Países Selecionados), Eka Iakobishvili, disse à IPS que não há “dados que confirmem que os castigos levem as pessoas a deixar de consumir, e está amplamente aceito que a dependência é isso mesmo, dependência, e que o castigo não a deterá. É um problema silencioso tão grave como a pena de morte para crimes de tráfico de drogas que, em lugar de ajudar os viciados, de fato, exacerba o consumo”.
Os castigos corporais estão previstos em códigos penais e, em alguns casos, na shariá (lei islâmica), e são usados para numerosos delitos, segundo a HRI. Não há dados oficiais sobre a quantidade de pessoas condenadas a essas punições, mas informações obtidas de presos e fontes de inteligência levam a estimar que milhares, e possivelmente dezenas de milhares, inclusive mulheres e crianças, são açoitadas, apedrejadas ou apanham de vara a cada ano. Os castigos não são pensados para matar, mas causam enorme dor e danos tão graves que algumas pessoas acabam morrendo.
Em um informe publicado no ano passado pela Anistia Internacional sobre castigos corporais na Malásia, um homem açoitado contou sua experiência. “Foi pior do que um acidente de trânsito. Foi como se cortassem meu braço e colocassem pimenta na ferida.” Outro descreveu o castigo como “se estivessem me queimando e cortando com uma faca”. Nesse país, quem é pego com droga apanha de vara.
O informe também inclui testemunhos de pessoas que desmaiaram de dor e suplicaram piedade aos guardas. Alguns falaram de um sofrimento persistente durante meses e anos, e outros sobre cicatrizes permanentes. Também há casos de instabilidade emocional, angústia, ansiedade e pesadelos recorrentes. As vítimas de castigos corporais apresentam sinais de estresse pós-traumático, segundo psicólogos.
Castigar fisicamente o vício não deixa danos apenas nos viciados, mas piora o hábito, disse a HRI. “A intenção do castigo é humilhar, envergonhar e rebaixar uma pessoa. As consequências podem durar muito tempo. Em alguns casos, os castigos são públicos, o que acrescenta o peso da vergonha social”, afirmou Iakobishvili à IPS. Assim, cria-se “uma sensação de vergonha nos viciados que aumenta o ódio contra elas mesmas, as leva a consumir drogas mais duras e agrava a situação”, acrescentou.
Quanto à capacidade de dissuasão, argumentada pelas autoridades da Malásia, até os próprios guardas reconhecem que não existe e que seria mais efetivo criar programas de desintoxicação.
O diretor-executivo da HRI, Rick Lines, disse à IPS que as “políticas efetivas são as que respeitam os direitos humanos, os padrões internacionais e a evidência científica sobre tratamentos efetivos. O castigo corporal perde nas três provas. Não passa de um governo se brutalizando para solucionar um problema”. Alguns governantes mencionam textos religiosos para justificar a violência física. Mas essas interpretações são questionadas por autoridades religiosas e teólogos.
O relator especial da Organização das Nações Unidas, Juan Méndez, disse que os castigos físicos violam a proibição legal da tortura e dos tratamentos cruéis desumanos ou degradantes, e que os governos não podem argumentar a existência de leis nacionais para justificar sua utilização.
“O sistema judicial de muitos dos países nos quais baseamos o estudo se regem pela shariá e recorrem a ela para aplicar os castigos. É preciso maior discussão acadêmica a respeito. Isso ajudaria”, alertou Iakobishvili. Os governantes da Malásia costumam se fazer de surdos aos chamados para acabar com essas práticas. No entanto, segundo a HRI, há sinais positivos. “Durante a pesquisa conversamos com autoridades que disseram que estava em discussão uma pronta revogação do castigo corporal”, disse Iakobishvili à IPS.
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O Globo 28/11/11
Usuários de drogas sofrem tortura em clínicas de tratamento
Conselho de Psicologia flagra castigos físicos e tortura, entre outras irregularidades
BRASÍLIA - O Conselho Federal de Psicologia (CFP) divulgou nesta segunda-feira um relatório mostrando a situação de calamidade dos estabelecimentos para internação de usuários de drogas. Nas visitas, foram identificadas irregularidades, como castigos físicos, tortura, falta de higiene, trabalho forçado, preconceito contra homossexuais, obrigação de seguir religiões específicas, impedimento de comunicação com o mundo externo, exposição a situações de humilhação e falta de alimentação apropriada.
O documento é resultado de vistorias realizadas em 68 instituições de 24 unidades da federação nos dias 28 e 29 de setembro. As clínicas são privadas, mas algumas têm convênio com o poder público. Na avaliação do conselho, o modelo de tratamento de dependentes praticado nos estabelecimentos é uma violação à Lei Antimanicomial, que prega a integração social e familiar do dependente ao longo do tratamento, e não o isolamento.
Um dos locais que mais chocou o conselho foi a Comunidade Terapêutica Grupo Oficina da Vida, em Teresina (PI). Como punição para o descumprimento de regras internas, os pacientes são obrigados a cavar um buraco de três metros por três em terreno pedregoso e depois cobrir de novo com terra. Na Shalom and Life, em Macaé (RJ), os pacientes são compelidos a carregar uma pedra dentro de um saco plástico como forma de reconhecimento de sua culpa.
Na Comunidade Nova Jericó, em Marechal Deodoro (AL), é preciso rezar a Ave Maria como punição por eventuais desobediências. Há também quartos de isolamento, onde a pessoa fica sem luz e sem ventilação pelo tempo em que os funcionários determinam, dependendo da falta cometida. Os adolescentes ficam nos mesmos espaços dos adultos. Se um paciente quiser usar o telefone, precisa ser acompanhado por um funcionário.
A Amparu – Comunidade Terapêutica Vida Serena, em Várzea Grande (MT), é uma instituição evangélica onde os pacientes são obrigados a assistir ao culto. Lá, a prática é a chamada "Aprendizagem Rápida", que consiste em acordar o interno às 4h da manhã para ele capinar um terreno por duas horas, sem intervalo para descanso.
O Lar Cristão, em Cuiabá (MT), é uma instituição evangélica onde as pacientes são obrigadas a seguir as regras do local – que são as mesmas da igreja Assembleia de Deus. Quem se recusa a obedecer fica sem refeição até mudar de ideia.
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DO "NEW YORK TIMES 03/11/2011

Quando o seu terapeuta está a apenas um clique de distância

JAN HOFFMAN
Melissa Weinblatt, 30, uma professora colegial do Oregon, costumava fazer tratamento psicológico da maneira convencional --no consultório, face a face com o psicólogo. Hoje, com seu novo médico, ela disse que pode ter uma sessão na frente do computador tomando o café da manhã ou antes de sair à noite.
Serviços de videofone como Skype e sites de terceiros tornaram as sessões on-line cada vez mais acessíveis para pacientes psiquiátricos. Um site de terapia on-line, Breakthrough.com, disse que registrou 900 psiquiatras, psicólogos, conselheiros e treinadores em apenas dois anos.
Viktor Koen/The New York Times
Muitos terapeutas estão a apenas um clique de distância, mas é preciso tomar cuidado para não ser vítima de exploração.

"Em três anos isto vai decolar como um foguete", disse Eric Harris, advogado e psicólogo que dá consultas pela American Psychological Association Insurance Trust.
"Todo mundo vai ter disponibilidade audiovisual em tempo real. Haverá um grupo de verdadeiros fiéis que acharão que estar em uma sala com o cliente é especial e que não se pode replicar isso em um envolvimento remoto", disse. "Mas muita gente, especialmente jovens clínicos, sentirão que não há base para se pensar assim. De todo modo, os padrões profissionais adequados terão de ser seguidos."
Weinblatt disse que prefere as sessões on-line ao antigo modelo. "Existe um conforto em carregar seu médico com você como um cobertor de segurança", disse ela. "E, como ele fica mais acessível, sinto que preciso menos dele."
O tratamento on-line inverte um elemento básico da relação terapêutica: o contato visual. Paciente e terapeuta geralmente olham para o rosto do outro na tela do computador. Mas em muitos casos a câmera fica em cima do monitor, e então os olhares ficam desviados. Vários estudos concluíram que a satisfação do paciente com a interação face a face e a terapia on-line é estatisticamente semelhante. Psicólogos dizem que certas condições poderiam ser adequadas para o tratamento on-line, incluindo agorafobia, ansiedade, depressão, distúrbio obsessivo-compulsivo e terapia comportamental cognitiva.
Sandy Huffaker/The New York Times
Marlene Maheu (na tela), terapeuta de San Diego, usa videoconferência para se comunicar com um paciente.
Mas há muitas perguntas. Como o seguro deve reembolsar a terapia on-line? As sessões de videoconferência são gravadas? São à prova de hackers? E se os pacientes tiverem colapsos?
Marlene M. Maheu, fundadora do Instituto de Saúde TeleMental, que treina provedores, disse: "É mais complexo do que as pessoas imaginam. O website de um provedor pode dizer: 'não lido com pacientes que têm tendências suicidas'. Mas é nosso trabalho avaliar os pacientes, e não lhes pedir para se autodiagnosticarem".
Ela pratica a terapia on-line, mas defende proteções ao consumidor e um treinamento rigoroso para os terapeutas. Johanna Herwitz, uma psicóloga de Nova York, experimentou o Skype para aumentar a terapia face a face. "Ele cria essa versão inferior e perversa da intimidade", disse. "O Skype não desinibe terapeuticamente os pacientes para que baixem a guarda e assumam riscos emocionais. Eu decidi não fazer mais isso."
Matt Nager/The New York Times
O psiquiatra Heath Canfield atende a alguns de seus pacientes via Skype
Heath Canfield, psiquiatra do Colorado, usa o Skype para continuar a terapia com alguns pacientes de seu antigo consultório na Costa Oeste. "Não é a mesma coisa que estar lá, mas é melhor que nada", disse. "E eu não trataria dessa maneira pessoas gravemente doentes."
As armadilhas da videoconferência com doentes mentais graves ficaram claras para Michael Terry quando ele fez avaliações para pacientes nas ilhas Aleutas, no Alasca.
"Certa vez eu estava usando um jaleco branco, e a parede atrás de mim era branca", disse Terry, que é professor na Universidade de San Diego. "Meu rosto ficou escuro por causa do contraste, e o paciente pensou que estivesse falando com o diabo."

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www.conjur.com.br 02.11.2011
Por Marília Scriboni

PL QUER GARANTIR LIBERDADE SEXUAL DE DEFICIENTE MENTAL

Ela o chamava de “meu marido” e tinha deficiência mental. Ele, retribuindo, referia-se a ela como “minha mulher” e tinha desenvolvimento mental limítrofe. Um dia, depois de uma discussão e 15 anos de convivência em união estável, a Polícia apareceu na residência dos dois. O homem foi levado para a delegacia, acusado de estupro de vulnerável. Se depender de um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados, casos como esse, narrado pelo defensor público Gustavo Junqueira, deixarão de existir.
Da história narrada até hoje, entende-se por estupro de vulnerável a conjunção carnal ou ato libidinoso com menor de 14 anos ou com pessoa que, em decorrência de enfermidade ou deficiência mental, não tenha o necessário discernimento do ato ou não possa oferecer resistência. O tipo penal de estupro de vulnerável foi adicionado à legislação penal material por meio da Lei 12.015, de 2009.
Pelo Projeto de Lei 1.213, de 2011, a ideia de vulnerabilidade passa a ter dois aspectos, um relativo e outro absoluto. O texto foi apresentado pelo deputado Carlos Bezerra (MT). Segundo o parlamentar, “a alteração dos dispositivos penais relacionados à violação da liberdade sexual representou um avanço; porém, manteve um erro com relação às pessoas portadoras de necessidades especiais quanto ao discernimento, suprimindo-lhes a prática sexual”.
A ideia concebida pelo deputado teve inspirações em outro texto. Em artigo publicado em 2009, naAPMP Revista, o procurador de Justiça Oswaldo Henrique Duek Marques, ao lado do psiquiatra Davi Alves de Souza Lima, escreveu que “a sexualidade é um fato importante para o desenvolvimento da personalidade e as expressões de sexualidade não devem ser recriminadas, mas sim tratadas como algo natural”.
No mesmo artigo, eles escrevem que “o discernimento diz respeito a questões racionais, conscientes, vinculadas à lógica do pensamento e do julgamento, sobre as quais há reflexão”. Os autores explicam, ainda, que “nos aspectos relacionados à sexualidade, embora possam passar pelo crivo do discernimento, as questões instintivas e relacionadas à pulsão, que norteiam a vontade, podem ter predominância sobre a racionalidade e estão presentes tanto em pessoas consideradas normais, quanto naquelas que possuem deficiências ou transtorno mental”.
Não é o que vem acontecendo hoje, como conta Gustavo Junqueira, que também é professor de Direito Penal da PUC-SP. Segundo ele, essa é uma reivindicação antiga. “A proposta tem como base a lei portuguesa sobre o assunto”, lembra. Pela lei de Portugal, “quem praticar ato sexual de relevo com pessoa inconsciente ou incapaz, por outro motivo, de opor resistência, aproveitando-se do seu estado de incapacidade é punido com pena de prisão de seis meses a oito anos”.
Às vezes, o deficiente mental estabeleceu uma relação construtiva e de afeto verdadeiro”, explica, como no caso do casal que foi separado. Um dos principais pontos da proposta é que ela passa a considerar os relacionamentos regados pela afetuosidade.
O que a proposta pretende fazer é mudar a redação do artigo 217-A do Código Penal, de modo a incluir que será considerado estupro de vulnerável a prática de sexo ou qualquer outro ato libidinoso com alguém que, por deficiência mental ou qualquer outra causa, esteja impossibilitado de manifestar sua vontade ou de oferecer resistência a estes atos. Ou seja, é importante que seja demonstrado que o acusado se aproveitou da situação e do desenvolvimento mental incompleto da vítima.
Um ponto é consensual entre os criminalistas que falaram à Consultor Jurídico. A redação atual, como está, é carregada de preconceitos. Para Junqueira, a tipificação corrente retira a liberdade sexual do portador de deficiência mental. Duek Marques, por sua vez, ao saber da existência da proposta, disse que o projeto tenta preencher a lacuna na legislação e a amplitude da interpretação.
Thiago Anastácio, criminalista associado ao Instituto de Defesa do Direito de Defesa, disse que a proposta “parece viabilizar a análise da união com o portador de deficiência mental”. “A felicidade é um dos objetivos da Constituição Federal”, aponta. Sobre a expressão “deficiência mental” adotada pela proposta, o advogado lembra que a legislação penal é o último recurso — a ultima ratio — a ser empregado a fim de tutelar os bens jurídicos.
Logo, frisa ele, o melhor a se fazer é adotar o conceito de capacidade de outra área do Direito. Segundo o artigo 3º do Código Civil, são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 anos, ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos e os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
Ao falar sobre o assunto, Martim de Almeida Sampaio, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, destacou dois pontos que considera lacunares na proposta apresentada pelo deputado, que, segundo ele, sai do campo jurídico e vai para o psiquiátrico.
“O texto é vago ao falar da manifestação da vontade e de como ela se dá. Esse limite é tênue. Por isso, a discussão vai buscar respostas na doutrina e na jurisprudência”, opina. Segundo o advogado, o projeto é incerto também ao conceituar o portador de deficiência mental. “Quem é ele? O que é doença mental?”, indaga. A saída, conta, talvez seja um linguajar mais técnico.
O projeto aguarda parecer da Comissão de Seguridade Social e Família e será analisado pela de Constituição e Justiça e de Cidadania. Depois será votada em Plenário.
"Moças de 12 anos"
O PL 1.213 se abstém de aplicar a ideia de manifestação de vontade para casos em que a vítima tem menos de 14 anos. Para Guaracy Moreira, que é professor de Criminologia na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, “a presunção deve ser absoluta quando o fato for cometido com menores de 14 anos. A vontade que venha ou se manifeste com mais de 14. Antes, não”.
Ao comentar o projeto de lei, o advogado Marco Aurélio Florêncio Filho, professor de Direito Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie e sócio de escritório homônimo, diz que a lei não pode punir o portador de deficiência que pratica sexo. "Quem pratica conjunção carnal com o doente não necessariamente está incorrendo em crime", conta.
O advogado vai além. Para ele, essa relativização deveria ser estendida aos casos nos quais o sexo é praticado com menores de 14 anos. Citando voto do ministro Marco Aurélio, do Supremo, no qual ele fala que "nos nossos dias, não há crianças, mas moças de 12 anos. Precocemente amadurecidas, a maioria delas já conta com discernimento bastante para reagir ante eventuais adversidades". Por isso, o professor frisa a necessidade da relativização do tipo e da análise do caso concreto — tanto para a primeira, quanto para esta hipótese.
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Paulo Teixeira: 
“Três estudantes fumando maconha não ameaçam segurança de ninguém”
por Conceição Lemes
Na última quinta-feira, 27 de outubro, por volta das 18h, a Polícia Militar deteve três alunos que fumavam maconha num gramado junto ao estacionamento que divide os prédios de Geografia e História da USP, na Cidade Universitária.
Um grupo de estudantes começou a protestar, para evitar as prisões. A manifestação foi ganhando adesões – chegou a cerca de 500 — e a tensão aumentando. Os PMS chamaram reforço. Por volta das 21h30 estavam na USP cerca de 15 viaturas, a Ronda Ostensiva Com Apoio de Motocicletas (ROCAM) e aproximadamente 40 policiais militares.
Após quase quatro horas de discussão entre representantes da polícia, estudantes e professores, começou o tumulto. Segundo alguns relatos publicados na mídia, os estudantes gritavam palavras e xingamentos contra a presença da polícia. Irritados, os policiais partiram pra cima do grupo. De acordo com outros relatos, também divulgados na mídia, quando policiais deixavam o local com os três jovens detidos rumo à delegacia, um grupo cercou as viaturas, jogando pedras e outros objetos. A polícia reagiu violentamente, com bombas de gás lacrimogêneo, gás pimenta e cassetete.
Vários parlamentares se deslocaram para lá para ajudar a resolver o impasse, entre os quais o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), que há pelo menos dez anos  se dedica a estudar e a debater a questão das drogas.
No início de setembro, por exemplo, ele promoveu um seminário de alto nível sobre a política de drogas no Brasil, do qual participaram o psiquiatra Roberto Tykanori, coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde, o professor Elisaldo Carlini, consultor da Organização Mundial da Saúde (OMS) para área de drogas, e José Henrique Torres, presidente da Associação Juízes para a Democracia, entre outros especialistas.
Falei com o deputado por telefone na quinta à noite, quando ele estava a caminho da Cidade Universitária. Voltei a conversar novamente nessa terça-feira.
Viomundo – Como ficou a situação dos três estudantes detidos?
Paulo Teixeira — Eles foram levados ao distrito policial, onde assinaram um termo circunstanciado. Os três terão de comparecer ao Juizado Criminal de Pequenas Causas para responder pelo porte de maconha, já que, pela lei de drogas no Brasil, é um ato ainda considerado equivocadamente como crime.
Viomundo – Qual a sua avaliação de episódio, que envolveu um grande aparato policial e cerca de 500 estudantes?
Paulo Teixeira – Num momento em que a sociedade exige tanta atenção para os crimes contra as pessoas e contra o patrimônio, é lamentável que a polícia use o seu tempo, sua estrutura, para prender três jovens porque estavam consumindo maconha. Se é verdade que já temos maturidade na nossa sociedade, é inconcebível envolver tanta gente, tantos esforços, para atuar em algo que é da esfera pessoal.
Então, esse fato lamentável põe luzes para que a gente reflita sobre  algumas questões. Primeiro, até que ponto a polícia deve se ocupar dos usuários de drogas. Segundo, a atuação da Polícia Militar dentro do campus da USP. Terceiro, a necessidade de rever a lei de drogas, tirando definitivamente o usuário da esfera criminal.
Viomundo – Vamos começar pela abordagem policial do usuário de drogas.
Paulo Teixeira — O usuário não pode ser objeto de uma ação da polícia. A sociedade já entende que a decisão sobre o consumo ou não de alguma substância que altera a consciência não é da órbita estatal.   É da órbita do indivíduo. Ainda mais num ambiente universitário onde essa reflexão é feita de alguma forma. E nem só por isso: em qualquer ambiente da sociedade, seja no campus da USP ou no espaço mais longínquo da periferia,  há a consciência de que essa é uma decisão da pessoa e  não do  Estado.
Por outro lado, há uma desproporção.  Paralisou-se todo um aparato policial para cuidar de uma questão insignificante para a sociedade, que são os três jovens consumindo maconha, diante de tantas demandas graves, importantes, em relação à segurança pública, como a preservação da vida e do patrimônio das pessoas.
E o que resultou dessa ação policial? Como um grande contingente policial se deslocou para a USP para cuidar da questão, outras áreas ficaram desprotegidas. Ou seja, perdeu a sociedade. Ao mesmo tempo, houve danos para o Estado. Cinco ou seis viaturas foram quebradas por conta dessa inaceitável ação.
Viomundo – Foi um escândalo em cima de nada?
Paulo Teixeira – Com certeza. Na última quinta-feira nós nos envolvemos em algo que, se as nossas mentes e instituições estivessem atualizadas, não teria acontecido.
Fiquei impressionado com o aparato. Havia uma porção de viaturas da Polícia Militar e da Policial Civil. Havia muitos policiais  que utilizaram bombas de gás lacrimogêneo e gás pimenta.
Toda uma cidade parou por quase cinco horas por causa de três usuários de maconha,  enquanto toda a sociedade requer segurança e outro tipo de atenção do aparelho estatal.
Isso é fruto de uma sociedade que se recusa discutir a questão das drogas com mais serenidade. Ao mesmo tempo, uma parte da sociedade já não admite mais que a polícia aja para prender pessoas que estão consumindo maconha.
Viomundo – Em relação à PM dentro do campus, o que o senhor acha?
Paulo Teixeira – O convênio com a PM tem de ser revisto. Embora a motivação tenha sido legítima – o assassinato do aluno da FEA [Faculdade de Economia e Administração] em maio deste ano–, foi um erro do reitor [João Grandino Rodas] trazer a PM para atuar permanentemente dentro do campus, fazendo a segurança. Foi uma infeliz decisão.
Viomundo – Por quê?
Paulo Teixeira — A USP sempre teve a sua própria segurança interna. Historicamente, os jovens sempre tiveram ali uma espécie de território livre. É um espaço de expressão de uma série de manifestações e hábitos da juventude, considerados normais e que fora dali não poderiam ser compreendidos. Portanto, não tinham ali atenção policial.
Só que ao trazer a PM para dentro do campus você cria conflitos como o da última quinta-feira. Foi apenas a ponta do iceberg. Amanhã um casal flagrado namorando “mais exageradamente” pode ser abordado de forma desastrosa, com sérias conseqüências. PM e estudantes no mesmo ambiente não combinam. Há sempre uma estranheza.
Viomundo – O senhor acha que podem ocorrer outros embates?
Paulo Teixeira – Claro. Deixar a PM abordar os estudantes dentro do campus é criar um rastilho de pólvora.  E por quê? Porque não é usual um policiamento ostensivo fazer blitz na universidade. É um ambiente com códigos próprios. A universidade já resolveu esse problema, não precisa de polícia para resolver isso.
Por isso, repito: foi muito infeliz a decisão do reitor de levar a PM para agir dentro do campus. Ele poderia fazer o mesmo convênio com outros conteúdos.
Viomundo – Eu li depoimentos de vários alunos, com um mesmo argumento: nós precisamos de segurança dentro do campus. E aí?
Paulo Teixeira – A preocupação dos alunos com a presença de pessoas que possam representar alguma ameaça é legítima. Mas não o tipo de abordagem que está vigorando na USP atualmente.
Aliás, em que medida três estudantes fumando maconha podem ameaçar a segurança do campus da USP? Eles não representam qualquer ameaça para a segurança de ninguém.
Eu nunca vi uma pessoa que fuma maconha atingir ninguém, inclusive porque o efeito da maconha é relaxante. Não existe nenhuma associação ente um tema e outro. Eu acho um precedente inaceitável levar a PM para dentro do campus por causa da maconha.
Viomundo – O que fazer?
Paulo Teixeira – Se a preocupação é a segurança dos estudantes e demais cidadãos que circulam no campus, o tipo de convênio tem de ser modificado, porque a maneira como foi implementado o policiamento já mostrou ser equivocado. Ele tem de ter atenção para  quem realmente possa ameaçar a segurança física dos alunos, professores e demais funcionários da USP.
Viomundo – Que tipo de conteúdo?
Paulo Teixeira – Deveria objetivar uma maior integração entre a guarda da USP, que por sinal foi sendo sucateada nos últimos anos, e a PM. E não simplesmente colocar a PM dentro do campus. A PM poderia, por exemplo, se preocupar com o controle de entrada e a presença de pessoas que não são da comunidade.  Também ficar ao redor do campus e, sob demanda,  entrar imediatamente. Importante: o convênio deve visar a estrita proteção da vida e dos bens da comunidade.
Viomundo – Tem gente que diz que os alunos não querem a PM no campus para poder fumar maconha à vontade.  O que o senhor acha dessa visão?
Paulo Teixeira – O ambiente universitário não é um ambiente que se possa ter abordagem de “tolerância zero”.  São locais que historicamente conviveram com a cultura da contestação. Tem uma série de práticas e costumes que não são admitidos no ambiente da cidade, mas que, na universidade , são encarados sem conflitos.  É impraticável querer mudar isso depois de 30 anos.
A natureza desse ambiente não aceita o policiamento ostensivo. PM e jovens não se entendem. A PM no campus vai dar crise permanente. O erro do reitor atual foi levar a polícia para lá para cuidar dos valores com os quais ele está preocupado. Outros reitores conviveram com esse ambiente e tudo prosperou, ninguém foi prejudicado.
Viomundo – E em relação à lei de drogas o que deve ser feito?
Paulo Teixeira – Tem de ser revista. Definitivamente tirar o usuário da esfera criminal.
Junto com a sociedade, entidades e especialistas, nós estamos elaborando uma minuta de abordagem para levar esse debate também para o Parlamento.
Viomundo – O senhor pretende apresentar algum projeto nesse sentido? Quando?
Paulo Teixeira — Em fevereiro ou março. Pode ser apresentado como um projeto de lei da nossa iniciativa ou como um projeto de lei de iniciativa popular.  Dessa discussão participam três instituições: o IBCCRIM –Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, de São Paulo,  Viva Rio, do Rio de Janeiro, e o Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas – Cetad, da Bahia. Nós já estamos entabulando um diálogo para elaborar essa iniciativa de lei.
A propósito, a professora Sandra Nitrini, diretora da Faculdade de Filosofia, Ciências, Letras e História da USP (FFCLH), foi de uma dignidade imensa no episódio da última quinta-feira. Ela acompanhou os alunos até o distrito policial para protegê-los. Pena que, depois, o movimento mais radicalizado ocupou a diretoria da FFCLH, área onde ela solidariamente atuou para resolver a situação.

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Revista do Senado
Um Retrato do Atendimento ao Usuário de Drogas no Brasil
setembro de 2011

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Rede Globo Fantástico 31/07/2011

Família de dependente químico também deve fazer tratamento
É preciso buscar o equilíbrio com a ajuda da medicina, da terapia e da união da própria família. Especialistas apontam maneiras de evitar que isso aconteça e uma delas é a conversa.
O que todas as pessoas que conhecem ou têm um dependente químico na família querem saber é: dá para evitar que as histórias terminem como a de Amy Winehouse? O que muita gente não sabe é que, em muitos casos, não é só o dependente que precisa de tratamento. A família também. 
No telhado, um rapaz está fora de controle. Ele subiu em um prédio de Aracaju depois de ter tocado fogo na casa em que mora com a família. Ele parece sentir que o mundo vai cair na cabeça dele. Os bombeiros tentam se aproximar, mas é ele quem vai até o socorro. Vai pendurado, com a força de quem decide não morrer. E na ambulância, a mãe do rapaz só precisa de quatro palavras para explicar o que acabou de acontecer: “É usuário de droga”.
Amy Winehouse também usou drogas, mas ainda não se sabe o que causou a morte da cantora. O talento de Amy transformou esse drama na música “Rehab”, conhecida mundialmente, essa é a descrição de uma rotina de milhões de dependentes químicos que não têm a mesma fama que ela, mas têm o mesmo problema e que buscam ajuda em lugares como uma clínica em Maricá, 70 quilômetros ao norte do Rio de Janeiro. 
Pais e mães de dependentes químicos sofrem e chegam a creditar que esse drama não tem saída, ainda mais quando o filho recusa o tratamento. Mas o dependente pode ser tratado. E a família também. “Não adiantava deixar ele aqui e não cuidar da gente, porque ele está aqui se tratando, mas a gente também”, explicou Vitória Nemer, mãe de dependente.
Vitória e o marido Lindomar têm um filho de 16 anos. Ele e outros pais mostram a cara para dizer que o primeiro passo da terapia é acabar com o preconceito. “Eu acho que era safadeza dele. E hoje não. É uma doença. Ele está doente”, disse Lindomar Lima. 
“Eu também pensava do mesmo jeito. A gente associa muito dependente químico a marginal”, explicou Fátima Rodrigues, mãe do Danilo. “Assim como a dependência química, a família também nega essa doença, custa a entender esse comportamento como doença”, explicou Mara Victorino, mãe do Pedro. 
Se a família não faz nada, o problema aumenta. A família também está doente. “Eu não tinha condição de trabalhar, de levantar e sair da minha casa para trabalhar”, disse Fernando Victorino, pai do Pedro. 
Mas a família não pode virar escrava da dependência. “Ela gera conflito, angustia e ansiedade na família inteira, às vezes, mudança de rotina da família por conta da questão da dependência”, ressalta Rosângela Elias, coordenadora de Saúde Mental do CAPS/SP. 
“A gente tem que mudar tudo. Não é a gente esquecer de viver a nossa vida para viver em função dele”, contou Vitória. 
Entre um extremo e outro, é preciso buscar o equilíbrio com a ajuda da medicina, da terapia e da união da própria família. É o caso do economista Marco Antônio Guedes, que é dependente químico: “Meus filhos tomaram a decisão de me trazer. Não foi uma imposição, mas quase que uma imposição: 'Pai, vamos'”. 
“Contenção médica não é castigo, não é maldade. É algo feito para salvar uma vida”, afirma o psiquiatra Jorge Jaber. 
Nessas horas, a família tem que funcionar como família. “Tem família que larga e deixa de mão o dependente, porque chega a uma altura que ela não tem mais estrutura para agüentar aquilo”, declarou Maria Silva, mãe de dependente. 
“A gente está aprendendo que, quando ele voltar, vai ser tudo diferente. Aqui quem manda é o pai e a mãe, aqui você não grita, aqui você não dita regras. Aqui somos nós”, declarou Vitória.
O estudante Pedro Victorino fala em responsabilidade de cada um: “Dar a cada um a responsabilidade que é devida. Ou seja, mãe, você deixou de ser mãe em algum momento. Qual é o papel de mãe? Pai deixou de ser pai. Qual é o papel de pai aqui que ‘disfuncionou’”. 
Só que nem sempre existe uma razão simples, de falta de autoridade ou de amor, para explicar por que a droga entrou na vida do filho. Amy Winehouse, por exemplo, teve uma infância normal. 
“Eu não consigo, nas histórias dos meus pacientes, apontar que uma vez, como se fosse uma caixinha mágica, abre-se a tampa da caixinha. ‘Ah, foi isso que estava aqui que aconteceu, que causou aquela catástrofe depois’.”, explicou a psiquiatra Maria Thereza de Aquino, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). 
Mas uma coisa é certa: existem maneiras de evitar que isso aconteça, e começa pela conversa. 
O psiquiatra Jorge Jaber ensina: “Não há mais como se falar em educação de filhos sem abordar o tema das drogas. Enquanto a família mantém o diálogo, enquanto o diálogo se dá, tenham certeza: a família consegue passar a cultura da prevenção às doenças, incluindo as doenças derivadas do uso de drogas”. 
A prevenção funciona melhor quando o filho tem certeza que os pais se interessam de verdade pela vida dele. “São fatores protetores esse interesse dos pais pelos amigos, pela vida do filho, o diálogo em família”, esclarece a psiquiatra Maria Thereza. 
O convívio entre pais e filhos não pode parecer uma obrigação chata. “Quando essa presença é atraente, ela é um convívio gostoso, os próprios filhos procuram”, declarou a psiquiatra. 
Se o filho já está consumindo droga, a família tem que procurar ajuda profissional e apoiar o dependente. “Internação é uma atividade médica. Só quem pode internar uma pessoa é um médico. Se a família chegar no hospital e disser ‘eu quero internar meu filho’, mas não for indicada a internação, o médico não internará”, afirmou Jorge Jaber.
E se o dependente está fora de si e toma atitudes violentas? “Toda situação de risco a gente tem que ter o cuidado que o risco impõe. Tem que chamar o Samu, tem que chamar os bombeiros”, alertou Rosângela Elias, coordenadora de Saúde Mental do CAPS/SP. 
Depois o atendimento é oferecido pelo SUS, nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), em todo o Brasil. “O Caps é porta aberta, qualquer pessoa, qualquer cidadão pode procurar o Caps, ou o familiar. Se a pessoa não quiser o tratamento, o familiar também pode procurar o serviço e, a partir daí, vai se desencadear um processo onde o trabalho e a participação da família é fundamental”, apontou Rosângela Elias, coordenadora de Saúde Mental do CAPS/SP. 
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Pai de Amy revela luta da filha contra as drogas
Mitch revela que procurou usuários de drogas para ajudar a filha, buscou uma vidente, freqüentou uma terapeuta e uma instituição que cuida de famílias de pessoas com problemas com álcool e drogas.
Mitch Winehouse é um taxista aposentado de 60 anos, pai de Amy Winehouse, a cantora de 27 anos encontrada morta em Londres. Há pouco mais de um ano, uma equipe da TV inglesa gravou um documentário com ele para registrar como a família lidava com os vícios por drogas e álcool da filha famosa. 
O vestido de Amy Winehouse ocupa lugar de destaque British Music Experience, que é uma espécie de museu do rock britânico. Só que o sucesso da cantora não ficou só no Reino Unido, mas se espalhou por todo mundo, com milhões de discos vendidos e vários prêmios inclusive cinco Grammys. Só que por trás dessa mulher de sucesso, de extremo talento e carisma, havia uma família devastada. 
O pai de Amy, Mitch Winehouse, admitiu: Nunca podia imaginar que a sua menininha, como ele costumava chamá-la, poderia entrar no labirinto das drogas. "Só fiquei sabendo que Amy fumava maconha quando ela tinha uns 17 anos. Isso me chateou, mas eu não sou um desses caras que acha que maconha é a porta de entrada para outras drogas. Só que no caso da Amy, foi”, declarou. 
Em março de 2009, um jornal chegou a estampar a morte de Amy na capa. Foi um golpe duro para a família. "Eu recebo telefonemas de gente me dizendo que Amy morreu. As pessoas veem a manchete e me ligam", desabafou Mitch. 
Na reportagem, o jornal entrevistou Blake Fielder Civil, então marido de Amy. Para o pai dela, Blake foi o grande responsável pelo envolvimento da filha com as drogas. Ele tem uma longa ficha na polícia. Hoje, ele cumpre pena por roubo e posse de arma na Penitenciária de Leeds, depois de passar um tempo preso em Londres por agressão.
Foi na prisão de Pentonville, no norte de Londres, que Blake passou um bom tempo, enquanto ainda era casado com Amy Winehouse. Mitch nunca perdoou o genro por ter levado sua filha pelo caminho das drogas pesadas: "Blake é um mentiroso confesso. Ele fica dizendo que quer tirar Amy das drogas, mas foi ele quem transformou minha filha em uma drogada. Quem ele pensa que está enganando?”.
O pai de Amy Winehouse lembrou que só depois da separação a cantora decidiu se tratar. Em junho de 2009, ele conta que Amy foi para a Ilha de Santa Lúcia, no Mar do Caribe, para se recuperar das drogas. Sempre que podia, Mitch visitava a filha. Para o pai, a filha estava melhor, mas era sempre motivo de preocupação. "Ela teve um acidente, queimou a perna cozinhando um macarrão. É uma coisa atrás da outra”, disse. 
Mesmo querendo proteger a filha o tempo todo, Mitch sabia que não dava para ela ficar se escondendo do mundo.
Mitch e Janis, a mãe de Amy, se separaram quando ela tinha 10 anos, mas eram eles que administravam os negócios da filha. "A última coisa que Amy ia lembrar seria de fazer um cheque para o jardineiro", conta o pai da cantora.
“A gente não fez a coisa certa? A gente se separou, será que isso contribuiu para que ela se drogasse?”, questionou Mitch.
Em busca de respostas, o taxista chegou a procurar usuários de drogas: "Eu perguntei: ‘Vocês pensaram nos pais de vocês?’ Eles responderam: ‘Não’. E isso não quer dizer que eles não amavam os pais, mas o grande amor da vida deles eram as drogas". 
Mitch procurou ajuda para ele próprio. Primeiro, de um terapeuta. "As coisas estão 100% melhores. Agora Amy está no Caribe. A transformação foi incrível, e o crédito é todo da minha filha", contou o pai.
Mas a terapeuta queria saber como ele estava. Micth explicou: "Eu me sinto em uma guerra. Sinto adrenalina correndo pelo meu corpo o tempo todo. Eu fico esperando o telefone tocar às 2h, da madrugada. Se não tocar, eu acho que está acontecendo algo".
A certa altura, Mitch estava tão preocupado com a filha que ele foi procurar ajuda de uma instituição que cuida de famílias de pessoas que tem problemas com álcool e drogas, o Focus 12.
O Chip é o diretor-executivo e se lembra bem da primeira vez que o pai de Amy foi encontrá-los: “Mitch estava preocupado, começando a perder a esperança de que a filha ia melhorar. Ele se juntou ao grupo familiar e achava que seria um bom lugar para Amy”.
Mas Chip acreditava que o pai da cantora se deixava levar pelas promessas da filha. “Eu acredito que ele tinha um problema que é comum: a negação. Ele ouvia o que queria ouvir. Quando o viciado fala que quer melhorar, é isso que os parentes querem ouvir, mas nem sempre é verdade. Às vezes, o usuário de drogas só quer manter aquelas pessoas bem longe deles”, declarou o diretor-executivo do Focus 12. 
O pai de Amy contou que teve pouca experiência com drogas antes de tudo isso acontecer e que, durante uma das viagens ao Caribe para ver a filha, ficou assustado ao saber da morte de Michael Jackson. "Se pode acontecer com ele, pode acontecer com qualquer um", revelou.
Mitch contou que se sentia nervoso toda vez que visitava a filha, porque nunca sabia em que estado ia encontrá-la. "Cada vez que Amy bota uma bebida na boca, eu sinto medo", admitia.
No parlamento inglês, o pai da cantora deu um depoimento em nome de todas as famílias que sofrem com esse problema: "Se você tem a sorte de não ter alguém viciado na sua família, você não tem a menor ideia do que as outras famílias passam".
Mitch chegou até a procurar a ajuda de uma vidente, uma mulher que diz ver os espíritos dos mortos. Ela disse que Amy ia ficar bem, encontrar um bom homem e ter filhos, uma família. Coisas assim o deixavam animado.
Outra válvula de escape era a música. Mitch sempre gostou de cantar e estava nos Estados Unidos se preparando para um show quando soube da morte da filha. "Quando Amy era uma criança, ela adorava cantar comigo no carro todos aqueles clássicos de Frank Sinatra. Eu sempre amei música".
Na festa de 59 anos de Mitch, em dezembro de 2009, pela primeira vez depois de dois anos, ele se sentia confiante em relação ao futuro. Naquele dia, Amy completava um ano longe das drogas. O pai acreditava que ela ia conseguir terminar um novo álbum. Quem sabe ela até sossegasse e se cassasse com um bom judeu, como ela, quem sabe um taxista, e tivesse um monte de filhos?
Esta semana, durante o funeral de Amy, o pai disse que quer criar uma fundação para ajudar na reabilitação de dependentes de drogas. Na cerimônia de despedida, as últimas palavras dele foram: "Boa noite meu anjo, durma bem". 

O Globo 28/07/2011
Hospitais psiquiátricos poderão ser descredenciados do SUS
Jaqueline Falcão (jaquefalcao@sp.oglobo.com.br)
SÃO PAULO - Dez anos depois da reforma psiquiátrica, os 201 hospitais psiquiátricos conveniados ao governo federal vão passar por uma auditoria do Ministério da Saúde. O atendimento oferecido aos pacientes com transtorno mental pelo Sistema Único de Saúde (SUS) será avaliado em unidades de 123 municípios brasileiros.
Durante as auditorias, serão avaliados, por exemplo, aspectos como a estrutura física dos hospitais, a relação de profissionais que atendem aos internados (psiquiatras, clínicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, auxiliares de enfermagem e terapeutas ocupacionais) e a evolução do tratamento dos pacientes.
Em caso de irregularidades, os locais terão 60 dias de prazo, a partir 1º de setembro, para se regularizar. Se descumprirem as normas e não se adequarem as instituições serão descredenciadas do SUS, de acordo com o Ministério de Saúde.
As auditorias começaram em abril, como projeto-piloto, em Sorocaba, a 97 km da capital. Em abril, o Ministério da Saúde iniciou uma auditoria no Hospital Vera Cruz, em Sorocaba, a 97 km da capital, e visitas técnicas em outros seis hospitais psiquiátricos da região. As unidades foram escolhidas devido ao histórico de mortes e concentração de pacientes.
As suspeitas de inadequações na saúde mental da cidade foram investigadas com a Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e do Fórum de Luta Antimanicomial de Sorocaba (Flamas). As análises sobre estes hospitais estão em fase de conclusão e farão parte do censo, segundo o Ministério da Saúde.
Na região de Sorocaba, nos últimos 4 anos, segundo denúncia do Fórum da Luta Antimanicomial, 459 pacientes de sete hospitais psiquiátricos morreram. Só no ano passado, segundo a entidade, o número de mortes teria sido 104, nos sete hospitais da região. O Ministério Público Federal também investiga as 104 mortes de 2010
O professor Marcos Garcia da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), integrante do Flamas, fez um levantamento sobre as mortes de pacientes que tiveram pneumonia como causa básica ou causa associada em uma das instituições que constam na lista da auditoria do Ministério da Saúde. Ele constatou 27 casos, o que equivale a 35% dos pacientes mortos entre 2006 e 2009.
Uma ex-funcionária de um hospital da região denunciou à entidade que roupas de frio são contadas para o dia. Ou seja, se os pacientes se sujam ou se molham, vão permanecerem assim o dia e a noite inteiros. E tem dias que eles ficam sem tomar banho por não ter roupa para vestir.
De acordo com o diretor do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus), Adalberto Fulgêncio, o departamento vai apresentar, no prazo máximo de 10 dias, o roteiro de vistoria. - Estamos delineando o plano operacional para avaliação dos 201 hospitais - disse.
No Rio Grande do Sul, cerca de 50 clínicas clandestinas nas cidades de Alvorada e Cachoeira do Sul, na Grande Porto Alegre, são alvo de inquérito civil no Ministério Público. Após denúncias, duas promotoras constataram maus-tratos a doentes mental, falta de higiene, além de idosos mantidos junto com pacientes psiquiátricos.
Em Alvorada, segundo a promotora Rochelle Jelinek, alguns pacientes estavam amarrados quando a fiscalização chegou. Há 30 inquéritos em andamento. Dois locais já foram interditados.
- A falta de higiene e também de alimentação foram situações graves constatadas. Só em um local, havia 47 abrigados. Infelizmente, só conseguimos apurar quando recebemos denúncias. Por isso, pode haver outros locais. Como estes pacientes ficam dentro de casa, não saem, é difícil o lugar chamar a atenção - diz Rochelle.
O Ministério Público descobriu que médicos e assistentes sociais de hospitais encaminhavam os doentes para as clínicas clandestinas.
-A maioria não recebe cuidados médicos. Às vezes, o dono da casa leva em algum hospital público em caso de emergência - conta Rochelle.
Na cidade de Cachoeira do Sul, a promotoria investiga o funcionamento de 21 clínicas irregulares. - Eu vou pessoalmente nessas casas. Vi pessoas em quartos sem ventilação, sem iluminação. Os doentes me abraçam, reclamam que passam fome e perguntam pelos parentes. Aqui na cidade, estima-se que há 350 pessoas vivendo nessas casas, sem o tratamento adequado - relata a promotora Giane Saad.
O Ministério Público encontrou até adolescentes internados nas clínicas clandestinas e um doente tetraplégico, que não sofre de transtorno mental.
Em Porto Alegre, a assistente social Beatriz Malmann, que já acompanhou várias ações de fiscalização em casas com doentes mentais, relata ter encontrado doentes confinados em quartos sem iluminação ou janelas.
- Lembro que uma clínica funcionava em um terreiro de umbanda. E os doentes estavam em um porão, escuro. Algo terrível - diz Beatriz, que hoje atua em hospital.
Uma lei federal, de 2001, proibiu o confinamento de doentes com distúrbios mentais crônicos em hospitais, determinando a reinserção nas famílias, sob supervisão de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Com a eliminação da maioria das vagas em instituições públicas, multiplicaram-se clínicas clandestinas que mantêm seus pacientes vagando praticamente sem assistência ou, simplesmente, amarrados.
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Globo Notícia 28/07/2011
Polícia fecha clínica clandestina para dependentes químicos e prende donos por tortura em SP
SÃO PAULO - A polícia fechou nesta quinta-feira uma clínica para tratamento de dependentes químicos em Ituverava, a 416 km da capital. Os donos e um funcionário foram presos por cárcere privado e tortura. Um dos internos conseguiu fugir e fez a denúncia.
Foram encontrados na clínica pedaços de pau e algemas, usados nos castigos. Remédios de uso controlado foram apreendidos porque não havia receita. Vinte e oito pacientes estavam na clínica, que não possuía alvará de funcionamento.
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FSP 19/07/2011
Um morre a cada 3 dias em sanatórios da região de Sorocaba (SP)

Uma pesquisa aponta que sete hospitais psiquiátricos da região de Sorocaba (a 99 km de São Paulo) registraram mais mortes que todos os outros de mesmo porte do Estado no ano de 2010. Foram 104 óbitos --um a cada três dias-- contra 93 em outras 19 unidades.
A informação é da reportagem de Luiza Bandeira publicada na edição desta terça-feira da Folha. A reportagem completa está disponível para assinantes do jornal e do UOL (empresa controlada pelo Grupo Folha, que edita a Folha).
As sete unidades apontadas em levantamento feito pelo professor de psicologia Marcos Garcia, pela UFSCar e pelo Flama (Fórum de Luta Antimanicomial de Sorocaba) são: Clínica Salto de Pirapora e os hospitais Santa Cruz, Vale das Hortências, Jardim das Acácias, Mental Sorocaba, Vera Cruz e Teixeira Lima.
A taxa de mortalidade de Sorocaba, Piedade e Salto de Pirapora foi superior ao dobro da registrada no resto do Estado: 3,14 óbitos por mil internações contra 1,42. Em 2010, 44% das mortes ocorreram entre maio e agosto. A pneumonia foi a segunda causa mais frequente.

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Bom Dia DF 18/07/2011
Violência em clínica particular do DF contra Usuários de Drogas
Centro para dependentes químicos atendia 100 jovens, no Paranoá.
Após briga durante esta madrugada, 60 alunos abandonaram o local.
Uma briga entre internos e monitores no Centro de Recuperação Desafio Jovens Livres, para dependentes químicos, no Paranoá, terminou em quebra-quebra. O incidente ocorreu na madrugada desta segunda-feira (18) e uma pessoa ficou ferida. Os jovens em tratamento foram até a 6ª Delegacia de Polícia denunciar o suposto uso de violência dos funcionários do local.
Dos 100 alunos, cerca de 60 deixaram o centro de recuperação. Os internos que abandonaram o tratamento teriam revirado quartos e armários e também quebrado vidros de portas e janelas. Os jovens teriam usado barras de ferro e pedaços de pau para ameaçar colegas e funcionários da instituição.
Fátima Rodrigues, mãe de um interno, contou que se sentiu culpada pela situação. “Tentei buscar ajuda para o bem do meu filho e encontrá-lo assim [machucado] me deixa muito triste”, disse. Um jovem em tratamento afirmou que assistiu cenas de tortura na clínica e que outro interno foi espancado no local.
Fabiana dos Santos Lopes, irmã do jovem que denunciou a tortura, explicou que os internos espancados não recebem visita aos finais de semana. “Os outros são orientados a não contar nada senão ficam na trancados em um cômodo ou apanham. Meu irmão só contou isso depois que saiu”, afirmou Fabiana.
No entanto, Alberto de Souza, diretor da clínica, contou que uma briga entre internos teria provocado a rebelião. “Não existe isso [maus-tratos] aqui. Foi briga entre eles. Eles estavam procurando isso há tempos para se evadir do local”, disse Alberto.
Após cumprir o período de reabilitação, que dura cerca de nove meses, alguns internos permanecem no local trabalhando como voluntários. É o caso de Iandê Oliveira. “Dependemos de uma disciplina severa e se não lutarmos com todas as forças acabamos voltando ao mundo das drogas”, ressaltou o ex-interno.

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FSP  17/07/2011
Afastamento do trabalho por uso de droga cresce 22% em 2011
MARCOS DE VASCONCELLOS
Há quatro meses, Daniel Meana, 33, levou um ultimato dos donos da empresa que gerencia: ou parava de usar drogas ou seria demitido.
Ele prometeu deixar o vício. A doença, no entanto, foi mais forte, desabafa Meana.
Gastou R$ 900 de um adiantamento em menos de um dia -saiu da companhia às 14h de sábado e voltou para casa às 2h de domingo. "Fiquei bebendo cerveja e cheirando cocaína", lembra.
A perda de controle gerada pela experiência e uma briga o fizeram parar. O profissional decidiu buscar ajuda em clínica de reabilitação.
Depois de um mês internado, voltou à empresa e teve seu cargo de volta. O rendimento profissional melhorou tanto que recebeu aumento.
Histórias como a do gerente têm se repetido no Brasil. No primeiro semestre de 2011, 21.273 trabalhadores foram afastados de seus postos para tratar transtornos causados pelo uso de substâncias psicoativas - que agem no sistema nervoso central produzindo alterações de comportamento, humor e cognição.
ALTA DE 22%
O número representa crescimento de 22% em relação ao mesmo período de 2010 (17.454). São licenças concedidas pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) por problemas causados por uso de drogas ilícitas como cocaína e abuso de remédios sedativos e estimulantes, como antidepressivos e ansiolíticos (para controle da ansiedade).
Dos executivos, 15% usam substâncias psicoativas, segundo pesquisa do HCor (Hospital do Coração) com 829 pessoas de abril de 2009 a março de 2010, obtida com exclusividade pela Folha.
Competitividade, pressão por resultados e solidão são uma combinação explosiva entre executivos. Com receio de perder o posto e impelidos a trazer retorno para a companhia, muitos escondem o uso de drogas -sejam ansiolíticos sejam drogas ilícitas.
"O executivo é muito solitário, e o ambiente é altamente competitivo. A demonstração de fraquezas é duramente tratada", afirma Antonio Carlos Worms Till, diretor da clínica Vita Check-Up.
A imagem que as corporações têm dos profissionais que compõem o alto escalão é a de heróis. "Se ele não for o super-homem, será preterido em relação a outros e malvisto politicamente", frisa.
O cenário torna a identificação de executivos para tratamento e auxílio dentro das companhias uma tarefa hercúlea. A dificuldade é sentida até mesmo em hospitais.
As psicólogas Mariana Guarize e Janaína Xavier Santos, que coletaram dados sobre uso de remédios controlados e drogas ilícitas para pesquisa no HCor, contam que, frequentemente, o profissional só assume o uso de psicotrópicos em entrevista, não em formulários.
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rev ÉPOCA 11/06/2010

É possível usar drogas como recreação?
Embora alguns usuários de maconha, cocaína e ecstasy entendam que o consumo moderado não afeta suas vidas, pesquisadores afirmam que é impossível prever quem ficará dependente

Aos 28 anos, Henrique (nome fictício) é gerente em um dos maiores bancos multinacionais no Brasil. Foi uma ascensão e tanto: ele entrou como analista sênior, foi promovido a coordenador um ano depois e, em menos de dois anos, já ocupava uma das gerências. "Várias pessoas mais velhas do que eu não se mexeram como eu me mexi e não obtiveram o mesmo reconhecimento", diz com naturalidade, sem demonstrar arrogância. Henrique se considera uma pessoa responsável. Ele se mudou do interior de São Paulo para a capital quando foi aprovado no curso de Administração da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Se formou aos 22 anos sem ter sido reprovado em nenhuma matéria. "Nunca fui de matar aulas", diz. Tem no currículo um MBA em Contabilidade. Fala inglês e espanhol. Frequenta a academia de ginástica duas vezes por semana e não perde o futebol com os amigos. Parece o tipo de homem que um conservador pai de família iria querer como genro. Exceto por um detalhe: para relaxar entre tantas atividades, Henrique fuma maconha. “A erva é como a cerveja depois do trabalho e nunca me prejudicou em nada.”
Aliar uma boa vida pessoal e profissional com o uso de drogas não é exclusividade de Henrique. Como ele, muitos outros jovens são usuários convictos de substâncias ilícitas e não se deixam ser escravizados por elas. Integrantes de uma geração pouco acostumada com imposições, dogmas e autoritarismo mas que não abre mão da busca pelo prazer, eles se sentem livres para usar substâncias que provocam o bem estar ainda que possam levar ao vício.
Muitas pessoas de sua geração cresceram ouvindo o discurso anti-drogas recheado de frases de efeito: “droga mata”, “maconheiro é vagabundo”, “droga é uma droga”. Mas, ao atingir certa idade, se tornaram "Henriques" ou passaram a ter muitos deles entre suas amizades mais próximas. “Eu consigo usar drogas com responsabilidade e não me sinto especial por isso. Conheço muitas pessoas que também conseguem e levam uma vida normal”, diz Mariana, de 27 anos, formada em Comunicação Social. Bem sucedida no trabalho e na vida afetiva, ela não tem nenhum ranço daquele estereótipo de usuário que busca nas drogas uma fuga.
Olhando as drogas sobn a perspectiva de quem as consome de forma recreacional, parece tudo muito bom. Claro que o uso de uma substância ilícita tem implicações legais, mas isso não parece ser um impeditivo para quem as consome moderadamente, em ambientes privados. Quanto aos riscos que as drogas impõem à saúde, os usuários costumam compará-los ao álcool e ao tabaco, que também fazem mal e viciam, mas são liberados. O que parece não pesar na conta dos usuários que se consideram imunes ao vício é que eles também não estão livres de sofrer consequências mais dramáticas que decorrem dessa escolha. Pesquisas mostram que a cada 10 consumidores, de um a dois se tornam dependentes. É uma minoria, mas que pode vir a ter problemas como abandonar os estudos, o trabalho, a família; vão roubar, se prostituir ou gastar toda a mesada para sustentar o vício; vão se afundar; provocar angústia nos pais, que irão se perguntar o que fizeram de errado e, se puderem, gastarão pequenas fortunas no tratamento do filho.
“É impossível saber de antemão se alguém se tornará dependente ou não. Usar a droga apenas ‘para experimentar’ é uma loteria, é como fazer sexo sem camisinha”, diz Ronaldo Laranjeira, psiquiatra, especialista em dependência e coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Estado de São Paulo. Como até hoje ninguém conseguiu explicar por que alguns usuários perdem o controle e outros não, a recomendação mais sensata é evitar.
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Portadores de Transtornos Mentais
Da Agência Brasil

Transtornos mentais atingem 23 milhões de pessoas no Brasil
Política brasileira vem substituindo hospitais psiquiátricos por bases comunitárias
No Brasil, 23 milhões de pessoas (12% da população) necessitam de algum atendimento em saúde mental. Dentre esses brasileiros, pelo menos 5 milhões (3% da população) sofrem com transtornos mentais graves e persistentes.
De acordo com a ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), apesar de a política de saúde mental priorizar as doenças mais graves, como esquizofrenia e transtorno bipolar, as mais prevalentes estão ligadas à depressão, ansiedade e a transtornos de ajustamento.
Em todo o mundo, mais de 400 milhões de pessoas são afetadas por distúrbios mentais ou comportamentais. Os problemas de saúde mental ocupam cinco posições no ranking das dez principais causas de incapacidade, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde).
Hospitais psiquiátricos são substituídos por bases comunitárias
Desde a aprovação da chamada Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10.216/2001), os investimentos são principalmente direcionados para tirar os pacientes detrás das grades hospícios e conduzi-los, substituindo os hospitais psiquiátricos pelos serviços abertos e de base comunitária.
Dados da OMS indicam que 62% dos países têm políticas de saúde mental, entre eles o Brasil. No ano passado, o país aplicou R$ 1,4 bilhão no tratamento dessas doenças.
Em 2002, 75,24% do orçamento federal de saúde mental foram repassados a hospitais psiquiátricos, de um investimento total de R$ 619,2 milhões. Em 2009, o percentual caiu para 32,4%. Uma das principais metas da reforma é a redução do número de leitos nessas instituições. Até agora, foram fechados 17,5 mil, mas ainda restam 35.426 leitos em hospitais psiquiátricos públicos ou privados em todo o país.
Apesar de aumentar a rede substitutiva – com a criação dos centros de Atenção Psicossocial (Caps), das residências terapêuticas e a ampliação do número de leitos psiquiátricos em hospitais gerais – ainda persiste o antigo modelo manicomial, marcado pelas internações de longa permanência.
O país conta com 1.513 Caps, mas a distribuição ainda é desigual. O Amazonas, por exemplo, com 3 milhões de habitantes, tem apenas quatro centros. Dos 27 estados, só a Paraíba e Sergipe têm Caps suficientes para atender ao parâmetro de uma unidade para cada 100 mil habitantes.
Segundo dados do Ministério da Saúde, referentes a maio deste ano, as residências terapêuticas ainda não foram implantadas em oito unidades federativas: Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Distrito Federal, Rondônia, Roraima e Tocantins. No Pará, o serviço ainda não está disponível, mas duas unidades estão em fase de implantação. Em todo o país há 564 residências terapêuticas, que abrigam 3.062 moradores.
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rev. Época 30.05.2009
"Dói internar um filho. Às vezes não há outro jeito"
O poeta Ferreira Gullar, pai de dois esquizofrênicos, levanta uma das maiores controvérsias da psiquiatria: o que fazer com doentes mentais em estado grave?
CRISTIANE SEGATTO, IVAN MARTINS, ANDRES VERA, MARCELA BUSCATO E MARIANA SANCHES
SAUDADE 
Gullar posa no apartamento em que mora sozinho, em Copacabana. O filho Paulo vive há cinco anos num sítio em Pernambuco
Ele entrava em surto
E o pai o levava de
carro para
a clínica
ali no Humaitá numa
tarde atravessada
de brisas e falou
(depois de meses
trancado no
fundo escuro de
sua alma)
pai,
o vento no rosto
é sonho, sabia?

Quando o escritor Ferreira Gullar publicou em 1999 o poema “Internação” (acima), já era um veterano na convivência com doentes mentais. Quem fez a observação sobre o vento foi Paulo, seu filho mais velho, que hoje tem 50 anos. Ele sofre de esquizofrenia, doença caracterizada, entre outras coisas, por dificuldade em distinguir o real do imaginado. Desde os anos 70, Gullar tenta administrar a moléstia. Fazia o mesmo com Marcos, o filho dois anos mais jovem, que também tinha esquizofrenia e morreu de cirrose hepática em 1992. Remédios modernos permitem que pessoas como Paulo passem longos períodos em estado praticamente normal. Sem alucinações, sem agitação, sem agressividade. Mas o tratamento só funciona se o doente tomar os medicamentos antipsicóticos todos os dias e na dose certa. Isso nem sempre acontece. O resultado são os surtos, quando o paciente se torna quase incontrolável. Pode cometer suicídio ou agredir quem está por perto. Nesses momentos, esses doentes costumam precisar de internação. “Dói ter de internar um filho”, diz Gullar, hoje com 78 anos. “Às vezes, não há outro jeito.”
No Brasil, estima-se que haja 17 milhões de pessoas com algum transtorno mental grave – como esquizofrenia, depressão, transtorno bipolar, transtorno obsessivo-compulsivo. Em algum momento, eles podem precisar de um hospital psiquiátrico. Encontrar uma vaga, porém, tornou-se uma tarefa difícil.
Nos últimos 20 anos, quase 70% dos leitos psiquiátricos do país foram fechados. Sem conseguir quem os ajude a cuidar dos doentes, pais e irmãos afirmam ter várias dimensões de sua vida pessoal comprometidas, dos compromissos de trabalho às amizades. É o que revela uma pesquisa feita em 2006 em Minas Gerais com 150 famílias com pessoas atendidas nos Centros de Referência em Saúde Mental. Em muitos casos, os doentes em surto fogem sem deixar rastro. Podem acabar embaixo dos viadutos. O aumento da população de rua nas grandes cidades não é fruto exclusivo da desigualdade social. Uma pesquisa feita em 1999 com moradores de rua em Juiz de Fora conclui que 10% deles eram psicóticos sem assistência.
“As famílias, principalmente as que não têm recursos, não têm mais onde pôr seus filhos”, diz Gullar. “Eles viram mendigos loucos, mendigos delirantes que podem agredir alguém. O Ministério da Saúde tem de olhar para isso.” Gullar decidiu expor publicamente um problema que não é só seu. Nas últimas semanas, escreveu três artigos sobre o assunto em sua coluna no jornal Folha de S.Paulo. “Não pretendo liderar movimento algum. Sou um cidadão que tem uma tribuna e pode falar sobre o que está errado.”
Ele afirmou, no primeiro texto, que a campanha contra a internação de doentes mentais é uma forma de demagogia. Foi o suficiente para fazer eclodir uma controvérsia latente. Nos dias seguintes, dezenas de leitores enviaram cartas ao jornal. Representavam dois grupos. O primeiro, em apoio a Gullar, aponta as razões fisiológicas da doença mental e considera que a internação é um instrumento necessário nos momentos de surto.
O segundo, contra ele, afirma que os doentes devem ser atendidos em Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Nesses locais, o paciente recebe medicação e acompanhamento semanal. A ideia é atendê-lo sem retirá-lo do convívio da família e da comunidade. Para esse grupo, mesmo nos momentos de crise, o doente deve ser atendido nos Caps. Ele passaria alguns dias internado na própria instituição (ou em hospitais comuns, com alas psiquiátricas) e depois voltaria para casa. “O hospital é um lugar de isolamento, funciona como uma prisão. As pessoas vão e não voltam”, diz Humberto Verona, presidente do Conselho Federal de Psicologia. “Algumas famílias querem que a pessoa fique internada. É a ideia da instituição como depósito.”
Gullar se ofende com comentários como esse, que ouve desde o final dos anos 80, quando a reforma psiquiátrica que levou à situação atual começou a ser discutida no Brasil. “Essas pessoas não sabem o que é conviver com esquizofrênicos, que muitas vezes ameaçam se matar ou matar alguém. Elas têm a audácia de fingir que amam mais a meus filhos do que eu.”
Os primeiros sinais da doença dos filhos de Gullar surgiram na adolescência, quando os garotos começaram a usar as drogas da moda: cocaína, maconha e LSD. Drogas não causam esquizofrenia. Mas costumam precipitar os sintomas em pessoas que desenvolveriam o transtorno somente mais tarde. As causas da doença ainda são desconhecidas. A principal hipótese é a ação de fatores genéticos e complicações durante a gravidez. Há vários casos de esquizofrenia na família da mulher de Gullar, a atriz Thereza Aragão, morta em 1994. Ele lembra pelo menos três: o avô dela e dois tios.
Nos últimos 20 anos, 70% dos leitos foram fechados, segundo dados do Ministério da Saúde
Em 1975, Gullar estava exilado em Buenos Aires. O filho Paulo desapareceu no Rio de Janeiro. Foi encontrado em Taboão da Serra, em São Paulo, sentado na lama embaixo de chuva. Algum tempo depois, Gullar recebeu na Argentina uma carta do homem que encontrou o filho. Desesperado, Gullar telefonou para Vladimir Herzog, jornalista que seria morto pela ditadura alguns meses depois. Herzog foi procurar Paulo em Taboão. Mas o rapaz havia fugido outra vez.
Nos anos seguintes, Paulo passou por várias clínicas psiquiátricas. Ficava alguns meses internado e voltava para casa com a doença sob controle. Com a facilidade de acesso às drogas na Zona Sul do Rio, entrava em surto. Tornava-se agressivo e tentava suicídio. Há cinco anos, Gullar decidiu mandá-lo para o sítio de um amigo em Pernambuco. Longe das drogas, ele tem conseguido manter a doença sob controle. Pinta quadros, cria gatos e ajuda a cuidar dos cavalos. Fala com o pai todos os dias.
Gullar, que mora sozinho num apartamento antigo e escuro em Copacabana, tem saudade. Diz que Paulo envelheceu e tornou-se mais afetuoso. Lamenta não poder trazê-lo para casa. Acha que, se ele voltar ao Rio, vai se perder de novo. “Ninguém é a favor de manicômio ou de encerrar uma pessoa num hospital pelo resto da vida. Isso não existe há muito tempo”, diz. “Mas as famílias precisam ter a quem pedir ajuda.”
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UOL 23/03/2011
Mais da metade dos bipolares não recebe tratamento
Mapeamento mundial sobre transtorno bipolar mostra que menos da metade dos doentes recebe tratamento. 
A pesquisa avaliou mais de 60 mil pessoas em 11 países como Brasil, EUA e China, das quais 2,4% apresentavam o transtorno. O resultado foi publicado no "Archives of General Psychiatry". 
Os pesquisadores escolheram amostras aleatórias em suas regiões e fizeram entrevistas com base em critérios da Organização Mundial da Saúde para o diagnóstico. 
O transtorno bipolar é caracterizado por oscilações de humor entre euforia (ou mania) e depressão. Pode causar irritabilidade, agressividade e ideias suicidas.
BRASIL
Apesar da gravidade dos sintomas, só 42,7% das pessoas diagnosticadas no mapeamento estavam sendo tratadas por um especialista. No grupo de países que incluía o Brasil, esse índice era ainda menor: 33,9%. 
"A pessoa não tem acesso ao sistema de saúde, ou acha que os sintomas são resultado do uso de drogas", diz a psiquiatra Laura Helena de Andrade, coordenadora de epidemiologia do Instituto de Psiquiatria da USP e responsável pela coleta de dados na Grande São Paulo. 
Segundo ela, é comum um bipolar receber diagnóstico de depressão, porque a manifestação de euforia pode ser mais leve. "E é muito mais comum a pessoa só ir buscar tratar a depressão, porque ela incomoda mais. 
Mas, se o médico ministrar antidepressivos, pode desencadear episódios de mania, com aumento da irritabilidade", diz. 
Segundo o estudo, esse transtorno é mais incapacitante do que cada um dos tipos de câncer, e mais até que Alzheimer. Bipolares sofrem por mais anos com os prejuízos do transtorno, em comparação aos outros doentes. 
O dado foi extraído de um relatório da OMS segundo o qual a bipolaridade representa 0,9% das doenças incapacitantes, logo à frente do Alzheimer, com 0,8%. 
"A pessoa já começa a ter problemas na adolescência ou no começo da vida adulta e, ao longo do tempo, vai perdendo habilidades como capacidade de raciocínio, memória e concentração", diz o psiquiatra Ricardo Moreno, que coordena o programa de transtornos afetivos do Instituto de Psiquiatria. 
O psiquiatra Eduardo Tischer, da Unifesp, acrescenta: "A doença é crônica, e leva meses para que o paciente consiga se restabelecer. Enquanto isso, ele sofre prejuízos no trabalho e suas relações familiares pioram". 
O não tratamento só piora os sintomas. "A pessoa tem mais chances de recorrer a drogas, álcool e de cometer suicídio", afirma Tischer. 
Bipolar pode ter problemas com drogas e álcool
Além de destacar a taxa de prevalência da doença, o levantamento encontrou outros problemas mentais associados à bipolaridade.
Três quartos das pessoas que tinham o distúrbio apresentavam também outra condição psiquiátrica, como ansiedade e abuso de álcool e drogas. 
Para Ricardo Moreno, o consumo dessas substâncias se explica pela alta impulsividade, especialmente durante a mania. 
Além disso, 16% dos bipolares já tentaram suicídio alguma vez na vida. 
"O risco é maior porque a depressão bipolar costuma ser mais grave e, geralmente, associada a comportamentos impulsivos", diz Andrade.